Volume 20, Número 3, Set/Nov - 2016
PESQUISA
Avaliação de um programa admissional para a equipe de
enfermagem
Talita Fernanda Sapatini
1
Renata Cristina Gasparino
2
Lucas Polli
3
André Silva de Oliveira
3
1 Hospital Universitário da Faculdade de Medicina de Jundiaí. Jundiaí, SP, Brasil
2 Faculdade de Medicina de Jundiaí. Jundiaí, SP, Brasil
3 Hospital de Caridade São Vicente de Paulo Jundiaí. Jundiaí, SP, Brasil
Recebido em 28/10/2015
Aprovado em 28/02/2016
Autor correspondente:
Renata Cristina Gasparino
E-mail: regasparino@yahoo.com.br
RESUMO
OBJETIVO:
Avaliar a eficácia dos treinamentos ministrados à equipe de enfermagem, no
período de integração.
MÉTODOS:
Pesquisa de avaliação somativa e experimentação desenvolvida com 52
profissionais de enfermagem. Para a coleta de dados, foram consideradas a
avaliação de reação, que mensurou o sentimento do profissional em relação ao
instrutor e ao conteúdo do treinamento, e a avaliação da aprendizagem, que
mensurou a eficácia do treinamento, por meio de questões técnicas de
múltipla escolha sobre o conteúdo ministrado em dois momentos: antes do
início e no término do período de integração.
RESULTADOS:
As médias da avaliação de reação do treinamento prático e de laboratório
foram consideradas excelentes, e as notas do pré e pós-teste foram,
respectivamente, 5,9 e 7,2 pontos (p < 0,0001).
CONCLUSÃO:
Os treinamentos ministrados durante o período de integração foram eficazes e
desenvolveram as competências necessárias para a melhoria da qualidade da
assistência e segurança do paciente.
Palavras-chave: Equipe de Enfermagem; Avaliação Educacional; Capacitação em Serviço.
INTRODUÇÃO
As organizações têm enfrentado alguns desafios econômicos para adaptação de novos funcionários em locais de trabalho e, devido à urgência na produção, comprometem as horas de treinamentos e colocam em risco a imagem da instituição1.
Para minimizar os riscos, algumas instituições conseguem manter os programas de treinamentos admissional, com o objetivo de facilitar a adaptação dos novos colaboradores às normas, rotinas, procedimentos e protocolos institucionais, padronizando, assim, a forma de prestação da assistência1.
Com o intuito de melhorar, continuamente, o desempenho dos profissionais da área da saúde, que, frequentemente, se deparam com situações que requerem a imediata tomada de decisão, destaca-se a importância da educação continuada e da educação em serviço para garantir uma assistência de qualidade aos pacientes2,3.
No que se refere à educação, quatro áreas merecem atenção: introdução ou admissão ao trabalho, treinamento, atualização e desenvolvimento. Em qualquer uma dessas áreas, os projetos de ensino devem ter como objetivos o atendimento das necessidades dos participantes da instituição e dos pacientes2.
Por isso, o processo de avaliação dos projetos de educação é fundamental para que os responsáveis possam intervir, a fim de torná-lo mais efetivo, porém ele ainda constitui um aspecto pouco desenvolvido nas propostas de educação em serviço4.
A avaliação de programas educativos visa identificar se os objetivos dos treinamentos foram atingidos. O sucesso da avaliação está condicionado à análise de necessidades de treinamento; às competências dos instrutores; e ao preparo da organização, que inclui o envolvimento de gestores e treinandos5.
As primeiras ideias publicadas sobre avaliação de programas educativos datam de 19595 e abordam a avaliação da eficácia de treinamentos por meio de quatro níveis: reação (o que pensa e sente o educando acerca do treinamento); aprendizagem (aumento do conhecimento ou da capacidade de extensão do comportamento); comportamento (melhoria da capacidade de execução e aplicação do conhecimento) e resultados (efeitos práticos sobre o ambiente resultantes do desempenho do educando)6. O autor recomenda a aplicação de todas essas medidas para uma avaliação completa e significativa da aprendizagem nas organizações5.
No Brasil, as pesquisas abordando as avaliações de programas e ações educativas dos profissionais de saúde ainda não são tradicionais e, por isso, constituem um tema de extrema importância a ser investigado7, pois o aprimoramento e a capacitação são condições fundamentais para o desenvolvimento profissional, o que implica diretamente na qualidade e na segurança da assistência prestada ao paciente.
Diante do exposto, o objetivo do presente estudo foi avaliar a eficácia dos treinamentos ministrados à equipe de enfermagem, no período de integração.
MÉTODOS
Pesquisa de avaliação somativa e experimentação8 desenvolvida em uma entidade privada sem fins lucrativos do interior do estado de São Paulo/SP com 238 leitos, que prestava assistência aos pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS) em urgência, emergência, ortopedia e clínicas médica e cirúrgica.
Para o cálculo da amostra, foi considerado o número total de admitidos na área de enfermagem nos últimos 10 meses (200 pessoas), um erro amostral de 10% e um intervalo de confiança de 95%, contabilizando uma amostra mínima de 66 profissionais. A amostragem foi feita por conveniência e foram considerados como critérios de inclusão: os enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem recém-contratados que participaram do programa de integração.
A integração é um programa que tem por objetivo facilitar a adaptação do colaborador recém-admitido ao seu novo ambiente de trabalho, conhecendo as normas, rotinas, procedimentos e protocolos da instituição.
A coleta de dados foi realizada, no período entre maio e agosto de 2014, em conjunto com o enfermeiro coordenador da educação permanente, ao longo do período de integração dos recém-admitidos. Para a coleta, foram utilizados: uma ficha para caracterização da amostra; um instrumento para avaliação da aprendizagem; e um instrumento para avaliação da reação ao treinamento. A análise foi pautada em dois aspectos: na avaliação da reação, cujo objetivo foi avaliar o sentimento do educando em relação ao instrutor e conteúdo ministrado do treinamento; e na avaliação da aprendizagem, cujo objetivo foi avaliar se o treinamento contribuiu para aumentar o conhecimento do treinando. A avaliação do comportamento e de resultados não foi contemplada, por se tratar de um estudo transversal e não ser possível o acompanhamento desses profissionais durante o período de atuação profissional.
A ficha de caracterização foi construída com o intuito de avaliar o perfil pessoal e profissional dos participantes, e foi composta por questões referentes à caracterização pessoal (idade, sexo e estado civil) e profissional dos participantes (formação, cargo, existência de mais de um vínculo empregatício na área de enfermagem, tempo de experiência na profissão, participação em cursos de atualização no último ano e setor de trabalho).
Para avaliação da reação, foi utilizado o instrumento já elaborado pela instituição, que possui, para cada item, opções de resposta em escala Likert, que varia entre 1 e 4 pontos: 1 se ruim; 2, regular; 3, bom e 4, ótimo, ou seja, quanto maior a pontuação, mais positivo o sentimento do treinando em relação ao treinamento.
No que se refere à aprendizagem, foi utilizada uma ficha de avaliação contendo 15 questões de múltipla escolha, que abordavam o conteúdo técnico ministrado durante os treinamentos (punção venosa, aspiração de vias aéreas, curativos de incisões cirúrgicas, medicações, realização de banho, realização de eletrocardiograma, sinais vitais, validade de dispositivos, anotação/prescrição de enfermagem, gasoterapia, fixação e curativo de cateteres, higiene oral e precauções), em conjunto com o enfermeiro coordenador da educação continuada da instituição, tendo como bases os protocolos e o conteúdo ministrado pelo mesmo, ao longo do período de integração dos recém-admitidos.
As provas foram aplicadas imediatamente antes do início e após o último treinamento ministrado no período de integração, para verificar a existência de diferença no conhecimento que poderia ser atribuída ao treinamento. O pré e pós-testes foram idênticos, para que não existisse diferença no grau de dificuldade das provas e para que fosse possível a comparação do desempenho daqueles que estavam em treinamento. A média da nota atribuída a cada participante variou de zero a 10 pontos, e as maiores pontuações representavam melhor desempenho. Vale ressaltar que foi utilizado um único modelo de prova para todos os participantes das diferentes categorias profissionais da enfermagem, por não existir um treinamento específico para cada um deles.
A integração ocorria todas as semanas, de segunda à sexta-feira, com exceção da última semana do mês. Os funcionários permaneciam das 7h30 às 17h com os responsáveis por diversos setores do hospital.
No primeiro dia (segunda-feira), os recém-contratados de todas as áreas participavam da integração institucional, que abrangia os colaboradores admitidos de todas as áreas da instituição, recebiam orientações sobre ponto eletrônico, vale transporte, normas do departamento de recursos humanos, horário de funcionamento do refeitório, serviços de psicologia, tecnologia da informação (TI), Núcleo de Educação Permanente (NEP), gerência de enfermagem, qualidade, segurança, assessoria de imprensa, Serviço de Controle de Infecção Hospitalar (SCIH), Serviço Especializado em Engenharia de Segurança e Medicina do Trabalho (SESMT), retirada de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) no almoxarifado e apresentação aos setores de trabalho (exceto equipe de enfermagem, que tinha seu setor apresentado no último dia de treinamento admissional).
No segundo dia (terça-feira), os colaboradores assumiam seus postos de trabalho, com exceção da equipe de enfermagem, que continuava a semana em treinamento teórico-prático específico. Os colaboradores da enfermagem recebiam orientações e palestras com conteúdo mais específico da área da enfermagem com o SCIH, o SESMT, a farmácia, a psicologia, a Equipe Multiprofissional de Terapia Nutricional (EMTN) e fisioterapia.
No terceiro dia (quarta-feira), em laboratório e em sala de aula, eram abordados temas como: gasoterapia, aspiração de vias aéreas, aspiração de tubo orotraqueal/traqueostomia, fixação de cateter periférico, punção venosa, validade de dispositivos, eletrocardiograma, treinamento do sistema eletrônico do hospital, comissão de prevenção e tratamento de feridas, e ostomias.
No quarto dia (quinta-feira), no período matutino, os colaboradores da enfermagem eram submetidos a treinamentos práticos nos setores do hospital, onde eram abordadas as rotinas setoriais, como aferição de sinais vitais, banho de aspersão/leito, curativos simples, punção venosa periférica, transporte para exames internos, sistema operacional, segurança do paciente (identificação de pacientes e validade de dispositivos). À tarde, assistiam a um vídeo motivacional e exposições dos responsáveis pelos setores de engenharia clínica, nutrição clínica, hotelaria e fonoaudiologia.
No quinto e último dia (sexta-feira), novamente os recém-admitidos passavam por treinamento prático nos setores, para conhecerem a rotina do hospital. Além do que foi abordado no dia anterior, focavam-se, também, o processo e as anotações de enfermagem no sistema eletrônico do hospital. No período vespertino, assistiam palestras dos responsáveis pela Comissão Intra-Hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplante (CIHDOTT), nefrologia e treinamento com o prontuário eletrônico. Ao final, os profissionais ouviam instruções sobre os registros de enfermagem e os cuidados pós-óbito, e eram levados a conhecer todos os setores do hospital.
Os dados foram digitados no programa Excel-Windows/XP®, com tratamento estatístico por profissional especializado. Foi realizada análise descritiva, com elaboração de tabelas de frequência e porcentagem das variáveis categóricas e medidas de posição das variáveis contínuas (média e desvio padrão). Para o estudo dos domínios de variáveis nominais com duas categorias, foi utilizado o teste de Mann-Whitney e, para as variáveis com três ou mais categorias, o teste de Kruskal-Wallis. A comparação das médias antes e após a aplicação do treinamento foi avaliada pelo teste t de Student.
O projeto foi submetido à apreciação do Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina de Jundiaí e, somente após parecer favorável, foi realizada a coleta de dados (parecer 706.501/2014).
RESULTADOS
A amostra foi composta por 52 recém-admitidos, com idade média de 30,1 anos (desvio padrão - DP ± 6,2) e 2,0 anos (DP ± 3,8) de tempo de experiência na profissão. A maioria era do sexo feminino (90,4%) e não possuía outro vínculo empregatício (80,8%). As demais informações sobre a caracterização da amostra estão descritas na tabela 1.
Características | n | % |
---|---|---|
Estado civil | ||
Solteiro | 26 | 50,0 |
Casado | 19 | 36,5 |
Divorciado | 7 | 13,5 |
Formação | ||
Auxiliar de enfermagem | 27 | 51,9 |
Técnico de enfermagem | 12 | 23,1 |
Graduado em enfermagem | 5 | 9,6 |
Especialista em enfermagem | 8 | 15,4 |
Função que exerceria | ||
Auxiliar de enfermagem | 39 | 75,0 |
Enfermeiro | 13 | 25,0 |
Setor de trabalho onde atuaria | ||
Clínica médica | 22 | 42,3 |
Unidade de emergência | 13 | 25,0 |
Clínica cirúrgica | 8 | 15,4 |
Unidade de terapia intensiva | 7 | 13,5 |
Centro cirúrgico | 2 | 3,8 |
No que se refere à avaliação da reação, as médias atribuídas pelos participantes nos treinamentos de laboratório e prático estão descritas na tabela 2.
A média das notas obtidas na prova teórica pelos profissionais recém-admitidos foi 5,9 pontos (DP ± 1,4) no pré-teste e 7,2 pontos (DP ± 1,5) no pós-teste (p < 0,0001).
Na tabela 3, é possível observar os resultados obtidos ao se compararem as médias obtidas na avaliação teórica, no pré e pós-testes, entre as diferentes categorias profissionais.
Outro dado significativo encontrado foi a correlação positiva entre as notas obtidas pelos participantes e o tempo de experiência na profissão, sendo possível observar que, quanto maior o tempo no exercício profissional, melhor o desempenho dos candidatos frente aos testes (p = 0,01).
DISCUSSÃO
O número mínimo de participantes não foi atingido, pois no período de coleta de dados, não houve um número de contratações semelhantes aos meses utilizados para o cálculo amostral, o que levou a um aumento de 2% na margem do erro amostral.
As características pessoais e profissionais dos participantes do estudo em muito se assemelham ao perfil da enfermagem brasileira, que apesar de estar em processo de masculinização, a maioria dos profissionais ainda é composta pelo sexo feminino9.
Apesar de estudos enfatizarem que a enfermagem brasileira não é bem remunerada10, os resultados desta pesquisa corroboram os já encontrados por outros autores, no que se refere à atuação dos profissionais em apenas um vínculo empregatício11.
A busca por qualificação profissional, também, é percebida na medida em que se nota que alguns trabalhadores possuem escolaridade acima da exigida para sua função. O Projeto de Profissionalização dos Trabalhadores da Área de Enfermagem, que consistia numa iniciativa do governo de promover a melhoria da qualidade da assistência por meio da redução de pessoal menos qualificado, oferecendo cursos de auxiliares e técnicos de enfermagem gratuitos12, pode ter contribuído para esse cenário.
Observa-se também que, dentre o número de enfermeiros contratados, a maioria possuía curso de pós-graduação, e esse achado pode ser justificado pelo crescente número de cursos de graduação em enfermagem no Brasil, que aumenta a oferta desses profissionais no mercado de trabalho e, como forma de inserção, os enfermeiros procuram o aprimoramento profissional para poderem se destacar nos processos seletivos13.
A avaliação de reação é considerada o primeiro efeito do treinamento, porém a mesma pode ser comprometida por vários aspectos, como o medo de ser julgado ou punido por avaliar negativamente o local de trabalho14. Considerando que os participantes deste estudo foram avaliados ao longo do período de integração, ou seja, quando acabaram de ser admitidos na instituição e, por esse motivo, encontravam-se em período de experiência, a avaliação positiva obtida pode refletir dois contextos: um, em que os participantes realmente acharam excelente a didática do instrutor e o conteúdo ministrado e o outro, um reflexo do sentimento de insegurança, considerando que, mesmo os participantes que não obtiveram bom desempenho, avaliaram muito bem os instrutores e o conteúdo ministrado.
Na avaliação da aprendizagem, observou-se que o treinamento influenciou positivamente nas notas obtidas pelos participantes no momento do pós-teste, o que também pode ser observado em outro estudo, reforçando o entendimento de que os treinamentos em serviço consistem no aprimoramento de tarefas habitualmente executadas pelos funcionários e devem orientar o conhecimento num sentido positivo, para que todos os indivíduos possam desenvolver as habilidades e atitudes necessárias à melhoria dos resultados da organização7.
Sendo as funções divididas por níveis de complexidade e formação profissional, ou seja, ao auxiliar de enfermagem compete atividades de nível médio, de natureza repetitiva, envolvendo serviços auxiliares simples, sob supervisão de um enfermeiro, e ao enfermeiro (nível superior) compete a responsabilidade de atividades mais complexas, sendo algumas de caráter privativo e responsabilidade por todas as atividades desenvolvidas em grau auxiliar, espera-se que o enfermeiro demonstre maior conhecimento; esse resultado pôde ser observado neste estudo, ao verificar o melhor desempenho dos enfermeiros nas provas, tanto no pré, quanto no pós-teste, comparados às outras categorias profissionais de menor formação15. Considerando o aqui exposto e que os testes tiveram o mesmo nível de complexidade para todas as categorias, será que o desempenho dos enfermeiros não deveria ter se destacado ainda mais?
Outro achado interessante, foi o melhor desempenho dos profissionais com maior tempo de experiência, o que demonstra que a presença de conhecimento prévio facilita a assimilação de novos conhecimentos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os treinamentos aos recém-admitidos da equipe de enfermagem, durante o período de integração, foram eficazes. O treinamento em serviço aprimora o conhecimento e as técnicas habitualmente executadas pelos profissionais, auxiliando no desenvolvimento das competências necessárias para a atuação profissional.
As instituições devem desenvolver estratégias de avaliação do comportamento e dos resultados como forma de melhor levantar as necessidades de treinamento, tendo ferramentas para subsidiar a criação de cronogramas de capacitação que atendam aos objetivos da instituição, e melhorem a qualidade e a segurança da assistência oferecida ao paciente.
A diferenciação e o aprofundamento dos conteúdos, bem como a aplicação de avaliações com maior nível de exigência, e em amostras mais representativas da população deveriam ser aplicados aos enfermeiros, considerando que os mesmos possuem maior nível de formação e desempenham funções de maior responsabilidade dentro das instituições.
REFERÊNCIAS