Volume 20, Número 1, Jan/Mar - 2016
PESQUISA
Fatores associados ao inadequado controle pressórico em
pacientes da atenção primária*
Mayckel da Silva Barreto
1
Laura Misue Matsuda
1
Sonia Silva Marcon
1
1 Universidade Estadual de Maringá. Maringá, PR, Brasil
Recebido em 26/11/2014
Aprovado em 24/11/2015
Autor correspondente:
Mayckel da Silva Barreto
E-mail: mayckelbar@gmail.com
RESUMO
OBJETIVOS:
Identificar a associação entre fatores socioeconômicos, pessoais e de cuidado
à saúde, com o inadequado controle pressórico.
MÉTODOS:
Estudo descritivo, transversal, realizado junto a 392 indivíduos com
hipertensão arterial, selecionados aleatoriamente e de forma proporcional,
dentre os cadastrados nas 23 Unidades Básicas de Saúde de um município do
Sul do Brasil. Os dados foram coletados nos domicílios, no período de
dezembro de 2011 a março de 2012, utilizando-se um questionário
semiestruturado.
RESULTADOS:
Quase metade dos entrevistados apresentou inadequado controle pressórico, o
qual esteve associado à idade igual ou superior a 60 anos; não adesão à
farmacoterapia; não comparecimento às consultas agendadas e; consumo de três
ou mais drogas anti-hipertensivas.
CONCLUSÃO:
Dentre às ações para melhorar o controle pressórico das pessoas com
hipertensão arterial, a equipe de saúde necessita criar estratégias que
estimulem o comparecimento às consultas aprazadas e simplifiquem o esquema
terapêutico. Tais atividades devem enfocar especialmente os idosos.
Palavras-chave: Hipertensão; Prevenção de Doenças; Fatores de Risco; Atenção Primária à Saúde; Enfermagem
INTRODUÇÃO
A hipertensão arterial sistêmica (HAS) apresenta gênese multifatorial, caráter crônico insidioso e evolução oligo/assintomática, o que contribui para a não adesão do hipertenso ao tratamento medicamentoso e/ou para o inadequado controle pressórico1. A manutenção de níveis tensionais elevados, por sua vez, se constitui em fator de risco para o surgimento de complicações a médio e longo prazo, as quais seguramente implicam na necessidade de maior controle da Pressão Arterial (PA) da população, pelos profissionais que atuam na Atenção Primária à Saúde (APS)2,3.
Sabe-se, contudo, que o controle clínico das Doenças Crônicas (DC) como a HAS, esbarra em dificuldades de várias ordens, entre elas, os problemas estruturais, tais como acesso limitado às consultas, exames e medicamentos e problemas relacionados aos profissionais, que além da falta de trabalhadores capacitados, muitos se apresentam desmotivados e insatisfeitos no trabalho4. Além dos fatores referidos, outros relativos aos usuários como às más condições socioeconômicas, influências culturais e comportamentais, interferem no processo da adesão ao tratamento das DC, comprometendo a qualidade da assistência prestada e o desfecho clínico de interesse (controle da PA)4.
Diante da realidade mencionada, estimativas apontam que apenas um terço das pessoas regularmente acompanhadas em serviços básicos de saúde tem sua PA mantida em níveis desejáveis5, o que favorece a ocorrência anual de mais de um milhão de internações por doenças do aparelho circulatório, com custo aproximado de um bilhão e 800 milhões de reais, mantendo-se como a principal causa de mortes no Brasil6.
Para reduzir os números supracitados, é fundamental que a equipe de saúde investigue os hábitos e o estilo de vida das pessoas com HAS, durante o atendimento, nas consultas médicas e de enfermagem, a fim de obter dados concretos para o planejamento de uma assistência individualizada, sistematizada e holística, com vistas ao controle efetivo da doença7.
Em que pese à importância e a necessidade de os profissionais de saúde atuarem sistematicamente na prevenção e tratamento da HAS, estudos brasileiros, voltados à investigação de fatores que se associam ao descontrole pressórico de pacientes atendidos na APS são escassos e dentre os existentes, consta que muitos profissionais desconhecem às razões pelas quais os pacientes não aderem ao tratamento recomendado8.
Mediante a problemática apresentada, este estudo se justifica porque, o conhecimento referente à ocorrência e aos fatores que se associam ao descontrole pressórico de indivíduos hipertensos, possibilita que gestores, profissionais da saúde e clientes, planejem conjuntamente, ações mais eficientes e efetivas para o tratamento e monitoramento da HAS.
Considerando que a adesão ao tratamento e controle das DC, depende de múltiplos fatores, questiona-se: Fatores socioeconômicos, pessoais e de cuidados à saúde, interferem no controle pressórico de pacientes com HAS? E, para responder a essa questão, propôs-se a realização deste estudo que teve como objetivo, identificar a associação entre fatores socioeconômicos, pessoais e de cuidado à saúde, com o inadequado controle pressórico de pessoas com HAS assistidas na Atenção Primária.
MÉTODOS
Estudo descritivo, de corte transversal, realizado junto a indivíduos com HAS, em tratamento ambulatorial na APS de um município da região Sul do Brasil que possui população aproximada de 357 mil habitantes, os quais eram, por ocasião da coleta de dados, acompanhados por 25 unidades básicas de saúde (UBS), as quais possuem equipes da Estratégia Saúde da Família (ESF). Para os fins desta pesquisa, utilizou-se a área de abrangência das 23 UBS localizadas no perímetro urbano do município.
O tamanho da amostra foi calculado com base no total de pessoas com HAS, cadastradas no município (40.073), considerando-se um percentual de 50% que pudesse apresentar a característica de interesse (inadequado controle pressórico), com erro de estimativa de 5% e 95% de intervalo de confiança, acrescido de mais 10% para possíveis perdas, o que resultou em uma amostra de 422 indivíduos, selecionados de forma aleatória e estratificada, com distribuição proporcional do tamanho amostral entre as pessoas com HAS cadastradas em cada UBS.
Como critérios de inclusão no estudo consideraram-se: idade igual ou superior a 18 anos e estar em tratamento medicamentoso há, no mínimo, um ano. Os critérios de exclusão foram: indivíduos com contraindicação de terapia anti-hipertensiva (dois casos) e com diagnóstico psiquiátrico de transtorno mental em fase aguda (quinze casos). Estes, devido às próprias características da doença, tendem a não aderir fielmente à terapêutica, uma vez que, em muitos casos dependem de outras pessoas para a tomada correta dos medicamentos de uso contínuo, o que interfere no controle pressórico.
Para a coleta dos dados, primeiramente, obteve-se da Secretaria Municipal de Saúde uma listagem, dividida por UBS, com os dados cadastrais das pessoas com HAS, as quais receberam uma numeração. Por meio de sorteio eletrônico foram determinadas aquelas que seriam entrevistadas. Nos casos em que a pessoa sorteada não atendia aos critérios de inclusão ou se negava a participar da pesquisa, automaticamente a próxima da lista era convidada a participar do estudo, repetindo-se esta operação por até três vezes.
Após o levantamento dos endereços e telefones dos indivíduos sorteados, o que ocorreu nas UBS, procedeu-se à coleta de dados propriamente dita, desenvolvida durante os meses de dezembro de 2011 a março de 2012, por meio de consulta a prontuários nas UBS e entrevista semiestruturada realizadas no domicílio, com a aplicação de um questionário que contemplava o perfil pessoal, socioeconômico e de acompanhamento à saúde.
Para mensurar a não adesão à farmacoterapia utilizou-se um instrumento9 de avaliação indireta, validado e intitulado: Questionário de Não Adesão de Medicamentos da Equipe Qualiaids (QAM-Q), que foi desenvolvido para abordar o ato (se o indivíduo toma e quanto toma de seus medicamentos), o processo (como ele toma o medicamento no período de sete dias) e o resultado da adesão - no caso, se sua PA estava controlada.
O referido instrumento consta de três perguntas baseadas nos últimos sete dias: 1) Em quais dias da semana o(a) Sr.(a) não tomou ou tomou a mais pelo menos um comprimido deste remédio?; 2) Nestes dias, quantos comprimidos o(a) Sr.(a) deixou de tomar ou tomou a mais?; 3) Como estava sua pressão na última vez que o(a) Sr.(a) mediu?. Vale ressaltar que para cada medicação anti-hipertensiva foram feitas as duas primeiras perguntas, para verificar o modo como o indivíduo usava cada um de seus medicamentos.
As respostas resultaram em uma medida composta, em que foram considerados aderentes somente os indivíduos que relataram ter tomado de 80% a 120% das doses prescritas. Esses valores são obtidos pela multiplicação do número de comprimidos consumidos pelo número de vezes, dividido pelo número de comprimidos prescritos multiplicado pelo número de vezes. Por fim, o resultado é multiplicado por cem.
A adesão ainda esteve condicionada à tomada adequada, ou seja, sem "feriados" (não tomar qualquer medicamento durante um dia); "troca de horário" (tomar a dose correta, porém em horários errados); "troca de dose" (aumentar ou diminuir a quantidade do medicamento ou entre os medicamentos); "tomada errática" (deixar de tomar os medicamentos em dias e horários variados); "meia adesão" (tomar corretamente um medicamento e outro de maneira incorreta); "abandono parcial" (deixar de tomar um ou mais de seus medicamentos); "abandono" (não tomar nenhuma dose de todos os medicamentos nos últimos sete dias) e; ao relato de que a PA estava normal na última aferição (desfecho clínico).
Optou-se por utilizar o QAM-Q por ser um instrumento abrangente, que abarca três diferentes dimensões do constructo referente à adesão (tomada da dose, comportamento quanto à medicação e; desfecho clínico), apresentar a mesma efetividade do uso concomitante de outros instrumentos e possibilitar mais facilidade e rapidez na aplicação9.
O relato do entrevistado foi utilizado para a determinação das variáveis relacionadas ao cuidado em saúde, como a frequência de medida da PA (semanal ou mensal) e o comparecimento nas atividades de grupo (reuniões do Hiperdia, caminhadas na UBS e palestras) e nas consultas médicas previamente agendadas.
As informações foram digitadas em uma planilha do Excel for Windows 2007® e posteriormente analisadas descritiva e estatisticamente com o auxílio do software Statistical Analysis System - SAS®. Os entrevistados foram divididos em dois grupos, de acordo com a classificação dos valores pressóricos, a qual se baseou em diretrizes brasileiras e internacionais10. Foram considerados hipertensos com PA não controlada os indivíduos que, no prontuário, no intervalo máximo de um ano, apresentaram, em três das cinco últimas aferições, valores de pressão arterial sistólica (PAS) superiores a 140mmHg e/ou de pressão arterial diastólica (PAD) superiores a 90mmHg. Os valores da PA foram as únicas informações verificadas em prontuário.
A fim de se verificar a existência de fatores associados ao inadequado controle pressórico foi realizada regressão logística do tipo Stepwise Backward Elimination, sendo inseridas todas as variáveis no modelo, as quais foram retiradas paulatinamente com base no nível de significância (p < 0,20). Após as análises foram mantidas no modelo final da regressão logística (p < 0,05) somente as variáveis: idade, não adesão à farmacoterapia, comparecimento às consultas médicas e número de medicamentos consumidos. Para essas variáveis foi calculado o Risco Relativo (RR) com o intuito de se verificar a medida da associação.
O estudo foi autorizado pelo Centro de Capacitação Permanente em Saúde da Secretaria Municipal de Saúde e aprovado pelo Comitê Permanente de Ética em Pesquisas Envolvendo Seres Humanos da Universidade Estadual de Maringá, sob o Parecer 631/2011. de acordo com a Resolução nº 196/96 do Conselho Nacional de Saúde (CNS) e suas complementares. Os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido em duas vias.
RESULTADOS
Dentre as 422 pessoas com HAS em estudo, 30 (7,10%) foram excluídas, devido à inexistência de registro de cinco aferições de PA no intervalo de 12 meses. Cabe salientar que isto, por si só, já constitui um resultado do estudo, pois mostra que uma parcela importante dos indivíduos com HAS e que fazem uso contínuo de medicação, não tiveram sua PA verificada nem a cada dois meses.
Evidenciou-se que, entre os 392 participantes, 176 (44,89%) apresentaram inadequado controle pressórico, mesmo consumindo medicações anti-hipertensivas há mais de um ano. A maior parte dessas pessoas era do sexo feminino (59,95%); casada (67,60%); branca (68,85%); com baixa renda familiar (75,01%) e pouca escolaridade (79,08%). Nenhum desses fatores apresentou associação estatisticamente significativa com o inadequado controle pressórico (Tabela 1).
Variáveis | PA controlada | Total | p | ||||
Não | Sim | ||||||
n | % | n | % | n | % | ||
Sexo | |||||||
Masculino | 79 | 20,15 | 78 | 19,90 | 157 | 40,05 | 0,95 |
Feminino | 97 | 24,74 | 138 | 35,21 | 235 | 59,95 | |
Idade | |||||||
< 60 anos | 71 | 18,11 | 72 | 18,36 | 143 | 36,47 | 0,03* |
≥ 60 anos | 105 | 26,78 | 144 | 36,74 | 249 | 63,52 | |
Etnia | |||||||
Branco | 110 | 28,06 | 163 | 41,59 | 263 | 69,65 | 0,77 |
Não Branco | 66 | 16,83 | 53 | 13,52 | 119 | 30,35 | |
Estado civil | |||||||
Com cônjuge | 113 | 28,83 | 152 | 38,77 | 265 | 67,60 | 0,19 |
Sem cônjuge | 63 | 16,07 | 64 | 16,33 | 127 | 32,40 | |
Escolaridade | |||||||
≤ 08 anos | 142 | 36,22 | 168 | 42,86 | 310 | 79,08 | 0,88 |
> 08 anos | 34 | 8,68 | 48 | 12,24 | 82 | 20,92 | |
Classe econômica** | |||||||
Alta | 43 | 10,96 | 55 | 14,03 | 98 | 24,99 | 0,49 |
Baixa | 133 | 33,93 | 161 | 41,08 | 294 | 75,01 | |
Verificou PA na semana | |||||||
Sim | 61 | 15,56 | 105 | 26,78 | 166 | 42,34 | 0,65 |
Não | 115 | 29,34 | 111 | 28,32 | 226 | 57,66 | |
Verificou PA no mês | |||||||
Sim | 122 | 31,12 | 187 | 47,71 | 309 | 78,83 | 0,31 |
Não | 54 | 13,77 | 29 | 7,40 | 83 | 21,17 | |
Comparecimento ao grupo | |||||||
Sim | 80 | 20,41 | 123 | 31,37 | 203 | 51,78 | 0,54 |
Não | 96 | 24,49 | 93 | 23,73 | 189 | 48,22 | |
Comparecimento às consultas | |||||||
Sim | 141 | 36,06 | 207 | 52,94 | 348 | 89,00 | 0,00* |
Não | 35 | 8,95 | 08 | 2,05 | 43 | 11,00 | |
Nº de medicamentos | |||||||
≤ 02 | 130 | 33,16 | 197 | 50,26 | 327 | 83,42 | 0,00* |
≥ 03 | 46 | 11,73 | 19 | 4,85 | 65 | 16,58 | |
Adesão a farmacoterapia | |||||||
Sim | 29 | 7,40 | 196 | 50,00 | 225 | 57,40 | 0,00* |
Não | 147 | 37,50 | 20 | 5,10 | 167 | 42,60 |
Verificou-se também que a maioria se encontrava na faixa etária acima dos 60 anos (63,52%) e que o inadequado controle pressórico foi mais frequente entre estas (p = 0,03). O cálculo do RR demonstrou que os indivíduos com 60 anos ou mais tiveram chance 0,8 (IC: 0,68 - 1,06) vezes maior de não controlar a PA.
No concernente aos cuidados com a saúde, constatou-se que os indivíduos com HAS, em sua maioria, não haviam verificado a PA na última semana (57,66%). Em contrapartida, grande parte deles referiu comparecer rotineiramente às atividades do grupo de hipertensos na UBS (51,78%) e ter verificado a PA no último mês (78,83%), porém esses fatores também não apresentaram associação estatística com o descontrole da PA.
Em relação a não adesão ao tratamento medicamentoso anti-hipertensivo pôde-se constatar que 167 (44,90%) partícipes foram considerados não aderentes e destes, 147 (88,02%) não apresentavam valores pressóricos em níveis desejáveis (p = 0,00). Evidenciou-se que os indivíduos não aderentes ao tratamento tiveram chance 9,0 (IC: 6,74 - 12,07) vezes maior de apresentar descontrole pressórico.
Constatou-se ainda que, 43 entrevistados referiram não comparecer assiduamente às consultas agendadas na UBS e destes, 35 (81,39%) não apresentavam controle pressórico satisfatório (p = 0,00). Tais indivíduos tiveram chance 5,3 (IC: 2,8 - 10,2) vezes maior de não controlar a PA.
Outra característica que igualmente se mostrou como preditora do inadequado controle pressórico foi o número de medicamentos consumidos (p = 0,00), visto que indivíduos com prescrições medicamentosas de três ou mais drogas tiveram chance 1,2 (IC: 1,13 - 1,35) vezes maior de apresentar baixo controle pressórico, quando comparados com aqueles que faziam uso de até duas medicações.
DISCUSSÃO
Estudos realizados no Brasil têm identificado altas prevalências de inadequado controle pressórico, o que não se configurou de forma distinta na presente investigação, cuja prevalência foi de 44,89%. Pesquisas realizadas com pacientes hipertensos em tratamento na APS, no Espírito Santo e em São Paulo, evidenciaram, respectivamente prevalências de 50,15%7 e 78,0%1 de PA não controlada.
Cabe destacar que os estudos referidos anteriormente consideraram descontrole pressórico quando a PA, verificada no momento da entrevista estava alterada, com a utilização de manômetro digital. Acredita-se que a determinação do descontrole pressórico, a partir da consulta a prontuários e levando em consideração um espaço de tempo relativamente longo, como foi o caso no presente estudo, possa reduzir os vieses no levantamento de prevalências de hipertensos com PA não controlada, visto que os níveis tensionais sofrem influências momentâneas do ambiente, da alimentação e do estado emocional do indivíduo.
Entre os fatores socioeconômicos apontados pela literatura11 como preditores do inadequado controle pressórico, verificou-se no presente estudo que apenas a idade mais elevada dos hipertensos, esteve associada ao desfecho de interesse.
Em que pese o fato de estudos terem apontado níveis mais elevados de PA entre pessoas mais velhas, existem evidências de que não apenas a idade é empecilho para a manutenção de cifras pressóricas adequadas. Investigação realizada na Índia, mostrou que existem populações idosas que permanecem isoladas e apresentam baixos índices de HAS, como é o caso de mulheres que vivem reclusas em zonas rurais afastadas11. Este fato levou os autores a considerarem que, fatores como a urbanização e o estilo de vida moderno podem exercer maior influência no controle da doença do que propriamente a idade.
Outro fator que merece destaque é o comportamento dos pacientes frente às medicações, pois se observa que, dado ao aumento de estudos do tipo ensaio clínico, novas drogas ou esquemas de associação com outras já conhecidas, têm aparecido e aumentado o arsenal terapêutico para às DC, como a HAS. Apesar disso, quem trata de pacientes com essa doença, continua esbarrando em um problema secular: a falta de adesão à terapia medicamentosa, o que aumenta a ocorrência de complicações e agravos4. Nesta perspectiva, semelhantemente ao encontrado no presente estudo, investigação realizada com 109 indivíduos com HAS, constatou que os não aderentes ao tratamento medicamentoso tiveram maiores chances de apresentar inadequado controle pressórico12.
Estudo de caso-controle, realizado em um serviço especializado envolvendo 57 pessoas com HAS, divididas em dois grupos, dos quais um recebeu aparelho de aferição da PA e orientações de como utilizá-lo, demonstrou que após seis meses de acompanhamento, os pacientes do grupo intervenção atingiram mais rapidamente as metas de tratamento, com queda significativa na PAS e PAD. Essa diferença foi explicada pelo aumento da adesão ao tratamento farmacológico, desencadeado pela maior frequência das medições da PA13.
Esses resultados reforçam a importância de gestores e profissionais da saúde adotarem medidas específicas e individualizadas no sentido de, melhorar a adesão do paciente ao tratamento e incentivá-lo a verificar com maior frequência a PA. Para tanto é necessário inseri-lo em todas as etapas do processo terapêutico, informando-o sobre a relevância de atingir as metas pressóricas, bem como dos meios a serem utilizados13.
Com base na afirmação anterior, considera-se que os profissionais de saúde, sobretudo os da APS, devem estar instrumentalizados e sensibilizados para atuar junto à população hipertensa, com o intuito de que, na medida de suas possibilidades, aumentem as taxas de adesão ao tratamento medicamentoso, pois existem evidências de que, o correto seguimento terapêutico, diminui a mortalidade; as consultas de emergência; as internações e; por conseguinte, os custos médico-hospitalares5. Além dos benefícios referidos, a adesão ao tratamento da HA, tende a promover o bem-estar do paciente e a melhora da sua qualidade de vida e também, da sua família5.
No que tange ao número de fármacos utilizados para o tratamento da HAS, evidenciou-se que a maioria dos entrevistados (83,42%), fazia uso de até duas medicações, porém o inadequado controle pressórico foi mais frequente entre os que ingeriam mais comprimidos. Estudo realizado em uma capital do Sul do Brasil junto a 206 indivíduos com HAS evidenciou que os entrevistados com baixa adesão ao tratamento farmacológico apresentaram tendência a ter número médio maior de medicamentos em uso14.
Essa situação, em parte, pode ser atribuída ao fato de que quanto maior o número de medicamentos prescritos, maior o risco de potenciais interações perigosas e efeitos adversos, resultando em baixa adesão ao tratamento ou ainda que mais medicações consumidas, contribuem para o aumento da complexidade da farmacoterapia e, consequentemente, para as formas desviantes de seguimento terapêutico4.
De acordo com o exposto, a simplificação do esquema terapêutico é um dos pontos-chave para o incremento da adesão aos tratamentos crônicos, como o da HAS. Destarte, a diminuição do número de medicamentos e da frequência de suas dosagens (de preferência, uma única dose diária) parece ser um aspecto que favorece a adesão e melhora o controle dos níveis tensionais em pessoas com HAS15.
Vale ressaltar, ainda, que o horário da tomada dos medicamentos também vem sendo apontado como fator que intervém na adesão ao tratamento, pois quando se relaciona o horário das dosagens com as atividades da rotina diária (que sirvam de lembretes, por exemplo, antes do desjejum ou após as refeições), há melhora no nível de adesão e do controle pressórico15. Nesse aspecto, adaptar e simplificar o esquema terapêutico dos pacientes constitui, portanto, uma das estratégias que os profissionais podem utilizar para favorecer a adesão ao tratamento.
A não assiduidade dos pacientes aos encontros/consultas também ocupou lugar de destaque entre os preditores do descontrole pressórico nesta investigação. Estudos apontam que entre os indivíduos acompanhados por programas de HAS, aqueles mais assíduos aos encontros promovidos pelos profissionais, tanto na UBS (consulta médica) como na comunidade (atividades de grupo), apresentam maior redução dos níveis tensionais1,11.
No Brasil, o HIPERDIA, constitui uma ferramenta que, quando empregada segundo os protocolos, pode favorecer o alcance de bons resultados na assistência às pessoas com HAS. Seu principal objetivo é cadastrar indivíduos com HAS e/ou diabetes mellitus (DM) atendidos na rede ambulatorial do Sistema Único de Saúde (SUS), com o intuito de gerar informação para aquisição, distribuição e dispensação de medicamentos de modo regular e sistemático. Além do cadastro, este sistema favorece o acompanhamento da assistência prestada, a garantia do recebimento dos medicamentos prescritos e a verificação do perfil epidemiológico desta população, levando ao desencadeamento de estratégias de saúde pública que melhorem a qualidade de vida dessas pessoas e reduza os custos sociais com as doenças e seus agravos16.
Por sua vez, apesar da implementação do HIPERDIA ter ocorrido há quase quinze anos, estudo de revisão da literatura17 evidenciou que muitas localidades ainda não o utilizam como ferramenta para o planejamento e avaliação da qualidade da assistência prestada. Esse fato se constitui em importante desafio aos profissionais e gestores dos serviços de saúde da APS porque, a utilização do HIPERDIA de maneira adequada, na extensão territorial do país, poderá resultar num salto de qualidade na assistência à população, minimizando o surgimento de agravos e complicações decorrentes da HAS e do DM.
Outro relevante e atual desafio dos profissionais que atuam no HIPERDIA é garantir a presença do paciente na unidade de saúde, já que isso parece constituir condição determinante para o adequado manejo do tratamento da HAS, talvez por promover motivação individual e gerar atitudes que contribuem para a redução da PA. Corroborando com esse pensamento, estudo qualitativo realizado junto a 14 enfermeiros apontou que na percepção desses profissionais, consultas mais frequentes propiciam melhor monitoração dos níveis pressóricos, assim como o acesso a mais informações que, por sua vez, alicerçam e fortalecem a adesão à terapêutica18.
Apesar de o número de consultas nas unidades de saúde se relacionar fortemente com o controle pressórico, a literatura ainda aponta que a prática clínica e as evidências apresentadas pelas pesquisas, não são suficientemente satisfatórias para afirmar que somente a assiduidade dos indivíduos às consultas é suficiente para promover a redução dos valores da PA11. Desta forma, acredita-se ser necessário considerar também o método de trabalho aplicado no acompanhamento aos hipertensos; as atividades desenvolvidas pelos profissionais; a qualidade da assistência prestada e; as relações estabelecidas entre o paciente e o profissional de saúde.
Aponta-se para a necessidade imperiosa de se reformular as atividades desenvolvidas pelos profissionais de saúde aos indivíduos com HAS, pois percebe-se na prática que a assistência a esta parcela populacional, incluindo as atividades do HIPERDIA, ainda se encontram centradas no modelo biomédico especializado e fragmentado que, não suprem as necessidades das distintas e múltiplas demandas dos pacientes, já que permite pouco espaço para a escuta qualificada, acolhimento e compreensão do sofrimento, se refletindo em um cuidado fragmentado ao indivíduo e sua família.
Em conformidade com o que foi exposto, um estudo prospectivo, realizado no Rio de Janeiro (RJ), com 196 pessoas hipertensas, divididas em dois grupos - um atendido apenas por consultas médicas previamente agendadas e outro, acompanhado por equipe multiprofissional composta de médico, enfermeiro e nutricionista, o qual realizava atividades de educação para a saúde e de lazer - evidenciou que no segundo grupo, após cinco anos de acompanhamento, houve queda significativa nos níveis tensionais (de 160/100mmHg para 130/80mmHg), enquanto no primeiro observou-se queda menos acentuada (de 160/90mmHg para 140/90mmHg)2.
Estudo semelhante realizado nos Estado Unidos da América, junto a 279 indivíduos com HAS, divididos em dois grupos: intervenção (consultas médicas e atividades de educação para a saúde) e controle (consultas médicas) demonstrou que após 12 meses de acompanhamento houve queda significativa na PAS dos pacientes do grupo intervenção (-10,6 mmHg), quando comparados com o grupo controle (-2,0 mmHg)19.
Aqui no Brasil já foi evidenciado que adultos com HAS que participam de programas de educação para a saúde, desde que sejam multidisciplinares, estruturados e eficazes, apresentam significativa melhora nas condições de saúde, tanto no que se refere à diminuição dos fatores de risco, como na melhoria da adesão ao tratamento instituído1. Além disso, estudo assevera que as intervenções educativas, realizadas pela equipe de saúde, produzem consideráveis mudanças de comportamento nos pacientes, entretanto tais ações não são fáceis de serem implementadas, por dependerem de fatores como: o método utilizado e a própria interação da equipe com os sujeitos e suas famílias18.
Um estudo realizado na região Nordeste do Brasil, junto a 135 indivíduos com HAS, assistidos pela APS, revelou que os entrevistados apresentaram aumento na normalização da PA (de 28,9% para 57,0% de hipertensos controlados) após a atuação da equipe multiprofissional da ESF e após a inclusão do paciente e sua família no delineamento do tratamento proposto, mostrando quanto a assistência dos profissionais da ESF, compartilhada com os familiares, pode ser eficiente. Para tanto, é imprescindível a reorganização do cuidado primário fundamentada na integração de uma equipe multiprofissional com o doente crônico e sua família, cada qual com suas competências, direitos e deveres definidos3.
A despeito de algumas limitações metodológicas, como o fato de os participantes do estudo terem sido selecionados a partir daqueles cadastrados no Programa Hiperdia e que realizavam tratamento medicamentoso, há no mínimo um ano, o que resultou em uma amostra constituída principalmente por mulheres e idosos, e ainda dos diferentes métodos possíveis para identificação do inadequado controle pressórico, o que dificulta a comparabilidade dos resultados encontrados, pode-se afirmar que a prevalência de pessoas que fazem tratamento para HAS na APS e que não tem um controle adequado das cifras tensionais, é elevado (44,89%) e não difere muito do que tem sido encontrado em outras localidades brasileiras. Essas questões, portanto, constituem desafio para o setor saúde em cidades com diferentes portes populacionais e localizadas nas mais diversas regiões do país.
Como já mencionado anteriormente, a adoção de medidas de intervenção que visem aumentar o número de indivíduos que realizam um adequado controle pressórico, não é simples e nem fácil, pois precisa considerar os múltiplos fatores envolvidos na adesão ao tratamento. Porém, os resultados encontrados são preocupantes e indicam a premência de esforços por parte dos gestores e dos profissionais de saúde quanto à necessidade de medidas mais eficazes no controle da HAS. Isto porque o controle dos níveis tensionais é fundamental para uma significativa redução da morbimortalidade por doenças cerebrovasculares, principalmente quando há uma comorbidade associada que aumenta a gravidade da doença2. Além disso, é sabido que pessoas com HAS que seguem rigorosamente um tratamento farmacológico prescrito de forma adequada e realizam mudanças em seu estilo de vida, tem considerável redução de danos à saúde e aumento da expectativa de vida7.
Considerando então os resultados deste estudo, sugere-se que o enfermeiro da APS, ao atuar junto aos indivíduos com HAS, em especial os idosos, realize atendimentos sistematizados, respeitando os contextos que eles vivem; que objetivem melhorar os resultados relacionados à doença; promovam a autonomia e o estilo de vida saudável; favoreçam as adaptações requeridas à condição de ser hipertenso que culminem em melhoria da sua qualidade de vida.
Para se atingir os objetivos acima citados, é indispensável criar e/ou aproveitar os espaços de vivências com o paciente e a família, como por exemplo, os grupos de HIPERDIA. Também é indicado, que os grupos sejam conduzidos de acordo com que é estabelecido nos protocolos do Ministério da Saúde, de modo a favorecer o planejamento do cuidado relacionado ao tratamento da doença e a troca de informações entre os usuários e entre estes e os profissionais de saúde. Por fim, é necessário que se elaborem estratégias de intervenção que busquem a adesão ao controle pressórico e a simplificação das prescrições medicamentosas, que inclui, por exemplo, a associação da tomada dos medicamentos com as atividades da vida diária, como antes do café da manhã ou depois do almoço.
CONCLUSÃO
Os resultados deste estudo evidenciaram que aproximadamente 45% dos indivíduos com HAS, assistidos na Atenção Primária de um município da região Sul do Brasil, apresentaram inadequado controle dos níveis tensionais. Isso reforça a importância da equipe de saúde, em especial o enfermeiro, atuar no sentido de que as pessoas com HAS possam aderir de forma mais eficaz ao tratamento proposto, favorecendo o controle dos níveis tensionais.
Fatores como idade igual ou superior a 60 anos, não adesão à farmacoterapia, falta às consultas médicas aprazadas e prescrição de maior número de medicações, merece atenção especial dos profissionais de saúde que atuam junto à população hipertensa, já que tais variáveis mostraram associação com inadequado controle pressórico, porém são passíveis de atuação conjunta entre a equipe multiprofissional de saúde e a pessoa com HAS.
REFERÊNCIAS
* Extraído da dissertação: "Não-adesão à terapêutica medicamentosa em indivíduos com hipertensão arterial em Maringá - Paraná" Programa de Pós Graduação da Universidade Estadual de Maringá, 2012. Projeto financiado pelo CNPq - Edital Universal - Processo 485807/2011-4.