ISSN (on-line): 2177-9465
ISSN (impressa): 1414-8145
Escola Anna Nery Revista de Enfermagem Escola Anna Nery Revista de Enfermagem
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Ministério da Educação
CAPES

Volume 19, Número 3, Jul/Set - 2015



DOI: 10.5935/1414-8145.20150057

PESQUISA

Vivência da mulher jovem com câncer de mama e mastectomizada

Thayse Gomes de Almeida 1
Isabel Comassetto 1
Karine de Melo Cezar Alves 1
Amuzza Ayla Pereira dos Santos 1
Jovânia Marques de Oliveira e Silva 1
Maria Cristina Soares Figueiredo Trezza 1


1 Universidade Federal de Alagoas. Maceió - AL, Brasil

Recebido em 07/07/2014
Aprovado em 03/07/2015

Autor correspondente:
Isabel Comassetto
E-mail: isabelcomassetto@gmail.com

RESUMO

OBJETIVO: O objetivo deste estudo foi compreender a vivência da mulher jovem diagnosticada com câncer de mama e mastectomizada.
MÉTODOS: Trata-se de uma pesquisa qualitativa com abordagem fenomenológica, fundamentada no referencial heideggeriano. Após a aprovação do projeto pelo Comitê de Ética, foram realizadas entrevistas livres, guiadas pela seguinte pergunta norteadora: Como foi pra você ter câncer de mama e ser submetida à mastectomia? Participaram da pesquisa sete mulheres com idade entre 18 e 35 anos.
RESULTADOS: Foram obtidas três categorias temáticas: Vivência da descoberta do câncer; Vivência do tratamento em busca da cura do câncer; Vivência da superação do câncer.
CONCLUSÃO: O fenômeno revela-se permeado de angústia e perplexidade diante do estar-no-mundo com câncer de mama, por desconhecer que um diagnóstico tão sombrio pode pertencer ao mundo do jovem.


Palavras-chave: Enfermagem Oncológica; Pesquisa Qualitativa; Mulheres; Neoplasias da Mama; Mastectomia.

INTRODUÇÃO

A palavra câncer carrega um estigma muito forte, por se tratar do câncer de mama torna-se mais temido pelo fato de acometer uma parte valorizada do corpo das mulheres, que em muitas culturas desempenham uma função significativa para sua sexualidade e identidade1.

O câncer de mama permanece como uma das principais causas de morte de mulheres no mundo2. No Brasil, as taxas de mortalidade continuam elevadas, muito provavelmente porque a doença ainda é diagnosticada em estágios avançados3. Em 2014, são esperados 57.120 casos novos de câncer de mama, com um risco estimado de 56,09 casos a cada 100 mil mulheres4.

É considerada uma doença complexa, que necessita de tratamentos dolorosos e gera incertezas sobre sua cura, causando impacto na vida das mulheres, é o mais comum entre as mulheres, atinge, frequentemente, pessoas com mais de 40 anos de idade, embora tenha sido observado um aumento de sua incidência em faixas etárias mais jovens5.

O câncer de mama ocorre com maior frequência em mulheres menopausadas, quando comparadas com mulheres jovens. Por ser considerado infrequente, o câncer de mama em mulheres jovens deve ser destacado, salienta-se que metástases sistêmicas ocorrem em 55,3% dos casos em mulheres jovens, acometidas pelo câncer de mama, e em 39,2% dos casos no grupo de idosas, sendo o índice de mortalidade em jovens de 38% dos casos e em 33% em idosas6.

Mulheres jovens sofrem um impacto psicossocial pelo diagnóstico e apresentam mais depressão e pior qualidade de vida que mulheres de meia-idade, devido aos efeitos do tratamento, pois a retirada do seio resulta em sentimentos negativos, especialmente, na mulher jovem7.

O tratamento mais utilizado para o câncer de mama é a mastectomia, sendo responsável por uma série de alterações vivenciadas pelas pacientes que a enfrentam, pois surge como um processo cirúrgico agressivo, acompanhado de consequências traumáticas para a vida e saúde da mulher8.

O câncer de mama carrega o tabu de uma doença chamada "maldita", possível causadora de desfiguração de partes do corpo, trazendo sofrimentos durante o tratamento, pois atinge a unidade corpo-mente e espírito. É visto também como potencialmente estressor por provocar uma série de transformações na vida, tanto da mulher acometida quanto em seus familiares, a fim de melhorar a qualidade de vida necessita de uma assistência de enfermagem privilegiada que beneficie as mudanças ocorridas no aspecto psicossocial para uma readaptação à condição de vida7.

Diante do exposto, propusemo-nos a realizar um estudo que responda a seguinte questão norteadora: Qual a vivência da mulher jovem submetida à mastectomia?

A realização deste estudo justifica-se, pela necessidade de subsidiar um suporte teórico para o desenvolvimento de uma assistência de enfermagem adequada à mulher jovem mastectomizada, por proporcionar melhores condições para suportar as situações vivenciadas, salientando a importância da assistência humanística com participação ativa dos profissionais de enfermagem junto à mulher e seus familiares no processo de adaptação a nova imagem.

Foram escolhidas apenas as mulheres na faixa etária de 18 a 35 anos de idade, por não serem consideradas mulheres de grupos populacionais de risco elevado para câncer de mama, supondo encontrar um fenômeno oculto a ser desvelado.

Torna-se relevante a construção do conhecimento sobre o tema, pois ao compreender a vivência da mulher jovem acometida pelo câncer de mama e mastectomizada, será possível desvelar o fenômeno por ela vivenciado, possibilitando uma compreensão do vivido e os desafios encarados. Ao desvelar este fenômeno, é possível também compreender as consequências advindas desta vivência bem como os possíveis conflitos existenciais enfrentados na sua vida cotidiana.

O objetivo deste estudo foi compreender a vivência da mulher jovem diagnosticada com câncer de mama e mastectomizada.

ABORDAGEM TEÓRICO-METODOLÓGICA

Para a realização deste estudo, por ter em vista a natureza do objeto de investigação que enfoca o fenômeno vivido pela mulher jovem com câncer de mama foi escolhida a pesquisa qualitativa, utilizando como referencial teórico a fenomenologia heideggeriana.

A fenomenologia tem sido uma abordagem comumente utilizada em trabalhos realizados na área da Enfermagem, refletindo inquietação em compreender os fenômenos vividos no seu cotidiano, compreendendo a complexidade dos mesmos, assim como a particularidade expressa por cada sujeito9.

Considerou-se pertinente, para desvelar o fenômeno vivenciado pela mulher jovem submetida à mastectomia o referencial teórico filosófico de Martin Heidegger, na qual o ser humano em seu cotidiano se constitui sob três perspectivas: a facticidade, a existencialidade e a decadência10.

A autorização para realizar o estudo foi concedida pela Direção de Ensino do Hospital Universitário Professor Alberto Antunes (HUPAA). O projeto de pesquisa foi submetido na Plataforma Brasil e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Alagoas (CEP-UFAL), de acordo com os princípios éticos e legais vigentes na Resolução 466, de 12 de dezembro de 2012, sendo aprovado pelo parecer consubstanciado com o número 425.234, no dia 15 de outubro de 2013. A seguir, deu-se início à etapa da coleta das informações, realizado de outubro de 2013 a janeiro de 2014. A princípio, foi feito contato com a Enfermeira Coordenadora do Centro de Alta Complexidade em Oncologia (CACON), do Hospital Universitário Professor Alberto Antunes (HUPAA), que colaborou para a seleção entre as mulheres que eram assistidas na instituição, indicando apenas as mulheres jovens, na faixa etária de 18 a 35 anos de idade, diagnosticadas com câncer de mama e que foram submetidas à mastectomia.

Foi realizada a aproximação com as mulheres que atendiam aos critérios de inclusão, explicando o objetivo da pesquisa e convidando-as a participar da pesquisa a ser realizada, todas aceitaram, totalizando um número de sete participantes. Em seguida, foi agendado um encontro individual com cada uma, considerando o dia, a hora e o local conveniente para as participantes, tendo como local eleito uma sala no CACON.

Previamente à realização das entrevistas, obedecendo aos preceitos éticos preconizados pelo Comitê de Ética e Pesquisa, para a pesquisa em seres Humanos, procedeu-se a leitura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Todas as participantes assinaram-no como confirmação de sua concordância à participação livre, voluntária, sem ônus, após a garantia de sigilo, anonimato, dignidade, respeito e igualdade de direitos. Em seguida, iniciou-se a entrevista, como propósito de compreender o fenômeno e captar sua essência, através de uma abordagem que permitisse a espontaneidade da resposta solicitou-se que as participantes discorressem livremente, a partir da questão: Como foi para você ter câncer de mama e ser submetida à mastectomia?

As entrevistas foram gravadas e transcritas na íntegra. Para a análise dos depoimentos foi utilizado o referencial fenomenológico de Josgrilberg11: Inicialmente, foi realizada a leitura e releitura atentiva de cada depoimento para detecção das unidades de sentido e agrupamento das unidades similares. Por fim, as unidades de sentido contidas em cada discurso, foram agrupadas e relacionadas entre si, sem deixar de indicar os momentos que são específicos na narração de cada depoimento, interligando os sentidos que foram desvelados. Nessa fase emergiram as categorias temáticas.

Com a intenção de guardar o anonimato das participantes da pesquisa, foi escolhido um pseudônimo para cada entrevistada, por meio da escolha de uma flor.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

No caminho percorrido a fim de alcançar o sentido do Ser de cada participante, as unidades de significado dos discursos desvelaram a estrutura do fenômeno interrogado, assim os resultados foram agrupados em categorias temáticas, que serão apresentadas: Vivência da descoberta do câncer; vivência do tratamento em busca da cura do câncer; vivência da superação do câncer.

Dessa forma, a categoria que inicia o desvelar do estudo refere-se ao impacto da descoberta do câncer de mama na vivência da mulher jovem.

Vivência da descoberta do câncer

Nesta categoria temática foi possível desvelar o modo de ser-aí das mulheres jovens submetidas à mastectomia diante da descoberta do câncer de mama.

Por meio dos seus discursos apreendeu-se que ao se descobrirem portadoras do câncer de mama o seu universo existencial passa a ser permeado por sentimentos que podem variar de indiferença para um medo profundo.

A condição de ser mulher jovem não lhe proporcionou um despertar para a possibilidade de estar-no-mundo como portadora de câncer de mama, a maioria relata ter sido surpreendida por desconhecer que um diagnóstico tão devastador pudesse surgir durante a juventude:

[...] eu tinha 23 anos e ainda demorei pra ter o diagnóstico, acho que quase um ano, porque na minha idade eu achava que não poderia ser uma coisa maligna. (Rosa)

Vê-se, portanto, que a existência humana é constituída de possibilidades na qual se baseia todo a sua transcendência10. Ao transcender, a mulher jovem com câncer de mama é lançada ao fato insuperável do descobrimento do diagnóstico do câncer, assim, vivencia um momento no qual sofrem e, consequentemente, experiencia uma negação da realidade, que proporcionará uma dificuldade para o início do tratamento:

[...] mas quando eu descobri comecei a chorar, logo no começo eu disse que não ia fazer o tratamento. (Girassol)

Na hora eu me desesperei, disse que o exame estava errado, que os médicos estavam enlouquecendo. (Rosa)

A negação da doença, dentro dos estágios psicológicos no enfrentamento do câncer representa a fase em que a pessoa não acredita na informação que está recebendo, sendo uma fase temporária, logo substituída pela aceitação parcial. Nesta fase, ainda é comum uma transição em falar sobre a realidade do assunto, num determinado momento, e de repente negá-lo completamente. Na aceitação, os fatos começam a ser enfrentados com consciência das possibilidades e das limitações12.

Diante dos relatos pode-se perceber que a mulher jovem com câncer ao negar a realidade que lhe foi posta, passam a vivenciar esta negação permeada por sentimentos de desespero, tristeza e choro como evidenciado anteriormente.

Da mesma forma, percebe-se também que o sentido da descoberta do nódulo de mama para a mulher mais jovem possivelmente não esta atrelado ao significado do câncer como geralmente está presente para a mulher com a idade mais avançada, os depoimentos expressam com clareza que este significado jamais é alcançado em sua totalidade, uma vez que a mulher jovem ao descobrir o nódulo na mama, em seu sentir não se remete à condição de estar com câncer.

Eu sentia um nódulo pequenininho, mas achava que era por conta da redução de mama que eu tinha feito. Eu não achava que uma doença dessa pudesse acontecer comigo. (Orquídea)

A mulher jovem ao descobrir-se um ser-no-mundo com câncer, apreende que o adoecer por câncer é uma facticidade que pode provocar decepção, desespero, profunda tristeza e temor, assim, é conduzida à vivenciar a angústia conforme os relatos que seguem:

[...] então quando ela (médica) falou: "era o que eu esperava". Então pra mim é como se tudo desabou. (Lírio)

Na hora eu me desesperei! (Rosa)

Quando a médica me falou que era câncer eu não acreditei, cai no choro. Eu só perguntava: Meu Deus por que comigo? (Dália)

A vivência diferenciada pode levar o ser-aí a abandonar-se diante da confirmação do câncer enquanto fato:

Realmente pra mim a notícia foi bem péssima, eu olhei, disse que não ia fazer nada. (Girassol)

Estas verbalizações mostram vivências diferenciadas, porém deixam claro que as mulheres jovens com câncer de mama que participaram deste estudo sentiram um impacto na descoberta do diagnóstico, não só pela gravidade da doença, mas, principalmente, por não estarem na idade considerada de risco para o surgimento do câncer de mama.

Observou-se que a comprovação do fato de estar com uma doença grave e com estigma tão forte como o câncer é a etapa inicial vivenciada pela mulher. Até então, aquele Ser que não acreditava poder ser vítima de uma doença que se reveste do "estigma da morte", é surpreendida com a confirmação do diagnóstico de câncer de mama. Assim, tal fato leva a mulher jovem a vivenciar contraditórios sentimentos.

O câncer de mama surge com um significado de ameaça à vida e à integridade física e emocional da mulher. Portanto, ao receber o diagnóstico de câncer de mama, a mulher passa a vivenciar a expectativa de um futuro incerto, de um caminho de dificuldades, que vem acompanhado do medo da morte e mutilação13. A mulher convive com sentimentos intensos e contraditórios, nos quais temor, raiva, incerteza, negação e, até mesmo, a aceitação passam a fazer parte do seu cotidiano.

Diante da confirmação do diagnóstico de câncer de mama consequentemente a mulher jovem passa a experimentar pensamentos negativos e assustadores, que as faz exacerbar sentimentos como a culpa e o fracasso:

O meu erro é que eu não fui fazer a mamografia no ano seguinte. Porque o que dizem é pra gente fazer a mamografia a partir dos quarenta anos. O meu erro foi esse! (Choro) (Lírio)

Os depoimentos das mulheres jovens trazem-nos com clareza que a experiência vivida do momento da descoberta até o início do tratamento são permeada por sentimentos de angústia, temor, incerteza e desconfiança.

A angústia com a morte na fenomenologia heideggeriana é a angústia "com" o modo mais próprio e invencível, considerando que o angustiar-se é próprio do ser humano e faz parte da estrutura do ser da pre-sença que se põem diante de si próprio.

Alguns sentimentos são evidenciados pelas mulheres com câncer de mama, os quais são fruto do imaginário social de uma doença que causa dor e sofrimento e que pode ser fatal. Neste sentido, o câncer está entre as doenças que mais provocam medo e preocupações na população, criando uma imagem estigmatizada de sofrimento, aversão e morte14.

Ainda sob o efeito do impacto da descoberta, a mulher vivencia a dúvida e insegurança quanto ao futuro. Para o ser-aí, a descoberta do câncer significa inicialmente um indício de morte. Conforme evidenciamos nos discursos a seguir:

Muitas vezes eu me perguntava assim: "meu Deus e agora o que é que vai ser, e o futuro?" (Lírio)

É uma coisa que você nunca quer ouvir, porque câncer [...] tinha dia que vinha na minha cabeça: "eu vou morrer, eu vou morrer!" (Choro) (Dália)

Dessa forma, me foi permitido observar que de certa forma a mulher transforma-se em um ser-para-a-morte, mostrando fraqueza emocional vivenciada diante a possibilidade da morte como consequência de uma doença marcada por estigmas, como o câncer. Esta fraqueza é mais intensa, principalmente por se tratar do câncer de mama, caracterizado como mutilador, provocando alterações na imagem corporal, que na maioria das vezes levam a sentimentos de depressão e medo diante da possibilidade da finitude da vida.

Neste momento é fundamental compreender o sentimento de viver com o câncer de mama, pois conviver com incertezas futuras é uma constante na vida desse Ser, que se desenvolve na maioria das vezes pelo medo de não atingir a cura da doença.

O sentimento de desamparo leva as mulheres jovens com câncer de mama a vivenciar uma incerteza do futuro, pois, vislumbram um longo caminhar na luta do tratamento contra o câncer, conforme será discutido na próxima categoria temática.

Vivência do tratamento em busca da cura do câncer

Consciente da sua condição de ser mulher jovem e estar com câncer de mama remete-se a enfrentar a factualidade da existência, a estar lançada no mundo em meio a outros seres existentes. Na fenomenologia heideggeriana o cuidado é inerente à existência do ser do homem, assim, na qualidade de ser-no-mundo uma mulher jovem com câncer de mama, necessita de cuidado.

Os depoimentos apresentados, nesta categoria, sinalizam que após a descoberta do diagnóstico de câncer de mama o ser-aí, se vê diante de uma nova realidade e além de reagir as ações dos outros, elas também definem estas ações com temor de como receberão o cuidado para tratar a doença e vencê-la.

A busca do cuidado é permeada, algumas vezes por dificuldades encontradas no atendimento nos serviços de saúde, que é envolto por excessivas burocracias, assim como, pela demanda que se apresenta frequentemente maior que os recursos disponíveis no sistema público de saúde.

Não é muito bom você chegar lá e ela (médica) dizer que você tem câncer, aí você traz uma documentação dessas e vai esperar sessenta, noventa dias pra começar um tratamento de quimioterapia? Esse tempo acaba com a gente! (Margarida)

O significado atribuído pela mulher jovem com câncer de mama á essa questão é uma das dificuldades a serem enfrentadas, pois, percebem-se dependentes do serviço público de saúde e desamparadas diante da necessidade de cuidado.

Vencida a busca para o acesso ao tratamento projetam-se na superação das dificuldades que terão que enfrentar valendo-se das suas possibilidades.

Nos relatos há observações relevantes no que concerne ao tratamento quimioterápico, sendo destacadas as possibilidades encontradas durante o enfrentamento dos diferentes protocolos quimioterápicos pelas mulheres jovens com câncer de mama:

[...] foi um sofrimento em cada sessão. A reação da vermelha era muito vômito, muita dor no corpo, dor de cabeça e eu ficava sete dias acamada, sem comer, sem nada. (Orquídea)

[...] tive a vida normal, fazia exercício físico, ia pra academia. Eu tomava quimio dia de quinta, na segunda eu já tava na academia. (Rosa)

Nota-se que o mal estar decorrente do uso de quimioterápicos é relatado entre as entrevistadas.

O tratamento oncológico mediante a administração de agentes quimioterápicos caracteriza-se pela ocorrência de efeitos adversos derivados das alterações que estes agentes provocam, não apenas nas células tumorais, como também, nas células sadias do organismo. Além disso, a gravidade decorrente destes efeitos depende diretamente das características tanto do paciente, como da própria doença15.

Acredita-se que o tratamento com quimioterápicos seja tão temido pela maioria das mulheres, devido ao seu poder de desenvolver efeitos como a toxicidade sistêmica que pode ser apresentada com a alopecia, causando-lhe significativas alterações na autoimagem.

Perder o cabelo, como consequência da quimioterapia, foi um evento vivenciado por todas elas. Observou-se a dificuldade de conviver com essa nova etapa do tratamento:

Mas esse momento foi assim, o segundo mais difícil, porque assim, ver cortando o cabelo... Olhe, tava com um mês que eu tinha dado luzes, muito vaidosa, sempre arrumando os cabelos e um mês depois voltei lá pra essa minha cabeleleira fazer uma coisa dessa no meu cabelo. (Choro) (Lírio)

Quando eu vi meu cabelo cair foi uma dor imensa, no momento eu nem pensei na doença, só pensei no meu cabelo que tava indo embora. (Orquídea)

Acompanhando o relato das mulheres em relação à perda do cabelo, pôde-se observar que cada Ser vive o processo em íntima relação com o seu existir, com o seu modo peculiar de ser-no-mundo-com-os-outros.

Para a mulher jovem que vivencia o tratamento do câncer, a perda do cabelo é uma etapa de difícil superação, sendo observado um sentimento mais intenso do que o observado nos relatos referentes à mastectomia:

[...] o meu medo não era de perder a mama, era de ficar careca, sair na rua careca e todo mundo me olhar como se eu fosse uma coisa estranha. Porque a mama eu sabia que tinha cirurgia, que tinha reconstituição! (Rosa)

O impacto decorrente da queda do cabelo deve-se a sua ocorrência súbita e por ser a calvície algo visível exteriormente, o que expõe a doença e altera a autoestima da mulher16.

Culturalmente, o cabelo é considerado como uma característica feminina, exibidos longos e bonitos pelas mulheres1. Portanto, para muitas delas passar pela perda do cabelo, depois do tratamento de quimioterapia, foi algo bastante difícil de vivenciar.

No decorrer do tratamento as mulheres jovens vivenciam a etapa do procedimento cirúrgico de mastectomia, no presente estudo, todas as pesquisadas foram submetidas à mastectomia radical.

O aspecto físico das mamas tem relação direta com a sensualidade e a vaidade por um corpo bonito, desempenhando um papel importante na maternidade, considerado relevante para as mulheres em nossa sociedade. A mastectomia é uma das abordagens terapêuticas vivenciadas pelo ser-aí com consequente multilação das mamas. Essa mutilação tem forte repercussão na sua feminilidade, levando a que ela vivencie uma série de consequências emocionais, físicas e sociais que estão relacionadas à imagem corporal1.

Os depoimentos referem dificuldades na convivência com o tratamento do câncer de mama e assim se expressaram:

[...] eu preciso me olhar, eu preciso tocar o meu corpo pra saber o que aconteceu, ter consciência. Porque eu preciso conviver com isso [...]. (Lírio)

Ele (médico) me disse que eu precisava tirar a mama que tava com Ca, se eu quisesse ficar boa. Isso pra mim foi bem péssimo. (Girassol)

Desvela-se que após esse momento o corpo torna-se algo estranho para a mulher jovem, e consequentemente, vai necessitar de tempo para aceitação da nova imagem.

As mulheres submetidas à mastectomia sentem-se envergonhas diante da sociedade, já que a imagem corporal compõe um fator indispensável para o desenvolvimento da autoimagem, bem como da valorização diante das pessoas. A mama é tida como símbolo da beleza, feminilidade e sensualidade, e as mulheres mastectomizadas demonstram uma enorme preocupação com a imagem corporal, tendo a mama uma importância fundamental para essa imagem, assim como, para sua identidade1.

Há mulheres que aceitam a perda da mama. Mas esta aceitação decorre do fato de ser inevitável, como o único caminho para a cura tão esperada, ou seja, depositando na cirurgia sua possibilidade de cura, conforme explicitado:

Eu não pensava na cirurgia, assim no que ia acontecer, eu pensava só que eu ia me livrar do tumor, arrancar, vamos arrancar logo! (Lírio)

Nota-se que apesar da dificuldade vivenciada pela perda da mama, a mulher jovem cria uma concepção de que não será mais necessário se preocupar com a doença, deixando perceber que a perda do órgão tenha levado junto a doença por completo, com isso todas as questões relacionadas ao câncer estariam controladas. Em momentos como esse a mulher necessita do cuidado da família e do profissional de saúde para ajudá-la no movimento de aceitação e continuidade do tratamento, considerando que, além das mudanças psicológicas, a mulher está diante das limitações físicas e sociais.

Com o aparecimento da doença ocorre a mudança de papéis e, muitas vezes, a mulher é obrigada a abrir mão de suas atividades rotineiras como o trabalho, o cuidado com o marido, com os filhos e sua casa. As relações afetivas algumas vezes também são afetadas, levando esta mulher a um isolamento social:

Sempre estudando e trabalhando, tava pra começar a trabalhar numa escola de uma amiga minha e assim, parar com a rotina que eu tinha e ver que eu não podia mais fazer as coisas que eu fazia, como lavar a roupa, arrumar a casa, fazer minha comida por conta da náusea toda [...] (Lírio)

Durante a vivência do câncer de mama a mulher se torna dependente, principalmente, durante o período de tratamento e pós-cirúrgico pelos efeitos adversos, necessitando de ajuda para realizar tarefas domésticas que antes desempenhava com tranquilidade12.

Nesta nova fase é preciso haver readaptação das atividades diárias, pois no primeiro momento a mulher tende a se sentir frágil e inútil tanto em atividades simples como as mais complexas, atividades essas que costumava desenvolver naturalmente no seu dia a dia.

A transformação na vida da mulher com câncer de mama é mais elevado por provocar restrições na vida social, como uma troca de papéis. Aquele ser que cuidava de todos à sua volta, neste momento precisa ser cuidada. E por consequência da doença essa mulher deixa seu emprego, limita suas atividades domésticas e sociais, contribuindo para o desenvolvimento de sentimentos como solidão e depressão.

O apoio fornecido pela família e amigos é essencial na superação de conflitos como medo, ansiedade e depressão e pode propiciar à mulher formas opcionais de viver, mesmo com limitações, além disso, o afeto familiar ajuda a lutar contra a doença, supre suas carências e ajuda o sobrevivente a alcançar uma maior aceitação e estabilidade comportamental, como abordaremos na próxima categoria temática14.

Vivência da superação do câncer

Depois da descoberta do câncer e, consequentemente, o momento de negação, a mulher vivencia o tratamento, que não é considerado por ela algo simples. Embora o medo seja sempre latente durante toda a trajetória da doença, no decorrer do tratamento a mulher jovem busca vencer as limitações, aceitando a mastectomia e o câncer de mama em suas várias etapas, alcançando assim, a superação na busca da reabilitação:

E acima de tudo tem que fazer assim, lutar porque existe [...] A gente entende num momento desse que existe algo maior, não da pra dizer assim: eu estou sobrevivendo a tudo só pela minha própria força. Num momento desse a gente encontra uma força maior, nos momentos de muitas dores no corpo, eu achava que não ia conseguir. E eu consegui! (Lírio)

Nota-se que ao final do processo a mulher jovem busca algo em que se sustentar busca uma confiança interior de que vai superar essa etapa da vida. Diante dos relatos, infere-se que a mulher jovem com câncer, na tentativa de entender o motivo da sua doença, e para se adaptar à situação e conviver com o problema, vivencia sentimentos bastante complexos.

Algumas delas, porém, descobre-se forte, utilizando-se de estratégias como a fé e a esperança. Apesar do impacto de se descobrir com câncer tão jovem, a mulher busca novos propósitos de vida, apoiada em novas expectativas.

A religiosidade é considerada como fonte de apoio para o enfrentamento da vivência do câncer, uma vez que, no encontro com a fé é possível uma aproximação com a subjetividade que pode ajudar a pessoa a compreender-se e enfrentar positivamente a doença17.

Acredita-se que a fé ou crença religiosa proporciona às mulheres com câncer de mama sentimento de paz na sua condição, para, assim, viver com maior otimismo. Dessa forma, observou-se durante os relatos que a espiritualidade influenciou de forma significativa na vida do ser-aí, de maneira a impulsioná-la a enfrentar as barreiras e dar continuidade a vida com mais tranquilidade e força de vontade.

O apego à fé e a religiosidade oportuniza a esperança como um recurso que oferece sustentação para a mulher jovem enfrentar a facticidade de se ver lançada no mundo do câncer, possibilitando ao ser esquivar-se, momentaneamente, da angústia da possibilidade prematuridade da sua finitude.

Eu sou católica e tenho aquela devoção com Nossa Senhora, mãe de Jesus. Então eu digo: Nossa Senhora tudo passa então me ajude, que esse momento passe e passou! (Lírio)

Eu me agarro muito a esse nome: Deus. É Ele quem ta me ajudando a passar por isso. (Margarida)

A religião se mostra importante fonte de suporte social e psicológico. As mulheres apreendem na religião uma base de apoio, conferindo a doença a algo superior e divino acreditando, que possa ser curada14.

Além da espiritualidade, outra estratégia utilizada pela mulher nesse momento é buscar forças em seus próprios familiares:

O apoio eu encontrei nos meus dois filhos pequenos dentro de casa, foram os meus dois filhos pequenos que não deixaram eu ficar triste. Chorei? Chorava! Mas ai meu pequenininho chegava perto de mim e pronto. (Choro) (Orquídea)

Observa-se que a mulher descobre nos filhos, em Deus e até mesmo em sua própria força, coragem necessária para se tornar guerreira e indo a procura do tratamento e consequentemente da cura, deixando-a mais forte e mais segura de suas decisões.

A família surge como principal fonte de apoio para a mulher durante o tratamento oncológico. Os familiares oferecem cuidados diretos ou apoio indireto, ou seja, não apenas conforto emocional a mulher, mas também ajuda em sua prática cotidiana, auxiliando em tarefas diárias, assumindo suas atividades na casa e no cuidado com os filhos enquanto esta se encontra debilitada física e psicologicamente18.

Nota-se que o apoio familiar tem contribuição significante diante do enfrentamento das circunstâncias vivenciadas e fornece subsídios ao ser-aí a desempenhar aptidões para conter estados de estresse e habituar-se de modo positivo e seguro a sua aceitação de sua nova condição.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo permitiu desvelar o fenômeno vivido pela mulher que durante a juventude vivencia o câncer de mama. Observou-se que a confirmação de uma doença devastadora como o câncer pode modificar sentimentos e emoções vivenciados pela mulher. Ao descobrir-se com câncer ela vivencia a surpresa e dureza do diagnóstico, pois ao detectar o nódulo a jovem não associa a um possível diagnóstico tão grave como o câncer, isso porque não acredita ou desconhece a possibilidade do surgimento do câncer de mama durante a juventude.

Ao receber o diagnóstico a mulher vivencia a perspectiva de um futuro incerto, de um caminho desconhecido com grandes dificuldades acompanhado por sentimentos que se mostram bem mais intenso quando vivenciados na juventude, como angústia, tristeza e o medo da morte e da mutilação.

Apesar de toda a dificuldade vivenciada durante o câncer, a mulher jovem descobre-se forte e busca motivos que a levem a lutar contra a doença. Na maioria das vezes, ela encontra esse apoio emocional na fé espiritual e em seus familiares.

Diante do fenômeno desvelado entende-se que o profissional de enfermagem pode contribuir significadamente, na prevenção e na promoção da saúde desse Ser jovem que desconhece a possibilidade de ser atingida pelo câncer, utilizando estratégias simples como a educação em saúde. Além disso, o apoio, a atenção e suporte emocional são fatores essenciais que devem estar presentes na assistência de enfermagem a mulher jovem diagnosticada com câncer de mama e mastectomizada.

Deve-se fazer parte do cuidado da enfermagem o ouvir, tocar, expressar sentimentos, bem como estar disponível a assistir esse ser em sua totalidade observando-se a relação corpo e mente.

Vale ressaltar as limitações deste estudo. Os resultados não podem ser generalizados. Trata-se de uma pesquisa fenomenológica, na qual participaram apenas sete mulheres, porém acreditamos ter encontrado respostas para as interrogações a respeito deste fenômeno complexo e inesgotável, vivido por estas mulheres jovens, na faixa etária de 18 a 35 anos de idade, diagnosticadas com câncer de mama, e que foram submetidas à mastectomia.

Por fim, espera-se que essa discussão possa contribuir efetivamente para as mudanças de práticas em saúde e em enfermagem, pois há um lugar para uma atuação integral e humanizada voltada também para as mulheres jovens.

REFERENCIAS

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