ISSN (on-line): 2177-9465
ISSN (impressa): 1414-8145
Escola Anna Nery Revista de Enfermagem Escola Anna Nery Revista de Enfermagem
COPE
ABEC
BVS
CNPQ
FAPERJ
SCIELO
REDALYC
MCTI
Ministério da Educação
CAPES

Volume 19, Número 4, Out/Dez - 2015



DOI: 10.5935/1414-8145.20150073

PESQUISA

Satisfação no trabalho no contexto hospitalar: uma análise segundo o gênero

Angela Maria Bacha 1,2
Oswaldo da Rocha Grassiotto 2
Denis Barbosa Cacique 1,2
Gislaine Aparecida Fonsechi Carvasan 1,2
Helymar da Costa Machado 1,2


1 Hospital da Mulher-Professor Dr. José Aristodemo Pinotti Caism
2 Universidade Estadual de Campinas. Campinas, SP, Brasil

Recebido em 25/03/2015
Aprovado em 08/11/2015

Autor correspondente:
Angela Maria Bacha
E-mail: angela@caism.unicamp.br

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar a satisfação no trabalho em um hospital público universitário segundo o gênero dos(as) trabalhadores(as).
MÉTODOS: Realizou-se análise secundária com enfoque misto e amostra de 308 sujeitos, sendo 240 mulheres e 68 homens.
RESULTADOS: Quase metade das mulheres desempenhavam funções de enfermagem. A função mais comum entre os homens era a administrativa. O grupo masculino apresentou maior satisfação geral e nos três domínios avaliados. Na análise ajustada, só se observou significância estatística para o domínio "Condições de Trabalho", indicando que os aspectos físicos do trabalho geram as maiores assimetrias entre os gêneros, principalmente em relação a banheiros e nível de barulhos no ambiente.
CONCLUSÃO: Uma vez que as demais diferenças entre os grupos não resultaram significativas na análise ajustada, conclui-se que os menores níveis de satisfação das mulheres tenham sido influenciados pela expressiva concentração feminina em funções da enfermagem, que constituíam o grupo profissional mais insatisfeito do estudo.


Palavras-chave: Trabalho feminino; Satisfação no emprego; Condições de trabalho; Ambiente de trabalho; Recursos Humanos de Enfermagem no Hospital

INTRODUÇÃO

Apesar das notáveis conquistas alcançadas pelas mulheres ao longo das últimas décadas, determinadas assimetrias permanecem marcantes quando se comparam os gêneros no mercado de trabalho, como a discriminação salarial, a segregação ocupacional e a dificuldade de ascensão hierárquica1. No universo profissional, a percepção de disparidades e equidades entre os gêneros incide na satisfação no trabalho (ST), conforme verificou estudo realizado na cidade do Rio de Janeiro1. A ST é tradicionalmente descrita como um estado emocional que resulta da avaliação do próprio trabalho ou de experiências de trabalho, a partir da qual o trabalho pode gerar um estado emocional agradável ou desagradável2.

Nos estudos sobre a ST, grande atenção tem sido dedicada aos seus determinantes, caso, por exemplo, do gênero dos trabalhadores. Dentre eles, estudos realizados na Inglaterra, Estados Unidos e Espanha verificaram que as mulheres apresentavam maiores graus de satisfação em relação aos homens3-5. No Brasil, na cidade do Rio de Janeiro, não se identificou diferença de ST entre enfermeiros e enfermeiras6. Na mesma cidade, outra pesquisa, desta vez realizada com profissionais de um serviço de saúde mental, observou menor nível de ST entre as mulheres7. De maneira semelhante, pesquisa desenvolvida com 130 profissionais de enfermagem de empresas das cinco regiões brasileiras constatou que os homens tinham mais ST que as mulheres8.

Esses achados indicam que a literatura sobre a relação entre ST e gênero ainda é inconsistente, ora apontando maior ST das mulheres, ora o contrário. Enquanto isso, as pressões por inclusão e justiça entre os gêneros permanecem crescendo no universo profissional. E o enfrentamento da discriminação sofrida pelas mulheres constitui cada vez mais um imperativo para as organizações1. Nesse contexto, o objetivo do presente trabalho consistiu em comparar a ST entre homens e mulheres que trabalham no Hospital da Mulher Prof. Dr. José Aristodemo Pinotti - Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher (Caism) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), um hospital público e universitário, que atende integralmente pelo Sistema Único de Saúde. Situado na cidade de Campinas, interior do estado de São Paulo, o Caism é um hospital de níveis terciário e quaternário, especializado na saúde da mulher e do recém-nascido. Sua área de abrangência inclui mais de 100 municípios, o que corresponde a cerca de cinco milhões de pessoas. O hospital possui 139 leitos e 1.157 funcionários, sendo 922 (79,7%) mulheres e 235 (20,3%), homens.

MÉTODOS

Desenvolveu-se uma análise secundária dos dados previamente coletados no estudo de validação do "Questionário de Satisfação no Trabalho do Hospital da Mulher Professor Doutor José Aristodemo Pinotti-Caism/Unicamp" (QST-Caism)9. Como o objetivo do estudo original consistiu em validar o referido questionário, o presente trabalho aprofundou a análise do banco de dados original, de modo a dimensionar possíveis diferenças de satisfação no trabalho segundo o gênero dos participantes.

O QST-Caism, utilizado para coleta dos dados originais, contém 19 itens distribuídos em três domínios ("Relacionamento Interpessoal", "Realização Pessoal" e "Condições de Trabalho"), bem como um espaço para o registro de comentários pelos respondentes. O questionário possui, ainda, um espaço para que os sujeitos escrevam livremente sobre aspectos do trabalho que lhes causam satisfação ou insatisfação. Embora esse questionário possa ser testado em outras instituições de saúde, é importante destacar que seu conteúdo foi elaborado a partir do contexto específico do Hospital da Mulher Professor Doutor José Aristodemo Pinotti-Caism/Unicamp. Todos os dados analisados no presente trabalho (qualitativos e qualitativos) foram coletados por meio desse questionário.

O QST-Caism foi disponibilizado aos servidores do hospital pela internet, por meio do software Lime Survey versão 1.91. Para acessarem o questionário, os sujeitos utilizavam uma senha que lhes era disponibilizada após a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Uma versão impressa do QST-Caism foi respondida pelos sujeitos sem acesso à internet.

Quanto ao tratamento dos dados, o presente estudo empregou método misto, com coleta concomitante, primazia da abordagem quantitativa e desenho incrustado10. Ou seja, tratou-se de um estudo quanti-qualitativo, com coleta simultânea dos dois tipos de dados, adotando-se, na análise, prioridade para a interpretação quantitativa, corroborada pelos dados qualitativos. As falas dos sujeitos foram submetidas à análise temática de conteúdo, pela qual se realizou agrupamento dos textos nos seguintes núcleos de sentido: "insatisfação em relação aos banheiros", "sentimento de injustiça pelas diferenças entre trabalhadores da Unicamp e da Fundação de Desenvolvimento da Unicamp (Funcamp)", "relações hierárquicas", "presença de ruídos no local de trabalho" e "horário de trabalho". Em um segundo momento, essas falas, assim agrupadas, foram incrustradas na análise dos dados quantitativos, enriquecendo sua interpretação. Os sujeitos cujas falas são reproduzidas neste estudo encontram-se nomeados por meio de acrônimos, de acordo com a seguinte codificação: "ENF" para "enfermeiro(a)", "TEC" para "técnico(a) de enfermagem" e "ADM" para "funcionário administrativo(a)".

No que diz respeito à amostra, o estudo de validação do QST-Caism havia incluído 328 sujeitos. Desse total, foram considerados elegíveis para ingressar no presente trabalho os participantes que haviam respondido pelo menos a 70% das questões específicas sobre a ST e que tivessem respondido o campo "sexo" do questionário.

Foi utilizado o teste de hipóteses para proporção para verificar se havia diferença estatisticamente significativa de percentual entre a amostra e a população. Por meio do teste de Shapiro-Wilk, verificou-se que a distribuição dos dados não era normal. Para comparar variáveis numéricas entre os sexos, foi utilizado o teste de Mann-Whitney. Por sua vez, a comparação das variáveis categóricas entre os sexos utilizou o teste qui-quadrado de Pearson, ou, na presença de valores esperados menores que 5, o teste exato de Fisher. Foram usados os testes de Mann-Whitney e de Kruskal-Wallis para comparação dos escores entre função, horário de trabalho e tipo de vínculo. Devido à diferença estatisticamente significativa de "função", "horário de trabalho" e "tipo de vínculo" entre os gêneros, a comparação dos escores de ST foi refeita com ajuste para essas covariáveis, utilizando-se a análise de covariância. O nível de significância adotado para os testes estatísticos foi de 5%, ou seja, p < 0.05. Todas as análises estatísticas empregaram o programa Statistical Analysis System for Windows, versão 9.2.

O presente estudo foi financiado pelo próprio Caism, com aprovação do projeto de pesquisa pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp (Parecer 306.348, de 20/06/2013), bem como pela Comissão de Pesquisa do Caism. Todos os participantes assentiram com a participação na pesquisa assinando o TCLE. As senhas para acesso ao questionário online foram distribuídas aleatoriamente e sem qualquer vínculo com informações que identificassem os sujeitos da pesquisa, como nome ou matrícula.

RESULTADOS

Do total de 328 sujeitos que participaram da validação do QST-Caism, 19 não responderam pelo menos a 70% das questões específicas sobre a ST e foram excluídos. Também foi excluído um sujeito que não respondeu à variável "sexo". Dos 308 restantes, 240 eram mulheres e 68, homens, produzindo uma razão de 3,5 entre os grupos. Esse resultado aproxima-se da proporção entre os gêneros no hospital, de 3,9 mulheres para cada homem. Ainda sobre a proporção de 3,5, esse valor encontra-se no intervalo aceitável de razão entre grupos, que é de 2 a 411. Além disso, por meio do teste de hipóteses para proporção, verificou-se que não houve diferença estatisticamente significativa de percentual entre a amostra e a população, com p = 0,441.

A comparação dos gêneros em relação à idade, escolaridade, função, horário de trabalho, vínculo empregatício (ou seja, contrato pela Unicamp ou terceirizado), regime de trabalho (CLE ou CLT), tempo de contrato e cargo está descrita na Tabela 1. Homens e mulheres apresentaram diferença estatisticamente significativa em relação à função desempenhada, ao horário de trabalho e ao tipo de vínculo. Quase metade das mulheres desempenhava funções relacionadas à enfermagem, ao passo que a maioria dos homens exercia funções administrativas (por exemplo, como programadores, secretários, arquivistas, recepcionistas e estatísticos, dentre outros).

Tabela 1. Caracterização da amostra segundo o sexo dos sujeitos (n = 308). Campinas, SP, Brasil, 2013
Características Mulheres Homens Valor de p *
n (%) n (%)
Escolaridade      
Até ensino médio 125 (53,2) 33 (49,3) 0,500+
Graduação 81 (34,5) 22 (32,8)
Pós-graduação 29 (12,3) 12 (17,9)
Função      
Administrativo 55 (25,0) 24 (38,1) 0,002+
Enfermeiro 39 (17,7) 2 (3,2)
Técnicos/Auxiliares Enf. 65 (29,6) 11 (17,5)
Médico/Docente 10 (4,5) 7 (11,1)
Outros (técnico/superior) 20 (9,1) 5 (7,9)
Outros (auxiliar/ajudante) 31 (14,1) 14 (22,2)
Horário de trabalho      
Diurno integral 108 (46,6) 47 (70,2) 0,003+
Diurno meio período 85 (36,6) 13 (19,4)
Noturno 39 (16,8) 7 (10,5)
Exerce cargo**      
Sim 33 (14,1) 9 (13,6) 0,923+
Não 201 (85,9) 57 (86,4)
Tipo de vínculo      
Funcamp 72 (30,6) 31 (46,3) 0,017+
Unicamp 163 (69,4) 36 (53,7)
Regime de trabalho      
CLE 10 (4,3) 5 (7,5) 0,338+
CLT 224 (95,7) 62 (92,5)
Idade (anos)      
Média (desvio padrão) 44,1 (9,9) 43,7 (9,1) 0,705§
Mediana (mínimo; máximo) 44,7 (21,0; 67,6) 41,7 (24,2; 62,8)
Tempo de trabalho no hospital (anos)      
Média (desvio padrão) 15,4 (9,6) 16,4 (9,0) 0,494§
Mediana (mínimo; máximo) 14,1 (0,5; 31,5) 15,1 (0,5; 31,5)

* Valor de p referente aos testes Qui-Quadrado;

+ exato de Fisher;

+ e Mann-Whitney;

§ Número de participantes: sexo feminino (n = 240) e sexo masculino (n = 68). Houve falta de informação em algumas variáveis sociodemográficas.

** Supervisão de seções e diretoria de serviços ou divisões.

Tabela 1. Caracterização da amostra segundo o sexo dos sujeitos (n = 308). Campinas, SP, Brasil, 2013

Pouco mais de 70% dos homens trabalhavam no horário diurno integral, enquanto menos de metade das mulheres atuavam no mesmo horário. Aproximadamente 70% das mulheres eram contratadas pela Unicamp, enquanto 53,7% dos homens tinham esse vínculo. Não foram observadas diferenças estatisticamente significativas entre os gêneros em relação à escolaridade, cargo, regime de trabalho, idade e tempo de trabalho no hospital.

Quanto aos níveis de ST entre os gêneros, os homens apresentaram maior escore geral do que as mulheres, com diferença estatisticamente significativa na análise bivariada, mas não na análise multivariada (Tabela 2). A maior ST dos homens também se expressou nos três domínios avaliados. No domínio "Relacionamento Interpessoal", essa diferença foi estatisticamente significativa na análise bivariada. Em "Condições de Trabalho", a diferença entre os grupos obteve significância tanto na análise bivariada como na análise multivariada. Já no domínio "Realização Pessoal", a diferença entre grupos foi de apenas 0,6 ponto, com significância estatística na análise bivariada apenas para o horário de trabalho, no qual os homens apresentaram maior ST.

Tabela 2. Comparação dos níveis de satisfação no trabalho entre os gêneros, nos 3 domínios avaliados e por ordem decrescente de satisfação em cada um dos domínios (escala 0-100 pontos). Campinas, SP, Brasil, 2013
Domínio Itens do QST-Caism Mulheres Homens Valor de p Valor de pc
Média DP * Média DP
Relacionamento Interpessoal Respeito do chefe 74,5 23,5 77,2 28,1 0,102 0,808
Competência do chefe 66,0 26,2 73,1 25,9 0,028 0,558
Educação dos colegas 59,7 25,3 68,0 20,2 0,012 0,055
Motivação do chefe 58,2 28,2 59,7 28,5 0,648 0,298
Valor da opinião 55,5 25,9 60,8 23,9 0,134 0,524
Comunicação institucional 55,4 28,3 62,5 23,1 0,090 0,471
Escore do domínio 61,5 19,8 67,1 18,9 0,012 0,370
Realização pessoal Estabilidade no emprego 77,5 20,9 73,1 25,9 0,347 0,705
Horário de trabalho 69,7 27,2 77,2 23,6 0,035 0,095
Volume de trabalho 66,1 21,1 67,2 20,5 0,582 0,995
Aproveitamento da escolaridade 65,7 27,0 70,8 27,2 0,110 0,103
Realização profissional 64,8 25,3 62,9 27,8 0,659 0,472
Benefícios trabalhistas 58,3 26,9 53,7 23,1 0,129 0,255
Salário 52,2 26,2 50,0 26,1 0,461 0,861
Reconhecimento 50,3 27,7 54,5 29,8 0,289 0,906
Escore do domínio 63,1 16,7 63,7 17,7 0,623 0,719
Condições de trabalho Acesso a EPI** 72,4 22,8 73,8 23,7 0,587 0,350
Banheiros 53,3 33,4 68,0 33,1 < 0,001 0,007
Temperatura 52,0 28,7 57,0 31,7 0,154 0,463
Segurança 48,4 25,5 53,4 25,7 0,123 0,606
Barulhos 43,4 26,2 55,6 24,9 < 0,001 0,061
Escore do domínio 53,7 18,8 61,5 19,8 0,002 0,023
Escore total 60,1 15,5 64,2 15,4 0,031 0,277

* DP: Desvio padrão. Valor de p referente ao teste de Mann-Whitney. Valor de pc referente à análise de covariância (ANCOVA) ajustada para função, horário de trabalho e tipo de vínculo. Número de participantes: sexo feminino (n = 240) e sexo masculino (n = 68).

** Equipamentos de Proteção Individual (EPI).

Tabela 2. Comparação dos níveis de satisfação no trabalho entre os gêneros, nos 3 domínios avaliados e por ordem decrescente de satisfação em cada um dos domínios (escala 0-100 pontos). Campinas, SP, Brasil, 2013

Em relação aos demais itens avaliados, também se observaram diferenças significativas na análise bivariada referente à capacidade do chefe para resolver problemas, a educação com que os colegas de trabalho tratam uns aos outros, o acesso a banheiros e o nível de barulhos no local de trabalho. Em todos esses casos, os maiores escores se referiam ao grupo dos homens. As mulheres apresentaram maior ST nos itens sobre estabilidade no emprego, realização profissional, benefícios trabalhistas e salário. Nenhum desses casos, porém, apresentou significância estatística. Dentre os itens que compõem o domínio "Condições de Trabalho", aquele referente aos banheiros também demonstrou significância na comparação entre os gêneros (Tabela 2).

Os escores de ST geral e por domínio para as características "função", "horário de trabalho" e "tipo de vínculo" estão descritos na Tabela 3, que não estratifica a amostra entre homens e mulheres. Os escores mais baixos foram obtidos por trabalhadores que desempenhavam funções de enfermagem, que trabalhavam no horário noturno e que haviam sido contratados pela Funcamp (e não pela Unicamp). A exceção foi o domínio "Condições de Trabalho", em que os funcionários da Unicamp estavam mais insatisfeitos.

Tabela 3. Escores de ST geral e por domínio segundo função, horário de trabalho e tipo de vínculo dos sujeitos. Campinas, SP, Brasil, 2013
Características Escore Geral Relacionamento Interpessoal Realização Pessoal Condições de Trabalho
Função p = 0,144* p < 0,001+ p = 0,680 p = 0,146
Médico/Docente 65,0 ± 16,9 70,8 ± 21,2 a 67,7 ± 19,3 53,7 ± 15,3
Administrativo 64,1 ± 13,6 69,7 ± 15,9 a,b 63,6 ± 16,8 57,5 ±18,4
Outros (técnico/superior) 62,6 ± 14,7 66,7 ± 18,7 a,b,c 63,1 ± 17,8 57,0 ± 21,2
Outros (auxiliares/ajudantes) 60,3 ± 18,8 59,7 ± 21,7 a,b,c 60,6 ± 20,7 60,8 ± 20,9
Técnicos/Auxiliares Enf. 59,3 ± 14,3 58,0 ± 18,3 b,c 64,0 ± 14,6 53,3 ± 18,4
Enfermeiro 58,2 ± 16,8 56,8 ± 21,7 c 64,1 ± 15,7 50,2 ± 20,7
Horário de trabalho p = 0,280* p < 0,001+ p = 0,494 p = 0,172
Diurno integral 62,5 ± 15,5 66,3 ± 20,0 a 62,7 ± 17,0 57,6 ± 19,2
Diurno meio período 60,0 ± 16,3 60,1 ± 19,4 a,b 64,2 ± 17,7 53,4 ± 19,5
Noturno 59,1 ± 13,3 57,3 ± 16,8 b 64,3 ± 14,9 52,6 ± 18,9
Tipo de vínculo p = 0,490* p = 0,715 p = 0,002 p = 0,008
Unicamp 61,7 ± 14,9 63,1 ± 19,7 65,6 ± 15,9 53,5 ± 18,7
Funcamp 60,1 ± 16,5 62,3 ± 19,6 59,1 ± 18,0 59,2 ± 20,1

* Valor-p referente ao teste de Mann-Whitney para tipo de vínculo e ao teste de Kruskal-Wallis para função e horário de trabalho. Valores de média e desvio padrão.

+ Diferença significativa pelo teste de Dunn (p < 0,05) (categorias com a mesma letra não são diferentes).

Tabela 3. Escores de ST geral e por domínio segundo função, horário de trabalho e tipo de vínculo dos sujeitos. Campinas, SP, Brasil, 2013

DISCUSSÃO

O presente estudo verificou que o grupo feminino, quando comparado ao masculino, apresentava menores níveis de ST nos três domínios avaliados, bem como no escore geral do QST-Caism. Esses resultados se assemelham aos de dois outros trabalhos brasileiros, que, comparando a ST de profissionais da saúde segundo o gênero, identificaram níveis mais elevados entre os homens7,8. Entretanto, assim como o estudo de Rebouças e colaboradores7, a presente pesquisa constatou que muitas dessas diferenças mostravam-se estatisticamente significativas na análise bivariada, mas não na análise multivariada. Assim, pode-se supor que algumas das diferenças identificadas neste estudo não estejam diretamente relacionadas ao gênero dos sujeitos, mas às características "função", "horário de trabalho" e "tipo de vínculo", que apresentaram diferenças significativas entre homens e mulheres. Cumpre, portanto, analisar de que modo essas propriedades teriam influenciado a ST segundo o gênero dos trabalhadores.

Com relação às funções desempenhadas pelos sujeitos do estudo, é importante salientar que as mulheres ocupavam majoritariamente funções assistenciais (sobretudo de enfermagem). Tinham, assim, contato direto com as pacientes e atuavam em locais como ambulatórios, enfermarias, UTIs, centro cirúrgico e centro obstétrico. Em contrapartida, a maioria dos homens trabalhava em funções administrativas, geralmente em locais semelhantes a escritórios, tendo como ferramenta principal de trabalho o computador.

Naturalmente, na assistência, a natureza delicada do trabalho impõe aos funcionários menor autonomia e flexibilidade de horários, além de frequentemente exigir que os profissionais permaneçam em pé por longos períodos (por exemplo, durante uma cirurgia). Além disso, o trabalho é realizado em locais que, devido à sua estrutura física, nem sempre permitem uma adequada climatização (como um amplo saguão ambulatorial, por exemplo). Por outro lado, funcionários administrativos tendem a permanecer sentados na maior parte do tempo. Além disso, eles têm claramente maior autonomia e flexibilidade de horários, até mesmo para questões absolutamente básicas, como, por exemplo, ir ao banheiro sempre que haja necessidade.

Não surpreende, portanto, que os menores graus de ST geral e por domínio tenham sido identificados entre os profissionais de enfermagem, composto em sua grande maioria pelo gênero feminino. Ou seja, ainda que se suponha não existir uma assimetria na ST segundo o gênero dos funcionários do hospital, há que se reconhecer que grande parte do grupo feminino se concentra em funções mais insatisfeitas. Com efeito, a feminização de diversas profissões da área da saúde é um fenômeno bem conhecido na divisão sexual do trabalho, fazendo-se necessário discutir de que modo esse fenômeno se relaciona com os menores graus de ST demonstrados pelas mulheres no presente estudo.

Primeiramente, é oportuno ressaltar que a autonomia profissional é considerada um dos fatores que mais contribuem para a ST de trabalhadores da enfermagem12. Em contrapartida, um dos componentes que pode prejudicar a autonomia desses profissionais - e que foi identificado neste estudo - é o estilo gerencial, sobretudo quando marcado pela agressividade, ainda que perpetrada por profissionais da mesma categoria12. Nesse sentido, uma enfermeira relatou:

A supervisão [...] deixa muito a desejar; algumas são bem cordiais, educadas, enquanto outra é bem grosseira e irrita-se com facilidade. (ENF1)

Outra enfermeira narrou:

Têm ocorrido muito, e com certa frequência, abusos de autoridade e abusos morais. (ENF2)

E uma técnica de enfermagem disse:

Somos ameaçados o tempo todo. (TEC1)

Considerando-se esses relatos, todos de mulheres, cabe salientar que estudos têm verificado que, de fato, o grupo feminino sofre mais assédio psicológico no trabalho do que o masculino13,14. Entretanto, também se identificam na literatura pesquisas nas quais os homens apresentavam as maiores prevalências desse problema15,16. Diante dessa inconsistência, saliente-se que, no presente estudo, não foram identificados quaisquer relatos de homens com queixas de assédio moral, quer por seus colegas, quer pela chefia. Além disso, destaca-se o fato de que o grupo feminino apresentou menores escores que o masculino em todos os itens do domínio "Relacionamento Interpessoal", que trata de aspectos como relação hierárquica e educação de tratamento entre os colegas.

Outro aspecto que pode ter influenciado a diferença de ST entre os gêneros é o horário de trabalho, salientando-se que mais de 50% das mulheres trabalhavam à noite ou em turno (manhãs, tardes e/ou finais de semana e feriados). Nesse cenário, os homens alcançaram um escore de quase oito pontos acima das mulheres em relação à satisfação com o horário de trabalho, com significância estatística na análise bivariada, mas não na análise multivariada. Esses resultados remetem, novamente, à maior concentração de mulheres com atuação na enfermagem quando comparadas aos homens. Ocorre que o trabalho no horário noturno e/ou em turnos é uma característica marcante da enfermagem, pois o cuidado prestado por essa categoria necessita ser ofertado ininterruptamente, à noite, em finais de semana e feriados, períodos nos quais outros trabalhadores podem estar dormindo, descansando, usufruindo do lazer ou do convívio social e familiar. Não por acaso, estudo verificou que um motivo recorrente de insatisfação de profissionais de enfermagem vinculados à Estratégia de Saúde da Família e à Atenção Básica era o horário de trabalho17. A esse respeito, uma enfermeira registrou o seguinte relato:

Sabemos que escolhemos uma profissão que trabalha em finais de semana e feriados [...] o convívio familiar é salutar e reflete no trabalho [sendo necessária a] contratação de mais funcionários, cobertura da primeira falta, pagamento de horas extras. (ENF3)

Além da função exercida e do horário de trabalho, a ST da amostra total do estudo foi influenciada pelo tipo de vínculo. Para o domínio "Realização Pessoal", os maiores graus de ST foram identificados entre os colaboradores vinculados à Unicamp, com p < 0,05. Por outro lado, no domínio "Condições de Trabalho", eram os trabalhadores da Funcamp que estavam mais satisfeitos, também com diferença estatisticamente significativa. Porém, essa influência do vínculo não se manteve significativa na comparação entre homens e mulheres. Cumpre esclarecer que, enquanto os funcionários da Unicamp são admitidos por concurso público, os da Funcamp são contratados por processo seletivo e configuram uma força de trabalho terceirizada. A diferença de direitos entre esses dois tipos de vínculo incluem maior estabilidade e melhores salários para o grupo da Unicamp, que também possui um plano de carreira estabelecido, ao passo que os funcionários da Funcamp não. Nesse cenário, pode-se destacar que tanto homens como mulheres contratados pela Funcamp manifestaram seu descontentamento em relação às diferenças de direitos entre esses dois vínculos. Uma funcionária administrativa avaliou:

A diferença entre Funcamp e Unicamp é salarial e contratual, porém o serviço é o mesmo, por isso me sinto às vezes uma carta fora do baralho. (ADM1)

Já um técnico de enfermagem explicou:

Tamanha diferença entre Funcamp e Unicamp, desde salários e benefícios, me deixa um tanto triste com esta situação. (TEC2).

A maior assimetria entre gêneros foi observada no domínio referente às condições de trabalho, com significância estatística inclusive na análise multivariada. Nesse domínio, a diferença mais expressiva foi observada em relação aos banheiros, com maior ST no grupo masculino. É oportuno ressaltar que o presente estudo foi desenvolvido em um hospital especializado na saúde da mulher, razão pela qual quase a totalidade do público assistido pela instituição é do sexo feminino. Disso se segue que os banheiros com acesso livre são utilizados pelas pacientes, restando às funcionárias aqueles cujo acesso só é possível por meio de chaves. No caso dos homens, os banheiros com acesso livre são pouco utilizados pelo público externo, composto em sua maioria por motoristas ou acompanhantes de pacientes. Consequentemente, a disponibilidade de banheiros para as funcionárias tende a parecer menor do que para o grupo masculino, muito embora existam banheiros de uso exclusivo para ambos os gêneros. Nesse sentido, é provável que a melhoria da divulgação da disponibilidade de banheiros de uso exclusivo para funcionários possa melhorar sensivelmente a ST das mulheres. Ainda assim, há que se discutir com os trabalhadores a distância e a facilidade de acesso a esses banheiros, sobretudo no caso dos profissionais mais velhos ou com alguma dificuldade de locomoção.

Ainda no domínio "Condições de Trabalho", também se observou uma diferença estatisticamente significativa entre homens e mulheres em relação ao nível de barulhos. Apesar dessa diferença, é importante ressaltar que trabalhadores de ambos os sexos se queixaram desse problema. Um participante administrativo, por exemplo, relatou:

Existe um motor que fica o dia inteiro e todos os dias fazendo barulho, sendo um fator ruim referente ao barulho. (ADM2)

Já uma técnica de enfermagem avaliou:

O índice de ruído é elevado, seja nos ambientes externos às unidades, seja nas unidades [...] alguns funcionários falam alto demais [...] e risadas desproporcionais são frequentes entre colaboradores. (TEC3)

Quanto à maior insatisfação das mulheres em relação a esse problema, pode-se supor que isso se deveu ao predomínio do grupo feminino na assistência. No contexto hospitalar, a poluição sonora é responsável por aumentar a ansiedade, a perda de horas de sono, a percepção da dor e prolongar a convalescença dos pacientes18. Ciente disso, o grupo feminino que atua na assistência pode, de fato, demonstrar maior preocupação em relação ao nível de barulhos no local de trabalho.

Quanto às limitações do presente estudo, pode-se destacar a análise secundária dos dados. Nesse tipo de pesquisa, uma vez que os dados são analisados com vistas a atender propósitos diferentes daqueles do estudo original, o ajuste entre as novas questões e os dados efetivamente disponíveis pode enfrentar alguns obstáculos. Neste trabalho, essa tendência se expressou no baixo poder da amostra para comparar a ST entre os gêneros, considerando-se que o valor mínimo recomendado é de 80%11. A amostra apresentou poder satisfatório (85,3%) somente para comparar a ST em "Condições de Trabalho", corroborando a significância estatística identificada nesse domínio. Para o escore geral do QST-Caism, esse poder foi de 48,9%, com nível de significância de 5%. Para os domínios de "Relacionamento Interpessoal" e "Realização Pessoal", o poder da amostra foi de 57,5% e 5,8%, respectivamente.

A inexistência, na literatura, de estudos que relatem a utilização do QST-Caism em outros hospitais também é uma limitação a ser destacada, posto que engessa a discussão dos resultados a pesquisas que utilizaram outros tipos de instrumentos. Além disso, o próprio desenho do estudo, de corte transversal, impõe alguns vieses conhecidos, sobretudo a impossibilidade de se estabelecer uma relação causal entre as variáveis independentes e o desfecho estudado, neste caso, entre gênero e satisfação no trabalho.

CONCLUSÃO

O presente estudo constatou que o grupo feminino apresentava menores graus de ST em todos os domínios e no escore geral do QST-Caism. Na análise multivariada, essa diferença se manteve significativa apenas em relação ao domínio "Condições de Trabalho", indicando que os aspectos físicos do trabalho são os que geram maiores diferenças entre homens e mulheres. Dentre esses aspectos, o acesso a banheiros e o nível de barulhos constituíram as maiores assimetrias, sempre em prejuízo da parcela feminina da amostra.

Uma vez que as demais diferenças entre os grupos não resultaram significativas na análise ajustada, supomos que os menores níveis de ST das mulheres tenham sido influenciados pela expressiva concentração feminina em funções da enfermagem, que constituíam o grupo mais insatisfeito do estudo. Dentre os fatores que podem ter reduzido a ST desses profissionais, destacaram-se a crítica ao estilo gerencial adotado por alguns supervisores e o trabalho em turnos, feriados e finais de semana.

No domínio "Realização Pessoal", que aborda aspectos como salário, estabilidade no emprego e benefícios trabalhistas, não foram identificadas diferenças estatisticamente significativas entre homens e mulheres. Esse resultado permite concluir que, no Caism, não predomina uma relação desigual entre homens e mulheres em relação a esses aspectos.

REFERÊNCIAS

Cavazotte FdSCN, Oliveira LBd, Miranda LCdM. Desigualdade de gênero no trabalho: reflexos nas atitudes das mulheres e em sua intenção de deixar a empresa. Rausp. 2010 Jan./Mar.;45(1):70-83.
Locke EA. The nature and causes of job satisfaction. In: Dunnet MD (Org.). Handbook of industrial and organizational psychology. Chicago: Rand McNally College Publishing Company; 1976. p. 1297-350.
Clark AE. Job satisfaction and gender: Why are women so happy at work? Labour Economics. 1997 Dec.;4(4):341-72. Link DOI
Hodson R. Gender Differences in Job Satisfaction: Why Aren't Women More Dissatisfied? The Sociological Quarterly. 1989 Sep./Nov.;30(3):385-99. Link DOI
Carrillo-Garcia C, Solano-Ruiz MdC, Martinez-Roche ME, Gomez-Garcia CI. Job satisfaction among health care workers: the role of gender and age. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2013 Nov./Dec.;21(6):1314-20. Link DOI
Griep RH, Fonseca MdJMd, Melo ECP, Portela LF, Rotenberg L. Enfermeiros dos grandes hospitais públicos no Rio de Janeiro: características sociodemográficas e relacionadas ao trabalho. Rev. Bras. Enferm. 2013;66 (n. spe):151-7. Link DOI
Rebouças D, Legay LF, Abelha L. Satisfação com o trabalho e impacto causado nos profissionais de serviço de saúde mental. Rev. Saúde Pública. 2007;41(2):244-50. Link DOILink PubMed
Chaves LD, Ramos LH, Figueiredo ENd. Satisfação profissional de enfermeiros do Trabalho no Brasil. Acta Paul. Enferm. 2011;24(4):507-13. Link DOI
Bacha AM, Grassioto OdR, Fonsechi-Carvasan GA, Machado HdC, Cacique DB. Validação do Questionário de Satisfação no Trabalho do Hospital da Mulher Prof. Dr. José Aristodemo Pinotti-Caism/Unicamp (QST-Caism). Rev. adm. saude. 2013;15(60):95-104.
Creswell JW. Research Design: Qualitative, Quantitative, and Mixed Methods Approaches. 3nd ed. London (GBR): SAGE Publications; 2009.
Hulley SB, Cummings SR, Browner WS, Grady DG, Newman TB. Designing Clinical Research. 3nd ed. Philadelphia (EUA): Lippincott Williams & Wilkins; 2007.
Finn CP. Autonomy: an important component for nurses' job satisfaction. Int J Nurs Stud. 2001 Jun.;38(3):349-57. Link DOILink PubMed
Caran VCS, Secco IAdO, Barbosa DA, Robazzi MLdCC. Assédio moral entre docentes de instituição pública de ensino superior do Brasil. Acta Paul. Enferm. 2010;23(6):737-44. Link DOI
Justicia FJ, Benítez Muñoz JL, Fernández de Haro E, Berbén AG. El fenómeno del acoso laboral entre los trabajadores de la universidad. Psicol. estud. 2007;12(3):457-63. Link DOI
Cezar ES, Marziale MHP. Problemas de violência ocupacional em um serviço de urgência hospitalar da Cidade de Londrina, Paraná, Brasil. Cad. Saúde Pública. 2006 Jan.;22(1):217-21. Link DOILink PubMed
Xavier ACH, Barcelos CRV, Lopes JP, Chamarelli PG, Ribeiro SdS, Lacerda LdS, et al. Assédio moral no trabalho no setor saúde no Rio de Janeiro: algumas características. Rev. Bras. Saúde Ocup. 2008;33(117):15-22. Link DOI
Lima Ld, Pires DEPd, Forte ECN, Medeiros F. Job satisfaction and dissatisfaction of primary health care professionals. Esc. Anna Nery. 2014 Jan./Mar.;18(1):17-24. Link DOI
Cabrera IN, Lee MH. Reducing noise pollution in the hospital setting by establishing a department of sound: a survey of recent research on the effects of noise and music in health care. Prev Med. 2000 Apr.;30(4):339-45. Link DOILink PubMed

© Copyright 2024 - Escola Anna Nery Revista de Enfermagem - Todos os Direitos Reservados
GN1