Volume 10, Número 3, Jul/Set - 2006
PESQUISA
O trabalho noturno e a prática de enfermagem: uma percepção dos estudantes de enfermagem
The night-work and the nursing practical: a perception of the nursing students
El trabajo nocturno y la práctica de enfermería: una percepción de los estudiantes de enfermería
Marcia Tereza Luz LisboaI; Marcia Moreira De OliveiraII; Lidiane Dias ReisIII
IProfessora Adjunta do Departamento de Enfermagem Fundamental da Universidade Federal do Rio de Janeiro /Escola de Enfermagem Anna Nery - EEAN/UFRJ.
IIMestre da Universidade Federal do Rio de Janeiro /Escola de Enfermagem Anna Nery - EEAN/UFRJ.
Enfermeira do Hospital Getúlio Vargas-RJ
IIIAcadêmica da Universidade Federal do Rio de Janeiro /Escola de Enfermagem Anna Nery - EEAN/UFRJ.
RESUMO
Trata-se de uma pesquisa cadastrada no Núcleo de Pesquisa em Enfermagem e Saúde do Trabalhador (NUPENST) EEAN/UFRJ. O serviço noturno vem trazendo conseqüências muitas vezes prejudiciais para a saúde do trabalhador. Este estudo objetivou identificar a percepção do acadêmico de enfermagem sobre o trabalho noturno e analisá-la em relação à influência desse plantão na saúde do trabalhador de enfermagem. Foi utilizado o referencial teórico Regis1, Pitta2, Fischer et al.3 Estudo quantitativo, onde participaram 67 acadêmicos de enfermagem de uma Universidade Pública. Utilizou-se um questionário. Concluiu-se que embora apenas a minoria dos acadêmicos de enfermagem tenha tido experiência com o trabalho noturno, a maioria conhece alguns efeitos negativos que podem ser ocasionados pelo trabalho noturno, porém muitas vezes os associam apenas aos aspectos fisiológicos. A pesquisa trouxe subsídios para que essas questões sejam tratadas ainda no Curso de Graduação em Enfermagem.
Palavras-chave: Estudantes de Enfermagem. Trabalho Noturno. Enfermagem.
ABSTRACT
This is a research registered in cadastre of the Nucleus of Research Nursing and Health of the Worker (NUPENST) EEAN/UFRJ. The nocturnal service has becoming most of the times harmful for the health of the worker. This study objectified to identify the perception of the academic of nursing related to the nocturnal work and to analyze the perception of the nursing academic about the influence of the nocturnal shift in the health of the nursing worker. The theoretical referential of Regis1, Pitta2, Fischer et al3 was used. Quantitative study, where 67 nursing academics of a Public University took part. A questionnaire was used. It was concluded that even the minority of the nursing academics has had experience with the nocturnal work, the majority knows some effect negative that can be caused by the nocturnal work, however many times associate only with the physiological aspects. The research brought subsidies that make possible that these questions could be treated in the Course of Graduation in Nursing.
Keywords: Students, Nursing. Night Work. Nursing.
RESUMEN
Esta es una investigación registrada en el Núcleo de Investigación Enfermería y Salud del Trabajador (NUPENST) EEAN/UFRJ. El servicio nocturno trae consecuencias en la mayoría de las veces dañosas para la salud del trabajador. Este estudio objetivó identificar la opinión del académico de enfermería relacionado con el trabajo nocturno y analizar la percepción del académico de enfermería sobre la influencia del plantón nocturno en la salud del trabajador de enfermería. Fué usado el referencial teórico Regis1, Pitta2, Fischer et al3. Estudio cuantitativo, donde participaron 67 académicos de enfermería de una Universidad Pública. Un cuestionario fué utilizado. Fué concluido que aunque apenas la minoría de los académicos de enfermería han tenido experiencia con el trabajo nocturno, la mayoría conoce algunos efectos negativos que pueden ser causados por el trabajo nocturno, no obstante muchas veces asocian solamente a los aspectos fisiológicos. La investigación trajo subsidios para que estas cuestiones sean tratadas en el Curso de Prégrado en Enfermería.
Palabras clave: Estudiantes de Enfermería. Trabajo Nocturno. Enfermería.
INTRODUÇÃO
Trata-se de uma pesquisa cadastrada no Núcleo de Pesquisa em Enfermagem e Saúde do Trabalhador (NUPENST) na linha de pesquisa: "O aluno de Enfermagem frente às questões de trabalho" do Departamento de Enfermagem de Saúde Pública da Escola de Enfermagem Anna Nery da Universidade Federal do Rio de Janeiro EEAN/UFRJ. A problemática desta pesquisa foi extraída da dissertação de mestrado intitulada: "Alterações Psicofisiológicas dos Trabalhadores de Enfermagem do Serviço Noturno que atuam em um Centro de Terapia Intensiva (CTI)" 4. A dissertação aprovada em 2005 aborda temática relacionada às conseqüências do trabalho noturno na saúde do trabalhador de enfermagem.
Os alunos que estão em formação têm expectativas e percepções sobre o trabalho de enfermagem; desta forma, a linha de pesquisa mencionada aborda diferentes questões relacionadas ao trabalho do ponto de vista do acadêmico, futuro trabalhador de enfermagem. Questões essas que precisam ser mais bem identificadas de forma a preparar os alunos para o desempenho de um trabalho sem prejuízo para sua saúde física e mental.
A preocupação com o serviço noturno é um tema atual que cada vez mais vem sendo estudado por profissionais de diversas áreas. Se pensarmos no crescimento das grandes cidades e no atendimento das necessidades da população, a tendência é que este horário de trabalho seja cada vez mais freqüente. Segundo Fischer et al. 3, no trabalho noturno, o trabalhador desenvolve suas atividades em um turno fixo que, pela legislação brasileira, deve ocorrer a partir de 22 h até, pelo menos, 5 h do dia seguinte. Rutenfranz apud Pitta2 chama a atenção para o fato de que o trabalho em turnos não é uma invenção da era industrial, já existindo desde que os homens se organizavam em cidades e estados. Cada vez mais, particularmente nos grandes centros urbanos, vários serviços são oferecidos nas 24 horas, a fim de atender as necessidades das pessoas (supermercados, cinemas, restaurantes, academia de ginástica). No caso dos trabalhadores de saúde, a organização do trabalho ocorre por variados regimes de plantões nos quais uma equipe assume o trabalho da outra sucessivamente, inclusive à noite.
Sabe-se que o trabalho noturno é importante para a sociedade e para o desenvolvimento econômico do país, mas torna-se preocupante a forma com que este trabalho está sendo organizado e as suas repercussões para a saúde dos profissionais que o desempenha.
Quando pensamos nos profissionais que trabalham à noite, devemos lembrar que o seu organismo passará por uma fase de adaptação, pois a espécie humana é diurna. Ocorrem algumas alterações orgânicas, seja na temperatura, nos hormônios, na psique, no comportamento ou no desempenho. As formas de organização do trabalho que não leva em conta a variabilidade do indivíduo pode aumentar o risco de repercussões prejudiciais à saúde do mesmo. Portanto, não se pode exigir o mesmo nível de produtividade deste trabalhador nas 24 horas.
O trabalho noturno tem efeitos diretos e indiretos sobre a saúde e a vida pessoal, mas igualmente sobre o trabalho em si3. De fato, trabalhar no sentido inverso ao funcionamento fisiológico do organismo pode levar a alterações do desempenho com conseqüências prejudiciais para a segurança dos trabalhadores.
A noite, em termos biológicos, é o momento no qual o organismo se prepara para renovar suas energias. Os trabalhadores do serviço noturno têm um desgaste psicofisiológico maior do que aqueles que trabalham durante o dia, pois trabalham no momento em que as funções orgânicas encontram-se diminuídas5. A preocupação com a saúde do trabalhador no serviço noturno deve-se às conseqüências muitas vezes prejudiciais para a saúde trabalhador de enfermagem deste turno.
O desenvolvimento dos estudos de cronobiologia contribuiu bastante para enriquecer as pesquisas sobre esta temática. A duração da atividade, hora de execução da tarefa e pressão dos ritmos e dos horários do meio social são elementos decisivos na dificuldade objetiva e subjetiva do trabalho6. O homem ajusta-se a ciclos ambientais como o dia e a noite e as estações do ano. Quando essas oscilações repetem-se de modo regular, elas são denominadas ritmos biológicos. A cronobiologia é um ramo relativamente recente do conhecimento biológico que se ocupa da dimensão temporal da matéria viva, sendo os ritmos biológicos seu aspecto mais conhecido de acordo com Marques e Menna-Barreto apud Fischer et al3.
Dentre as profissões que envolvem o trabalho noturno destaca-se a Enfermagem. No entanto, os elementos sobre a organização do trabalho que foram citados anteriormente, muitas vezes não são aprofundados nas discussões dos Cursos de Graduação em Enfermagem, e, muitas vezes, não são abordadas as questões de saúde do trabalhador especificamente. Ensina-se a cuidar dos outros, mas não de si. Várias questões citadas como problema pelos enfermeiros no desempenho de suas atividades não tiveram uma abordagem na academia no sentido de preparar o aluno para uma prevenção ou um melhor preparo físico e/ou emocional para enfrentar e/ou evitar tais problemas7.
O acadêmico de enfermagem, quando recém-formado, muitas vezes já inicia no mercado de trabalho no serviço noturno, pois este o possibilita ter um novo emprego, em horário diurno, realizar cursos e aumentar a renda familiar. Outras características que favorecem ao acadêmico de enfermagem o ingresso neste turno são os fatores individuais mencionados por Fischer et al.3, como a idade, que está intimamente relacionada à instabilidade dos ritmos circadianos, e o estado civil, na maioria das vezes solteiro, sem filhos, que retira dele este tipo de responsabilidade familiar.
A partir da problemática apresentada, este estudo teve como objetivo identificar a percepção do acadêmico de enfermagem sobre a influência do plantão noturno na saúde do trabalhador de enfermagem.
ABORDAGEM METODOLÓGICA
Trata-se de um estudo quantitativo enfatizando o raciocínio dedutivo, as regras da lógica e os atributos mensuráveis da experiência humana, tendo como base os procedimentos estatísticos para análise das informações numéricas sob o controle do pesquisador8. Os sujeitos da pesquisa foram 67 acadêmicos de enfermagem do terceiro período do Curso de Graduação em Enfermagem e Obstetrícia da EEAN/UFRJ. A escolha desse grupo se deu por serem eles alunos de uma das autoras do artigo: professora do Programa Curricular Interdepartamental III denominado "A saúde das pessoas que trabalham". Os alunos neste programa discutem diversas temáticas relacionadas aos trabalhadores e ao mundo do trabalho. Dessa forma, o objeto de estudo foi ao encontro do que os próprios sujeitos estão aprendendo/estudando. Foi distribuído para os alunos em sala de aula o questionário com perguntas abertas e fechadas relacionadas à percepção dos acadêmicos de enfermagem sobre o trabalho noturno. Cabe ressaltar que algumas perguntas do questionário tinham mais de uma opção de resposta pelos acadêmicos de enfermagem. O instrumento não precisou ser assinado e foi devolvido separado do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para não haver identificação. A garantia da não-identificação do aluno pode ter contribuído para a obtenção de respostas mais verídicas.
A maioria (92,5%) dos acadêmicos de enfermagem nunca trabalhou no serviço noturno. Este resultado não inviabilizou o estudo, pois não se pretendia pesquisar as ocorrências dos alunos em turnos noturnos, e sim suas percepções sobre este tipo de turno de forma que eles pudesse ser orientados sobre os possíveis danos do serviço noturno à sua saúde a fim de amenizá-los.
Quanto aos aspectos éticos, procurou-se atender os princípios da bioética, a saber: autonomia, beneficência, não-maleficência e justiça. Os seguintes procedimentos recomendados pela Resolução 196/96 foram adotados no estudo: solicitação de parecer com aprovação do Comitê de Ética de Pesquisa CEP, em 26 de outubro de 2005, solicitação da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) para participação e divulgação dos resultados desta, garantindo o anonimato dos sujeitos.
O grupo de alunos recebeu o TCLE em sala de aula quando a professora, pesquisadora responsável pela pesquisa, esclareceu o objeto e os objetivos da mesma, assim como todo o seu procedimento. Os benefícios foram esclarecidos ao grupo, garantindo que, ao participar da pesquisa, não estariam correndo nenhum risco (beneficência e não-maleficência). Foi esclarecido aos alunos que, mesmo que não quisessem participar, não estariam comprometidos ou seriam prejudicados em termos de nota ou avaliação (justiça e equidade).
APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS DADOS
Quanto ao perfil dos acadêmicos, o grupo em estudo encontra-se na faixa etária de 17 aos 29 anos, sendo que 61,2% possuem entre 20 e 23 anos. Este dado corresponde ao perfil dos estudantes de enfermagem que, segundo Santos9, em sua pesquisa, apresentaram idade média de 21 anos e mínima de 17 anos, sendo considerada uma categoria profissional bastante jovem. Com relação ao sexo, observa-se que predomina o sexo feminino (92,5%). A enfermagem é caracterizada pela presença maciça das mulheres, o que se justifica pela sua história, na qual o cuidar era desenvolvido pelas mesmas. Dos 67 acadêmicos de enfermagem, apenas 5 (7,5%) já trabalharam, ou trabalham, no serviço noturno. Este fato torna-se importante porque estes futuros enfermeiros podem ser orientados ainda na condição de acadêmicos sobre os possíveis danos do serviço noturno a fim de amenizá-los ou evitá-los, já que este turno de trabalho é indispensável para atender a sociedade, principalmente o serviço de saúde.
No Brasil, destaca-se o estudo feito por Menezes apud Teixeira5 sobre as enfermeiras de um Hospital Público de Salvador (Bahia). Esse estudo mostrou, com base na auto-avaliação das profissionais, que quando as enfermeiras dos turnos noturnos foram comparadas às dos turnos diurnos, com ou sem experiência prévia do turno da noite, as primeiras apresentaram taxas mais elevadas de prevalência de sintomas e problemas de saúde que as diurnas. Os sintomas que estavam associados ao trabalho noturno eram: alteração da qualidade de sono, distúrbios digestivos e sintomas de fadiga5. Dos acadêmicos que mencionam ter trabalhado no serviço noturno, 1 (7,45%) atuava na enfermagem. Como menciona Fischer et al.3, os profissionais dos serviços de saúde fazem parte dos grupos de trabalhadores mais antigos que começaram atuar no serviço noturno.
Pode-se observar que, embora a maioria dos acadêmicos não tenha experiência no serviço noturno, os mesmos (76%) conhecem pessoas (amigos/colegas, familiares, vizinho, pais de amigos e namorado) que desenvolvem seu trabalho no turno noturno. Dos que trabalham à noite, o total de 43,7% pessoas são familiares. Este dado certamente será significativo na percepção dos acadêmicos quanto ao trabalho noturno. Gradjean 10 afirma que os efeitos sociais do trabalho noturno aparecem em primeiro plano nas perturbações da vida familiar e nos prejuízos nos contatos sociais mais amplos com amigos ou em clubes. Dos profissionais que trabalham no serviço noturno mencionado pelos acadêmicos de enfermagem, 29 (56,9%) pertencem a uma equipe. Tal fato mostra a importância do estudo do trabalho noturno para este grupo de profissionais.
Dos 51 profissionais de enfermagem, mencionados pelos acadêmicos, que desenvolvem suas atividades no serviço noturno, 33 (64,7%) apresentam queixas relacionadas ao trabalho noturno. Gradjean10 diz que muitos trabalhadores, por um lado, são contra o trabalho em turnos, por causa das dificuldades de saúde e sociais, mas, por outro lado, vêem no trabalho noturno algumas vantagens, como um maior salário ou vantagens especiais na concepção de seu tempo livre; porém, na maioria das vezes, as opiniões negativas são predominantes.
Das queixas mencionadas aos alunos pelos profissionais que trabalham à noite (conhecidos deles), 24 trabalhadores destacaram o cansaço; 15, distúrbios do sono; 6 mencionaram falta de tempo para o lazer; e 1, perigo (violência urbana). Todas estas queixas ocorrem porque o organismo humano é adaptado para desempenhar atividades no turno diurno; quando isto não acontece, o organismo sofre um desgaste.
Quando perguntados sobre a opção do turno de trabalho, 57 (85%) dos acadêmicos de enfermagem disseram preferir o serviço diurno, e 10 (15%), o noturno. Dentre os que pretendem optar pelo serviço diurno, 40 (62,6%) acadêmicos justificaram terem maior adaptação neste turno, concordando com Grandjean10, pois o organismo humano está adaptado para o trabalho durante o dia. O total de 38 (59,7%) acadêmicos mencionou que quer maior tempo livre para a família. Este dado pode ter sido influenciado pela própria vivência destes, já que alguns acadêmicos possuem familiares que trabalham à noite e, por isso, mostram-se preocupados com o equilíbrio entre o trabalho e a vida familiar.
Deve-se levar em conta que a grande maioria desses profissionais é do sexo feminino. Isso mostra que a mulher vem conquistando seu espaço no mercado de trabalho; porém, o cuidar da família ainda está muito atrelado à ela. Um total de 30 acadêmicos querem maior tempo livre para o lazer.
Dos acadêmicos, 30 (56,7%) querem maior tempo livre para os estudos. Um total de 28 (49,2%) quer ter a possibilidade de conciliação com outro emprego. Isto é uma realidade vivenciada por muitos profissionais de enfermagem, em virtude dos baixos salários, tornando-se mais um fator que aumenta o desgaste deste profissional. Foi mencionado por um acadêmico o motivo do perigo devido a grande e crescente violência urbana, havendo uma preocupação com a segurança no trajeto entre a sua casa e o trabalho. Segundo Moura et. al.11, a violência nos locais de trabalho afeta indistintivamente os trabalhadores em todos os países e se converte em sérias ameaças à sua saúde.
Diante dos questionamentos feitos, 56 (83,6%) acreditam que o trabalho noturno pode ser prejudicial para a saúde do trabalhador. O trabalho noturno é considerado um agente etiológico ou fator de risco de natureza ocupacional, sendo descrito como má adaptação à organização do horário de trabalho. Dos 11 (16,4%) que acham que o trabalho noturno não é prejudicial para a saúde, 10 optaram por trabalhar no serviço diurno.
Um total de 10 acadêmicos que não optaram pelo turno noturno apenas 1 mencionou que este turno pode ser prejudicial para sua saúde. Destes, apenas 3 justificaram a opinião dizendo que os trabalhadores podem evitar os riscos e os esforços físicos e mentais, descansar durante o dia e repor o sono após o trabalho. Estes fatores vão além da vontade do trabalhador noturno, pois durante o dia todos os órgãos e funções estão preparados para a produção, enquanto, durante a noite, as atividades e a prontidão funcional da maioria dos órgãos estão amortecidas e o sono é a função dependente do ritmo circadiano mais importante10.
O sono de dia do trabalhador noturno é de menor duração e, do ponto de vista qualitativo, apresenta um menor valor como descanso10. Os prejuízos para a saúde do trabalhador de enfermagem do serviço noturno que foram citadas pelos acadêmicos foram: alteração do sono (19), desequilíbrio do relógio biológico (18), baixo desempenho (15) e cansaço (14). Como foi mencionado anteriormente, as alterações são justificadas porque as funções metabólicas no homem e nos animais apresentam oscilações durante o dia e a noite, o que chamamos de ritmo circadiano. O estudo do ciclo vigília-sono pode ainda detectar um ajuste do sistema circadiano ao longo do tempo de trabalho noturno. Sabendo-se que esse ajuste é apenas parcial, pode-se determinar a gravidade e a intensidade dos sintomas provocados pelo trabalho noturno5.
Quanto às sugestões para solucionar os problemas do trabalhador de enfermagem do serviço noturno, 21 (31,3%) dos entrevistados mencionaram a redução da jornada de trabalho. Em 1983, foi aprovado o Projeto-lei das 30 horas de jornada de trabalho no Plenário da Câmara, que foi encaminhado para sanção do Presidente, à época José Sarney, que o vetou. As entidades de classe continuaram na luta, e foi conseguida, novamente, a aprovação em Plenário em 1992, sendo mais uma vez vetada, desta vez por Fernando Henrique Cardoso. No momento, o PL 2295/2000 encontra-se na Comissão da Seguridade Social e Família e tem como relator o deputado José Linhares, que já deu um parecer desfavorável em 2004. As entidades de classe, entretanto, continuam na luta.
As escalas de trabalho em hospitais geralmente são organizadas em turnos fixos contínuos, a fim de oferecer o serviço de saúde de modo ininterrupto nas 24 horas do dia. Porém, há uma necessidade de estruturar as escalas de serviço numa carga horária menor para que o desgaste do trabalhador de enfermagem também seja reduzido. Também é recomendado que o trabalhador não permaneça muito tempo realizando seus plantões no turno noturno.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pensar no trabalho noturno implica a discussão de variáveis inerentes ao trabalho e ao trabalhador. Este estudo mostrou que a percepção dos acadêmicos de enfermagem em relação ao trabalho noturno, de um modo geral, vem da convivência com pessoas do seu cotidiano.
Dos acadêmicos que trabalharam à noite, nem todos atuam na área de enfermagem, e, provavelmente, estes podem ter uma percepção diferente, de acordo com as atividades que exercem, enfatizando a importância de discutir o assunto sob a ótica da experiência dos acadêmicos que trabalharam à noite. Vimos aqui alguns dos motivos que levaram os acadêmicos a destacar os efeitos negativos do trabalho noturno, principalmente no seu aspecto fisiológico, já que os prejuízos psíquicos quase sempre são possíveis de serem observados.
Alguns acadêmicos que não tiveram experiência no serviço noturno não querem atuar neste plantão porque conhecem certos efeitos negativos decorrentes do trabalho noturno para a sua saúde.
Embora os acadêmicos conheçam os riscos do serviço noturno, ainda é preciso aprofundar essa discussão para conscientizar e preparar para o trabalho noturno estes futuros enfermeiros, principalmente aqueles que pretendem trabalham neste turno ou que, mesmo não sendo esta a opção, podem vir a trabalhar nele por necessidade de serviço. É necessário que eles conheçam os riscos a que estão expostos e como minimizar os prejuízos para a sua saúde.
Neste sentido, a pesquisa trouxe subsídios para que essas questões sejam tratadas ainda no curso de Graduação em Enfermagem para um melhor preparo e conscientização do futuro profissional. Sugere-se, portanto, a inclusão da temática para discussão em sala de aula sobre o trabalho de enfermagem e a saúde do trabalhador de enfermagem.
Referências
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Recebido em 20/09/2005
Reapresentado em 12/09/2006
Aprovado em 29/09/2006