ISSN (on-line): 2177-9465
ISSN (impressa): 1414-8145
Escola Anna Nery Revista de Enfermagem Escola Anna Nery Revista de Enfermagem
COPE
ABEC
BVS
CNPQ
FAPERJ
SCIELO
REDALYC
MCTI
Ministério da Educação
CAPES

Volume 20, Número 1, Jan/Mar - 2016



DOI: 10.5935/1414-8145.20160025

REFLEXÃO

Idoso em tratamento conservador de fratura proximal de fêmur e o cuidado de enfermagem numa perspectiva fenomenológica

Carla Argenta 1
Elisangela Argenta Zanatta 1
Amália de Fátima Lucena 2


1 Universidade Estadual de Santa Catarina. Chapecó - SC, Brasil
2 Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre - RS, Brasil

Recebido em 01/07/2015
Aprovado em 14/12/2015

Autor correspondente:
Carla Argenta
E-mail: carla.argenta@udesc.br

RESUMO

OBJETIVO: Desenvolver uma reflexão teórico-filosófica sobre o fenômeno tratamento conservador de fratura proximal de fêmur em idosos e o cuidado de enfermagem à luz da fenomenologia Heideggueriana.
MÉTODOS: Estudo com base em uma revisão integrativa da literatura, com reflexão teórico-filosófica dos achados à luz do referencial de Martin Heidegger.
RESULTADOS: Os achados foram organizados e discutidos em duas categorias. A primeira relacionada às adaptações biológicas, psicológicas e sociais do idoso e da família, vivenciando o fenômeno tratamento conservador de fratura proximal de fêmur; a segunda refletindo o cuidado de Enfermagem voltado a esse fenômeno numa perspectiva fenomenológica que auxilia o idoso a migrar da condição de ser-no-mundo para a condição de vir-a-ser no mundo.
CONCLUSÃO: Refletir e compreender os sentidos do idoso e família experienciando esse fenômeno permite ao Enfermeiro oferecer suporte e cuidado específico às necessidades que estes apresentam nessa vivência.


Palavras-chave: Idoso; Enfermagem; Cuidados de Enfermagem

INTRODUÇÃO

As fraturas em idosos são consideradas um importante problema de saúde devido à alta incidência, complicações decorrentes e elevados custos do seu tratamento para o sistema de saúde1.

Destaca-se que a crescente incidência das fraturas em idosos vem se acentuando pelo aumento da população idosa e dos anos vividos2, bem como pela falta de acessibilidade a campanhas de prevenção da osteoporose e quedas (principais causas das fraturas), mesmo que a velhice seja reconhecida como uma questão prioritária no contexto das políticas públicas brasileiras3. Somado a isso, existem os fatores intrínsecos do idoso que favorecem as fraturas pelo declínio fisiológico característico do processo de envelhecimento, tais como as alterações da visão, audição, olfato, marcha, equilíbrio, coordenação motora e tempo de reação1. A utilização de medicamentos como antidepressivos, psicotrópicos, ansiolíticos, sedativos, anti-hipertensivos e diuréticos, também, aumentam a predisposição ao trauma, pelos possíveis efeitos colaterais ou por interações medicamentosas1.

Dentre as principais fraturas que acometem os idosos, ressaltam-se as fraturas de fêmur que podem ocorrer na região proximal (cabeça do fêmur), distal (ligada à articulação com a patela e tíbia) ou na diáfise femural (corpo e colo do fêmur) sendo a fratura proximal de fêmur (FPF) a mais comum4. Esses dados são corroborados por estudo sobre as morbidades por causas externas em idosos residentes na região Sul do Brasil, que evidenciou que os tipos de fraturas mais prevalentes em idosos são as de coxa e quadril (62,5%)5. Outra pesquisa brasileira realizada com o objetivo de identificar a incidência e as características dos idosos internados por fratura, concluiu que dentre os mesmos, 52,19% internaram por fratura de fêmur6.

Para todos os tipos de fraturas de fêmur em idosos, o tratamento, normalmente, indicado é o cirúrgico. A escolha da melhor técnica e método de fixação óssea é baseada na idade, grau de mobilidade, estado mental e pré-existência de doenças que possam interferir no processo cirúrgico e/ou na reabilitação do paciente7.

Quando o idoso submete-se ao procedimento cirúrgico para corrigir a fratura fica hospitalizado por um período e, se não houver complicações, em alguns dias obtém alta hospitalar.

O tratamento conservador, sem a realização da cirurgia, é indicado somente em algumas fraturas classificadas como incompletas ou sem desvio e, em casos de pacientes idosos que não suportam o procedimento cirúrgico, pois apresentam comorbidades que os colocam em um risco inaceitável ao procedimento anestésico e cirúrgico8. Dentre as contraindicações para a cirurgia destacam-se, principalmente, os déficits neurológicos, distúrbios cardiovasculares e pulmonares somados a idade avançada9.

Nos casos em que o idoso não possui condições clínicas para realização da cirurgia e se opta pelo tratamento conservador, normalmente, ele é encaminhado para cuidados domiciliares tornando-se um ser acamado. Desse modo, salienta-se que o idoso e sua família precisam se adaptar à nova condição, tendo que realizar adequações estruturais no domicílio, bem como na organização da família para a realização dos cuidados necessários, de maneira diferente ao paciente submetido à cirurgia que, normalmente, costuma recuperar-se de forma mais breve. Nesse contexto, a atenção domiciliar necessária deve ser compreendida como uma modalidade de atenção à saúde substitutiva ou complementar as já existentes, caracterizada por um contíguo de ações (troca de curativos e avaliação da ferida operatória, fisioterapia motora e respiratória, acompanhamento nutricional), com vistas à promoção da saúde, prevenção, tratamento de doenças e reabilitação prestadas no domicílio10.

Somado a isso, é necessário compreender que o vir-a-ser idoso com FPF em tratamento conservador, é um processo delicado e complexo, que exige um redimensionamento do seu modo de ser-no-mundo11.

Esse olhar é fundamental à prática assistencial do enfermeiro, principalmente, daqueles que atuam na atenção básica e realizam o cuidado por meio da visita domiciliar, buscando a manutenção da autonomia física e capacidade funcional do idoso, com auxílio da família.

Além da autonomia física, é necessário estimular a autonomia existencial que é fundamentada na profunda compreensão da liberdade do idoso e não se encontra numa consciência imediata que se apropria de conteúdos, padrões formais já postos e estabelecidos, é uma autocriação crítico-interpretativa do modo de ser-no-mundo, manifesto no a-se-pensar12.

Essa visão mais abrangente das condições de vida e saúde do idoso inserido em seu contexto social e familiar favorece a prática do cuidar13. Assim, o cuidado pode partir da reorganização do projeto existencial e a adoção de um existir autêntico do idoso.

Para isso, é necessário que o idoso seja interpelante e interpretante do seu modo de ser, na interação com o mundo, caso contrário, a autonomia será posta na assimilação de conteúdos, anulando, assim, o lugar da autonomia, enquanto liberdade participativa emancipatória, pois não existe libertação sem o engajamento no todo manifesto em sua historicidade e, na constante reinterpretação do modo de ser no mundo12.

É nesse contexto que se faz necessário compreender como ocorre o tratamento conservador em idosos com FPF e, com isso, refletir sobre as adaptações do idoso e sua família vivenciando esse fenômeno. Destaca-se que, mesmo onde existe oferta de serviços de apoio formais, a família continua a desempenhar o papel principal no suporte ao idoso dependente, ainda que, de modo geral, com escassos recursos físicos, financeiros e humanos14.

Associado a isso, as consequências sociais, biológicas, psicológicas e existenciais geradas a partir de uma situação de dependência do idoso irão se modificar a partir da forma como o mesmo se abre para o mundo, ou seja, como ele recebe o mundo e responde as suas demandas15, dentre elas, as incapacidades pela fratura, que pode dificultar a relação com a família e equipe de saúde.

Corrobora-se a importância de refletir acerca do significado da existência do idoso em tratamento conservador com FPF e da compreensão de que ele é o único capaz de construir sua própria existência como ser-no-mundo, vivendo com suas próprias limitações decorrentes desse tratamento. O existir, enquanto Dasein (ser-aí) significa uma abertura constante no sentido de poder apreender as significações daquilo que aparece, tanto para o idoso como para seus familiares. O ser-aí é o idoso situado no mundo, relacionando-se, habitando, mediando e interrogando o mundo e sua existência16. Nesse caso, o mundo do idoso, na maioria das vezes, é o seu domicílio que, por vezes, foi modificado/adaptado para facilitar os cuidados e manutenção da sua vida após a facticidade, ou seja, a FPF.

Dessa forma, para a família e o enfermeiro, revela-se um desafio, ou um exercício contínuo de buscar a palavra adequada a ser utilizada com o idoso, o gesto apropriado, o respeito em relação à nova condição e em relação ao idoso como um ser autêntico, como um ser-no-mundo no sentido mais literal e complexo da expressão11.

Esse olhar Heideggeriano instiga que os profissionais da saúde, de modo especial, o enfermeiro, pensem nesse idoso em tratamento conservador de FPF e sua família, na sua constituição e compreensão de ser-no-mundo e do ser-com-os-outros, buscando estabelecer relações de cuidado diante do tratamento conservador. Estas não se reduzem a uma relação entre sujeitos, pois nascem de uma dependência entre os seres humanos decorrente de sua ocupação como pessoas15.

Assim, o presente estudo tem por objetivo refletir sobre o tratamento conservador de fratura proximal de fêmur em idosos e o cuidado de enfermagem à luz de Martin Heidegger.

MÉTODOS

Caracteriza-se por uma reflexão teórico-filosófica, a partir de uma revisão integrativa da literatura (RIL)17, para compreensão do fenômeno tratamento conservador de FPF em idosos e o cuidado de enfermagem nessa condição. Para tanto, elaborou-se a seguinte questão norteadora: Quais as implicações para o cuidado ao idoso em tratamento conservador de fratura proximal de fêmur em uma perspectiva fenomenológica?

A busca dos estudos foi realizada no período entre novembro de 2014 a fevereiro de 2015 nas bases de dados Literatura Latino Americana em Ciências da Saúde (LILACS) e Scientific Eletronic Library Online (SciELO), PubMed, Biblioteca Cochrane e Portal Periódicos CAPES, por meio dos descritores: idoso, enfermagem, e dos termos fratura proximal de fêmur e tratamento conservador.

Os critérios de inclusão para a seleção das publicações foram: trabalhos completos e disponíveis online nas línguas portuguesa, inglesa e espanhola, sobre tratamento conservador para idosos com FPF e cuidado de enfermagem a pacientes nessa condição. Não foi estabelecido intervalo de tempo para a seleção dos artigos, pois as publicações acerca do tratamento conservador para idosos com FPF são recentes, assim como o olhar para o idoso nessa condição. Excluíram-se artigos que se referiam, unicamente, ao tratamento cirúrgico de FPF.

Após a seleção dos artigos, realizou-se a categorização dos dados, a partir da organização e sumarização de informações-chave em relação à temática, tratamento conservador de FPF em idosos.

Na sequência, efetuou-se a análise crítica e detalhada dos artigos buscando resposta à questão norteadora, gerando resultados que foram organizados em duas categorias para enfim, desenvolver a reflexão teórico-filosófica com base no referencial de Martin Heidegger, que possibilita olhar as coisas como elas se manifestam, descrevendo o fenômeno com rigor, buscando captar a sua essência14.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A busca pelo significado do fenômeno da existência do idoso em tratamento conservador de FPF, ou seja, a facticidade de Dasein (ser aí) possibilitou refletir sobre as mudanças vividas pelo idoso e família durante o processo que se inicia com a FPF e perpassa a decisão pelo tratamento conservador e adaptação ao mesmo, pois o idoso não vive sozinho, é um ser-no-mundo que influencia e é influenciado pelo meio no qual vive, o que implica em ser-com-os-outros15,16.

Nessa perspectiva, o cuidado do idoso em tratamento conservador de FPF deve ser entendido como um fenômeno ontológico-existencial que possibilita a existência humana, pois o homem é um ser que se não for cuidado deixa de ser humano15.

Dessa forma, a análise das produções selecionadas a partir da RIL, permite dizer que o tratamento conservador de FPF requer adaptações e modificações na vida dos idosos e familiares. Estas adaptações estão descritas na literatura de forma multidimensional, ou seja, com características biológicas, psicológicas e sociais.

Assim, a reflexão teórico-filosófica acerca do fenômeno em estudo se dividiu em duas categorias17: a primeira permeou as dimensões biológica, social e psicológica, bem como as necessidades do idoso e família para adaptar-se à nova condição vivida, e a segunda reflete sobre o cuidado de enfermagem voltado a esse fenômeno numa perspectiva fenomenológica.

As adaptações biológicas, sociais e psicológicas do idoso e família vivenciando o tratamento conservador de fratura proximal de fêmur

Diante da situação de um idoso em tratamento conservador de FPF que é encaminhado para cuidados no domicílio, iniciam as primeiras adaptações na sua vida e de sua família. O dia a dia da família que convive com um idoso dependente é complexo, pela demanda de cuidados especiais, acentuada dependência familiar, variação de tarefas, presença de sentimentos intensos e conflitantes, muitas vezes, difíceis de manejar o que caracteriza esse idoso como ser-no-mundo e ser-com-os-outros18.

O ser-com-os-outros se caracteriza pela adaptação da família à nova situação é fundamental para que ela consiga cuidar do idoso, de modo a atender todas as suas necessidades, pois não se pode perder de vista que o idoso em tratamento conservador de FPF é um ser-no-mundo exposto as modificações e reconstruções diárias, tanto nos aspectos biológicos, como nos sociais e psicológicos.

No que se referem aos aspectos biológicos, as principais modificações na vida do idoso em tratamento conservador de FPF é a perda da autonomia e da independência acarretando restrição de atividades, diminuição da mobilidade e da atividade física19. Autonomia, dependência e independência são condições que se entrelaçam, todavia, é possível que uma pessoa seja dependente fisicamente, mas sem perder sua autonomia. Para isso, o ser-com-os-outros deve se estabelecer de forma que enfermeiro e familiares, cuidadores, ofereçam ao idoso, meios para que possa voltar-se a si mesmo, conscientizar-se de suas possibilidades e, na medida do possível, assumir sua autonomia de cuidado15.

Esse cuidado pode ficar comprometido quando, além de complicações físicas, ocorrem alterações cognitivas que afetam o desempenho do idoso na realização de atividades até, então, consideradas simples, as quais suscitam a necessidade da presença de outrem por longos períodos, sendo a família a principal fonte de cuidados.

A provável e, consequente, dependência do idoso traz consigo um fator emocional de regressão, acentuando sentimentos de fragilidade, insegurança, isolamento social e depressão18, aspectos de caráter psicológico que podem acometer tanto o idoso como sua família.

A existência do idoso, vivenciando esse fenômeno, pode gerar angústia para o mesmo levando-o a angustiar-se pela sua situação existencial de ser humano, que percebe sua existência finita e assume o fato de estar-aí no mundo. A angústia pode fazer o ser ir além, desvelando, em meio as suas possibilidades existenciais, às quais está exposto como ser-no-mundo20, formas de superar as adaptações provenientes da nova condição de vida provocada pelo tratamento conservador e a FPF.

A angústia, nesse contexto, é uma condição necessária para que o ser-aí consiga se projetar no mundo com uma nova visão21, com uma nova forma de ver e viver a vida. Diante do fenômeno em reflexão, a angústia pode ser positiva para o idoso fraturado, uma vez que pode impulsioná-lo na tentativa de reagir e conviver melhor com o tratamento.

A angústia gera medo e receio, contudo obriga o ser, nesse caso o idoso em tratamento conservador de FPF, a um movimento de desacomodação, que o auxiliará na busca por um existir autêntico, superando a massificação social, pois o homem é um ser simbólico, é um ser no mundo - o mundo das significações humanas, o mundo simbólico, o mundo da cultura22.

Entretanto, a forma, como o idoso fraturado e sua família lidarão com o tratamento conservador e com as adaptações impostas dependerá das experiências prévias, crenças, valores de cada um de seus integrantes, além da influência e do espaço que ocupam e desenvolvem em sua rede organizacional11.

Nesse contexto, surgem as adaptações sociais, ou seja, as relações sociais do idoso podem ficar prejudicadas dependendo da forma como a família conduzir a situação. As redes sociais de apoio informais, tais como, amigos, relações de trabalho, de inserção comunitária e de práticas sociais, são estruturas coletivas que ajudam na construção da autonomia de seus sujeitos e, com isso, a família representa o elo capaz de redefinir a estrutura do idoso23.

Diante de um idoso e família vivenciando as adaptações de um tratamento conservador de FPF, as organizações de apoio devem servir de suporte construtivo à família que assume a função de cuidar, considerando-se que sua situação requer compreensão por parte de todos os integrantes da família e membros de suas relações sociais23.

Contudo, acredita-se que mesmo com as mudanças desencadeadas na vida do idoso em tratamento conservador de FPF, a sua família é capaz de ajudá-lo a refletir e buscar explicações sobre o sentido de sua existência e, pode auxiliar o idoso a se reinventar no sentido de estimulá-lo a mudar a sua maneira de ver o mundo e de agir nele pela sua capacidade de refletir sobre as coisas11.

O enfermeiro e a família podem buscar preservar a dignidade do idoso e auxiliá-lo no enfrentamento e no reconhecimento de sua existência. Para tanto, torna-se imprescindível que o idoso encontre o sentido de seu próprio ser, ou seja, o ser-aí será autêntico no autocuidado24.

Assim, destaca-se que o cuidado de enfermagem ao idoso e família que vivencia o tratamento conservador de FPF deve ser voltado às necessidades de cunho biológico, psicológico e social da família e do idoso, pois cuidar de alguém é velar por sua autonomia, por sua independência em todas as dimensões do cuidado25. Para isso, o cuidado deve pautar-se no vínculo do idoso fraturado, sua família e o enfermeiro que auxilia, instrumentaliza e apóia os mesmos no enfrentamento das adaptações diárias, buscando minimizar as complicações advindas desse tratamento e a imobilidade proveniente do mesmo.

O cuidado do enfermeiro se dá com base na identificação das necessidades e particularidades de cada idoso e sua família e, se ancora no auxílio e orientações na realização de atividades de vida diária pelo idoso, como, alimentar-se, arrumar-se, pentear-se, englobando, também, as habilidades de usar telefone, escrever e manipular livros. Para que o idoso progrida no autocuidado é necessário que o enfermeiro estabeleça, juntamente com a família e equipe multiprofissional o sucesso farmacológico e não farmacológico de manejo da dor.

O cuidado de enfermagem ao idoso e família em tratamento conservador pós-fratura proximal de fêmur

O cuidado pode ser pensado como o que caracteriza a predominância das ações da enfermagem, por isso, ele não pode ser considerado tão somente como ciência e sim, a tudo o que se refere ao ser humano, ou seja, o cuidado do, para e com o ser humano26.

A compreensão do idoso em tratamento conservador de FPF pode se caracterizar pela procura em decifrar o modo de ser por ele declarado, visualizando o fenômeno que se revela e como ele se revela.

Para isso, considera-se necessário o pensar fenomenológico a partir de uma reflexão sobre o modo de ser-aí-no-mundo, entendendo o cuidado na perspectiva heideggeriana, o qual é descrito como uma maneira de oferecer condições ao outro de crescer e de assumir a sua autonomia, a partir de um fenômeno instalado, o seu próprio existir e o processo adaptativo, ultrapassando, dessa forma, a concepção de um cuidado simplesmente técnico19.

Diante do fenômeno idoso em tratamento conservador de FPF, considera-se necessário que o enfermeiro compreenda os sentidos e os significados atribuídos pelas famílias e pelos idosos aos seus modos de ser-no-mundo, em relação ao seu processo de saúde e de doença, bem como as adaptações biológicas, psicológicas e sociais.

Assim, a partir do referencial filosófico de Martin Heidegger, buscaram-se subsídios capazes de auxiliar o enfermeiro a desvelar essa compreensão ao adentrar o domicílio do ser-idoso e aproximar-se do seu mundo, para compreender além do que visualiza sobre as suas condições de moradia, relações familiares e rede de apoio existente. Pois, o vínculo que se estabelece entre o enfermeiro e o idoso em tratamento conservador de FPF e sua família é fundamental para o desenvolvimento de uma proposta terapêutica resolutiva voltada para as necessidades dessas pessoas.

O vínculo pode ser reforçado por visitas domiciliares frequentes com a utilização de uma linguagem acessível ao idoso e família com valorização e esclarecimento de dúvidas e a oferta de informações necessárias. Defende-se, ainda, que o cuidado de Enfermagem a esse idoso deve propiciar possibilidades existenciais capazes de estimular seu existir autêntico e o desenvolvimento de seu poder de ser.

Compreender, olhar e atentar para o ser idoso vivenciando este fenômeno possibilita ao enfermeiro estabelecer formas de cuidado mais abrangente diante das adaptações necessárias a cada um, ou seja, auxiliar o outro a encontrar a sua máxima autonomia e, possivelmente, obter resultados mais positivos.

O cuidado de enfermagem deve ser efetivado a partir do diálogo com o idoso, família e profissional, sendo uma arte e não um poder a ser desempenhado, ou seja, precisa ser exercitado. Na perspectiva heideggeriana, compreende-se que o cuidado deve oferecer condições ao outro de crescer, assumir o seu próprio caminho e construir, aos poucos, sua autonomia27. Nesse caso, construir a autonomia é possibilitar ao idoso em tratamento conservador de FPF assumir o seu cuidado, auxiliando-o, incentivando-o e respeitando-o em suas particularidades e dificuldades.

O ponto de vista de Heidegger permite que o homem, como ser finito, compreenda-se dessa forma e, coloque-se no campo da possibilidade, elaborando, apesar das facticidades, as possibilidades de sua existência, construindo seus projetos de futuro e de felicidade19.

Assim, a compreensão das necessidades desse idoso, pelo enfermeiro, pode auxiliá-lo nas suas escolhas, podendo possibilitar ao idoso, migrar da condição de ser-no-mundo, aqui compreendida na perspectiva de Heidegger, como as várias maneiras de existir do humano, ou seja, os múltiplos modos que o homem vive e pode viver22, para a qualidade de vir-a-ser no mundo.

Quando o idoso migra do ser-no-mundo para o vir-a-ser, está superando os seus limites, para isso, é fundamental compreender que o idoso necessita tornar-se, e não permitir que o enfermeiro e familiares façam por ele22.

Para tanto, as famílias que estão vivenciando esse fenômeno, também, precisam ser cuidadas, com eficiente suporte social que as estruture e lhes ofereça condições físicas e emocionais para se manterem saudáveis, cuidando do familiar idoso sob sua dependência. Isso inclui o conhecimento de orientações recebidas da equipe de saúde sobre como conduzir a assistência domiciliar ao idoso e o auxílio em suas necessidades e atividades da vida cotidiana10.Dessa maneira, faz-se necessário a inclusão dos mesmos em programas sociais que lhes permitam condições básicas de reinserção e cidadania, para que possam cumprir o papel que lhes é social e legalmente atribuído. Mesmo acamado, o idoso pode manter suas funções cognitivas preservadas e, com isso, continuar participando das decisões, que são tomadas pelas instituições e/ou grupos de convivência e com isso, manter o vínculo. Cabe à sociedade mantê-lo envolvido nas atividades, ainda que, de forma não presencial, levando em consideração os direitos humanos das pessoas mais velhas e os princípios de independência, participação, dignidade, assistência e autorrealização estabelecidos pela Organização das Nações Unidas28,29.

As vivências cotidianas no atendimento aos idosos acamados elucidam que o enfermeiro pode estabelecer parcerias com escolas, por meio de projetos onde jovens possam contribuir na manutenção da cognição do idoso, propondo atividades de leitura, interpretação, jogos, entre outros. Dessa forma, jovens e idosos apreendem com suas experiências.

Portanto, ressaltam-se mais uma vez, a importância d enfermeiro compreender o mundo do ser-idoso em tratamento conservador de FPF e seus familiares e de experimentar os diversos modos de ser, de forma a promover o cuidado olhando para o contexto em que estão inseridos. Esse mundo/contexto, geralmente, é o domicílio do idoso ou de algum familiar dependendo da forma de organização da família e tem suas particularidades e diferenças que são de caráter cultural, social e espiritual que, influenciam, diretamente, na forma em que vai ser realizado o cuidado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A decisão pelo tratamento conservador do idoso com FPF não é uma atribuição do Enfermeiro, no entanto, o cuidado domiciliar após a alta hospitalar é sua competência, sendo fundamental para o sucesso da terapêutica instituída.

Nesse sentido, valorizar os sentidos do vivido do idoso e família experienciando esse fenômeno pode auxiliar o enfermeiro na formação de vínculo e, com isso, favorecer o cuidado necessário às adaptações biológicas, psicológicas e sociais que acompanham o tratamento. No entanto, acredita-se que as dificuldades enfrentadas podem ser minimizadas quando ocorre o estabelecimento de relações de confiança entre enfermeiro e idoso/família.

A abordagem fenomenológica oferece subsídios para que o profissional auxilie o idoso e sua família a aceitar as modificações necessárias ao estilo de vida e, ao mesmo tempo, possibilite garantir o máximo de independência.

REFERÊNCIAS:

Carvalho CJA. Experiência do idoso com fratura de fêmur [tese]. Botucatu (SP): UEP/Universidade Estadual Paulista; 2013.
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [Internet]. Sinopse do censo demográfico 2010. 2010 [citado 19 Jan 2015]. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2010/sinopse.pdf
Martins LO. A contribuição do trabalho do assistente social em centro de convivência para idosos: limites e possibilidades. Rev. UNIABEU . 2011 set-dez; 4(8):163-78.
Biazin TB. Avaliação da capacidade funcional pós-trauma em idosos [tese]. Ribeirão Preto (SP): Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, Universidade de São Paulo; 2006.
Mathias TAF, Mello Jorge MHP, Andrade OG. Morbimortalidade por causas externas na população idosa residente em município da região sul do Brasil. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2006 jan-fev; 14(1):17-24. Link DOI
Ferreira ACF, Almeida DR, Campos WNL, Campos FMC, Tomazelli R, Romão DF. Incidência e caracterização de idosos na clínica ortopédica do Hospital Regional de Cáceres por fratura de fêmur, Cáceres MT. Revista Gestão & Saúde. 2013; 4(2): 53-67.
Parker M, Johansen A. Hip fracture. BMJ. 2006 July; (333): 27-30. Link DOI
Rigol JP. Avaliação funcional de fratura transtrocanteriana instável do fêmur em idosos [dissertação]. Porto Alegre (RS): Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 2011.
Dai LY, Jiang LS, Jiang SD. Conservative treatment of thoracolumbar burst fractures: a long-term follow-up results with special reference to the Load Sharin classification. Spine. 2008 Nov; 33(23): 2536-44. Link DOILink PubMed
Ministério da Saúde (BR). Portaria nº 2.029, de 24 de agosto de 2011. Institui a Atenção Domiciliar no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União, Brasília (DF), 25 ago 2011. Seção 1:1.
Milbrath VM, Siqueira HCH, Motta MGC, Amestoy SC. Família da criança com paralisia cerebral: percepção sobre as orientações da equipe de saúde. Texto Contexto Enferm. [on line] 2012 out/dez; [citado em 2015 jan 19]; 21(4): [aprox. 7 telas]. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/tce/v21n4/24.pdf Link DOI
Silva JMS. Sujeitabilidade e autonomia: Um olhar hermenêutico da formação de lideranças no mundo plural. Interfaces. [on line] 2006 ago/dez; [citado 2015 out 27]; 12(6): [aprox. 21 telas]. Disponível em: https://interfacesdesaberes.fafica-pe.edu.br/index.php/import1/article/view/32/16
Souza ICP, Silva AG, Quirino ACS, Neves MS, Moreira LR. Perfil de pacientes dependentes hospitalizados e cuidadores familiares: Conhecimento e preparo para as práticas do cuidado domiciliar. Reme, Rev. Min. Enferm. 2014 jan-mar; 18(1): 164-72.
Araújo I, Paul C, Martins M. Viver com mais idade em contexto familiar: dependência no auto cuidado. Rev. Esc. Enferm. USP. [on line] 2011 jul/ago; [citado 2014 nov 25]; 45(4). Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v45n4/v45n4a11.pdf Link DOI
Pedreira LC, Lopes RLM. Vivência do idoso dependente no domicílio: análise compreensiva a partir da historicidade heideggeriana. Rev. Eletr. Enf. [on line] 2012 abr/jun; [citado em 2014 nov 19]; 14(2). Disponível em: http://dx.doi.org/10.5216/ree.v14i2.10313 Link DOI
Heidegger M. Seminários de Zollinkon. 2ª ed. Petrópolis (RJ): Vozes; 2009.
Mendes KDS, Silveira RCCP, Galvão CM. Revisão integrativa: método de pesquisa para a incorporação de evidências na saúde e na enfermagem. Texto Contexto Enferm. 2008 out/dez; 17(4): 758-64.
Silva LWS, Araújo TC, Santos FF, Lima AA, Santos GB, Lima LV. A família na convibilidade com o idoso acamado no domicílio. Kairós. 2011 jun; 14(3): 75-87.
Rocha L, Budó MLD, Beuter M, Silva RM, Tavares JP. Vulnerabilidade de idosos às quedas seguidas de fratura de quadril. Esc Anna Nery. 2010 out/dez; 14(4): 690-6. Link DOI
Heidegger, M. Introdução à filosofia. Trad. Marco Antonio Casanova. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes; 2008.
Nogueira RP. A saúde da Physis e a saúde do Dasein em Heidegger. Physis. [on line] 2007 set/dez; [citado 2015 jan 17]; 17(3): [aprox. 21 telas]. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/physis/v17n3/v17n3a02.pdf Link DOI
Heidegger M. Ser e tempo. 13ª ed. Parte I e II. Petrópolis (RJ): Vozes; 2005.
Moraes JRMM, Cabral IE. A rede social de crianças com necessidades especiais de saúde na (in)visibilidade do cuidado de enfermagem. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2012 mar/abr; 20(2): 282-88. Link DOI
Almeida CSL, Sales CA, Marcon SS. O existir da enfermagem cuidando na terminalidade da vida: um estudo fenomenológico. Rev. Esc. Enferm. USP. [on line] 2014; jan/fev; [citado 2014 nov 25]; 48(1): [aprox. 6 telas]. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v48n1/pt_0080-6234-reeusp-48-01-34.pdf
Roselló FT. Antropologia do cuidar. Trad. Guilherme Laurito Summa. Petrópolis: Vozes; 2009.
Waldow VR. Enfermagem: a prática do cuidado sob o ponto de vista filosófico. Investigaciónen Enfermería: Imagen y Desarrollo. 2015 ene/jun; 17(1): 13-25.
Motta MGC. O entrelaçar de mundos: família e hospital. In: Elsen I, Marcon SS, Silva MR, organizadores. O viver em família e sua interface com a saúde e a doença. Maringá: Eduem; 2004. p.153-167.
Ministério da Saúde (BR). Agência Nacional de Saúde Suplementar. Resolução Normativa nº 264 19 de agosto de 2011. Dispõe sobre Promoção da Saúde e Prevenção de Riscos e Doenças e seus Programas na saúde suplementar. [citado 2014 nov 25] Disponível em: https://www.mediservice.com.br/documentos/RN%20264.pdf
Ministério da Saúde (BR). Agência Nacional de Saúde Suplementar. Resolução Normativa nº 265 de 19 de agosto de 2011. Dispõe sobre a concessão de bonificação aos beneficiários de planos privados de assistência à saúde pela participação em programas para Promoção do Envelhecimento Ativo ao Longo do Curso da Vida e de premiação pela participação em programas para População-Alvo Específica e programas para Gerenciamento de Crônicos. [citado 2014 nov 25]. Disponível em: http://www.ans.gov.br/component/legislacao/?view=legislacao&task=TextoLei&format=raw&id=MTc5Ng==

© Copyright 2024 - Escola Anna Nery Revista de Enfermagem - Todos os Direitos Reservados
GN1