Volume 20, Número 1, Jan/Mar - 2016
EDITORIAL
Sistematização da assistência de enfermagem: aspecto substantivo da
prática profissional
Telma Ribeiro Garcia 1
1 Docente (aposentada), vinculada ao Departamento de Enfermagem de Saúde Pública e Psiquiatria,
Universidade Federal da Paraíba. Diretora do Centro para Pesquisa e Desenvolvimento
da CIPE® do PPGENF-UFPB, acreditado pelo Conselho Internacional de Enfermeiras(os)
Há algum tempo, temos afirmado, de modo reiterativo, que o processo de cuidar em Enfermagem, ou Processo de Enfermagem, é um exemplo de sistematização da assistência, e deveria ser o alicerce, o eixo fundante e estruturante da construção do conhecimento e, consequentemente, da prática profissional (ensino, assistência, pesquisa e gestão/gerenciamento), haja vista ser o cuidado o objeto de estudo e de trabalho da Enfermagem.
Especialmente quando analisamos a dimensão assistencial da prática, reconhecemos haver uma ampla gama de situações vivenciadas no cotidiano de cuidados à clientela, envolvendo a necessidade de sistematização da assistência e de aplicação do Processo de Enfermagem, aspectos substantivos da profissão. A despeito disso, e do requerimento legal nas normas que regem a profissão, eles não são consenso no meio profissional e, em vista disso, não estão plenamente consolidados nos ambientes em que ocorre o cuidado de Enfermagem.
Em 2009, foi formado um grupo de trabalho, composto por membros da Associação Brasileira de Enfermagem (ABEn) e do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen), com o objetivo de revisar a Resolução Cofen nº 272/2002, que dispunha sobre a Sistematização da Assistência de Enfermagem nas instituições de saúde brasileiras, por se julgar que estivesse inadequada, em face do avanço do conhecimento sobre o tema. As atividades desenvolvidas pelo grupo culminaram com a proposição de uma minuta de norma jurídica, aprovada, na íntegra, em 15 de outubro de 2009, pelo Plenário da autarquia, a Resolução Cofen nº 358/20091.
A nova Resolução veio corrigir o entendimento expresso na norma anterior de que a sistematização da assistência e o Processo de Enfermagem são atividades privativas do Enfermeiro, pois a Enfermagem é constituída por diferentes categorias (Enfermeiro, Técnico de Enfermagem e Auxiliar de Enfermagem), cada uma delas com reconhecidas atribuições durante a execução do processo de cuidar. Além disso, prevê que o Processo de Enfermagem deva estar baseado num suporte teórico que oriente sua execução; reconhece que o Processo de Enfermagem se organiza em cinco etapas inter-relacionadas, interdependentes e recorrentes, em acordo com o estado da arte da temática, descrevendo essas etapas coerentemente com a literatura contemporânea da área; aborda as atribuições das diferentes categorias profissionais, e não somente do Enfermeiro, durante a execução do Processo de Enfermagem; e, por fim, recomenda os pontos fundamentais que devem compor o registro do processo de cuidado que foi executado2,3.
Em 2012, por considerar, entre outros aspectos, o imperativo ético de registro de informações referentes ao processo de cuidar da pessoa, família ou coletividade humana; e o prontuário do paciente e outros documentos próprios da Enfermagem como fonte de informações clínicas e administrativas para tomada de decisão, e um meio de comunicação compartilhado entre os profissionais da equipe de saúde, o Plenário do Cofen aprovou a Resolução nº 429/2012, que dispõe sobre o registro das ações profissionais no prontuário do paciente, e em outros documentos próprios da Enfermagem, independente do meio de suporte - tradicional ou eletrônico4.
Conforme ressaltamos em trabalho publicado nos idos de 20045, o Processo de Enfermagem indica um trabalho profissional particular, que demanda habilidades e capacidades cognitivas (pensamento, raciocínio), psicomotoras (físicas) e afetivas (emoções, sentimentos e valores); implica em pensar e estudar, e exige flexibilidade, criação e inovação de planos de cuidado, que sejam aderentes às necessidades humanas e sociais da clientela.
Entretanto, para as pessoas leigas, ou que não pertencem à área, se os aspectos psicomotores (da ação propriamente dita) ou afetivos são passíveis de ser percebidos, nem sempre ficam evidentes os aspectos intelectuais que estão envolvidos nesse processo. Isso é agravado pelo fato de que, com certa frequência, não se registra de modo sistemático, ordenado e compreensível o cuidado que foi realizado e o que o determinou. Ou seja, uma pessoa estranha à área, avaliando a prática assistencial da Enfermagem, poderia descrevê-la simplesmente como um sem número de "tarefas manuais rotineiras", algumas das quais consideradas mais simples, outras mais complexas: banho, aplicação de injeção intramuscular, aspiração de secreções, curativo, mobilização no leito, sondagem vesical, verificação de sinais vitais, entre tantos outros exemplos que poderiam ser aqui incluídos.
Para a Enfermagem, o descaso com o registro do processo de cuidado, seja no prontuário do paciente, ou em outros documentos próprios da Enfermagem, pode resultar, por um lado, em ausência de visibilidade e de reconhecimento profissional e, por outro lado, em obstáculo para a avaliação de sua prática, o que é talvez mais sério, pois dificulta o avanço da ciência de Enfermagem.
Resta-nos, portanto, assumir o desafio de implementar o processo de cuidar em Enfermagem e de registrá-lo apropriadamente, de modo a gerar evidências sobre a eficácia e eficiência de nossas ações/intervenções, em todos os níveis da atenção à saúde das pessoas, famílias e coletividades humanas.
Referências