Volume 19, Número 2, Abr/Jun - 2015
PESQUISA
Cotidiano do ser-casal: significados da profilaxia da
transmissão vertical do HIV e possibilidades assistenciais
Tassiane Ferreira Langendorf
1
Stela Maris de Mello Padoin
2
Cristiane Cardoso de Paula
2
Ivis Emília de Oliveira Souza
1
Marlene Gomes Terra
2
Clarissa Bohrer da Silva
2
1 Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro - RJ, Brasil
2 Universidade Federal de Santa Maria. Santa Maria - RS, Brasil
Recebido em 06/07/2013
Aprovado em 08/06/2014
Autor correspondente:
Tassiane Ferreira Langendorf
E-mail: tassi.lang@gmail.com
RESUMO
OBJETIVO:
Desvelar o significado da profilaxia da transmissão vertical do HIV para o
casal.
MÉTODOS:
Investigação fenomenológica heideggeriana, desenvolvida no período de dezembro de
2011 a fevereiro de 2012 em ambulatório de pré-natal e puericultura de um hospital
no interior do Rio Grande do Sul, Brasil, com 7 casais que vivenciaram o cotidiano
da profilaxia da transmissão vertical do HIV.
RESULTADOS:
Ser-casal mostra-se no falatório de fazer o tratamento adequadamente e saber que
não pode amamentar. Na curiosidade buscando entender tudo e na ambiguidade ao
afirmar não ser diferente dos outros.
CONCLUSÃO:
Elucida-se a relevância do/a enfermeiro/a pautar o cuidado ao casal num encontro
dialógico, (re)conhecendo suas necessidades para aliá-las às possibilidades
terapêuticas e de atenção à saúde na busca por um cuidado de enfermagem
qualificado ao casal, à criança e à família.
Palavras-chave: HIV; Síndrome de Imunodeficiência Adquirida; Transmissão Vertical de Doença Infecciosa; Enfermagem.
INTRODUÇÃO
O aumento do número de mulheres infectadas pelo Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV) caracteriza a feminização da epidemia do HIV. Em decorrência dessa mudança no perfil epidemiológico, estabeleceram-se políticas de prevenção, promoção e atenção integral para o seu enfrentamento com o intuito de reduzir as vulnerabilidades que atingem as mulheres1.
Diante da feminização da epidemia, evidencia-se que grande parte das mulheres infectadas pelo HIV encontra-se em idade fértil. Nesse sentido, ressalta-se a situação da gestação no contexto do HIV, a qual expõe ao risco de transmissão vertical (TV) do HIV. Destaca-se que a TV é a principal via de infecção do HIV na população infantil2.
No Brasil, desde 1994, o protocolo AIDS Clinical Trials Group (ACTG) 076 reduziu os índices de TV do HIV2. Esse protocolo estabeleceu a profilaxia para a mulher e o bebê, o qual consiste na administração de medicamentos antirretrovirais, rotina de consultas e a recomendação de não amamentar3. Além disso, as mulheres devem ter acesso às informações sobre o cuidado com sua saúde para a garantia de uma gravidez saudável e com menor risco à criança4.
Nessa perspectiva, configura-se a necessidade de efetivar a aplicação da política pública de atenção no pré-natal, de forma que garanta a triagem sorológica anti-HIV com aconselhamento pré e pós-teste de maneira precoce. A cobertura insuficiente na realização desse teste se mostra como um fator limitador para o pleno controle da TV5.
A operacionalização da estratégia de profilaxia da TV do HIV requer a atenção, o apoio e a integração dos profissionais de saúde para reconhecer as ações preventivas nos diferentes cenários6,7 e, assim, desenvolver orientações por meio da educação em saúde. O enfermeiro, como integrante da equipe de saúde, assume as ações correspondentes ao cuidado de enfermagem.
Tais ações devem estar pautadas nos princípios da humanização e na empatia entre enfermeiro e quem está sendo cuidado, a fim de minimizar as dúvidas e o sofrimento do casal e para que a profilaxia seja realizada com êxito8. O cuidado de enfermagem, neste panorama, se configura em um processo de escuta às demandas, troca de informações e apoio emocional ao casal, mediadas pelo diálogo que visa estabelecer uma relação de confiança e possibilita atuar nas suas especificidades. Dessa forma, permite designar intervenções específicas para cada dificuldade, em busca de um atendimento permeado pela ética e pelo compromisso com a vida humana9.
No casal vivencia a efetivação da profilaxia da TV, reconhecendo o esforço cotidiano para aderir ao tratamento do pré-natal em prol da criança. Nesse sentido, torna-se veemente assumir a relevância e necessidade de amparar não só a mulher, mas incluir o homem e atender ao casal na atenção reprodutiva, com vistas, também, ao apoio no cotidiano de profilaxia10.
A relevância dos estudos acerca da adesão da gestante à profilaxia da transmissão vertical é inegável4,9,11, porém, os avanços nesta temática requerem atender a essa população seguindo o que as políticas públicas têm nos mostrado no campo da humanização. Dessa forma, integrar de maneira efetiva a participação do companheiro na assistência e nas pesquisas se apresenta como algo indispensável.
Nessa perspectiva, compreende-se a possibilidade de uma proposta de contribuição para o cuidado desse casal, tendo como objetivo desvelar o significado da profilaxia da transmissão vertical do HIV para o casal.
MÉTODO
Trata-se de uma investigação qualitativa, fenomenológica, fundamentada no referencial teórico-filosófico-metodológico de Martin Heidegger. A condução desta pesquisa possibilitou compreender os sentimentos, as emoções e os significados que o ser do humano confere à experiência e vivência das situações12.
A pesquisa ocorreu em ambulatório onde são realizados os atendimentos de infectologia no pré-natal e puericultura de um hospital no interior do Rio Grande do Sul, Brasil. Os sujeitos da pesquisa foram casais que fazem o acompanhamento de saúde no referido ambulatório. Os critérios de inclusão foram: casais, os quais, assim se compreendam que vivenciam ou vivenciaram o cotidiano da profilaxia da transmissão vertical do HIV durante o período gravídico-puerperal. O casal poderia ser sorodiscordante quando a mulher tem HIV/aids e o homem não, ou soroconcordante, quando ambos têm HIV/aids.
A captação dos dados ocorreu no período de dezembro 2011 a fevereiro de 2012. A técnica utilizada foi entrevista fenomenológica, a qual pode ser composta por uma ou mais questões abertas, com a possibilidade de aprofundamento dos significados relatados a partir da elaboração de novas questões no decorrer da entrevista13. Essa modalidade de acesso aos participantes possibilitou um movimento de compreensão do vivido do casal, tal como se apresentou na sua vivência cotidiana.
O convite para participar da pesquisa foi realizado ao casal, ou ao homem ou à mulher, quando estavam aguardando para o atendimento no HUSM. Por meio de contato telefônico foi realizado agendamento da data, local e horário para entrevista. O casal participou da entrevista juntos e foi possível o desvelamento do sentido do fenômeno estudado quando se totalizou sete casais participantes.
A entrevista foi mediada pela empatia e intersubjetividade, a partir da redução de pressupostos, possibilitando um encontro entre pesquisador e participantes, num movimento de abertura para captar como o outro significa o fenômeno estudado14. A questão norteadora da entrevista foi: como foi(é) para vocês a vivência dos cuidados para prevenir a transmissão do HIV para o(a) seu(sua) filho(a)?
Os depoimentos foram gravados, mediante consentimento e, transcritos conforme fala original, apontando silêncios e expressões corporais. As entrevistas foram codificadas com a letra M de mulher, H de homem e F de filho, seguidas dos números 1 a 7 (M1, H1, F1; M2, H2, F2; sucessivamente).
A análise dos dados ocorreu em dois momentos metódicos: compreensão vaga e mediana e hermenêutica. A compreensão vaga e mediana se caracteriza pela análise dos significados expressos pelos sujeitos, busca descrever o fenômeno como ele se mostra, pois o ser só é presença, ser-no-mundo, quando se compreende. A hermenêutica constitui a análise interpretativa que, a partir do conceito do ser-casal, busca-se na compreensão dos significados a possibilidade de desvelar os sentidos do ser. Esse movimento permite caminhar da dimensão ôntica, factual, para a dimensão ontológica, fenomenal12.
Os aspectos éticos do estudo foram assegurados, atendendo aos preceitos da Resolução 196/96, e o protocolo de pesquisa obteve aprovação no Comitê de Ética em Pesquisa (CEP/UFSM), sob o número CAAE 0298.0.243.000-11.
RESULTADOS
A partir da análise compreensiva dos depoimentos têm-se as unidades de significação: (1) fazer tudo certo desde o pré-natal e não amamentar; (2) é do interesse do casal participar de palestras, buscar informações com os profissionais e meios de comunicação e (3) seguir com a vida normal, como se não tivesse a doença.
Ao significar cotidiano da profilaxia da transmissão vertical do HIV, o casal anuncia que faz o tratamento adequadamente. Faz tudo o que tem que fazer, desde o pré-natal até a não amamentação, para que o filho tenha saúde.
O casal enfatiza que diante da preocupação para não transmitir o HIV para o filho ele faz tudo e o que é correto, até o fim. Repete que procurou fazer e fez tudo que já falaram para ele. Quando o diagnóstico foi descoberto durante a gestação ou no parto, o casal lamenta a descoberta tardia e que seria bom ter iniciado precocemente o tratamento.
Repete as informações dos profissionais de saúde de que gestar e ter HIV exige mais cuidados, além daqueles próprios da gestação na qual não há infecção pelo vírus e risco de adoecimento do filho.
Porque fazer tudo certo a gente sabe que estava fazendo (M1)Tudo que a gente tinha que fazer a gente fez (H1).
A gente está dando certo [o AZT] (M2)A gente fez tudo direitinho [...] (H2).
Foi feito um exame só quando eu engravidei e eu acho que o correto, deveria o médico ter feito mais outro exame (M3) bem bom era que tivesse descoberto durante a gravidez [para fazer o tratamento desde quando engravida], que foi feito o teste. Na verdade foi descoberto só depois na hora de nascer (H3).
Fizemos tudo certinho [...] para que nascesse com saúde (H4). Fazer tudo certinho [...] fiz todo o pré-natal, do começo até o fim, fiz tudo (M4).
O que nós pudemos fazer, nós fizemos (H5). Fiz tudo direitinho, até agora [...] foi uma gravidez toda cuidadosa [...] começando pelo pré-natal (M5).
Foi o que a gente fez [seguir todas as orientações] (M6).
Reflete que quando tem o vírus a melhor opção é não oferecer seu leite, assim, dá continuidade aos cuidados que realizam desde a gestação. Entretanto, com vivências e experiências em amamentação, as mulheres sabem que é importante o filho receber o leite materno, pois este pode proteger contra doenças e proporcionar que a criança cresça saudável e forte.
Porém, no contexto do HIV quando recebem e buscam informações durante a gestação, aprendem que não poderão amamentar. Informaram-se ou ouviram falar sobre isso. Quando vivenciam essa (im)possibilidade sentem que é difícil. O companheiro pensa que ela já deveria estar preparada para não amamentar, pois já sabia que seria assim, e se surpreende com a reação da mulher.
Não poder amamentar gera desconforto, uma vez que há ampla divulgação de apoio ao aleitamento materno nos meios de comunicação, serviços de saúde e pelos profissionais, contrapondo-se a carência de divulgação nas situações em que a mulher não pode. Nem mesmo no serviço de saúde, onde fazem o tratamento, esse assunto é divulgado e tratado com naturalidade, o assunto permanece em silêncio.
Desde a gravidez eu sabia que eu não podia amamentar ele [F1] (M1).
Eu já devia estar preparada, mas doeu na hora [...] um luto não amamentar (M2) Eu não esperava essa reação dela, para mim era uma coisa que ela já estava processando que ela não ia dar mama no peito (H2).
Eu achei que quando ganhasse ele [F4] meus peitos iam ficar desse tamanho [faz gesto de seios cheios], não sabia o que eu ia fazer com o leite (M4).
Eu sei que eu não posso [amamentar] [...] tu chega lá [no pré-natal] e tu fica lendo aqueles cartaz imenso de grande que faz bem [amamentar], que faz isso, que faz aquilo, mas não tem uma coisinha para deixar as mães [que tem HIV] mais calmas, um cartaz lá dizendo, que conforte a gente. (M7) só que eles [profissionais de saúde] não esclarecem que quem é portador do HIV a mãe não pode amamentar. Essa parte falta [...] Na mídia não tem, esse foco falta também (H7).
No cotidiano da profilaxia da transmissão vertical do HIV, o casal significou que é do interesse dele participar de palestras, buscar informações com os profissionais e meios de comunicação. Procura ouvir e observar, para saber o que vai acontecer.
Busca informações, por leitura de jornal, revistas e cartilhas informativas, assiste reportagens na televisão, faz pesquisas na internet. Procura estar atualizado sobre novas terapias e notícias que envolvem a prevenção e tratamento do HIV.
E eu achei que não ia [ser parto normal], ia ser cesárea, para prevenir mais [...] Eu acho que eu posso perguntar para a doutora hoje sobre o exame que ele fez quando ele saiu do hospital (M4).
A gente participou das palestras e disseram que tem a janela imunológica (H5) vir uma hora antes [do parto] para fazer o medicamento no soro [...] Eu tive bastante palestra [...] eu fui pegar assistência bastante, durante os nove meses assistindo palestra, eu já sabia mais ou menos o que ia acontecer (M5).
A gente vê na TV, a gente presta atenção, a gente procura saber, procura ouvir informações (M7) notícia, pesquisa, resultados, isso e aquilo, coisas que a gente observa bastante (H7).
Ao significar o cotidiano da profilaxia da transmissão vertical do HIV, o casal diz que segue com a vida normal. É como se não tivesse a doença. O HIV na vida do casal é o mínimo, às vezes, nem lembra que tem, só quando vê uma reportagem na televisão ou tomando os remédios. Ter HIV não é uma algo para ser pensado 24 horas , é apenas um item a mais para ser cuidado.
Faz o contraponto de que a diferença é tomar remédios e usar preservativo. Porém, isso faz parte do hábito do casal como escovar os dentes, que já está naturalizado e diluído na rotina, é algo normal.
E tudo é tão feliz que isso [doença] acaba sendo o mínimo [...] nem, às vezes, tomando remédio eu lembro [que tem o vírus] [...] A gente investe, a gente gasta, mas a gente compra uma [camisinha] bem confortável que é o que a gente consegue usar (M2) Não é uma coisa que eu fico 24 horas buzinando na minha cabeça [aids] [...] aquilo [tomar os remédios] faz parte como escovar os dentes e como qualquer outra coisa do nosso habito (H2).
A gente só sabe que tem [vírus] porque toma os remédios [...] A única coisa de diferente que a gente tem que usar preservativo (M4) como se não tivessem nada. [...] em casa a única diferença é usar remédios (H4).
Só os cuidados assim, que no dia a dia do casal [que não tem HIV] não precisaria ter [não usar preservativo] (M6) Só um item a mais a ser cuidado, que é o tratamento [...] mais as prevenções necessárias, uso do preservativo, essas coisas assim (H6).
Parece que eu não tenho [...] [uma vida] normal que nem a tua [...] a única hora que eu vejo que eu tenho é quando eu vou ali tomar a medicação [...] (M7).
O casal expressa que segue com a vida normal. Não tem restrições no que se refere a tomar decisões sobre as atividades do seu dia a dia. Ter o HIV não mudou nada em sua vida, não teve dificuldade, melhorou, pois é uma maneira de lutar cada vez mais.
Não fica pensando que tem HIV, e não vai deixar o vírus ser maior que sua vida, senão não vive, convive com ele. Relata que tem uma vida como a de qualquer outra pessoa que não tem nada trabalha, se diverte e vive.
Isso a gente vai continuar normal [...] (H1).
Daí era tudo normal [...] a vida continua (M2).
Estamos levando normal [...] Tudo normal, vida normal (H3) Não pode ficar pensando que tem isso [doença] senão tu não vive [...] minha vida continua a mesma (M3).
Nós temos uma vida normal (M4) Mesma coisa que a gente vê as outras pessoas que não tem nada, trabalham (H4).
Para mim não mudou nada, melhorou. Porque ela [F5] é uma maneira de tu lutar cada vez mais (M5).
Não teve dificuldade, foi normal (M6) no cotidiano em casa não alterou nada (H6).
Nem penso que tenho [HIV] [...] Uma vida normal (M7) A princípio não tem restrição alguma, uma vida normal [...] não vai deixar o vírus ser maior do que a tua vida. [...] não tem um peso muito grande em relação a tomar decisões, a fazer qualquer tipo de atividade [...] Tu tem, ele existe, tu vai conviver com ele deixa ele [HIV] ali quietinho e segue a tua vida normal (H7).
DISCUSSÃO
Ao significar como vivenciaram os cuidados na profilaxia da transmissão vertical do HIV, o ser-casal sem compreender repete aquilo que lhe foi dito acerca de fazer tudo certo para a prevenção da transmissão do HIV para seu filho, passa adiante as informações. Assim, desvela-se o modo de ser do falatório, pela linguagem parece que compreenderam tudo sem ter se apropriado previamente da coisa. As coisas são assim, como são, porque é assim que delas se falam, (impessoalmente, e, ou seja, no modo de ser da impessoalidade, na medianidade cotidiana)12.
O ser-casal repete a informação de que sabe que não pode amamentar e que já devia estar preparado para isso. O saber que não poderia amamentar, mostra-se novamente no modo de ser do falatório quando expressa que não esperava a reação de ter sido um luto não ter amamentado, que essa informação era uma coisa que já estava sendo processada (compreendida), quando na verdade só estava sendo repassada sem ser compreendida.
Nesse modo de ser, a incompreensão da coisa refere-se à situação da pessoa não ter adquirido em seu vivido o conhecimento sobre aquilo que expressa em sua fala, apenas toma posse do discurso do outro e, assim, o perpetua. Dessa forma, o ser não alcança a essência daquilo que fala, apenas passa adiante não atingindo a apropriação originária do que fala12.
O falatório também direciona os caminhos para buscar informações, então o ser-casal direciona o que vai observar e ler a partir da perspectiva dos profissionais de saúde. O ser-casal busca informações com os profissionais e meios de comunicação para entender o que está acontecendo e o que pode acontecer e demonstram interesse ao participarem de palestras. Assim, se mantém no modo de ser da curiosidade12.
A curiosidade se ocupa em ver para apenas ver, e não para compreender aquilo que vê ou para chegar à sua essência. Busca o que é novo no intuito de, assim, que o conhecer, redirecionar sua busca para outra novidade12.
Essa modalidade de ser no mundo, não busca o repouso de uma permanência que contemple e admire o conhecimento que descobriu. Ao contrário, interessa-se pela excitação e inquietude diante do que sempre é novo e das mudanças daquilo que vem ao encontro. A curiosidade se ocupa em providenciar um conhecimento para simplesmente ter se tornado consciente12.
Dessa forma, o ser-casal enquanto ser-no-mundo primeiro falou que seguiu o tratamento com rigor desde a descoberta da situação sorológica e no pré-natal. Assim, repetiu as informações que foram ditas, uma vez que é primariamente ser-com-os-outros. Depois disso, procurou ouvir em palestras e observar em notícias para saber o que estava acontecendo e o que poderia acontecer, declarando estar no modo de ser da curiosidade12.
O somatório do modo de ser do falatório e da curiosidade desvela outra modalidade denominada ambiguidade. "A curiosidade que nada perde, e o falatório que tudo compreende, dão à presença a garantia de "uma vida cheia de vida", pretensamente autêntica"12:237. Guiada por tal pretensão, revela-se uma terceira modalidade do ser característica da abertura da presença cotidiana, a ambiguidade12.
Neste estudo, a interpretação se deu quando o casal disse ter uma vida normal em que não há restrições em desenvolver atividades e tomar decisões. Isso remete a não ficar pensando que tem HIV, pois se fica pensando se prende à doença e não consegue viver.
Diante disso, o ser-casal desvela o modo de ser da ambiguidade no qual "tudo parece ter sido compreendido, captado e discutido autenticamente quando, no fundo, não foi"12:238. Nesse estudo o factual é a condição sorológica positiva para o HIV, que determina cuidados e rotinas diferenciadas. No entanto, o casal mantém na sua fala que compreende uma diferença, mas se esforça para conviver e ter uma vida normal.
A pessoa não vê a si mesma em seus projetos. Assim, é e está sempre de modo ambíguo no mundo-da-vida cotidiana, ou seja, está por aí na abertura pública da convivência. Nesse modo, o falatório e a curiosidade controlam aquilo que é falado e visto no cotidiano. E, a ambiguidade oferece à curiosidade o que ela busca (aquilo que o casal quer saber e procura saber) e ao falatório a aparência de que nela tudo está posto (por isso repete o que ouve dos profissionais e das outras pessoas)12.
Como ser dotado de possibilidades, o ser-casal se consolida no modo de ser da ambiguidade na compreensão de ter uma vida normal. Porém, essa compreensão encobre o que está velado, pois nesse poder-ser o ser-casal quer parecer como todas as outras pessoas.
O ser-casal destaca com o que se ocupa na diferenciação de quem tem e quem não tem a doença. Afirmou que parece não ter a doença, pois isso é o mínimo em sua vida e não é algo que deve ser pensado, relembrado a todo o momento. Ter o vírus é apenas alguma coisa a mais para ser cuidado em seu cotidiano.
Quando afirmou que parece que não tem a doença, o ser-casal desvela o movimento do mundo próximo, circundante para o mundo público do nós. No mundo circundante se ocupa e conhece o cotidiano de ter HIV, caminhando para o que parece ser, o que o mundo público espera da pessoa como ser-no-mundo.
Perder-se no caráter público pode indicar que no poder-ser si mesmo em sua forma mais autêntica a presença já caiu de si e empenha-se em manter uma aparência. Movido pelo falatório, curiosidade e ambiguidade12, o ser-casal se empenha em parecer não ter HIV/aids e para isso afirma ter uma vida normal.
A impropriedade da presença no parecer ser, revela um modo especial de ser-no-mundo em que há a absorção pela copresença dos outros no impessoal. Deve-se considerar essa impropriedade como o modo mais próximo de ser da presença, o modo em que, na maioria das vezes, ela se mantém cotidianamente12.
O ser-no-mundo que permanece na aparência e no impessoal é, em si mesmo, tranquilizante, pois a certeza de já ter visto tudo e compreendido tudo que o falatório e a ambiguidade proporcionam conferem à presença a segurança e plenitude de todas as possibilidades de seu ser. Dessa forma, a tranquilidade de que tudo compreende direciona a presença para uma alienação, na qual encobre o seu poder-ser mais próprio e autêntico12.
Diante disso, no seu cotidiano, o ser-casal se mantém no falatório de fazer o tratamento adequadamente e saber que não pode amamentar. Mostra-se na curiosidade ao buscar entender tudo que se passa. De modo ambíguo, mesmo que tenha que tomar remédios, usar preservativo e não amamentar, refere não ser diferente dos outros e com isso tranquiliza-se por não revelar que têm HIV/aids.
Ao tranquilizar-se o ser-casal manifesta seu empenho na convivência junto aos outros, como uma possibilidade positiva dos entes (outros) que se empenham prioritariamente nas ocupações de mundo. Assim, ele mantém a aparência de ser como todos são e como todos esperam que ele seja no mundo público do impessoal.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No cotidiano do casal que vivenciou os cuidados para evitar a TV do HIV, a hermenêutica possibilitou compreender o modo do ser-casal preso ao falatório, em que repete o discurso dos outros de fazer tudo certo para a prevenção da transmissão do HIV para seu filho e de saber que não poderia amamentar. Também mostrou que na modalidade da curiosidade, buscou informações com os profissionais e meios de comunicação para entender o que está acontecendo e o que pode acontecer. E, na ambiguidade, disse ter uma vida normal como a de todo mundo, porém com a necessidade de ingerir remédios e usar preservativo.
Nessas modalidades de ser-no-mundo, o ser-casal mostrou-se empenhando em se manter no impessoal, na aparência tranquilizadora de não ter HIV/aids para manter a convivência com as pessoas no seu mundo da vida cotidiana. Deteve-se no cotidiano impessoal dos cuidados na profilaxia da transmissão vertical do HIV no qual pensa ter compreendido todas as ações, informações e como é sua vida quando na verdade permanece na aparência de como o mundo público espera que ele seja.
Diante disso, elucida-se a importância de o profissional de saúde mostrar-se aberto à possibilidade de compartilhar seu conhecimento com o casal, sendo necessário desconfigurar o caráter meramente prescritivo do cuidado em saúde. Dessa forma, o profissional tem a possibilidade tornar-se co-responsável no cuidado à saúde no cotidiano do ser-casal, que vivenciou a profilaxia da TV.
Isso, buscando estratégias para a superação do impacto da soropositividade do parceiro/a ou do casal, viabilizar o acesso à informação sobre a efetividade da profilaxia e redução do risco de infecção por TV, de maneira que o casal compreenda e não somente repita o que deve fazer.
Destaca-se a relevância do profissional enfermeiro pautar o planejamento assistencial ao casal que vivencia os cuidados na profilaxia da TV, possibilitando a abertura e manutenção de um encontro empático e autêntico entre quem assiste e quem é assistido. Nessa perspectiva, pode-se (re)conhecer as necessidades do casal e aliá-las às possibilidades terapêuticas e de atenção à saúde na busca por um cuidado de enfermagem qualificado ao casal, à criança e à família.
REFERÊNCIAS