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CAPES

Volume 20, Número 3, Set/Nov - 2016



DOI: 10.5935/1414-8145.20160079

EDITORIAL

O conhecimento em enfermagem e a natureza dos seus saberes

Paulo Joaquim Pina Queirós 1


1 Professor Coordenador, Escola Superior de Enfermagem de Coimbra - ESEnfC. Pós-doutorado, Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar - ICBAS-UP; Especialista em Enfermagem de Reabilitação. Investigador, Unidade de Investigação em Ciências da Saúde: Enfermagem - UICISA-E

Os enfermeiros quando atendem um usuário em um serviço de urgência, ou em qualquer outra circunstância, atuam, colocando em ação conhecimentos aprendidos e a experiência própria, capacidades pessoais como a intuição e princípios científicos resultantes da investigação. Fazem-no, reflexivamente, considerando a pessoa, a situação e o contexto, ponderando a melhor forma de o fazer e a sua concretização possível dentro de um quadro ético. Esses enfermeiros, ao encontrarem soluções para os problemas surgidos, num processo de reflexão na ação e reflexão sobre a ação, estão construindo conhecimento próprio de enfermagem que ao ser sistematizado - num processo de reflexão sobre a reflexão na ação -, partilhado e validado pelos seus pares, se transforma em ciência de enfermagem.

A enfermagem sendo uma ciência humana é uma disciplina orientada para a prática, firmada no desenvolvimento de um relacionamento cuidativo, entre enfermeiros e usuários, numa perspectiva de saúde e de bem-estar1. Uma ciência humana prática com uma racionalidade prático-reflexiva (diferenciada de uma racionalidade técnica), no âmbito de uma epistemologia da prática (distinta de uma epistemologia clássica), cujo conhecimento específico, concretiza-se em processos de espiral hermenêutica2. Processos recursivos, entre teoria e prática, que se desenvolvem em um contexto de elevada complexidade, pelos ambientes onde ocorre a ação de enfermagem, pela relação estabelecida entre cuidadores e usuários, e pelas características dessas mesmas intervenções.

O que os enfermeiros fazem na sua ação é utilizar um conjunto de conhecimentos que recriam enquanto atuam, e ao recriarem estão encontrando novas soluções, novos processos, ou seja, criando novos conhecimentos. Esses conhecimentos de natureza diversa agrupam-se em padrões, quais sejam: empírico, conhecimento factual, descritivo e verificável (evidências científicas); ético, comportando valores, normas e princípios; estético, a arte que é expressa por meio da intuição, sensibilidade e técnica; pessoal, da autenticidade do relacionamento recíproco com o outro3; reflexivo, criado na reflexão na ação, reflexão sobre a ação, reflexão sobre a reflexão da acção4; sociopolítico e emancipatório, do conhecimento da diversidade dos contextos e do ambiente5.

Esses conhecimentos em enfermagem, organizados em padrões, podem dicotomizar-se em conhecimento público e em conhecimento privado. Os primeiros correspondendo aos saberes sistematizados e validados pela comunidade científica e os segundos, relacionados aos conhecimentos pessoais colocados em ação. Estes últimos quando sistematizados podem ser validados pelos pares e tornados públicos6.

Como ciência prática, de ação, de profissão, a enfermagem singulariza-se pelos seus membros ao se assumirem como facilitadores dos processos de transição com vista à saúde e bem-estar. Os enfermeiros facilitam os processos de transição, intervindo, cuidando das pessoas, famílias e comunidades, quer promovendo ou recuperando a capacidade de autocuidado, quando auxilia na satisfação de necessidades humanas fundamentais à pessoas que o fariam se tivessem força, vontade ou conhecimentos para tal7. Promovem processos adaptativos eficazes, considerando contextos e a sua diversidade cultural, valorizam a ação cuidativa como relação interpessoal terapêutica, onde o cuidar é assumido como condição de essência humana8. Um processo de cuidar que se beneficia, na sistematização e organização, das contribuições de um conjunto vasto de teorias de enfermagem desenvolvidas no âmbito disciplinar.

A facilitação dos processos de transição é efetivada pelos enfermeiros por meio do cuidar. O cuidar é característica e essência de condição humana, todos os humanos necessitam de ser cuidados e são cuidadores. Importa diferenciar cuidar genérico, cuidar profissional e cuidar de enfermagem8. Este último, comporta ação e atitude, vai para além da prestação de cuidados, assume-se como cuidar, em uma conjugação entre o fazer, a solicitude, a disponibilidade, a compaixão, ir ao encontro do outro fazendo com que o outro deseje ser ajudado9.

O cuidar de enfermagem ao comportar as características do cuidar geral (essência da condição humana), mas profissionalizado (sistematizado, investigado, ensinado, organizado e intencionalmente dirigido), reveste-se de um cuidar integral. Assim, compreendemos que os enfermeiros ao prestar cuidados, o fazem enquanto ocupação, com (pre)ocupação e solicitude. O cuidar integral é uma obrigação moral, onde o cuidar de pessoas, na sua totalidade, está também intrinsecamente ligado, de forma indissociável, ao cuidar do ambiente, um cuidar de si, cuidar dos outros e cuidar da natureza10.

A enfermagem, nesse entendimento, pode-se caracterizar como ciência do cuidar, simbiose de um conjunto de saberes, que se sintetiza e se justifica em função de uma prática profissional. Saberes organizados em padrões de conhecimento, numa pluralidade, onde confluem, ciências humanas, sociais e naturais, numa possibilidade epistemológica aberta no âmbito das ciências pós-modernas11. Mas também, da conjugação dos conhecimentos científicos, com conhecimentos de outra grandeza (da estética, da técnica, da filosofia, da moral, da intuição, da tradição, do conhecimento popular, da experiência pessoal...), numa verdadeira ecologia de saberes12. Ou seja, naquilo que epistemologicamente corresponde a um pensamento pós-abissal, que supera o corte abissal resultante da dupla ruptura epistemológica, em um primeiro momento entre ciências sociais e ciências naturais, em um segundo, entre conhecimento científico e outras formas de conhecimento.

Pensar o conhecimento em enfermagem como uma ecologia de saberes é tornar possível o enquadramento conceitual da enfermagem e da sua ação - cuidar -, como ciência. Já não em um paradigma positivista (estritamente em uma racionalidade técnica que apenas valoriza as evidências científicas), mas no âmbito de uma epistemologia da prática e de uma racionalidade prático-reflexiva, que considera as diversas formas de conhecimento, em que importa todos os saberes, sem hierarquização à partida, desde que contribuam de forma significativa para a ação concreta. Ou seja, no âmbito da enfermagem para o cuidar integral profissionalizado.

REFERENCIAS

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