Volume 20, Número 2, Abr/Jun - 2016
PESQUISA
Rede de saúde no atendimento ao usuário de álcool, crack e outras
drogas
Danielle Souza Silva Varela
1
Isabela Maria Magalhães Sales
2
Fernanda Mendes Dantas e Silva
2
Claudete Ferreira de Souza Monteiro
2
1 Universidade Estadual do Piauí. Teresina - PI, Brasil
2 Universidade Federal do Piauí, Teresina - PI, Brasil
Recebido em 08/07/2015
Aprovado em 18/01/2016
Autor correspondente:
Danielle Souza Silva Varela
E-mail: daniellessv@outlook.com
RESUMO
OBJETIVO:
Analisar, na perspectiva dos enfermeiros, a articulação de uma rede de saúde
para o atendimento aos usuários de álcool, crack e outras
drogas.
MÉTODOS:
Estudo observacional, descritivo, exploratório, com abordagem quantitativa,
desenvolvido em um município litorâneo do estado do Piauí, Brasil, com 56
enfermeiros por meio da aplicação de questionários.
RESULTADOS:
A maioria dos enfermeiros (82,0%) afirmou que os locais de saúde onde
trabalham articulam-se com outros serviços da Rede de Saúde na assistência
ao usuário de álcool, crack e outras drogas, principalmente
por meio do encaminhamento a um serviço de saúde mental (48,8%). A
integração entre as equipes (46,3%) e a corresponsabilidade ao usuário e sua
família foi considerada razoável (51,2%). A presença de dificuldades no
processo de articulação foi informada pelos enfermeiros que afirmaram
utilizar estratégias para superá-las. Dentre as dificuldades informadas,
40,5% estiveram relacionadas ao desrespeito ao sistema de referência e
contra referência.
CONCLUSÃO:
Ressalta-se a necessidade da realização de debates para tratar do
funcionamento e articulação em rede para atenção a esses usuários.
Palavras-chave: Enfermeiros; Assistência à saúde; Usuários de drogas; Serviços de saúde; Saúde mental.
INTRODUÇÃO
O uso, abuso e dependência de álcool, crack e outras drogas, considerado um sério problema de saúde pública na sociedade contemporânea, tem se tornado centro de diversas políticas públicas brasileiras, exigindo ações e serviços adequadamente organizados, articulados e resolutivos frente a esta problemática, especialmente do Sistema Único de Saúde (SUS).
Com a vigência da Lei Federal nº 10.216/2001, que legitimou o movimento da reforma psiquiátrica na área da saúde mental no Brasil, tornou-se visível o interesse das políticas sobre drogas no país, no sentido de priorizar a rede de cuidados extra-hospitalares e direcionar esforços para contemplar a atenção integral a saúde ao público diretamente envolvido com o consumo de drogas1.
Alinhados ao princípio da atenção integral, houve o reconhecimento de que o caráter multifatorial dos problemas relacionados ao uso dessas substâncias demandam uma diversidade de intervenções que, por sua vez, impõem a ampliação da cobertura e do espectro de atuação dos profissionais de saúde para atender às necessidades dos usuários. Apesar de alguns embates ideológicos, passou-se a dar enfoque às ações de prevenção ao uso indevido de drogas, a reabilitação psicossocial dos usuários e a abordagem de redução de danos como filosofia de trabalho1.
A recomendação do Ministério da Saúde é que a oferta de atendimento ao usuário de álcool, crack e outras drogas se dê em todos os níveis de atenção do SUS, pois o objetivo é construir uma rede de cuidados diversificada em saúde mental em que o usuário, ao acessar o sistema, possa contar com diferentes locais de apoio ao seu problema2.
A Política de Atenção Integral a Usuários de Álcool e Outras Drogas é enfática ao apontar que fortalecer uma rede de assistência centrada na atenção comunitária associada à rede de serviços de saúde e sociais é um compromisso que deve ser firmado como modo de enfrentamento coletivo as situações ligadas a esse problema. Fortalecer o caráter de rede configura-se num caminho para a atenção integral dos usuários de álcool, crack e outras drogas, pois é a rede, em interação constante, quem cria acessos variados, acolhe, encaminha, previne, trata, reabilita e reconstrói existências, possibilitando efetivas alternativas de enfrentamento2.
Neste sentido, a efetivação da articulação entre os agentes constituintes da rede mostra-se primordial, uma vez que incita a responsabilização terapêutica em parceria, além de potencializar as práticas em um eixo que não fragmenta o cuidado, abrindo caminhos para a clínica ampliada3. É ainda importante ressaltar que não só os serviços de saúde, mais todos os indivíduos (familiares, amigos, vizinhos), equipamentos sociais do território e organizações, sejam elas governamentais ou não, devem partilhar da assistência, formando parcerias e redes de suporte social, de modo de promover inclusão de múltiplos setores e a integralidade das ações4.
No entanto, estudos brasileiros sobre o tema em questão vêm dando indícios de que a constituição dessa rede de cuidados é desafiante. Apesar da lacuna de pesquisas que avaliem a articulação de diferentes serviços de saúde para atender o usuário álcool, crack e outras, na literatura há registros de situações que despontam sinais de fragilidades da atenção aos usuários que certamente interferem na efetivação deste processo e consequentemente, no atendimento e na resolubilidade dos casos.
Ficam evidenciadas, por exemplo, desconexões entre serviços de atenção básica com serviços de saúde mental, no que tange a continuidade do atendimento ao usuário no seu território4, o não reconhecimento por parte de alguns profissionais de saúde acerca da responsabilidade de determinados serviços de saúde frente à assistência ao usuário de álcool, crack e outras drogas na Rede5,6. Ainda os profissionais são despreparos para assistir esses usuários, especialmente em nível primário de assistência5,7,8.
Portanto, esta pesquisa optou por conhecer, a partir dos enfermeiros, o processo de articulação de uma Rede de Saúde na atenção aos usuários de álcool, crack e outras drogas, ao entender a escassez de estudos relacionados à temática e também a necessidade de discutir como este processo tem sido efetivado em determinadas realidades, no intuito de evidenciar potencialidades e/ou dificuldades, úteis a compreensão da problemática envolvendo o atendimento a estes usuários.
Neste sentido, o presente estudo tem como objetivo analisar, na perspectiva dos enfermeiros, a articulação de uma rede de saúde para o atendimento aos usuários de álcool, crack e outras drogas.
MÉTODOS
Trata-se de estudo com abordagem metodológica quantitativa e delineamento observacional, descritivo, exploratório, transversal, realizado num município litorâneo no norte do estado do Piauí/Brasil.
Fizeram parte do estudo enfermeiros vinculados a 27 Unidades de Saúde da Família (USF), dois Hospitais Gerais (um Estadual e um Filantrópico), um Pronto Socorro Municipal, um Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) e um Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas tipo III (CAPSad III). A este conjunto de serviços denominou-se neste estudo de "Rede de Saúde".
Do universo de 72 enfermeiros vinculados a referida Rede de Saúde, 56 constituíram a amostra desta pesquisa, por atenderem ao critério de inclusão de possuir pelo menos seis meses de tempo de atuação na instituição de saúde pesquisada. Foram excluídos os enfermeiros que se encontravam de licença/afastamento ou férias no período de realização do estudo.
A coleta de dados ocorreu durante o mês de outubro de 2013, com aplicação de um questionário com questões sobre características sociodemográficas (sexo, estado civil, faixa etária, tempo de serviço e capacitações/treinamentos sobre álcool, crack e outras drogas), responsabilidade, inserção e demanda dos serviços de saúde na assistência aos usuários de álcool, crack e outras drogas, dificuldades de articulação dos serviços na rede e estratégias de superação adotadas pelos enfermeiros.
Os dados coletados foram tabulados por meio do programa Microsoft Excel 2010 e posteriormente exportados para o Statisticsal Program for Social Science for Windows 18.0 (SPSS), onde foram processados por meio de manipulação descritiva com cálculos de frequência absoluta e percentual, sendo apresentados em tabelas. As respostas das perguntas abertas foram agrupadas em categorias segundo a semelhança temática das informações escritas pelos profissionais.
Os participantes assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) garantindo o cumprimento da Resolução Nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde que dispõe sobre as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Piauí (CAAE 19905913.4.0000.5214/Parecer 372.348).
RESULTADOS
Na caraterização dos participantes do estudo, houve predominância do sexo feminino, casadas, com faixa etária entre 24 e 43 anos, vinculadas a USF, tempo de trabalho ≥ cinco anos e ausência de capacitações/treinamentos sobre álcool, crack e outras drogas.
Em relação à articulação dos serviços de saúde com rede de atenção a usuários de álcool, crack e outras drogas, a Tabela 1 apresenta, a partir da perspectiva dos enfermeiros, se é responsabilidade do serviço atender esses usuários, se o serviço encontra-se inserido na rede e qual a demanda.
Variáveis | n | % |
---|---|---|
É responsabilidade do serviço atender usuários de álcool, crack e outras drogas | ||
Sim | 55 | 98,2 |
Não | 1 | 1,8 |
O serviço em que trabalha encontra-se inserido na Rede de Atenção a saúde de usuários de álcool, crack e outras drogas | ||
Sim | 40 | 71,4 |
Não | 6 | 10,7 |
Não soube informar | 9 | 16,1 |
Não responderam | 1 | 1,8 |
O uso, abuso e/ou dependência drogas constitui demanda atendida no serviço | ||
Sim | 50 | 89,3 |
Não | 6 | 10,7 |
Total | 56 | 100,0 |
De acordo com os dados apresentados, verifica-se que 98,2% dos participantes consideram que é responsabilidade dos serviços de saúde em que trabalham atender usuários de álcool, crack e outras drogas; 71,4% informaram que esses serviços encontram-se inseridos na Rede de Atenção à Saúde de usuários de álcool, crack e outras drogas; e 89,3% que o uso, abuso e/ou dependência de drogas encontra-se entre as demandas atendidas nessas instituições de saúde (Tabela 1).
A Tabela 2 aborda a articulação da Rede de Saúde em análise, apresentando a forma dessa articulação e desempenho.
Variáveis | n | % |
---|---|---|
O serviço articula-se com outros serviços da Rede de Saúde para prestar assistência ao usuário de álcool, crack e outras drogas | ||
Sim | 41 | 82,0 |
Não | 9 | 18,0 |
Forma da articulação (n = 41) | ||
Encaminhamento a um serviço de saúde mental | 20 | 48,8 |
Apoio matricial | 11 | 26,8 |
Assistência hospitalar | 4 | 12,2 |
Outros motivos | 5 | 9,8 |
Não responderam | 1 | 2,4 |
Desempenho da integração/comunicação entre as equipes articuladas (n = 41) | ||
Inexistente | 1 | 2,4 |
Precário | 16 | 39,1 |
Razoável | 21 | 51,2 |
Satisfatório | 3 | 7,3 |
Desempenho da responsabilização compartilhada pelo usuário e sua família (n = 41) | ||
Inexistente | 3 | 7,3 |
Precário | 17 | 41,5 |
Razoável | 19 | 46,3 |
Satisfatório | 2 | 4,9 |
Observa-se que para os profissionais que declararam o uso, abuso e/ou dependência de drogas como uma demanda atendida no serviço (n = 50), 82,0% informou que o serviço de saúde em que trabalha articula-se com outros serviços da Rede de Saúde para prestar assistência ao usuário dessas substâncias. A forma dessa articulação foi para 48,8% o encaminhamento a um serviço de saúde mental; 26,8% a busca de apoio matricial; 12,2% a assistência hospitalar e para 9,8% outros motivos. Quanto ao desempenho da articulação, 51,2% informou a integração/comunicação entre as equipes como razoável e 46,3% considerou a responsabilidade compartilhada pelo usuário e sua família também como razoável.
Os profissionais também informaram dificuldades do serviço em que trabalham em realizarem articulação com a Rede de Saúde para prestar assistência ao usuário de álcool, crack e outras drogas. Dentre as dificuldades informadas, 40,5% estiveram relacionadas ao desrespeito ao sistema de referência e contra referência e 33% sobre o despreparo da Rede de Saúde para o atendimento dos usuários (falta de leitos psiquiátricos, protocolos de atendimentos e fluxograma (Figura 1).
Para superar as dificuldades de articulação da Rede de Saúde, 52,0% dos participantes afirmaram buscar ajuda de outros profissionais/instituições de saúde; 24,0% estuda o assunto e procura informações sobre serviços/ações para os usuários (Figura 2).
DISCUSSÃO
Neste estudo, a prevalência de mulheres já era esperada, tendo em vista tratar-se de profissionais da área da enfermagem, cujo universo é majoritariamente composto pelo sexo feminino. Chama atenção o fato de poucos participantes do estudo possuírem capacitação/treinamento na área de atenção ao usuário de álcool, crack e outras drogas. Esse dado apresenta-se preocupante, uma vez que a representatividade da amostra abarca diversos serviços de uma Rede de Saúde e, portanto, sinaliza uma fragilidade compartilhada por muitos trabalhadores.
No entanto, esse achado não é particular ao presente estudo. Pesquisas realizadas com enfermeiros de serviços extra- hospitalares de municípios do Rio de Janeiro e da Estratégia Saúde da Família (ESF) em João Pessoa/PB verificaram a pouca capacitação/treinamento dos enfermeiros nesta área de atenção. Apontaram, inclusive, que a ausência de capacitação/treinamento pode repercutir negativamente sobre a assistência ofertada ao usuário de álcool, crack e outras drogas e, até mesmo, interferir no fluxo desses usuários na Rede7,9. O estudo de João Pessoa ressaltou que a falta dessa formação resultou em intervenções limitadas, restritas ao encaminhamento dos usuários a serviços mais especializados em saúde mental e, em alguns casos, ao aconselhamento para buscar esses serviços7.
No que tange a inserção da instituição que trabalha na Rede de Atenção à Saúde a pessoas com necessidades decorrentes do uso do álcool, crack e outras drogas e sobre a responsabilidade dos serviços em atendê-las, considerou-se o achado positivo, pois o não reconhecimento de um serviço de saúde como espaço de apoio para os dependentes químicos numa Rede de Saúde pelo profissional que nela atua denotaria falta de acolhimento e intervenção junto a esses pacientes, comprometendo o funcionamento da rede e, certamente, o enfrentamento dos problemas locais.
Atribui-se que esse reconhecimento seja influenciado pela ampliação e fortalecimento da rede de atenção a esse público no âmbito do SUS que, por meio da diversificação dos dispositivos, tem incitado à responsabilidade compartilhada entre os setores, o que possibilita a expansão da natureza das ações, facilita o acesso e certamente, sensibiliza os profissionais de saúde quanto à causa10.
Outra informação importante identificada nos resultados refere-se ao fato de que 89,3% dos participantes terem afirmado que o uso/abuso/dependência de drogas é atendido nos serviços de saúde em que trabalham. Esse dado indica a procura existente no cotidiano dessas instituições quanto aos problemas relacionados ao uso de drogas e mostra, ainda que superficialmente, a presença de diferentes pontos de apoio ao usuário na Rede de Saúde, o que reforça a importância da qualificação dos profissionais para a oferta de atendimento ao público vulnerável e consumidor.
Dos participantes que informaram presença de demanda no serviço, 82,0% afirmaram que os serviços em que trabalham articulam-se com outros serviços de saúde para prestar assistência ao usuário de álcool, crack e outras drogas, tendo o encaminhamento a um serviço de saúde mental (CAPSad III) como principal motivo. A busca de parcerias com o CAPS ad também foi descrito em estudo desenvolvido com enfermeiros da ESF de Porto Alegre-RS, tendo como finalidade a obtenção de sucesso e a continuidade do tratamento deste público11.
A existência dessa articulação em rede mostra-se bastante positiva do ponto de vista da descentralização e ampliação da assistência, contudo, quando focada no encaminhamento desponta certa preocupação. Ressalta-se que a forma com que o encaminhamento é realizado é fundamental no desfecho positivo ou negativo de um problema. Autores criticam que o enfoque no encaminhamento pode fazer com que o usuário se perca no sistema, os vínculos sejam destituídos e o sentido da integralidade da assistência esquecido12. Além da tendência a prática de uma assistência fragmentada, corre-se também o risco da institucionalização do dependente químico aos serviços especializados e do menosprezo ao poder de intervenção e resolução dos demais níveis de atenção7.
Cabe ressaltar que articular-se consiste no estabelecimento de conexões entre profissionais/serviços com vistas a qualificar o cuidado ao usuário. Nesse sentido, o que de fato é preconizado é a troca de informações. Em caso de encaminhamento, o sistema de referência e contra referência precisa ser respeitado e não ser resumido a "transferência" do paciente de um serviço para o outro. Deve-se prezar pela comunicação eficaz e investir na responsabilização partilhada dos serviços de saúde pelo cuidado do usuário/família. O atendimento deve ser realizado conforme a competência técnica de cada serviço, no intuito de evitar encaminhamentos desnecessários às especialidades13.
Com relação a essa questão, a busca de apoio matricial tem sido uma alternativa de enfrentamento utilizada no cenário pesquisado, sendo o segundo maior motivo da articulação. Isso sinaliza que uma considerável parcela dos serviços está caminhando para o atendimento e resolução dos casos in loco, o que demonstra um avanço do funcionamento da Rede. Recorrer à equipe de apoio matricial, especialmente pela equipe de atenção básica, tem se mostrado uma estratégia promissora no atendimento dos casos de saúde mental, pois permite aumentar a eficácia do trabalho compartilhado, reforçando a integralidade e a resolubilidade das ações a nível primário, por meio da cogestão na atenção a saúde14.
Nesta pesquisa, participantes perceberam dificuldades de articulação da rede de saúde para ofertar atendimento a usuários de drogas. Essas dificuldades estiveram basicamente centradas no desrespeito ao sistema de referência/contra referência e no despreparo da Rede de Saúde para o atendimento de usuários de álcool, crack e outras drogas.
Tais situações assemelharam-se as dificuldades percebidas por coordenadores de serviços de saúde participantes de um estudo desenvolvido na Rede de Atenção em Saúde Mental do município de Santa Maria/RS. Nessa localidade, os coordenadores mencionaram que dificuldades de ordem estrutural e, principalmente, de natureza organizacional dos serviços, interferem na articulação da rede para o atendimento eficaz dos casos de saúde mental. Os autores desse estudo verificaram inclusive, que existe uma estreita relação entre essas, onde o surgimento de uma predispõe o aparecimento da outra, e que em conjunto, tendem ao desmembramento da integralidade da atenção em rede13.
No município do presente estudo, acredita-se que a interação entre as dificuldades de articulação mencionadas pelos enfermeiros, também repercute sobre a integralidade da assistência ofertada e o desempenho da articulação realizada. Esse entendimento parte dos resultados ao mostrarem que do ponto de vista da responsabilidade compartilhada pelo usuário e sua família e da integração/comunicação entre as equipes articuladas, o desempenho variou entre razoável e precário, com uma leve sobreposição da primeira. Essa informação denota que as relações entre as equipes precisam ser melhor trabalhadas, assim como mais instrumentizadas13.
Algumas evidências da literatura reforçam os resultados desta pesquisa quando levantam situações que podem interferir no processo de responsabilidade/integração entre os serviços/equipes de saúde e, consequentemente, na articulação e resolubilidade da rede. Tratam-se da falta de capacitação/conhecimento de profissionais de saúde sobre o tema, a qual incita a desmotivação para atuar com esses usuários11, a insuficiência de registros nos prontuários, o que além de dificultar a comunicação entre os profissionais de um mesmo serviço, pode dificultar a tarefa dos profissionais de referência, interferindo sobre a continuidade e resolubilidade das ações15, o desrespeito ao sistema de referência/contra referência; a prática do matriciamento resumida à transferência de responsabilidade16 e a falta de um fluxograma organizativo dos serviços17.
Nesta direção, entende-se que a oferta de educação permanente em saúde sobre o assunto e a promoção de espaços de diálogos e discussões entre a gestão e as equipes poderiam auxiliar na aproximação dos serviços pesquisados, na compreensão da dinâmica de funcionamento da Rede quanto ao atendimento dos casos relacionados ao uso do álcool, crack e outras drogas. Um resultado que corrobora com esse entendimento está em pesquisa desenvolvida no Sul do Brasil, que evidencia os encontros de "saúde mental na roda" como uma alternativa encontrada para tornar realidade a troca de informações, a articulação entre os serviços e profissionais, e ainda a qualificação profissional13.
Além disso, a elaboração e implementação de protocolos e programas específicos para o trabalho com os usuários dessas substâncias nos serviços de saúde seria uma alternativa para evitar a heterogeneidade e a descontinuidade na condução dos casos, visto que a literatura já ressalta que a inexistência desses interfere negativamente sobre o desempenho do enfermeiro9, e consequentemente, de sua equipe.
Enquanto isso não acontece, os enfermeiros da Rede de Saúde do município em estudo referiu buscam estratégias de superação frente às barreiras encontradas no processo de articulação como a busca de ajuda de outros profissionais/instituições de saúde; o estudo sobre o assunto; e a procura de informações sobre serviços/ações para os usuários. A busca dessas alternativas evidencia o interesse dos enfermeiros pesquisados em aperfeiçoar o processo de articulação e contribuir na atenção ao usuário de álcool, crack e outras drogas, apesar de encontrar dificuldades.
Esse não é o primeiro relato do uso de estratégias para superar dificuldades na atenção ao usuário de drogas por enfermeiros. Segundo estudo realizado em CAPSad de São Paulo/SP, na ausência de capacitações e especializações, os enfermeiros informaram que buscam obter informações e conhecimentos por meio de leituras de livros e artigos, além da troca de experiências com outros profissionais de saúde, especialmente da equipe18.
Portanto, embora não seja o suficiente para o enfrentamento das dificuldades vivenciadas, os dados deste estudo mostram que os profissionais não ficam inertes frente aos obstáculos encontrados, mas sim constroem métodos alternativos para superá-los. No entanto, vale ressaltar que isso não dispensa a necessidade de maior atenção e intervenção por parte dos órgãos competentes para a resolução desses problemas.
CONCLUSÃO
Os resultados apresentados permitem evidenciar a existência de uma rede de atenção à saúde de pessoas com necessidades decorrentes do uso de álcool, crack e outras drogas no município em estudo, a partir de informações dos enfermeiros vinculados aos serviços de saúde locais, que reconheceram a inserção de seus locais de trabalho nesta rede de atenção e informaram ser responsabilidade desses serviços oferecerem atendimento a tal público, inclusive, afirmando que já possuem demanda para isso.
A articulação como atuação de trabalho se fez presente nas afirmações de 82,0% dos participantes que possui demanda de usuários no serviço de saúde em que trabalha. O encaminhamento a um serviço de saúde mental foi a forma de condução dessa articulação mais apontada. No entanto, essa articulação do ponto de vista da responsabilidade compartilhada e da integração das equipes apresentou-se falha ao oscilar entre razoável e precária conforme os enfermeiros. Acredita-se que as dificuldades encontradas no processo de articulação evidenciado pelos participantes do estudo tenham justificado essa classificação de desempenho.
Frente aos demais achados desta pesquisa, há necessidade de capacitar os enfermeiros para melhor trabalharem com pessoas que usam, abusam e/ou sejam dependentes de álcool, crack e outras drogas. Bem como que ocorram reuniões com as equipes/serviços da Rede de Saúde pesquisada de modo a fornecer elementos que permitam uma melhor compreensão acerca do funcionamento e da articulação em rede, a partir de espaços de discussão, viabilizando a superação de muitas dificuldades encontradas.
Quanto às limitações do estudo, assume-se que em virtude do objeto em análise e do instrumento de coleta utilizado, não foi possível avaliar se, articulando-se desta forma, a rede de do município em estudo tem alcançado um melhor nível de resolubilidade dos casos. Deixa-se, pois, tais questões como sugestão para ser objeto de investigação de outras pesquisas.
REFERÊNCIAS