Volume 20, Número 1, Jan/Mar - 2016
PESQUISA
Captação do fígado do doador para o transplante: Uma
proposta de protocolo para o enfermeiro
Francisca Diana da Silva Negreiros
1
Alice Maria Correia Pequeno Marinho
1
José Huygens Parente Garcia
1
Ana Patrícia Pereira Morais
1
Maria Isis Freire de Aguiar
1
Silvana Linhares de Carvalho
1
1 Universidade Federal do Ceará. Fortaleza - CE, Brasil
Recebido em 24/07/2015
Aprovado em 24/12/2015
Autor correspondente:
Francisca Diana da Silva Negreiros
E-mail: negreiros.diana@gmail.com
RESUMO
OBJETIVO:
Propor um modelo de protocolo assistencial para o enfermeiro da captação do
fígado para transplante.
MÉTODOS:
Pesquisa descritiva, de natureza qualitativa, realizada em Fortaleza, no
período de junho a agosto de 2014. Foram realizadas entrevistas e observação
do trabalho dos enfermeiros em hospital de referência do Ceará. Os dados
foram trabalhados por meio da análise temática e subsidiaram a construção da
proposta piloto do protocolo, apreciado pelos enfermeiros para versão
final.
RESULTADOS:
O estudo permitiu a construção de um protocolo, apresentando ações
específicas, que permeiam o procedimento de captação, especificamente a
etapa da retirada do órgão, dinamizando as intervenções e tornando os
procedimentos mais seguros e uniformes no processo captação-transplante de
fígado.
CONCLUSÕES:
A proposta de um protocolo referente à captação do fígado para transplante é
um modelo de sistematização da assistência com potencial para
instrumentalizar as ações do enfermeiro no programa
captação-transplante.
Palavras-chave: Transplante de Fígado; Coleta de Tecidos e Órgãos; Enfermeiros; Protocolos
INTRODUÇÃO
Este estudo traz uma proposta de um protocolo para a prática do enfermeiro na captação durante a retirada do fígado para transplante. A finalidade desse protocolo é proporcionar ao enfermeiro, que participa da equipe de extração do órgão, informações que torne sua ação mais segura e ágil, possibilitando uma melhor comunicação e prevenindo eventos adversos no processo captação-transplante.
A construção e implantação de protocolos devem ser compreendidas como uma ferramenta de apoio teórico-prático, contribuindo para o planejamento e avaliação da assistência e, consequentemente, a qualidade do cuidado1.
Nos últimos anos, os cenários, internacional e nacional, apresentaram muitos avanços no setor de transplantes. Em 2014, nos Estados Unidos da América (EUA) foram realizados 29.534 transplantes de órgãos, destes 6.729 foram de fígado2. No mesmo período, foram realizados 7.898 transplantes de órgãos no Brasil, sendo 1.755 de fígado. No campo da doação de órgãos e tecidos, o Brasil se destaca no contexto mundial, principalmente, por representar o maior sistema público de transplantes do mundo e estar em segundo colocado em número absoluto de transplantes hepáticos, ficando atrás apenas dos EUA3.
Vale ressaltar que o transplante de fígado é uma terapêutica de alta complexidade, indicado para reverter o quadro da doença hepática terminal quando não há alternativa de tratamento, onde o fígado doente é retirado, o enxerto hepático introduzido e as alterações hemodinâmicas são reestabelecidas4,5.
O desenvolvimento de um programa de transplantes bem consolidado depende da atuação de vários profissionais nas diversas fases, desde a identificação dos potenciais doadores até a efetivação dos transplantes e seu acompanhamento ambulatorial3. Inserido na equipe multiprofissional, observa-se que o enfermeiro desempenha papel determinante no sucesso de um programa de transplante, atuando no processo de doação de órgãos e junto aos candidatos e receptores de transplantes, quer seja na função de enfermeiro clínico e/ou de coordenador6.
Dessa forma, o enfermeiro clínico necessita desenvolver competências essenciais à complexidade do cuidado para atuar nas diversas etapas do período pré-transplante, transoperatório e pós-transplante, acompanhamento ambulatorial, doador vivo, desenvolvimento profissional, prática profissional e ética7. Dentre as responsabilidades do enfermeiro no processo de doação, inclui-se a participação na captação de órgãos e tecidos.
A captação de órgãos pode ser fracionada seguindo oito etapas, sendo a primeira a identificação do potencial doador, com morte encefálica. A segunda etapa é a notificação compulsória à Central de Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos e Tecidos (CNCDO), do doador em potencial. A terceira etapa descreve a avaliação do doador com base na história clínica, exames laboratoriais e sorológicos, na viabilidade dos órgãos, assim como testa a compatibilidade com prováveis receptores. Então, a família é consultada sobre a doação. A quarta etapa consiste em transmitir as informações do doador efetivo à Central de Transplantes (CT). Na quinta etapa, a CT emite uma lista de receptores inscritos, selecionados em seu cadastro técnico e compatíveis com o doador8.
Já na sexta etapa, a CT informa às equipes transplantadoras sobre a existência do doador e qual receptor foi selecionado. Na sétima etapa, as equipes fazem a extração dos órgãos no hospital da captação. Terminado o procedimento, elas se dirigem aos hospitais para procederem à transplantação. Por fim, na oitava etapa, o corpo é entregue à família8.
Na oportunidade de busca nas bases de dados científicos, foi efetuada revisão nos acervos da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) acerca da temática da pesquisa, utilizando os Descritores em Ciências da Saúde (DeCS): "transplante de fígado" and "coleta de tecidos e órgãos"and "enfermeiros" and "protocolos", e não foram encontrados documentos. Quando mencionados na United States National Library of Medicine (PubMed) os descritores na versão Medical Subject Headings (MESH):"Liver Transplantation" and "Tissue and Organ Harvesting" and "Nurses" and "Clinical Protocols", não foram localizadas publicações. Portanto, esta pesquisa é significativa por proporcionar acréscimo ao acervo científico sobre captação do fígado, no que se refere à etapa da retirada do órgão.
Em face dessas considerações e com intuito de fornecer subsídios para a assistência do enfermeiro e melhor qualidade do cuidado, esta pesquisa teve como questão norteadora: quais as atividades executadas pelo enfermeiro na retirada do fígado para transplante? Dessa forma, o presente estudo teve como objetivo propor um modelo de protocolo assistencial para o enfermeiro da captação do fígado para transplante.
MÉTODOS
O presente artigo trata de um recorte da dissertação intitulada "Competências de enfermeiros no processo de transplante hepático em hospital de referência do Ceará", que foi realizada com enfermeiros atuantes no serviço de transplante hepático em um hospital de referência em transplantes em Fortaleza/CE, instituição considerada o maior centro de transplantes de fígado da América Latina9.
Trata-se de uma pesquisa de natureza descritiva, com abordagem qualitativa. A abordagem qualitativa é o método que investiga os princípios da história, relações, representações, crenças, percepções e opiniões das pessoas10.
Participaram da pesquisa 31 enfermeiros que exerciam atividades no ambulatório de transplante de fígado, clínica da gastroenterologia, clínica de transplantes, centro cirúrgico, unidade de terapia intensiva pós-operatória. Como critério de inclusão, adotou-se a experiência a partir de dois anos nas atividades do transplante, considerando que esse período favorece o desenvolvimento das competências necessárias à prestação de assistência no processo captação-transplante. Como critérios de exclusão, foram considerados os enfermeiros, que estivessem afastados por motivo de ordem médica ou pessoal durante o período da coleta dos dados, ou que recusassem fazer parte da pesquisa.
Os dados foram coletados no período de junho a agosto de 2014, por meio da técnica de entrevista semiestruturada e observação não participante. A entrevista semiestruturada contém tópicos que norteiam uma conversa a dois ou entre vários locutores, realizada por um entrevistador, com a finalidade de construir informações relevantes para um objeto de pesquisa de tema10. Para a entrevista, foram usados um roteiro e um aparelho de gravação de voz digital e durante a observação não participante das atividades que envolvem o processo de retirada do fígado, foram utilizados o diário de campo e checklist.
Após a transcrição das falas na íntegra, o tratamento dos dados adotou a análise temática, seguindo as fases de pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados, inferência e interpretação10. Esse processo permitiu o desvelar da práxis do enfermeiro no cotidiano da captação. A partir de então, foi possível ordenar e sumarizar o conteúdo latente, gerando insumos para a proposta de sistematização de enfermagem por meio da captação do fígado para transplante, no que concerne a fase da retirada do órgão.
A segunda etapa consistiu na construção da proposta do protocolo compartilhada ao olhar dos sujeitos da pesquisa, desenvolvida em cinco momentos: 1. Elaboração da proposta de protocolo piloto, com base nos dados do checklist de observação, depoimentos e análise do material com fundamentação na literatura; 2. Análise dos elementos propostos para o protocolo piloto pelos enfermeiros participantes da pesquisa; 3. Recebimento das contribuições dos profissionais acerca da proposta do protocolo, com as alterações e discussão das mesmas, para melhor compreensão do conteúdo; 4. Encaminhamento da proposta à Diretoria de Enfermagem, para apreciação e aprovação, com prazo para devolução do protocolo; 5. Recebimento e discussão das alterações propostas, com construção final do protocolo, considerando os aspectos estruturais, a integração teórica e prática da assistência.
A realização do estudo seguiu os princípios da bioética preconizados na Resolução nº 466, de dezembro de 2012, do Conselho Nacional de Saúde, sendo aprovado pelos Comitês de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual do Ceará e do Hospital Universitário Walter Cantídio, sob os pareceres consubstanciados nº 617.676 e nº 646.428, respectivamente. Os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, sendo assegurado o sigilo das informações e anonimato das suas identidades.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A categoria temática selecionada para análise, a partir dos dados coletados, foi denominada processo captação-transplante: atuação do enfermeiro na retirada do fígado.
Processo captação-transplante: atuação do enfermeiro na retirada do fígado
Dentre o universo de atribuições do enfermeiro no transplante, destaca-se, em especial, a captação do fígado para transplante. As atividades do enfermeiro como membro da equipe da retirada do órgão iniciam quando a CNCDO comunica a instituição transplantadora da existência de um potencial doador. A partir de então, este profissional organiza todo o material necessário para perfusão e acondicionamento do órgão, tendo o conhecimento de que todos os materiais devem estar devidamente acondicionados de acordo com cada especificidade para manter a qualidade e a integridade do órgão captado, conforme os relatos:
Quando surge um doador, a gente pega e confere todo material na farmácia e na central de esterilização e leva para hospital da captação (1E).
Tudo acontece quando a Central de Transplantes confirma um doador, então a enfermeira vai organizar todo material para levar até o local da doação (14E).
Quando a retirada de órgãos ocorre em instituição diferente daquela onde acontecerá o transplante, o enfermeiro deve levar uma mala, previamente, organizada com materiais descartáveis específicos para o procedimento e uma caixa térmica contendo soro fisiológico 0,9% congelado e gelado, gelo comum e a solução de preservação11.
O enfermeiro relatou que devem estar disponíveis para viajar caso o doador esteja localizado em outros territórios, observando o horário do transporte, terrestre e/ou aéreo, estabelecido pela CNCDO para a locomoção até ao hospital da captação, conforme as falas:
Aí, a gente vai lá para o hospital, seja aqui em Fortaleza, seja em outro Estado ou no interior do Ceará. Onde tiver doador a gente vai (2E).
A doação de órgãos pode ser aqui na capital, no interior ou em outros Estados, os profissionais da captação já sabem disso e agilizam tudo para ganhar tempo (11E).
Ainda bem que o Governo disponibiliza transporte aéreo para a equipe quando a captação é fora da Capital, assim agiliza o início do transplante (29E).
As Organizações de Procura de Órgãos (OPO) ou CNCDO informarão às respectivas equipes, quais órgãos serão retirados, assim como o horário de início do procedimento. A pontualidade das equipes em relação ao horário de chegada ao hospital e início da cirurgia do doador é altamente recomendável, pois atraso no início da cirurgia do doador repercute no resultado do transplante12.
Os depoimentos apontaram que o enfermeiro e o cirurgião designado para a remoção do órgão deslocam-se para o hospital, onde se encontra o potencial doador. Na sala de cirurgia, o enfermeiro confere os documentos obrigatórios da avaliação clínica e laboratorial e registra as informações na ficha do doador, como referem os sujeitos:
No hospital da captação, a gente anota os dados na ficha do doador e checa os documentos com o profissional responsável pela captação de órgãos (1E).
Sei que a enfermeira quando chega na captação, ela vai checar os exames e documentos do doador, depois anota os dados no formulário que ela leva (22E).
No hospital da captação de órgãos, os profissionais devem checar, previamente ao início, à cirurgia do doador, documentos como o termo de declaração de morte encefálica, termo de autorização de doação de múltiplos órgãos, ficha de informação de doador de múltiplos órgãos, tipagem sanguínea, laudo de sorologias e laudo do exame complementar (arteriografia, eletro encefalograma, doppler transcraniano e/ou cintilografia)12,13.
Após checagem dos documentos e exames, o enfermeiro segue na organização do evento da perfusão do órgão, sendo responsável pelo preparo da mesa da perfusão/Back Table e disponibiliza frascos para coleta de sangue (exame laboratorial e hemocultura), dos enxertos (venoso e arterial) e do material do fígado para biópsia, como mostram as falas:
Eu vou arrumar a mesa da perfusão, da Back Table, aí tem a quebra do gelo e tem a montagem dos equipos, colocar as soluções e controlar a perfusão. Colhe também sangue para bioquímica, tipagem sanguínea, cultura os enxertos (1E).
A enfermeira da captação é responsável pela perfusão e montagem da mesa para receber o fígado, ela trabalha muito em sincronia com o médico (8E).
O enfermeiro na sala de operação, onde será realizada a extração dos órgãos, realiza o preparo das soluções de preservação, assim como monta a mesa auxiliar para o preparo do órgão, contendo bacia com gelo estéril, martelo, sacos plásticos, equipos de irrigação, cateter, fios cirúrgico, fita cardíaca e instrumental cirúrgico11.
Todavia, durante a observação em campo, evidenciou-se que a avaliação visual e manual do cirurgião é critério decisivo para prosseguir com o processo doação-transplante, caso o cirurgião mencione que o fígado está inapropriado para ser transplantado, o enfermeiro avisa da contraindicação do enxerto hepático para a equipe médica e de enfermagem do hospital onde se encontra o receptor. Por sua vez, sendo o fígado propício para transplante, o enfermeiro auxilia o médico a preparar o órgão na Back Table, depois o acondicionando adequadamente na caixa térmica e transporta-o até o hospital transplantador.
O órgão na Back Table deve ser colocado dentro de saco plástico estéril contendo solução de preservação e disposto em uma bacia inox contendo soro fisiológico estéril congelado. Após término do preparo, o saco contendo o enxerto é envolto em outro saco plástico estéril e são lacrados e acondicionados em uma caixa térmica com gelo comum11,13.
O profissional enfermeiro auxilia o cirurgião e se responsabiliza pelo acondicionamento do órgão e seu transporte até o hospital onde se encontra o receptor, mantendo-o a uma temperatura de 4ºC. Vale salientar que um dos fatores responsáveis pelo sucesso do transplante é, indubitavelmente, o método de conservação dos órgãos. Uma conservação adequada confere boa qualidade ao enxerto, que recupera rapidamente suas funções, além de minimizar a ocorrência de disfunção e/ou falência do enxerto11.
Dentre as soluções destinadas à preservação do fígado, estão disponíveis Viaspan (Belzer), Celsior, Custodiol, Euro Collins e Soltran. No campo da pesquisa, a solução mais utilizada tem sido o Custodiol. De acordo com estudo de revisão sistemática e meta-análise, que analisou o impacto da utilização da solução sobre a disfunção primária do enxerto, as lesões biliares do tipo isquêmica e as taxas de sobrevivência de pacientes, a solução de Custodiol teve efeito semelhante a Celsior14.
Quando o enfermeiro regressa ao hospital transplantador, entrega ao enfermeiro do centro cirúrgico uma caixa térmica onde está acondicionado o fígado, os enxertos (venoso e arterial) e material para biópsia, frascos com sangue (exame laboratorial e hemocultura) e uma ficha do doador, além das informações necessárias à segurança do transplante, como mostram os relatos:
No hospital do receptor a gente entrega a ficha do doador, o órgão, enxertos, exames do doador para enfermeira do centro cirúrgico, conferindo o acondicionamento, aí nesse momento repasso algum ocorrido na captação (2E).
Sempre recebo da enfermeira da captação uma caixa térmica com o fígado, os enxertos, frascos com sangue, dados do doador e confiro armazenamento (10E).
Aqui a rotina é a gente receber órgão e todo material do doador que a enfermeira da captação traz, sempre checo o acondicionamento e os rótulos (27E).
O profissional da saúde do centro cirúrgico deverá recepcionar o profissional da captação, recebendo o órgão e amostra de sangue do doador, e nesse momento são reverificadas as principais informações do enxerto, como acondicionamento do órgão, registros dos dados do doador, integridade e identificação das embalagens13.
A atuação do enfermeiro na etapa da retirada do fígado do doador é de suma importância para efetivação do transplante, pois suas atividades potencializam o processo captação-transplante, no sentido de agilizar e não causar nenhum risco ao órgão doado, dessa forma contribui para melhor restabelecimento do cliente pós-transplante.
Apresentação da proposta de protocolo para enfermeiro na captação do fígado
O estudo permitiu o desenvolvimento de um protocolo, apresentando ações específicas que permeiam o procedimento de captação, especificamente a etapa da retirada do órgão, tendo em vista garantir o sucesso do transplante.
A prática assistencial do enfermeiro na equipe de retirada do fígado para transplante desvelou as faces de um cuidado específico e necessário para a enxertia do órgão. Atualmente, existe a preocupação com a certificação das instituições de saúde, sendo fundamentais os protocolos, normas e rotinas que orientam a assistência15.
Por meio da construção compartilhada da proposta do protocolo, é possível mencionar que a atuação do enfermeiro na equipe de retirado do fígado é de suma importância para efetivação do transplante, pois suas atribuições estão vinculadas ao contato com hospital da captação, verificação da documentação do doador, montagem da mesa perfusão/Back Table, armazenamento e transporte do órgão, contato com equipe do hospital transplantador, bem como viabilizar maior controle, agilidade e segurança no processo doação-transplante.
As atribuições do enfermeiro na captação durante a extração do fígado para transplante estão demonstradas de forma esquemática em fluxograma na figura 1.
Foram elencados os insumos médico-hospitalares e instrumentais cirúrgicos necessários para extração do fígado. Esse material deve ser conferido pelo enfermeiro antes de ser transportado ao local da captação (Tabela 1).
Material | Quantidade |
Solução Fisiológica 0,9% 1000 ml (Bolsa)-Congelada | 08 |
Saco de gelo comercial-Congelado | 02 |
Solução de Preservação-Gelada | 05 |
Solução Fisiológica 0,9% 500 ml (Bolsa ou Tubo) - Gelada | 04 |
Agulha 40x12 | 05 |
Cefazolina 1g | 02 |
Ceftriaxona 1g | 02 |
Coletor de urina sistema aberto esterilizado | 03 |
Equipo para perfusão de órgãos (2 vias) | 03 |
Esparadrapo | 01 |
Fio Algodão 0, sem agulha | 02 |
Fio Algodão 3-0, sem agulha | 03 |
Fio Prolene 5-0 | 02 |
Fio Prolene 6-0 | 02 |
Fita Cardíaca | 03 |
Frasco Hemocultura | 01 |
Heparina Sódica 5000UI/ml FR c/ 5 ml | 02 |
Lâmina de bisturi Nº 24 | 04 |
Saco plástico tamanho grande | 02 |
Saco plástico tamanho pequeno | 06 |
Seringa de 20 ml sem agulha | 06 |
Seringa de 60 ml sem agulha | 01 |
Sonda uretral Nº 6 | 01 |
Sonda uretral Nº 8 | 02 |
Sonda uretral Nº 10 | 02 |
Sonda uretral Nº 12 | 02 |
Tubo a vácuo com EDTA (tampa lilás) | 01 |
Tubo a vácuo com gel separador 5 ml (tampa vermelha) | 01 |
Tubo endotraqueal Nº 6,0 sem cuff | 01 |
Tubo endotraqueal Nº 5,5 sem cuff | 01 |
Frasco estéril para biópsia e enxertos venoso e arterial | 04 |
Saco plástico transparente para embalagem reforçado estéril, espessura 08 microns, largura 60 cm e altura 90 cm | 04 |
Saco plástico transparente para embalagem reforçado estéril, espessura 08 microns, largura 35 cm e altura 45 cm | 02 |
Cabo de Bisturi Nº 4* | 01 |
Caixa Back Table* | 01 |
Martelo* | 01 |
Pinça Reynald* | 04 |
Pinça Satinsky* | 01 |
* Instrumental cirúrgico.
A proposta de protocolo apresentado distingue sete momentos imprescindíveis para realização da retirada do fígado para transplante, mencionados nos Quadros 1, 2 e 3. A escolha dos itens contidos no instrumento elaborado teve como premissa promover maior chance de assertividade nas ações de segurança pertinentes ao cuidado do enfermeiro.
Organização do material e checagem dos documentos antes da retirada do fígado |
Pegar a pasta de impressos para serem preenchidas no hospital da captação; |
Confirmar o transporte para levá-lo ao hospital da captação; |
Conduzir o material necessário à captação. |
Apresentar-se à equipe de enfermagem que irá participar da retirada de órgãos; |
Conferir junto ao enfermeiro da Comissão Intra-hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplantes ou Organização de Procura de Órgãos os documentos e exames do doador. De posse desses documentos, devem-se preencher as Fichas do Doador. |
Na preparação do ambiente |
Entregar ao anestesiologista o antibiótico profilático e heparina sódica 5000UI/ml; |
Solicitar a circulante: 01 avental cirúrgico, 02 bacias grandes, 01 cuba rim, 01 fio de algodão 0 sem agulha, 01 impermeável, 01 LAP (dois campos grandes, duas laterais, dois segundos campo), 01 mesa auxiliar, 01 pacote de compressa grande, 02 pares de luvas cirúrgico, 02 pinças backaus, 01 suporte de soro com quatro ganchos ou dois suportes com 02 ganchos cada, 01 lixeira grande com saco de lixo branco leitoso 01 coletor de materiais perfurocortantes. |
No preparo da mesa auxiliar para perfusão |
Expor material na mesa auxiliar na seguinte ordem: 01 LAP, 01 impermeável, 01 avental cirúrgico e 02 pares de luvas cirúrgicas. |
Realizar a degermação das mãos e antebraços; |
Paramentar-se com avental estéril e dois pares de luvas; |
Abrir sobre a mesa auxiliar um campo grande, impermeável e após outro campo grande; |
Cobrir o(s) suporte(s) de soro com campo cirúrgico fixando com a pinça backaus ou com o fio de algodão, assim evitando a contaminação dos equipos na hora da perfusão; |
Organizar uma bacia ao lado da outra com as compressas grandes entre elas; |
Montar o cabo do bisturi com a lâmina nº 24, mantendo-o na posição externa da bacia que se encontra do lado direito; |
Posicionar o martelo entre as bacias, quando não usado; |
Proteger os soros fisiológicos congelados com as compressas e quebrá-los em pedaços pequenos, usando o martelo; |
Utilizar o cabo de bisturi montado para cortar as bolsas de solução fisiológica 0,9% congeladas e raspar os pedaços grandes de gelo, colocando-os em uma das bacias para resfriar a cavidade abdominal logo que inicie a perfusão; |
Montar o sistema de perfusão colocando duas pinças reynald (tubo) em cada equipo, deixando uma pinça próxima ao conta-gotas e a outra abaixo do catabolha; |
Entregar a circulante as pontas dos equipos solicitando que conecte 04 soluções fisiológicas 0,9% geladas em cada ponta e posicione nos ganchos do suporte de soro; |
Desprender as pinças de tubo, cautelosamente, com o objetivo de resfriar e retirar o ar dos equipos. Dessa forma deve preencher apenas metade do catabolha e assim poderá visualizar o fluxo e desprezar a solução na bacia ou cuba rim; |
Colocar na ponta de irrigação do equipo uma sonda nelaton Nº 12 para infundir a solução de preservação pela veia porta e na outra um tubo endotraqueal Nº 06 para infundir a solução de preservação pela artéria aorta, em seguida entregar as pontas do equipo à instrumentadora; |
Entregar para a instrumentadora 02 seringas de 20 ml e uma cuba rim com soro fisiológico 0,9% gelado proveniente do sistema de perfusão, aproximadamente 500 ml para lavar a vesícula retirando a bile; |
Colocar na mesa da instrumentadora, seringa de 20 ml com agulha para coleta do sangue; |
Solicitar ao cirurgião que extraia sangue e material para biópsia antes da perfusão; |
Receber do cirurgião os materiais coletados e executar: |
Entregar o coletor de exame contendo a biópsia para a circulante, solicitando que faça a imersão da peça em formol e depois identifique com o nome do doador, causa da morte, grupo sanguíneo e a data. O frasco com a biópsia deve ser acondicionado em dois sacos plásticos pequenos e colocado na caixa térmica; |
Conectar na seringa a agulha 40X12 e entregar para a circulante solicitando que distribua o sangue em 01 tubo com EDTA, 01 tubo com gel e 01 frasco para hemocultura e depois identificá-los. |
Solicitar à circulante que acondicione os tubos com EDTA e gel em dois sacos plásticos pequenos e na caixa térmica, depois colocar o frasco com sangue para hemocultura em dois sacos plásticos pequenos; |
Testar a drenagem dos equipos de perfusão, juntamente com o cirurgião, liberando cuidadosamente as pinças de tubo da veia porta e artéria aorta, depois pinçá-las; |
Pedir à circulante, na iminência de clampear aorta, para retirar os frascos secos das soluções fisiológicas e colocar 04 soluções de preservação geladas em cada entrada do equipo. |
No momento da perfusão |
Iniciar a perfusão quando clampear a aorta, verificando o horário para depois anotar o início da isquemia fria; |
Liberar, primeiramente, a pinça de um dos lados do equipo que irá irrigar a aorta verificando se o fluxo está contínuo e depois liberar a outra pinça do equipo da veia porta, observando a drenagem pelo catabolha. Avisar ao médico caso cesse ou diminua a irrigação. Quando terminar o primeiro lado do equipo liberar o outro; |
Observar quando finalizar a drenagem da solução de preservação e anotar término da perfusão; |
Pedir à circulante durante o processo de perfusão para fazer compressão nas soluções para drenar mais rápido e, assim, diminuir o tempo da perfusão, se necessário; |
Pedir à circulante para avisar, imediatamente, ao enfermeiro do C.C. do hospital transplantador se o fígado é viável para o implante, conforme informação do cirurgião após término da perfusão. |
Na preparação da Back Table |
Colocar um saco grande estéril sobre a bacia, cobrindo as bordas da bacia; |
Quebrar o soro fisiológico congelado em pedaços pequenos colocando no primeiro saco grande estéril sobre a bacia; |
Colocar o segundo saco plástico grande sobre o gelo picado, cobrindo também a bacia; |
Colocar o terceiro saco plástico grande dobrado próximo à bacia; |
Solicitar dois pares de luvas estéreis para o cirurgião, expondo sobre a Back Table; |
Organizar o instrumental cirúrgico da caixa Back Table, fios, a seringa de 60 ml e de 20 ml; |
Deixar todo o material organizado e protegido com campo estéril até a chegada do fígado. |
Na preparação do fígado na Back Table |
Entregar a bacia com os sacos estéreis e o gelo picado para o cirurgião colocar o fígado; |
Solicitar ao cirurgião a liberação das pontas do equipo, colocar a ponta da irrigação da veia porta na Back Table e desprezar o outro equipo que estava na artéria aorta; |
Auxiliar o cirurgião ao preparar o fígado, observando a presença de lesão e variações anatômicas e depois registrar na ficha do doador; |
Pedir para a circulante colocar outra solução de preservação no equipo da veia porta; |
Primeiramente, perfundir a veia porta pela sonda nelaton nº 12, depois a artéria por meio de uma ponteira e com a mesma ponteira perfundir o colédoco; |
Entregar ao cirurgião a seringa de 60 ou 20 ml para verificar a integridade dos vasos; |
Auxiliar o médico a fechar o primeiro saco, depois amarrar o segundo saco, colocando-os no terceiro saco e amarrando todos com fita cardíaca; |
Acondicionar o fígado na caixa térmica contendo gelo comercial em cubos; |
Vedar a caixa térmica com fita adesiva, mantendo o órgão a uma temperatura de 4ºC; |
Identificar a caixa térmica, colocando um rótulo com: nome (iniciais do doador), número do Registro Geral da Central de Transplantes (RGCT), data da captação, causa do óbito, idade, peso, grupo sanguíneo, horário do clamp da aorta e qual e quantidade da solução de preservação; |
Receber da instrumentadora os enxertos venoso e arterial imersos na solução de preservação, acondicionando-os no primeiro saco pequeno estéril; |
Colocar os enxertos, venoso e arterial, acondicionados na primeira embalagem em outro saco plástico secundário; |
Entregar os enxertos à circulante para identificar a embalagem secundária com tipo de material, com os dados do doador (nome completo, tipo sanguíneo, data, peso, idade, causa do óbito) e armazenar na caixa térmica próximo ao fígado. |
Conferir e acondicionar todo o material contaminado em saco plástico; |
Depositar material perfurocortante em recipiente adequado; |
Concluir o preenchimento da ficha do doador; |
Preencher folha de gasto do material médico-hospitalar; |
Providenciar o transporte para retornar ao hospital, com os materiais devidamente acondicionados e organizados no carrinho de transporte. |
Quando retorna ao hospital transplantador |
Entregar para o enfermeiro do centro cirúrgico do hospital transplantador: caixa térmica contendo o fígado, os enxertos (venoso e arterial), biópsia e frascos com amostra de sangue (EDTA e gel); frasco com sangue para hemocultura; ficha do doador do Centro Cirúrgico, informando as intercorrências existentes. |
Entregar o material médico-hospitalar e soluções restantes na farmácia central, com a folha de gasto preenchida, juntamente com o carrinho de transporte das caixas; |
Entregar o material contaminado no expurgo da CME; |
Arquivar a ficha do doador no ambulatório. |
Tal proposta atendeu aos requisitos das Diretrizes Básicas para Captação e Retirada de Múltiplos Órgãos e Tecidos, que relata que o sucesso dos Programas de Transplantes em nosso país depende da organização e efetiva atuação das equipes participantes do processo de doação-transplante12.
Os enfermeiros participantes deste estudo enfatizaram ainda a importância da perfeita articulação e execução de todas as fases envolvidas em tempo hábil, desde o momento em que se confirma o potencial doador até a implantação do órgão, pois qualquer atraso no início da cirurgia pode interferir no sucesso do transplante.
Sabe-se que o cotidiano da enfermagem perpassa as diversas dimensões do cuidar enriquecido de técnicas e tecnologias. Nesse sentido, os protocolos representam a aplicação de um tipo de tecnologia direcionada para o cuidado em saúde, devendo ser desenvolvidos de maneira sistemática e integrada, contribuindo para tomada de decisão eficaz e eficiente1. Assim, devido à complexidade e especificidade do processo captação-transplante, se faz necessário que as intervenções da equipe de saúde, em particular do enfermeiro, adotem novas tecnologias, os protocolos, no direcionamento da prática clínica que estejam alicerçados em fundamentações científicas e adaptados à realidade de cada estrutura organizacional de saúde.
Os elementos demonstrados na proposição do protocolo revelaram que as atribuições do enfermeiro são heterogêneas, dinâmicas, autônomas e dialéticas, onde o saber conhecer, saber fazer, saber ser e saber conviver estão em permanente articulação exigindo constante reflexão crítica e tomada de decisão por parte deste profissional, que busca responder às contradições e tensões presentes no cotidiano do ambiente de trabalho.
A elaboração e implementação do protocolo assistencial de enfermagem na captação do fígado para transplante são de grande relevância. Sua adoção pode contribuir para otimizar e agilizar a assistência, e atenuar as variabilidades de condutas, tornando os procedimentos mais seguros e uniformes no processo captação-transplante, além de oferecer subsídios para acreditação hospitalar.
CONCLUSÃO
A elaboração de um protocolo referente à retirada do fígado para transplante representa um modelo de sistematização de uma assistência diferenciada, com potencial para instrumentalizar as ações do enfermeiro no programa captação-transplante. A prática de enfermagem é fomentadora de metodologias capazes de favorecer o cuidado, e a implementação de um protocolo no cotidiano do profissional projeta o saber fazer de uma forma sistematizada e científica, proporcionando maior segurança e autonomia nas ações executadas.
Considerando a atual preocupação com a qualidade em saúde, a padronização das condutas de enfermagem norteia a prática profissional, favorecendo a melhoria do cuidado, além de servir como ferramenta para auxiliar no processo ensino-aprendizagem e na pesquisa em enfermagem. Devido a sua amplitude área de atuação, as atribuições do enfermeiro no programa captação-transplante precisam ser problematizadas e divulgadas, sendo um aspecto específico da enfermagem que demanda maior aprofundamento do tema, possibilitando maior perceptividade da comunidade.
As limitações deste estudo estão no campo do processo de validação, uma vez que contou com uma primeira etapa de apreciação e aprovação por parte dos enfermeiros envolvidos nesse processo, utilizando-se a vivência em campo e a literatura científica na construção do protocolo.
Almeja-se que esta pesquisa sirva de auxílio para outros trabalhos correlacionados à temática em questão, sendo significativo o aprofundamento no que concerne a validação do protocolo assistencial com embasamento em um referencial metodológico para alicerçar a prática clínica, assim configurando-o como um instrumento científico para a coordenação das atividades do enfermeiro no processo captação-transplante, especificamente na etapa da retirada do órgão.
REFERÊNCIAS