Volume 20, Número 3, Set/Nov - 2016
PESQUISA
O trabalho da enfermagem em emergencia pediatrica na perspectiva dos
acompanhantes
Fernanda Guimarães Neves
1
Juliana Rezende Montenegro Medeiros de Moraes
1
Rita de Cássia Melão Morais
2
Tania Vignuda de Souza
1
Lia Leão Ciuffo
1
Isabel Cristina dos Santos Oliveira
1
1 Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro - RJ. Brasil
2 Universidade Federal de Rondônia. Roraima - RO. Brasil
Recebido em 11/10/2015
Aprovado em 04/03/2016
Autor correspondente:
Juliana Rezende Montenegro Medeiros de Moraes
E-mail:jumoraes@ig.com.br
RESUMO
OBJETIVO:
Analisar o processo de trabalho da equipe de enfermagem no cuidado de
crianças em situação de emergência na perspectiva do acompanhante.
MÉTODOS:
Estudo qualitativo, desenvolvido através de entrevista semiestruturada com 20
acompanhantes de crianças atendidas na emergência pediátrica de um hospital
no município do Rio de Janeiro, participantes do Programa SOS Emergência.
Foi utilizada a Análise Temática para tratamento dos dados.
RESULTADOS:
O processo de trabalho de enfermagem tem como base ideológica a rapidez em
salvar vidas, a humanização no cuidado através da conversa e da explicação
do procedimento à criança e ao acompanhante. Sofre influência dos recursos
materiais e físicos disponíveis na unidade hospitalar e da desestruturação
da rede de atenção em saúde.
CONCLUSÃO:
Para complementar o processo de trabalho iniciado na emergência pediátrica,
são necessárias orientações de cuidado na alta e acerca da reestruturação da
rede de atendimento à criança nos níveis do Sistema Único de Saúde.
Palavras-chave: Serviço Hospitalar de Emergência; Saúde da Criança; Enfermagem Pediátrica.
INTRODUÇÃO
Nas ultimas décadas, as emergências hospitalares públicas pediátricas viveram períodos de superlotação, pois a demanda era maior que a oferta de serviço. Isso aconteceu, pois nestes locais eram atendidas situações que não configuram emergência em saúde e poderiam ter sido resolvidas em locais de menor complexidade, como a atenção básica1. A elevada proporção de crianças com problemas de saúde passíveis de serem solucionados no nível primário de atenção e que enchem os hospitais trazem repercussões ao processo de trabalho da equipe de enfermagem.
Nas emergências pediátricas, o foco da atenção é prioritariamente, mas não exclusivamente a criança, pois esta tem direito a um acompanhante, que também deve ser alvo da assistência2. Nestes locais, o processo de trabalho da equipe de enfermagem deve estar centrado na prática assistencial, educativa e na administração do serviço de saúde3, bem como, na necessidade de cuidar das crianças em situação de emergência e seus acompanhantes.
Neste sentido, o processo de trabalho em saúde se dá no momento do encontro profissional-usuário sendo, portanto, um trabalho vivo em ato. Isto é, trata-se do encontro entre os acompanhantes e as crianças atendidas na emergência pediátrica hospitalar com os profissionais de saúde. Além disso, o processo de trabalho em saúde envolve a configuração de uma complexa rede com os elementos relativos aos sujeitos (necessidades, desejos, interesses), às redes sociais (modo de produção, mecanismos de modelação ideológica) e à própria gestão dos serviços de saúde (políticas públicas, financiamento, estratégias de gestão)4.
Cuidar da clientela pediátrica requer do profissional, o cuidado técnico e o cuidado subjetivo que envolve a singularidade, a individualidade e a forma como a criança expressa seus sentimentos e emoções5. Assim, quando a mesma se encontra em situação de risco de morte, em uma unidade de emergência, é necessário um plano de cuidado de enfermagem, que contemple os cuidados necessários e indispensáveis para manutenção da vida, bem como promover atenção ao seu acompanhante6.
A ausência de relação humanizada entre profissionais assistencialistas, especificamente o enfermeiro, no tocante à criança e o acompanhante pode alterar o processo de trabalho da equipe de enfermagem de maneira a trazer repercussões negativas na recuperação clínica da criança, prolongando o período de permanência no hospital, acentuando as suas fragilidades e comprometendo a assistência prestada2.
Na tentativa de melhorar a resolutividade nos serviços de emergências hospitalares, o governo federal criou no ano de 2011, a Rede de Atenção as Urgências e Emergências (RUE) no âmbito do SUS, que encontrou reforço para sua implementação com o Programa SOS Emergência, em 20126.
A criação e a efetivação de novas politicas públicas na reorganização dos serviços de urgência e emergência, na lógica do atendimento em rede, refletem diretamente na prática assistencial, no processo de trabalho e no cuidado de enfermagem7.
A área de conhecimento do gerenciamento de enfermagem, onde localiza-se o processo de trabalho da equipe de enfermagem, vem sendo estudada pela perspectiva do enfermeiro, focado na preocupação no processo ensino aprendizado, na capacitação dos profissionais de enfermagem através da educação em saúde, na qualidade da assistência, com foco no processo e produto8. Outros estudos abordaram primordialmente o gerenciamento dos serviços hospitalares de assistência a adultos, e não conferiram visibilidade ao processo de trabalho de enfermagem no setor de emergência pediátrica através do acompanhante da criança, que também é um usuário do serviço2,9,10.
No âmbito internacional, os estudos demonstraram que o foco estava na família e nos profissionais de saúde, com maior preocupação no atendimento de emergência na atenção primária e com cuidados domiciliares as crianças, a fim de evitar atendimentos de emergência desnecessários11,12.
Mediante a invisibilidade do processo de trabalho de enfermagem no setor de emergência pediátrica, frente a perspectiva do acompanhante, ainda, no contexto das novas políticas públicas de reorganização das redes de atenção às emergências, justifica-se a realização deste estudo. A questão que norteou este estudo foi: Quais são as percepções dos acompanhantes sobre o trabalho da equipe de enfermagem no atendimento a criança em situação de emergência? Sendo assim, objetivou-se: analisar o processo de trabalho da equipe de enfermagem no cuidado de crianças em situação de emergência na perspectiva do acompanhante.
MÉTODOS
Trata-se de um estudo descritivo-exploratório com abordagem qualitativa, desenvolvido numa enfermaria pediátrica de um Hospital Geral localizado no Estado do Rio de Janeiro, que possui setor de emergência pediátrica com oito leitos. O acesso das crianças ao setor de emergência pediátrica é referenciado pela Coordenação Regional de Emergência (CER), que foi criado e implementado através do programa SOS Emergência. O acesso direto ao hospital é garantido somente as crianças transportadas nas ambulâncias do Serviço Móvel de Urgência (SAMU) e do Grupo de Socorro de Emergência (GSE) do Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Rio de Janeiro, com diagnóstico de trauma.
Na cidade do Rio de Janeiro a implementação da RUE deu-se pelas Coordenações de Emergências Regionais (CER), localizadas ao lado dos hospitais gerais de grande porte. O funcionamento está disponibilizado nas 24 horas e, são absorvidos os atendimentos dos casos de menor complexidade, deixando a unidade hospitalar liberada aos casos de traumas e cirúrgicos. Estes serviços compõem a rede de atenção à saúde da população carioca. No ano de 2015 eram cinco CER funcionando no atendimento a população e distribuídas em diferentes localizações geográficas7.
Os participantes foram 20 acompanhantes de crianças que estavam na Enfermaria Pediátrica. Os critérios de inclusão foram: acompanhantes maiores de 18 anos que permaneceram com as crianças no setor da emergência e encaminhadas posteriormente para enfermaria pediátrica, e que aceitaram participar do estudo. Os critérios de exclusão foram: acompanhantes de crianças transferidas de outros hospitais e que não permaneceram internadas na enfermaria pediátrica, após o atendimento de emergência.
Os dados foram gerados, no mês de setembro de 2014, por meio de entrevista semiestruturada guiada por um formulário que continha 11 perguntas relacionadas a caracterização dos participantes, ao motivo de atendimento da criança na emergência e perguntas sobre o trabalho da equipe de enfermagem no setor de emergência pediátrica. A construção deste instrumento foi baseada no processo de trabalho de Merhy4. Todas as entrevistas foram realizadas pela primeira autora, tiveram duração média de 20 minutos e foram gravadas na integra em MP3.
Os acompanhantes que atendiam aos critérios de inclusão foram convidados a participar da pesquisa e esclarecidos dos objetivos. As entrevistas foram realizadas no horário da tarde, após a realização da visita médica e da enfermeira, por ser considerado um horário mais calmo na enfermaria pediátrica3. Não houve recusa na participação e nenhum dos acompanhantes durante a coleta de dados ou após, manifestou desejo em retirar-se do estudo. O número de participantes foi delimitado no decorrer do trabalho de campo, quando a organização dos depoimentos possibilitou a identificação da saturação dos dados, ou seja, a existência de recorrência de ideias, práticas e visões de mundo13.
Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Com vistas a assegurar a confidencialidade e a privacidade, foi utilizada a palavra "Acompanhante" (Acompanhante 1, Acompanhante 2, Acompanhante 3, etc.) para identificação dos participantes, conforme a ordem de realização das entrevistas. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Secretaria Municipal de Saúde e Defesa Civil do Município do Rio de Janeiro sob o número 2017A/13.
O material empírico gerados nas entrevistas foi analisado pelo método da análise temática14 seguindo as três etapas propostas, sendo elas a primeira de pré-análise que consistiu na leitura flutuante e constituição do corpus textual. A segunda etapa foi a exploração do material com a transformação dos dados brutos em categorias temáticas e a terceira e última etapa foi o tratamento e interpretação dos resultados.
RESULTADOS
Na perspectiva dos acompanhantes, buscou-se descrever o processo de trabalho de enfermagem no atendimento as crianças em situação de emergência em um hospital público, a ser apresentado em duas unidades temáticas, sendo elas: O atendimento de enfermagem: rapidez e eficiência e A gestão dos serviços de saúde: recursos materiais e estrutura física.
Dos 20 participantes do estudo, todos possuíam laços de consanguinidade e residiam no mesmo domicílio da criança, sendo que 18 eram mães e 2 avós. Os acompanhantes tinham idades entre 20 e 60 anos. Os motivos de atendimento na emergência pediátrica foram devido a doenças respiratórias, trauma, abdome agudo, afecções dermatológicas e doença neurológica.
O atendimento de enfermagem: rapidez e eficiência
A avaliação dos acompanhantes sobre o cuidado de enfermagem às crianças em situação de emergência revelou que o atendimento foi realizado com rapidez e eficiência, o que demonstrou competência dos profissionais de enfermagem.
Fomos atendidas rapidamente [...] (Acompanhante 1, Acompanhante 5).
[...] a equipe de enfermagem era sempre muito rápida quando a gente estava precisando de algo(Acompanhante 7).
Atendimento rápido e com cautela [...] (Acompanhante 15).
Rapidez e resolutividade (Acompanhante 17).
Foi evidenciado na fala dos acompanhantes que o atendimento de enfermagem foi rápido, cauteloso e resolutivo, nos setores de emergência pediátrica. Estas características atribuídas à equipe de enfermagem contribuem para salvar vidas.
Os participantes enfatizaram as competências dos enfermeiros e técnicos de enfermagem, que trabalham na emergência pediátrica do hospital, cenário do estudo:
Acho que ter profissionais que saibam trabalhar bem, porque eles estão cuidando de vidas e é uma responsabilidade muito grande. Nós entregamos nossos filhos nas mãos deles. (Acompanhante 1).
A equipe de enfermagem nos mostra que tem competência para cuidar dos nossos filhos (Acompanhante 4).
Bons profissionais (Acompanhante 5 e Acompanhante 9).
[...] acho que os profissionais competentes também são necessários. (Acompanhante 7).
Profissionais que sejam capacitados para realizar um bom atendimento (Acompanhante 18).
Nesta perspectiva, as falas expressaram que as necessidades e interesses dos acompanhantes, e das crianças foram supridas por uma equipe de enfermagem competente, que trabalha bem, é capacitada e transmite responsabilidade ao cuidar da criança em situação de emergência:
Porque elas me explicavam como ele (criança) estava, se tinha melhorado um pouco ou não. (Acompanhante 6).
Porque apesar do meu filho não estar cheio de aparelho igual a outras, elas sempre iam saber se ele estava bem e se estava precisando de algo.
As crianças são muito bem atendidas, elas (equipe de enfermagem) são simpáticas (Acompanhante 8).
Me explicaram o que iam fazer com ela e porque estavam fazendo. (Acompanhante 12).
Elas trataram minha neta com muita paciência e quanto a mim, não tenho o que reclamar. Elas foram muito educadas e simpáticas (Acompanhante 16).
De uma forma geral, os acompanhantes relataram uma relação interpessoal satisfatória, em que os profissionais de enfermagem foram simpáticos, atenciosos e pacientes.
A partir das falas dos participantes deste estudo, revelaram-se os modos de produção do cuidado de enfermagem que é socialmente modelado, tendo como base ideológica a rapidez no atendimento da criança em situação de emergência, aliado ao cuidado, a atenção e a humanização.
A gestão dos serviços de saúde: recursos materiais e estrutura física
Nesta categoria analítica são apresentadas as falas dos acompanhantes referentes aos recursos materiais e a estrutura física, que estão relacionados à gestão do serviço em saúde.
As cadeiras que dormimos são ruins e desconfortáveis (Acompanhante 3).
A estrutura do hospital é muito ruim, as camas e berços das crianças são antigas e em alguns a grade não levanta [...] (Acompanhante 4 e Acompanhante 6).
Em relação aos recursos materiais, especificamente quando se trata de bens duráveis, as cadeiras destinadas à acomodação dos participantes do estudo foram apontadas como ruins e desconfortáveis para os acompanhantes, não atendendo, portanto a necessidade individual de conforto para dormir. Estes participantes do estudo também falaram sobre os berços e as camas destinadas às crianças, explicitando que não funcionam adequadamente, pois a grade não levanta, o que pode comprometer a segurança da criança.
Ainda no que tange os recursos materiais, os equipamentos necessários para a assistência de enfermagem a criança em situação de emergência também foram apontados pelos participantes do estudo.
[...]A aparelhagem às vezes não funciona e temos que esperar a equipe encontrar um que funcione (Acompanhante 2).
Para o meu filho, graças a Deus, não faltou nada, mas eu vi que para uma criança faltou aparelho (monitor), acho que o que tinha era ultrapassado (Acompanhante 4).
[...]Os equipamentos funcionam[...] (Acompanhante 8).
Os equipamentos e aparelhos de monitorização a criança, e que auxiliam a assistência de enfermagem foram apontados de modo ambíguo pelos acompanhantes. Para o Acompanhante 2, existe a aparelhagem, entretanto nem sempre está funcionando e a enfermagem gasta tempo procurando um equipamento que esteja adequado para o uso. O Acompanhante 4 apontou a falta de aparelhos e mencionou que o aparelho que estava disponível para o uso era ultrapassado. O Acompanhante 8 apresentou uma fala ambígua às anteriores, pois os equipamentos funcionaram em sua opinião.
Quanto à estrutura física, os participantes do estudo avaliaram a higiene do setor de emergência e também o espaço físico do local:
Por ser um hospital muito grande, achei a estrutura boa[...](Acompanhante 11).
Achei a emergência limpa e bonitinha, com tudo em seu devido lugar (Acompanhante 5).
[...] tudo limpo, organizado e bem iluminado (Acompanhante 17).
A estrutura do hospital é muito precária, não é um local com aparência de limpo [...] (Acompanhante 3).
Achei o lugar pequeno e com falta de privacidade porque os leitos são muito perto um dos outros [...] (Acompanhante 18).
Em relação à estrutura física do hospital não existiu uma uniformidade nas falas. Os Acompanhantes 3 e 18 apontaram a estrutura como precária e o ambiente sujo, enquanto que os Acompanhantes 5, 11 e 17 mencionaram que a estrutura é boa, organizada, limpa e com boa iluminação interna.
DISCUSSÃO
No contexto da emergência pediátrica, os profissionais de enfermagem são fundamentais na gestão e no processo de trabalho. Assim, o enfermeiro, como responsável pela equipe de enfermagem3 e detentor de conhecimento clínico, deve ser o responsável pelo fluxo de atendimento dos usuários de acordo com acolhimento e classificação de risco. A reorganização no atendimento da emergência pediátrica, seguindo os protocolos estabelecidos e priorizando o atendimento dos casos graves, pode contribuir para a diminuição do risco de morte e para o aumento da expectativa de vida10.
Em nosso país, não existe a obrigatoriedade dos enfermeiros que trabalham nos setores de emergência serem especialistas ou capacitados na área. Entretanto, ele deve prestar uma assistência dentro dos preceitos éticos da profissão, com qualidade e comprometido em melhorar cada vez mais o cuidado prestado à criança e em atender aos interesses do usuário. No processo de trabalho, o enfermeiro e sua equipe devem ser competentes, treinados, qualificados, melhorando assim sua prática de atuação. Pois, o trabalho em situação de risco eminente de morte exige um cuidado rápido, interativo, complementar e multiprofissional15.
Diferente da realidade brasileira, nos Estados Unidos, é obrigatório que o enfermeiro faça o curso de dois anos de capacitação antes de desenvolver sua prática assistencial em unidades de emergência pediátricas para só então poder trabalhar neste setor. Neste país, ainda existem várias equipes de enfermeiros que trabalham na emergência pediátrica, dividindo a assistência em áreas, como por exemplo: equipe de ressuscitação cardio pulmonar, de acessos venosos e entre outras16.
A equipe de enfermagem é permanente e constante nos serviços de emergência pediátrica. Esses profissionais são os responsáveis por manter o padrão no atendimento, gerenciar riscos e garantir a qualidade16. Com base nas falas dos acompanhantes de criança atendidas em situação de emergência, identificou-se que a ideologia do processo de trabalho está centrada na rapidez do atendimento, na atenção e na capacidade dos enfermeiros em prestar o cuidado humanizado, o que não requer, necessariamente, dedicar mais tempo à criança, ou ter condições de trabalho ideais. Basta, portanto, saber dirigir palavras de conforto e segurança, dar real atenção à pessoa, conversar com ela, e deixar que se manifeste4,17.
A humanização no processo de trabalho de enfermagem também manifesta-se através de uma comunicação efetiva, que é adequada quando ocorre de modo individualizado, sempre que os profissionais relacionam-se com os acompanhantes de um modo carinhoso, amoroso, respeitoso e desenvolvendo escuta sensível. Assim, se estabelece uma relação de ajuda, confiança e cria-se um vínculo entre os profissionais, crianças e acompanhantes, o que facilita o processo do cuidado. Deste modo, a comunicação é um meio de tornar o atendimento de emergência menos traumático2.
Assim, tem-se que o modelo de cuidado e gestão em saúde predominante ainda é o curativo, não devendo, neste sentido, excluir a oportunidade de trabalhar os aspectos relativos a prevenção. Existe uma maior valorização da doença, com a necessidade da busca pelo atendimento de emergência, que por muitas décadas superlotou os hospitais. Foi necessário o investimento em políticas públicas específicas, como Humaniza SUS, Rede de Urgência e Emergência e o SOS Emergência para garantir o acesso aos hospitais nos casos realmente de emergência. Apesar de avanços e investimentos também na Atenção Primária em Saúde, o modelo preventivo ainda é emergente em nosso país6-8.
A gestão dos serviços de saúde é inerente ao processo de trabalho da equipe de enfermagem. Aspectos como a infraestrutura hospitalar e o mobiliário interferem na assistência prestada. A manutenção dos bens duráveis, bem como a adequação para o perfil da clientela atendida é de responsabilidade dos gestores em saúde e dos enfermeiros. Cabe a este profissional gerir as unidades de emergências e identificar deficiências no acesso, eficiência e qualidade nos atendimentos, bem como discutir, negociar e decidir acerca da alocação dos recursos financeiros do hospital11,12.
Ainda, no que se refere à estrutura e os recursos físicos no setor de emergência pediátrica, estes devem proporcionar um ambiente seguro para a criança, seu acompanhante e profissional de saúde. Deste modo, almeja-se uma assistência livre de riscos e sem agravos a situação de vulnerabilidade a qual a criança já está exposta17. A manutenção da segurança da criança aumenta quando a equipe de enfermagem recebe treinamento constante. Assim, é capaz de prever as possíveis ameaças advindas dos riscos relacionados à segurança do paciente, como: erros de medicação, uso inadequado e/ou falta de equipamentos, recursos humanos, no que se refere a falta de habilidade técnica, bem como, na comunicação ineficiente entre os diferentes profissionais de saúde e acompanhantes18.
Na tentativa de minimizar os riscos na segurança do paciente, a equipe de enfermagem deve receber treinamento por meio de simulações do cuidado ao usuário. Esta modalidade apresenta como vantagem identificar ameaças latentes na segurança do paciente, identificar lacunas no conhecimento dos profissionais, e reforçar comportamentos de trabalho positivos em equipe19.
Para os acompanhantes deste estudo, a segurança da criança é garantida com o uso de mobiliário como cama e berços com grades que funcionem e evitem o risco de queda. Além disso, a disponibilidade, funcionalidade e número adequado de monitores e aparelhos para assistência em saúde, também foram apontados como inerentes ao processo de trabalho da equipe de enfermagem no cuidado de crianças em situação de emergência4,20.
As camas e berços, bem como os monitores devem ser estar em número e tamanho adequados, em perfeita condição para uso, garantindo conforto, privacidade e recuperação em segurança. A disposição deste mobiliário e material deve ser uma ferramenta facilitadora do processo de trabalho, das relações interpessoais entre usuário e equipe de modo acolhedor, resolutivo e humano20.
Os recursos tecnológicos, como os monitores auxiliam no atendimento da criança e devem estar funcionando em quantitativo adequado ao número de leitos. A imprevisibilidade dos recursos materiais e equipamentos para o cuidado de enfermagem, além de dificultar o planejamento das ações, por vezes, expõem o usuário ao improviso, riscos e o trabalhador às situações constrangedoras. A legislação brasileira que regulamenta o funcionamento dos hospitais determina nos artigos 50 a 55 que as unidades de emergência devem dispor de materiais e equipamentos adequados a complexidade do serviço, necessários ao atendimento de sua demanda, devendo estar devidamente regularizados junto a esse órgão20,21.
Na unidade devem constar instruções escritas referentes à utilização de equipamentos e materiais, manutenções preventivas e corretivas nos equipamentos e uma reserva operacional, segundo fabricante ou serviço de engenharia da instituição21.
A estrutura hospitalar também deve garantir privacidade e conforto ao usuário, além de ser um local limpo, livre de fontes de contaminação. Em hospitais com atendimento de emergência pediátrica estes devem ser realizados em sala e local próprios e separados do atendimento de adultos, sendo respeitada a dimensão de 8,5m por leito21,22.
O ambiente de trabalho também deve ser um lugar seguro para que os profissionais de saúde possam prestar assistência de modo rápido e eficaz. Nas emergências pediátricas a iluminação natural e a artificial são de extrema importância, pois ambas bem projetadas podem originar estímulos tranquilizadores e acolhedores nas crianças e acompanhantes, atendendo parte da necessidade de bem estar biológico e psicológico. Um setor de trabalho saudável para a equipe de enfermagem deve ser bem iluminado, visto que o cuidado desenvolvido por esses profissionais é por vezes cansativo e envolve esforço físico, evitando a fadiga e o esforço visual desnecessário22.
É importante ter em mente que quando os usuários escolhem os serviços de saúde onde desejam ser atendidos, o fazem com base na área geográfica, na resolutividade, na qualidade, na agilidade, no acesso, no acolhimento prestado e pelas informações disponíveis em sua rede. Deste modo, a rede assume papel importante, na manifestação das necessidades, desejos e interesses, bem como, no modo de produção e mecanismos de modelação ideológica dos indivíduos que a compõe4.
Os indivíduos inseridos na rede social dos acompanhantes de crianças atendidas na emergência pediátrica também podem ser corresponsáveis por romper com o modelo ideológico de responsabilização da assistência, apenas por parte dos profissionais e gestores4. Os usuários do SUS, devem ser ativos e atuantes na construção de um sistema de saúde melhor, através do controle social e atividades de fiscalização. Os acompanhantes das crianças, na qualidade de usuários, devem ter voz ativa e representativa no Conselho Nacional de Saúde, na ouvidoria hospitalar, e no encontro como os profissionais de saúde, fortalecendo assim a rede17. Assim, profissionais gestores e usuários buscam um modelo de produção de saúde que seja revertido em resolutividade na assistência4.
CONCLUSÃO
O processo de trabalho de enfermagem no setor de emergência pediátrica tem como base ideológica a premissa de salvar vidas; a humanização através da conversa, e do explicar o procedimento a criança e ao acompanhante.
Ao analisar o processo de trabalho da equipe de enfermagem no cuidado de crianças em situação de emergência, evidenciou-se as dificuldades para implementação de ações de enfermagem, devido à escassez de recursos materiais e problemas relacionados ao mobiliário dos setores, o que repercutem diretamente no cuidado de enfermagem como parte do processo de trabalho.
Na estrutura física do hospital não houve uniformidade nas falas, pois alguns acompanhantes a classificaram como precária e o ambiente sujo, enquanto que outras afirmaram que a estrutura é boa, organizada e limpa. Referente ao mobiliário e equipamentos hospitalares, estes devem garantir o desenvolvimento de uma assistência adequada à manutenção da segurança da criança e também segurança para os profissionais de enfermagem durante o seu trabalho.
A implicação para a prática assistencial evidenciada neste estudo é a necessidade de reforçar que a emergência hospitalar também deve ser um espaço de orientação do cuidado à criança, com avaliação do seu crescimento e desenvolvimento, e para a implementação dos cuidados necessários em casa, após o atendimento de emergência. É necessário que os acompanhantes sejam orientados sobre o funcionamento da rede de atenção em saúde; quais situações de urgência podem recorrer ao atendimento nas Clínicas da Família e nas Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) e quando recorrer aos hospitais e ao Serviço Móvel de Urgência (SAMU). As orientações e os encaminhamentos dentro da rede da rede de atenção em saúde do SUS são primordiais para o adequado funcionamento deste sistema de saúde e evitar a superlotação dos hospitais de emergência.
As limitações do estudo estão relacionadas ao fato deste ter sido desenvolvido com um número reduzido de participantes em um único hospital integrante da politica pública do SOS Emergência.
REFERÊNCIAS