Volume 10, Número 3, Jul/Set - 2006
PESQUISA
Álcool e adolescência: o perfil de consumidores de um município do norte do Paraná
Alcohol and adolescence: the consumer's of a municipal district of the north of Paraná profile
Alcohol y adolescencia: el perfil de los consumidores de un distrito municipal del norte de Paraná
Glória Maria Assis AlavarseI; Maria Dalva de Barros CarvalhoII
IEnfermeira, Coordenadora do Curso de Enfermagem/Faculdade de Apucarana FAP PR, Especialista em Programa de Saúde da Família e Mestre em Ciências da Saúde, Acadêmica do Curso de Direito da Faculdade de Apuacarana - FAP.
IIEnfermeira, doutora em Enfermagem, professora associada do Departamento de Enfermagem da Universidade Estadual de Maringá - UEM, professora dos programas de Mestrado em Ciências da Saúde e Enfermagem da Universidade Estadual de Maringá - UEM.
RESUMO
A presente pesquisa foi realizada com o objetivo de avaliar o consumo de álcool entre os adolescentes estudantes na faixa etária de 13 a 19 anos de um município do norte do Paraná. As informações foram obtidas através de um questionário aplicado nas escolas de ensino público e privado do município de Apucarana-Paraná, com 976 estudantes, e os dados foram processados no Programa Epi-Info 6.0. Os resultados mostram que 82,18% dos adolescentes entrevistados já experimentaram álcool, 66,39% iniciaram o uso entre 8 e 14 anos, 71,61% experimentaram em casa com os pais e 25% dos entrevistados já beberam até a embriaguez. Por isso, conclui-se que novas estratégias de intervenção são necessárias, envolvendo um trabalho multiprofissional com saúde, educação, segurança pública, esporte e lazer, por meio de ações preventivas de saúde, sistematizadas e contínuas, fortalecendo assim, suas relações.
Palavras-chave: Adolescente. Abuso de álcool. Incidência. Prevenção.
ABSTRACT
The present research was accomplished with the objective of evaluating the consumption of alcohol among the adolescents students in the age group from 13 to 19 years, of a municipal district of the north of Paraná. The information were obtained through an applied questionnaire in the schools of public and proven teaching of the municipal district of Apucarana-Paraná, with 976 students, being the data analyzed by the Epi-Info Program. The results show that 82,18% of the adolescents interviewed have already proved alcohol, 66,39% began the use between 8 and 14 years, 71,61% proved at home with their parents and 25% of the interviewees have already drank until stay intoxicated. Therefore, this research concluded that new strategies of internvention are necessery, envolving a multi professional work, which include health, education, public safety, sports and leisure, througth preventive actions of health, sistematized and constinuous strengthening, this, their relationships.
Keywords: Adolescent. Alcohol Abuse. Incidence. Prevention.
RESUMEN
La siguente investigación fué realizada con el objetivo de evaluar el consumo de alcohol entre los estudiantes adolescentes en el grupo de edad de 13 a 19 años, de un distrito municipal del norte de Paraná. La información se obtuvo a través de una encuesta aplicada en las escuelas pública y privadas del distrito municipal de Apucarana-Paraná, con 976 estudiantes, siendo los datos analizados por el Programa Epi-Info. Los resultados indican que 82,18% de los adolescentes entrevistados ya habían probado el alcohol, el 66,39% empezaron a consumir entre los 8 y 14 años, el 71,61% probaron en casa con los padres y el 25% de los encuestados habían bebido hasta la embriaguez. Por consiguiente se deduce que nuevas estrategias de intervención son necesarias. Involucrando un trabajo multiprofesional con la salud, la educación, la seguridad pública, deportes y ocio, a través de acciones preventivas de salud, sistematizadas y continuas, fortaleciendo de esta forma sus relaciones.
Palabras clave: Adolescente. Abuso de Alcohol. Incidência. Prevención.
INTRODUÇÃO
A adolescência é uma fase da vida que se caracteriza por marcantes transformações e mudanças físicas e psicossociais. É um momento conturbado na trajetória do jovem, podendo gerar conflitos pessoais, familiares e sociais.
Para a Organização Mundial de Saúde1 (OMS), a adolescência é o período do desenvolvimento humano que se estende aproximadamente dos 10 aos 19 anos de idade. Já no Brasil, segundo a Lei n o 8069 de 13 de julho de 19902, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu artigo 2o, a adolescência é o período compreendido entre 12 e 18 anos de idade.
Dizer que a adolescência ocorre entre os 10 e os 20 anos seria muito simplista. Ela compreende todo o tempo necessário para a criança se transformar em adulto, não apenas do ponto de vista biológico, mas também em termos psíquicos e sociais3.
Lopes e Maia4 referem que o adolescente está em processo de desenvolvimento biológico, psicológico, sexual e social. Esse desenvolvimento inclui: aceitação das mudanças físicas, estabelecimento das relações de grupo, desenvolvimento da personalidade e construção de valores pessoais consistentes com o ambiente social. Para esses autores, o período da adolescência engloba a segunda década de vida, de 11 a 20 anos de idade.
As mudanças físicas que ocorrem por ações hormonais, psíquicas e sociais, próprias da adolescência, não são simples, são mudanças complexas, que fazem o adolescente se sentir inseguro, ansioso, insatisfeito com o seu corpo e consigo mesmo. Esses conflitos fazem parte de todo um processo de busca de sua própria identidade, para chegar à situação de adulto. Portanto, essa é uma fase em que as influências contextuais externas à família tomam maior magnitude, pois vão implicar na tomada de decisões de conduta e contribuir para a definição de estilos de vida5. A imagem de adulto independente vai ser buscada por ele no grupo, o que é uma tendência natural do adolescente.
Para Rappaport6, é comum, no período da adolescência, a necessidade de pertencer a um grupo. Se os amigos já eram importantes na infância, agora se tornam fundamentais para o adolescente. No meio da adolescência, o grupo assume a importância social principal e o conflito familiar atinge o seu pico4. É no grupo que os adolescentes se sentem protegidos, agindo de modo homogêneo, vestindo roupas características, usando gírias, tentando encontrar seu espaço e sua identidade. É por isso que é no grupo que a influência e a pressão se legitimam.
Os adolescentes são contestadores e curiosos, portanto, mais sujeitos aos comportamentos de risco. Esses comportamentos na adolescência envolvem o uso de álcool e as demais drogas, além de atividade sexual precoce, algumas vezes com mais de um parceiro. Essa atitude do jovem é de quem se arrisca, oscilando entre situações de risco "calculado", decorrente de ação pensada, e de risco "insensato", no qual, expondo-se gratuitamente, pode comprometer sua vida de forma irreversível7.
A contestação e a curiosidade são qualidades naturais do jovem, e, quando eles se juntam a um grupo que faz uso de álcool e outras drogas, são impelidos a experimentar também. Querem se sentir iguais, dividir experiências e solucionar suas dificuldades5.
Estudos comprovam que adolescentes que fazem uso de álcool têm menor capacidade de se prevenirem contra DST/AIDS4. Os dados revelam que o aumento do número de parceiros e de relações sexuais está diretamente relacionado à quantidade de álcool consumida8.
Pesquisa realizada entre estudantes do Ensino Fundamental e Médio de 14 capitais brasileiras mostrou que a freqüência com que os jovens bebem está crescendo em várias sociedades, estando também respaldado em levantamento realizado pelo Centro Brasileiro de Informações sobre as Drogas Psicotrópicas (CEBRID). A pesquisa evidenciou que, nas diversas regiões do país, o álcool é a droga de uso mais freqüente, seguida, à distância, pelo tabaco, pelos inalantes e pelos medicamentos psicotrópicos9.
O álcool é apontado também como a principal causa de acidentes de trânsito, que estão entre as três principais causas de morte de jovens brasileiros de 15 a 24 anos. Um levantamento feito pela Universidade Federal de São Paulo em 2003 mostrou que 100% das pessoas que davam entrada no pronto-socorro de Paulínia nos finais de semana, após se envolverem em acidentes de trânsito, quedas ou brigas, estavam alcoolizadas10.
Outra pesquisa realizada pelo CEBRID11 revelou que cerca de 13% de pessoas feridas em acidentes e atendidas no pronto-socorro do Hospital São Paulo tinham abusado do consumo de álcool. Dos 253 pacientes socorridos, 18%, ou um em cada cinco, tinham consumido alguma substância entorpecente. Nesse grupo, 40% haviam exagerado no álcool, e outros 40% associaram álcool com maconha, enquanto 20% usaram outras drogas. O estudo ainda mostrou que "álcool e direção" não são a única combinação perigosa. Apesar do alto número de acidentes envolvendo veículos (40% deles ocorreram nas ruas e estradas), 32% das lesões aconteceram no local de trabalho, 16% em casa e 12% em diferentes cenários.
Pesquisa do Centro Latino-Americano de Estudos sobre Violência e Saúde (1997) realizada nos Hospitais Miguel Couto e Salgado Filho do Estado do Rio de Janeiro mostrou que 13% e 12,6% dos pacientes atendidos, respectivamente, envolveram o uso de drogas, e o álcool configurou-se como o mais freqüentemente consumido12.
Existem diferentes estudos em emergências hospitalares americanas os quais comprovam que, das vítimas de agressão, 43% a 51% delas tinham o teste de Blood Alcohol Concentration (BAC) positivo. O autor lista onze estudos que comparam grupos de pacientes atendidos por eventos violentos com grupos atendidos por outros motivos. Os resultados indicam que as vítimas de violência têm probabilidade de duas a cinco vezes maior de terem o teste BAC positivo do que as vítimas de outras causas12.
O uso exagerado de álcool pelo adolescente tem sérias conseqüências para a sua saúde.Isso vai se refletir mais tarde em sua vida, como mostram os dados da Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (SEADE). A porta de entrada da dependência é o álcool. Muitos seguem bebendo com moderação, o que se chama "socialmente", sem nunca manifestar uma dependência; outros, 12% a 15% da população, desenvolvem a dependência e são considerados alcoólicos ou alcoólatras (Andrade et al apud Scheinberg13). Formenti14 argumenta que a iniciação do jovem no mundo da droga se dá pelo consumo de álcool, que tem acontecido cada vez mais cedo, em média aos 11 anos.
O consumo de álcool entre os adolescentes de todas as classes provoca mais estragos entre os jovens do que as demais drogas. Pesquisa realizada pelo Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes da Universidade Federal de São Paulo (PROAD), com jovens de 14 a 19 anos de escolas particulares de classe alta de São Paulo, Brasília e Campinas, revela que um quarto dos adolescentes mantém um padrão de consumo de álcool considerado de risco pela Organização Mundial de Saúde. Desses adolescentes, 15% bebem moderadamente para padrões adultos e outros 10% têm consumo considerado pesado. Segundo os autores, é um consumo que promove danos sérios e irreversíveis à saúde, como a destruição de neurônios e do fígado15.
O álcool, por ser droga lícita, é normalmente aceito pela sociedade, e o jovem tem, muitas vezes, sua primeira experiência de consumo dentro da própria família, através de hábitos culturais ou em forma de diversão. Estudos mostram que o uso do álcool começa na infância16. Assim, a família tem uma grande responsabilidade no que diz respeito ao contato inicial da criança com o álcool. A família tem, então, dupla responsabilidade, ou seja, na educação e orientação para a saúde e na estabilidade emocional de seus membros, especialmente os pais, que são responsáveis por que os filhos se sintam seguros e amados, evitando o encontro precoce com o álcool. Um estudo mostrou que o clima do ambiente familiar é mais importante que o estado conjugal dos pais. Nas famílias sem violência, em que os problemas são conversados, em que os pais se preocupam com os filhos, há menor probabilidade do uso abusivo de álcool17.
Todas essas considerações apontam para a necessidade de avaliar o consumo de álcool entre os adolescentes, relacionando este consumo com as condições sócio-culturais, de modo a compreender essa dinâmica, possibilitando propostas intervencionistas.
OBJETIVOS
2.1 Objetivo Geral
Avaliar o consumo de álcool entre os adolescentes estudantes de um município do Norte do Paraná.
2.2 Objetivos Específicos
- Caracterizar a população estudada em relação ao sexo e idade, e seus pais, quanto à escolaridade, estado civil e exercício de função remunerada.
- Identificar o uso de álcool entre os adolescentes estudantes.
- Verificar a ocorrência do uso de álcool entre os pais e familiares.
- Relacionar o uso do álcool com as características sócio-culturais.
METODOLOGIA
Este trabalho caracteriza-se como um estudo observacional transversal. A pesquisa foi desenvolvida na cidade de Apucarana Paraná. A cidade apresenta uma população de 114 mil habitantes e tem como base econômica as indústrias de couro, produtos alimentares, vestuário, bonés, calçados e tecidos, e, na agropecuária, milho, soja e aves de corte. Faz divisa com os municípios de Arapongas, Mandaguari e Londrina. No Ensino Público Fundamental, há 16.382 alunos, e, no Ensino Médio, 3.475 alunos. O Ensino Particular Fundamental tem 1.857 alunos, e o Ensino Médio, 687 alunos. O município possui 75 escolas, sendo 16 estaduais, 21 particulares e 38 municipais.
A população do estudo foi constituída de alunos na faixa-etária de 13 a 19 anos, de todas as escolas públicas e privadas, de todos os turnos do Ensino Fundamental a partir da 7a série, inclusive, e Ensino Médio da cidade de Apucarana Paraná, que corresponde a 8.257 alunos.
A amostra foi aleatória e se constituiu de 976 alunos (11,82% do total que corresponde a um nível de confiança de 95%, com margem de erro de 5%). Após aprovação do Comitê de Ética da Universidade Estadual de Maringá e das escolas envolvidas, procedeu-se à coleta de dados.
Em cada escola foram sorteados aleatoriamente o turno e as salas dos sujeitos que fariam parte da pesquisa. A cada aluno selecionado foi entregue um termo de consentimento livre e esclarecido para ser assinado pelos pais ou por eles próprios, se já tivessem completado a maioridade, pelo qual o participante ficava ciente de que o seu nome e o da escola na qual estudava seriam mantidos em sigilo. Marcado o dia da entrevista, os alunos selecionados entregaram o termo de consentimento assinado e foram reunidos em uma sala onde responderam ao questionário.
O instrumento de coleta de dados foi inspirado no questionário elaborado e validado pelo Cebrid no Brasil, tendo este usado como referência o modelo da Organização Mundial de Saúde (ANEXO 1). Os acadêmicos do Curso de Graduação de Enfermagem da Faculdade de Apucarana foram treinados para a coleta de dados e fizeram um pré-teste para avaliar a aplicação do questionário. Os dados coletados foram compilados e tabulados pelo Programa Ep-info versão 6.0 da Organização Mundial de Saúde. Para a avaliação dos dados levantados foi utilizada a análise estatística simples.
Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Maringá em 3 de dezembro de 2004, com o título de Consumo de Álcool na Adolescência: um agravo social, parecer nº 356/2004.
RESULTADOS
Participaram deste estudo 13 escolas da rede pública e 6 escolas da rede privada de ensino. Foram excluídas as escolas municipais, as estaduais e as privadas que não atendiam aos critérios definidos, ou seja, não possuíam ensino médio e/ou ensino fundamental de 5º a 8º séries.
Dos sujeitos participantes, 61,5% (600) eram do sexo feminino e 38,5% (376) do sexo masculino, com idade entre 13 e 19 anos. Em sua grande maioria, vivem com a família nuclear, pai e mãe 73,2% (714). O nível de escolaridade dos seus pais concentra-se, principalmente, entre o ensino fundamental incompleto e completo, 48,6% (475), e 51% (498) exercem uma atividade profissional, trabalhando fora de casa.
4.1 Identificando o Uso do Álcool
Entre os Estudantes
Verificamos na Tabela 1 o número elevado de adolescentes que já experimentaram álcool em algum momento de sua vida. Chama a atenção, também, a equivalência entre os sexos masculino e feminino em relação a esse problema, mostrando que as meninas experimentam o álcool na mesma proporção que os meninos. Dados recentes mostram essa equivalência entre sexos no consumo de bebida alcoólica11.
O fato de o adolescente pertencer à escola pública ou privada, ou seja, ser de uma classe social menos ou mais privilegiada, não apresentou diferença significativa, o que vem mostrar, neste caso, que o fenômeno de experimentar o álcool pode estar acontecendo em todas as classes sociais. Em um estudo realizado em Campinas com alunos de escolas públicas centrais e periféricas e escolas privadas, sobre o consumo pesado de álcool, sendo este considerado, pelo Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes da Universidade Federal de São Paulo (PROAD), três vezes por semana, três doses, verificou-se que não existe diferença significativa de consumo entre os alunos das diferentes escolas16.
Na Tabela 2, verifica-se que o início do experimento de bebida alcoólica se dá em 66,39% dos casos na soma das faixas etárias de 8 a 11 e de 11 a 14 anos, corroborando as pesquisas que mostram que essa idade tem diminuído.
O álcool por ser considerado uma das drogas lícitas e de fácil acesso, é normalmente o mais usado pelos adolescentes, cuja iniciação no mundo das drogas se dá pelo consumo de álcool, que tem acontecido cada vez mais cedo, em média aos 11 anos 14. Estudos têm mostrado que o álcool é a droga mais comum usada entre as adolescentes18. De acordo com Soldera16, em um estudo sobre o consumo pesado de álcool entre estudantes da cidade de Campinas, a média de idade de experimentação do álcool é muito baixa, em torno dos 12 anos. Este fato deve ser motivo de preocupação para os pais, professores e profissionais da saúde, pois, se o início do uso do álcool é precoce, maiores são as chances de dependência dele e de malefícios para a saúde física e mental do usuário18.
A Tabela 3 nos evidencia que o experimento do álcool pelos adolescentes se deu em 71,61% das vezes em casa e com os pais. O álcool, normalmente aceito pela sociedade, tem sua primeira experiência de consumo muitas vezes na própria família, através de hábitos culturais ou mesmo em forma de diversão. O fato de estar experimentando uma droga em família, em ambiente protegido, pode dar ao adolescente a falsa noção de que este ato não poderá acarretar maiores conseqüências para a sua vida física, mental e psicológica.
Há autores que abordam a influência da família neste processo, tanto no plano da experimentação - particularmente a primeira - quanto no que diz respeito à sua força em comparação com outras Instituições e processos, os quais podem influir na decisão de o jovem vir a usar ou não álcool9.
Um quarto dos estudantes pesquisados admitiu ter, em algum momento de sua vida, exagerado no consumo de álcool, chegando à embriaguez. Neste particular, não se nota grande diferença entre o consumo exagerado do álcool e o não-consumo relacionado ao sexo. Tanto os meninos quanto as meninas, em proporções semelhantes, já tiveram esta experiência.
Pelos dados levantados, observa-se que a idade em que os adolescentes experimentam o exagero no consumo da bebida, chegando à embriaguez, está cada vez mais precoce. Este é um fato preocupante pelo risco da dependência e dos malefícios à saúde.
Não foi possível observar diferença significativa no consumo exagerado de álcool entre estudantes de escola pública e de escola privada, o que pode significar que, no universo pesquisado, este consumo não deve ter relação com a condição sócio-econômica. Esses dados não correspondem aos encontrados por Galduróz19, Pechansky20 e Soldera16, que encontraram uma forte relação entre consumo de álcool e maior nível sócio-econômico.
Na Tabela 4, verificamos que 45,49% dos adolescentes já compraram bebida alcoólica, o que revela a facilidade de acesso ao álcool. Mesmo tendo o álcool venda proibida no Brasil para menores de 18 anos, os jovens compram bebida livremente. Não existe uma fiscalização efetiva nos pontos de venda de bebida alcoólica; portanto, a lei deixa de ser cumprida. Para complementar, o preço acessível das bebidas alcoólicas praticados no território nacional viabiliza sua aquisição.
Basta um grupo de jovens, sem renda fixa, se cotizar, contribuindo cada um com uma pequena quantia, para ter em mãos uma quantidade considerável de álcool para consumo. Esta assertiva baseia-se nos dados deste trabalho, mostrando que tanto alunos de escola pública quanto de escola privada compram bebidas alcoólicas. Outro dado que corrobora esta afirmativa é o pequeno número de adolescentes que tentaram e não conseguiram comprar a bebida alcoólica.
O presente estudo nos revela outros números preocupantes com relação à Tabela 5, um percentual de 13,93% que não responderam à questão e 17,20% dos entrevistados que tiveram suas respostas anuladas. Em relação ao primeiro percentual, pode-se aventar a possibilidade de o adolescente não querer se expor e, ao mesmo tempo, não mentir. Quanto ao segundo percentual, é possível que a anulação da resposta seja conseqüência de uma brincadeira, um achincalhe próprio da idade, mas também pode representar um modo de esconder um problema, de não falar sobre ele, não pensar nele.
Para verificar a quantidade de consumo de álcool pelos adolescentes, optamos por fazer um comparativo com o método utilizado pelo PROAD, que considera consumo leve a ingestão de bebida uma vez por semana, três doses; moderado, duas vezes por semana, três doses; e pesado, três vezes por semana, três doses. A dose-padrão é considerada a quantidade de uma lata de cerveja, uma taça de vinho de 120 ml ou 36 ml de uísque. Nós consideramos leve: de 1 a 2 copos às vezes e nos fins de semana; moderado: 3 a 5 copos às vezes e nos fins de semana; pesado: 1 a 2 copos todos os dias, 3 a 5 copos todos os dias, mais de 5 copos todos os dias, às vezes e nos fins de semana. Sendo assim, obtivemos que 54,7% possuem um consumo considerado leve, 14% moderado e 14,5% pesado. Com base nestes dados, somando os consumos moderados e pesados, verificamos um percentual de 28,5%, mais que um quarto da população estudada, sendo este consumo considerado de risco pela OMS1.
Pesquisa realizada pelo PROAD da UNIFESP, com jovens de 14 a 19 anos de escolas particulares de classe alta de São Paulo, Brasília e Campinas, revela que um quarto dos adolescentes mantém um padrão de consumo de álcool considerado de risco pela Organização Mundial de Saúde1´. É um consumo que promove danos sérios e irreversíveis à saúde, como a destruição de neurônios e do fígado15.
Observou-se que 52,87% dos pais e 26,74% das mães dos entrevistados bebem. Esses dados estão condizentes com as respostas anteriores, quando os entrevistados declararam, em sua maioria, que a primeira experiência com o álcool se deu em casa e com o pai. Este é um dado preocupante, já que é em casa, na família, que o indivíduo vai apreender, através dos exemplos dos pais, o seu comportamento ético e moral21. O comportamento dos pais em relação ao álcool potencializa a facilidade de acesso a ele e transforma o seu uso em algo corriqueiro, que, na perspectiva do jovem, não tem maiores conseqüências.
Pode-se considerar duas formas diferentes de violência: os eventos não- intencionais, conhecidos como acidentes, e as ações intencionais, cometidas contra si ou contra terceiros. Entre as causas nãointencionais, os acidentes de trânsito despontam como um grave problema de saúde pública. Esses eventos chamam a atenção não só por ocorrerem em número elevado, mas também por atingirem, em grande parte, a população jovem 22.
Verificou-se que o número de adolescentes que brigou após o uso de álcool é de 6,56%, sofreu acidente 2,36%, dirigiu 2,87%, faltou à escola 5,94% e ao trabalho 1,84%. Nesta tabela o que se destaca é o número muito alto de não-respostas. As questões do instrumento eram fechadas, por tanto, fáceis de responder e as não-respostas podem indicar uma certa dificuldade do jovem de se expor. É bem verdade que ele teve a garantia do sigilo, mas talvez por ser a primeira pesquisa na cidade e por ser uma comunidade de médio porte onde grande parte das famílias se conhece, todos esses fatos podem ter inibido o respondente. Por outro lado, essas respostas podem ser um mecanismo de defesa dos adolescentes, no sentido de afirmar que a bebida não necessariamente é a causadora dos comportamentos socialmente reprováveis.
A maioria dos adolescentes (53%) acredita que alguém de sua família faz uso de bebida alcoólica em excesso, e 19,2% indicam ser o pai. Em pesquisa realizada pelo Instituto Roper ASW, nos Estados Unidos, com crianças e adolescentes de 8 a 17 anos, 73% apontaram os pais como os maiores elementos que influenciam o uso do álcool, seguidos dos amigos e dos professores23. O relacionamento familiar equilibrado, com confiança, a participação efetiva dos pais na educação dos filhos, o exemplo dos pais com uma conduta em relação ao álcool de serenidade e equilíbrio são fatores de proteção para o filho no que se refere ao uso do álcool. Deste modo, os números aqui levantados sugerem uma reflexão mais profunda acerca do importante papel que a família exerce na proteção do jovem, prevenindo conseqüências deletérias para sua saúde e colaborando para uma qualidade de vida cada vez melhor.
Em relação ao uso de álcool e as características sócio-culturais, a pesquisa também quis saber dos entrevistados se os pais conheciam seus amigos e os lugares que eles freqüentavam e se os pais conversavam com os jovens a respeito do álcool. Os dados mostram que 61% dos pais conversam com seus filhos sobre o álcool. Destes, em 37,8%, são o pai e a mãe que assumem esse papel. Porém, para 38,7% dos jovens, os pais não conversam sobre esse assunto. Este dado aponta em direção a um caminho perigoso para o adolescente trilhar, pois, não sendo orientado e ao se aproximar dos grupos que tornam oportuno o uso da bebida alcoólica, ele estará mais fragilizado. Em relação aos locais que os filhos freqüentam e aos amigos dos filhos, 90% dos pais os conhecem. Isso é explicável pelo tamanho da cidade; todavia, não é suficiente para impedir que seus filhos façam uso de bebidas alcoólicas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os dados desta pesquisa revelam números preocupantes e que corroboram estudos realizados em nosso país pelo CEBRID e PROAD.
Os jovens do município do Paraná analisado, em sua grande maioria, já experimentaram o álcool e o estão fazendo em idade cada vez mais precoce, entre 8 e 14 anos. O primeiro contato com o álcool ocorreu geralmente no lar e em companhia dos pais. Os fatores que podem levar o adolescente ao experimento, ao uso de drogas e à dependência são vários, podendo ser de origem biológica, psicológica, sócio-cultural ou a interação destas. È inegável a grande influência da família no estímulo ao uso precoce do álcool, uma vez que, ao introduzir o adolescente ao hábito da bebida, pode potencializar a interação dessas variáveis.
O fácil acesso ao álcool proporcionado pelo baixo preço, falta de fiscalização, aceitabilidade da sociedade, publicidade direcionada ao público jovem, condescendência da família e até, muitas vezes, pelo seu estímulo, pode ser responsabilizado por esse alto consumo de álcool em idade cada vez mais precoce.
Os programas de promoção e prevenção precisam ser direcionados ao seu público-alvo, que são as crianças e os adolescentes, juntamente com a família. Este compromisso é, pois, de toda a sociedade. Deste modo, é preciso, sem dúvida, que políticas públicas sejam implementadas no sentido de atuar na promoção à saúde e na prevenção de danos pelo uso do álcool
A educação sobre as drogas é uma das estratégias que visa à manutenção de condutas saudáveis que contribuem para o desenvolvimento da personalidade, das habilidades e da convivência social dos jovens.
Conhecer a realidade tal qual ela se apresenta e as diferentes maneiras pelas quais os adolescentes se aproximam e entram em contato com o álcool é de fundamental impor tância para, a par tir daí, criar políticas públicas e programas de prevenção e tratamento, de forma descentralizada e articulada com outros serviços, como educação, espor tes, cultura, profissionalização, entre outros.
Por outro lado, a família, como primeiro ambiente social do indivíduo, é responsável pela formação de sua personalidade. É no ambiente familiar que o indivíduo vai apreender valores éticos, condutas, crenças e modos de ver o mundo, habilidades para o enfrentamento de situações de vida. Assim, é preciso que as ações de promoção à saúde e de prevenção de agravos envolvam também a família de maneira mais efetiva. Ações de saúde, compartilhadas e negociadas, possibilitam que a família assuma seu papel como responsável pela saúde de seus membros.
Nesse contexto, as estratégias devem possibilitar uma efetiva integração entre as políticas públicas e sociais, articuladas com a Saúde, a Educação, a Família e a Sociedade, limitando a disponibilidade de ofertas de drogas através de medidas legais e reduzindo a sua demanda através de medidas sócio-educativas.
É de extrema relevância, portanto, a informação para pais e professores, sensibilizando-os para a necessidade de medidas preventivas ao experimento e ao uso de drogas. Entre estas medidas, está a modificação de atitudes diante das substâncias lícitas, demonstrando confiança e mostrando a direção para que a criança e o adolescente possam desenvolver a autoconfiança e a auto-estima. A presente pesquisa mostrou que conhecer o lugar que o filho freqüenta e seus amigos não é garantia de evitar o consumo precoce do álcool.
É preciso resgatar a cidadania de forma igualitária, diminuindo as desigualdades sociais, combatendo a discriminação e propiciando aos jovens, esporte, lazer e trabalho dignos e que agreguem valores positivos ao seu desenvolvimento físico e emocional.
Soma-se aqui a necessidade de se considerar a influência negativa da propaganda neste processo, demandando medidas para trabalhar e refletir sobre o acesso inadequado de propagandas que estimulam o uso de substâncias lícitas, por ser um grande aliado na luta para evitar o início do experimento e também os problemas e danos causados pelo abuso do álcool. Neste sentido, um projeto de lei que tramita no Congresso Nacional objetiva diminuir o consumo de bebida alcoólica pelos jovens por meio de restrições e controle de propaganda, incentivo a medidas restritivas de venda e uma política fiscal que desestimule o consumo, elevando impostos.
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Recebido em 05/06/2006
Reapresentado em 11/09/2006
Aprovado em 10/10/2006