Volume 19, Número 4, Out/Dez - 2015
PESQUISA
Influência da gravidez não planejada no tempo de
aleitamento materno*
Sophia Pittigliani da Conceição
1
Rosa Aurea Quintella Fernandes
1
1 Universidade Guarulhos. Guarulhos, SP, Brasil
Recebido em 26/05/2015
Aprovado em 14/12/2015
Autor Correspondente:
Rosa Aurea Quintella Fernandes
E-mail: fernands@uol.com.br
RESUMO
OBJETIVO:
Verificar a prevalência de gravidez não planejada entre mães participantes de
programa de incentivo ao aleitamento materno em uma comunidade carente e comparar
o tempo de aleitamento das que planejaram ou não a gravidez.
MÉTODOS:
Estudo exploratório, descritivo, retrospectivo, documental, quantitativo. Amostra
202 prontuários (N = 202).
RESULTADOS:
Os dados sociodemográficos revelaram idade média de 24,68 anos (DP ± 6,07),
153 (75,74%) com companheiro, 103 (50,99%) com ≥ 8 anos de estudo, 168
(83,16%) do lar e renda familiar média R$ 971,82 (DP ± 463,12).
Identificou-se 95 (47,03%) de primíparas, 197 (97,52%) realizaram pré-natal, 103
(50%) não planejaram a gravidez. O tempo médio de aleitamento foi de 110,92 dias e
a mediana 112 dias. Na comparação do tempo de aleitamento entre as que planejaram
ou não a gravidez foi utilizado o teste
t-Student e não houve diferença
estatisticamente significante (p = 0,346).
CONCLUSÃO:
Planejar ou não a gravidez não influenciou no tempo de aleitamento nessas
mães.
Palavras-chave: Aleitamento materno; Gravidez não planejada; Enfermagem obstétrica.
INTRODUÇÃO
O aleitamento materno (AM) principalmente o exclusivo (AME) tem sido cada vez mais valorizado tendo em vista seus benefícios para a saúde das crianças1. O AM é um aliado importante para a redução da taxa de mortalidade infantil. O Brasil teve redução desta taxa no período entre 1990 e 2006, chegando a ocupar o segundo lugar entre os países com o objetivo de diminuir a mortalidade de crianças2.
A meta para 2015 é a redução do número de óbitos por mil nascidos de 19 para 17,9. É uma ação desafiadora devido a desigualdade social, mas há a probabilidade de se atingir esta meta, pelos resultados que a política pública vem alcançando3. Por isso, a importância do apoio e incentivo para as mães aleitarem.
Os pesquisadores têm procurado identificar os fatores que dificultam ou impedem a prática do AM e entre os motivos mais alegados pelas mães, destacam-se a "figuração" do leite fraco ou escasso, traumas mamilares, falta de experiência e de apoio, trabalho fora do lar, o querer e o poder amamentar4. Outra situação que interfere na manutenção do AM e, provavelmente reduz sua duração é a gravidez não planejada. Entretanto, este fator é pouco evidenciado nas publicações.
Gravidez não planejada é aquela que não foi programada pelo casal ou, pela mulher e pode ser diferenciada em indesejada e inoportuna. A indesejada ocorre contra o desejo do casal e a inoportuna, quando acontece em um momento desfavorável da vida dos pais. Qualquer uma delas pode ocasionar agravos à saúde da mãe ou do bebê5.
O fato de não ter planejado a gravidez pode interferir na decisão da mãe em amamentar e no estabelecimento do vínculo com o bebê. Pesquisa sobre AM6 refere que há uma correlação positiva entre o tempo de amamentação e o planejamento da gravidez, ou seja, mães que programaram a gestação mantêm o aleitamento por mais tempo.
A prevalência de gravidez não planejada apresentada em algumas publicações é alta, um dos estudos aponta prevalência de 66,5%6 de gravidez indesejada e outro 75%7. Ou seja, a maioria das mulheres nos referidos estudos6,7 não contava ou não desejava a gravidez naquele momento, o que representa um risco para o estabelecimento da amamentação e sua manutenção.
Este fato deve ser um alerta aos profissionais de saúde para apoiarem e incentivarem estas mães de modo que seja estabelecido o vínculo com o bebê e o processo de aleitar tenha sucesso.
O presente estudo teve como objetivos: verificar a prevalência de gravidez não planejada entre gestantes participantes de programa de incentivo ao Aleitamento Materno em uma comunidade carente e comparar o tempo de aleitamento materno das mães que planejaram ou não a gravidez.
MÉTODOS
Estudo exploratório, descritivo, retrospectivo, documental com abordagem quantitativa, desenvolvido com o banco de dados do Núcleo São Lucas de Atendimento à Saúde da Mulher e da Criança elaborado em um projeto primário.
O Núcleo está localizado em uma comunidade carente do município de São Paulo e teve início em 1999 como trabalho voluntário de uma das autoras. Hoje faz parte das atividades de extensão da Universidade e não está vinculado ou tem parceria com a Unidade de Saúde. As atividades ocorrem em uma creche situada na comunidade e que cede o espaço físico para o Núcleo. As ações desenvolvidas estão direcionadas à promoção da saúde de gestantes e de seus bebês e o objetivo primordial do Núcleo é contribuir para a diminuição das taxas de morbimortalidade infantil pelo incentivo ao aleitamento materno (AM), principalmente o exclusivo.
As gestantes aderem espontaneamente ao Núcleo e, comparecem semanalmente para as reuniões onde são discutidos temas de seu interesse e voltados para o cuidado de si e seu bebê. Após o nascimento as crianças são acompanhadas em consultas de enfermagem e puericultura por uma enfermeira pediatra que retoma as orientações de acordo com as necessidades de cada binômio e reforça a importância do AM exclusivo. A primeira consulta é direcionada também para a puérpera e são identificadas as dificuldades da mulher e, efetuadas as orientações pertinentes.
Todas as mães e bebês que frequentam o Núcleo têm um prontuário do qual constam os dados sociodemográficos da mãe, sua história obstétrica pregressa, dados do pré-natal atual e dados do parto. Do prontuário do bebê constam dados de seu nascimento, peso, comprimento, Apgar e carteira de vacina. Em cada consulta são registrados no prontuário dados sobre o Aleitamento Materno e sobre o desenvolvimento do bebê. Esses dados são alimentados no banco de dados do Núcleo.
Neste estudo foram analisados todos os prontuários das 498 mães que participaram dos grupos de gestantes e retornaram para as consultas de enfermagem no período de 2001 a 2012. Da amostra constaram os 202 (N = 202) prontuários que atenderam ao critério de inclusão da mãe ter comparecido a pelo menos três (3) das seis (9) consultas programadas.
Os dados de interesse para o presente estudo foram coletados no banco de dados da pesquisa primária e transcritos para uma ficha de registro elaborada para o estudo atual.
Os dados foram submetidos a análise descritiva e as variáveis quantitativas estão apresentadas em média e desvio padrão e as varáveis categorias em frequência absoluta e relativa. Para a comparação do tempo de aleitamento em relação aos dois grupos (gestação planejada X gestação não planejada) foi aplicado o teste de comparação de médias t-Student. O nível de significância assumido foi de 5% (p ≤ 0,05).
O projeto primário foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Guarulhos - CEP/sob o nº 182/2010.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Prontuários dos anos de 2001 e 2002 não fizeram parte da amostra, pois nenhuma das mães compareceu a pelo menos três consultas, assim, os dados estão apresentados a partir de 2003.
O perfil sociodemográfico apresentado na Tabela 1 pode ser assim delineado: idade média de 24,68 anos (DP ± 6,07), a maioria (75,74%) vive com o companheiro, 49% são procedentes da região Nordeste, 50,99% têm ≥ 8 anos de estudo e 83,16% eram do lar. A renda familiar média daqueles que forneceram esta informação foi de R$ 971,82 (DP ± 463,12) e a maioria dos domicílios (75,74%) é compartilhada por 2 a 4 pessoas.
Variáveis (N = 202) | f | % | Média ± Desvio Padrão |
Idade | |||
Não informado | 02 | 0,99 | |
14 a 20 | 58 | 28,71 | |
21 a 25 | 55 | 27,23 | 24,68 ± 6 |
26 a 30 | 52 | 25,74 | |
31 a 35 | 24 | 11,88 | |
36 a 40 | 08 | 3,96 | |
> 40 | 03 | 1,49 | |
Estado Civil | |||
Casada/União estável | 153 | 75,74 | |
Solteira | 45 | 22,28 | |
Separada/Divorciada | 02 | 0,99 | |
Não informado | 02 | 0,99 | |
Procedência | |||
Nordeste | 99 | 49,01 | |
Sudeste | 71 | 35,15 | |
Não informado | 24 | 11,88 | |
Norte | 03 | 1,49 | |
Sul | 03 | 1,49 | |
Centro-oeste | 02 | 0,99 | |
Escolaridade | |||
Não informado | 04 | 1,98 | |
Analfabeta | 03 | 1,49 | |
1-4 anos | 40 | 19,80 | |
5-7 anos | 52 | 25,74 | |
≥ 8 anos | 103 | 50,99 | |
Situação empregatícia | |||
Do lar | 168 | 83,16 | |
Empregada | 21 | 10,40 | |
Desempregada | 13 | 6,44 | |
Renda familiar em salário mínimos* | |||
Não informado | 166 | 82,18 | 971,82 ± 463,12 |
< 1 | 22 | 10,89 | |
1 a 2 | 13 | 0,06 | |
> 2 | 01 | 0,50 | |
Número de moradores | |||
Não informado | 02 | 0,99 | |
2 a 4 | 153 | 75,74 | |
5 a 7 | 39 | 19,31 | |
≥ 8 | 08 | 3,96 |
* 1 salário mínimo = 678,00 (2013).
O maior percentual de mulheres encontrado procede da região nordeste do país o que pode ser explicado pelo êxodo migratório a São Paulo conforme censo 2010 (IBGE)8.
No que se refere à idade os resultados deste estudo apontam tratar-se de uma população jovem, uma vez que a média da idade foi de 24,68 anos. Estudo7 sobre gravidez não planejada identificou média de idade semelhante (24 anos).
O fato de 75,74% das mulheres terem companheiro é um aspecto positivo para o aleitamento materno, estudo1 aponta a importância da influência da presença paterna para a manutenção do AM. Por outro lado, não ter planejado a gravidez pode dificultar o estabelecimento do vínculo com o bebê e acarretar o desmame precoce9,10.
A metade das gestantes (50,99%) estudou ≥ 8 anos, o restante tem baixa escolaridade. Estudos1,9 relacionam a baixa escolaridade e o baixo poder socioeconômico com o desmame precoce, devido à falta de conhecimento das mães e dificuldade de compreensão da importância do AM. Entretanto, estudo identificou que a interrupção precoce do aleitamento materno foi menor em mães com nível socioeconômico mais elevado11.
Em relação à situação empregatícia, o presente estudo identificou que a maioria das gestantes 83,16% é do lar. Não ter emprego remunerado permitiria à mãe permanecer mais tempo ao lado do filho e manter por mais tempo o AME. Alguns autores12,13 indicam o trabalho da mulher fora do lar, como um obstáculo ao AM, porque nem todas as empresas liberam a licença maternidade por seis meses.
Os dados obstétricos apresentados na Tabela 2 evidenciam que, 51,98 % das mulheres que fizeram parte da amostra tiveram mais de um filho e 47,03% eram primíparas. Estudo9 mostra que após ter o primeiro filho aumenta a chance de a mulher ter uma gravidez não planejada e quanto maior a quantidade de filhos, maior é o risco de não planejar a próxima gravidez.
Variáveis (N = 202) | f | % |
Número de filhos | ||
Não informado | 02 | 0,99 |
1 | 95 | 47,03 |
2 a 3 | 67 | 33,17 |
≥ 4 | 38 | 18,81 |
Gestação planejada | ||
Não informado | 27 | 13,37 |
Sim | 72 | 35,64 |
Não | 103 | 50,99 |
Exame copocitológico | ||
Não informado | 30 | 14,85 |
Sim | 143 | 70,79 |
Não | 29 | 14,36 |
Pré-natal | ||
Não informado | 03 | 1,96 |
Sim | 197 | 97,52 |
Não | 02 | 0,99 |
Tipo de parto | ||
Não informado | 04 | 1,98 |
Normal | 124 | 61,39 |
Cesariana | 58 | 28,71 |
Fórceps | 16 | 7,92 |
Complicação durante o parto | ||
Não informado | 7 | 3,96 |
Sim | 19 | 9,41 |
Não | 175 | 86,63 |
Complicação pós-parto | ||
Não informado | 7 | 3,47 |
Sim | 19 | 9,41 |
Não | 176 | 87,13 |
O alto percentual de mulheres que realizaram o pré-natal (97,52%) e o exame colpocitológico (70,79%) pode ser reflexo da assistência básica de saúde efetivada nesta comunidade uma vez que, a Estratégia Saúde da Família (ESF) está aí implantada. Estudo14 identificou a influência positiva desta estratégia na cobertura pré-natal.
No que se refere ao tipo de parto, 61,39% das mulheres tiveram parto normal, esta frequência é diferente da encontrada em estudos que apontam percentuais elevados de partos operatórios. A UNICEF15 em seu relatório sobre a infância 2011 destaca que no Brasil a taxa de cesarianas é muito elevada e vem em um crescente, em 2000 o percentual era de 38,9% e passou para 46,5% em 200716.
As complicações pós-parto foram em percentual baixo uma vez que 87,13% não indicaram este problema, o fato de terem realizado o pré-natal pode explicar os baixos percentuais de complicações. A assistência pré-natal previne a morbimortalidade materna e perinatal, pois permite a detecção e o tratamento oportuno de doenças, além de diminuir os fatores de risco que trazem complicações para a saúde da mulher e do bebê17.
Dados sobre o Aleitamento Materno Exclusivo e Planejamento da Gestação
Na apresentação dos dados sobre Aleitamento materno a amostra passou a ser de 184 mulheres (n = 184), uma vez que foram excluídas as mães que nunca amamentaram exclusivamente.
A Tabela 3 evidencia que o tempo médio de AME foi de 110,92 dias e a mediana 112 dias. Observa-se, também, uma amplitude considerável entre o mínimo de dias, sete (7) e o máximo (196 dias). A média pode ser considerada boa se comparada com a média nacional que foi de 54,1 dias, segundo estudo realizado pelo MS18 sobre a prevalência do aleitamento materno exclusivo no Brasil em 2008.
N | Média | Mediana | Desvio Padrão | Mínimo | Máximo |
184 | 110,92 | 112 | 50,49 | 7 | 196 |
A média identificada neste estudo pode estar relacionada e ser reflexo do Programa de Incentivo ao AM do qual as mães que fizeram parte da amostra participaram no Núcleo.
Observa-se na Tabela 4 que 50% das mulheres não planejaram a gravidez e em 13% dos prontuários esta informação não estava disponível. O percentual elevado de gestação não planejada (50%) é de grande relevância para reorientar ações voltadas à saúde sexual e reprodutiva no âmbito da atenção básica. O Sistema Único de Saúde (SUS) disponibiliza cursos de planejamento familiar e também contraceptivos, as mulheres deveriam ser estimuladas pelos profissionais de saúde a participarem do planejamento familiar, o que poderia evitar outras gestações não desejadas.
Gestação Planejada | f | % |
Sim | 68 | 37,0 |
Não | 92 | 50,0 |
Não informado | 24 | 13,0 |
Total | 184 | 100,0 |
Estudos18,19 relacionam o não planejamento da gravidez a problemas apresentados pelas mulheres como usar menor quantidade de ácido fólico do que o prescrito, a fumar durante a gestação, depressão pós-parto e desmame precoce.
Na Tabela 5 observa-se que a média de AME das mães que planejaram a gravidez foi de 113,53 dias e daquelas que não planejaram 106,03 dias. Na comparação do tempo de AME entra as mães que planejaram ou não a gravidez não houve diferença estatisticamente significativa (p = 0,346).
Alguns autores19,20 mencionam que planejar a gravidez interfere no tempo de aleitamento exclusivo, entretanto, neste estudo não houve diferença no tempo do AM entre as mulheres que planejaram ou não a gestação. Estudo21 realizado nas Filipinas aponta diferença significativa no início do aleitamento materno entre crianças nascidas de gravidez planejada ou não.
Uma explicação para este resultado pode ser o fato de que das mulheres que não planejaram a gravidez (92), 26 referiram que, embora não tenham planejado a gestação para aquele momento aceitaram e estavam felizes em ter a criança. Essas mães provavelmente estabeleceram o vínculo com o bebê e esta gravidez embora inoportuna, não foi indesejada a ponto de rejeitar a criança.
CONCLUSÃO
A média de Aleitamento Exclusivo na população estudada foi superior à média nacional. Pode-se com isto inferir que participar do programa de incentivo ao AME, no Núcleo, influiu positivamente para que as mães mantivessem a amamentação. As orientações, o acolhimento e o acompanhamento individualizado das nutrizes no programa pode ter representado o diferencial para a melhoria das médias de AME, assim como para o estabelecimento do vínculo da mãe com o bebê, uma vez que não houve diferença no tempo de manutenção do AME entre as mulheres que planejaram ou não a gravidez.
O desenvolvimento de novos estudos em comunidades, onde sejam desenvolvidos programas semelhantes ao do Núcleo são necessários para comprovação e comparação dos resultados.
REFERÊNCIAS
* Trabalho de Iniciação Científica - PIBIC CNPQ - Universidade Guarulhos 2014.