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ISSN (impressa): 1414-8145
Escola Anna Nery Revista de Enfermagem Escola Anna Nery Revista de Enfermagem
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Ministério da Educação
CAPES

Volume 19, Número 2, Abr/Jun - 2015



DOI: 10.5935/1414-8145.20150029

PESQUISA

Representações sociais de discentes técnicos de enfermagem sobre drogas

Andreia Silva Rodrigues 1
Jeane Freitas de Oliveira 1
Mirian Santos Paiva 1
Daiane Santos Oliveira 1
Miriam Neri Marinho 1


1 Universidade Federal da Bahia. Salvador - BA, Brasil

Recebido em 12/09/2014
Aprovado em 30/03/2015

Autor correspondente:
Andreia Silva Rodrigues
E-mail: enfandreiarodrigues@hotmail.com

RESUMO

Discutir as representações sociais de discentes de um curso técnico de enfermagem acerca da problemática das drogas. Pesquisa qualitativa fundamentada na Teoria das Representações Sociais, envolvendo 98 discentes, para as quais foram aplicadas as técnicas de associação livre de palavras (TALP), grupo focal e entrevista. Os dados do TALP foram processados no software estatístico STATA. A identificação de termos com significância estatística norteou a análise de conteúdo para as demais técnicas, gerando duas categorias temáticas. A droga foi representada como objeto de destruição da pessoa, família e sociedade. A imagem da pessoa usuária de drogas aparece vinculada ao sexo masculino, jovem, de cor preta, morador da periferia e pobre. As representações sociais ressaltam aspectos de experiências e do contexto sociocultural das estudantes acerca das drogas, evidenciando demandas na formação dessas profissionais para integralidade da assistência.


Palavras-chave: Estudantes de Enfermagem; Usuários de Drogas; Saúde.

INTRODUÇÃO

No cotidiano dos serviços de saúde, as(o)s técnicos de enfermagem constituem maior contingente das equipes, mantendo contato direto com a clientela, família e comunidade. Essa característica, relacionada à prática desta categoria profissional, possibilita, dentre outras ações, a identificação de situações relacionadas com o envolvimento com drogas.

Contudo, as normas que regulamentam a formação técnica de enfermagem não são direcionadas, obrigatoriamente, para discussão de conteúdos transversais, como a problemática das drogas. De um modo geral, as disciplinas do curso são distribuídas em 1.200 horas teóricas e 600 h de atividades práticas, distribuídas ao longo de até dois anos, enfocam procedimentos técnicos para o tratamento e/ou prevenção de patologias.

O Ministério da Saúde reconhece que a ineficácia da atenção integral às pessoas usuárias de drogas está pautada, dentre outros fatores, na falta/oferta de um currículo com abordagem multiprofissional e na visão negativa dos(as) profissionais de saúde em relação à pessoa que adota o consumo de drogas e de suas perspectivas evolutivas frente ao problema1. Independente de sua origem, tais fatos impedem uma assistência mais produtiva frente às demandas de usuários de substâncias psicoativas (SPA).

Os enfrentamentos dos(as) profissionais de saúde frente às questões relacionadas à problemática das drogas são inúmeros, exigindo práticas e estratégias diversificadas que ultrapassam a abordagem biomédica, assim como modificações nas suas representações sociais (RS) acerca da droga e da pessoa usuária.

As RS estão vinculadas a valores, noções e práticas individuais que orientam as condutas no cotidiano das relações sociais e se manifestam através de estereótipos, sentimentos, atitudes, palavras, frases e expressões2. Compreendidas como um fenômeno psicossocial, histórico e culturalmente condicionado, as RS circulam por meio da comunicação social cotidiana e se diferenciam de acordo com os conjuntos sociais que as elaboram e as utilizam, tendo relação com as subjetividades3.

Portanto, a realidade social é essencial na gênese das RS, uma vez que as mesmas são centradas nos fenômenos produzidos pelas construções particulares da sociedade e não no sujeito individual4. Ao valorizar a construção do saber, as crenças, as opiniões e as concepções de mundo, as RS articulam-se à situação sócio-político-cultural, na qual o sujeito está inserido, criando a possibilidade de contemplar os vários aspectos que permeiam processos sociais, tais como o fenômeno das drogas.

Este artigo tem como objetivo discutir as representações sociais de discentes de um curso técnico de enfermagem acerca da problemática das drogas. Os dados produzidos nesta pesquisa podem servir de comparação com representações sociais apreendidas de outros grupos sociais evidenciando especificidades e similaridades relacionadas a fatores sociais, culturais e demográficos. E, podem também, contribuir para ações na formação desses profissionais visando melhorias da assistência prestada e redução de danos e agravos para clientela e para os(as) profissionais.

MATERIAIS E MÉTODOS

Trata-se de uma pesquisa fundamentada na Teoria das Representações Sociais, de abordagem qualitativa, desenvolvida com 98 estudantes de ambos os sexos, devidamente matriculada(o)s e frequentando as aulas de um curso técnico de enfermagem. O referido curso era oferecido por uma instituição de ensino privada, localizada em Salvador - BA.

A(O)s aluna(o)s foram abordada(o)s no período de novembro de 2010 a março de 2011, sendo comunicado as(aos) mesma(o)s os objetivos da pesquisa e assinado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. A aprovação do projeto se deu pelo Comitê de Ética da Escola de Enfermagem da Universidade Federal da Bahia, conforme parecer de número 030/2010.

As informações acerca da droga e da pessoa usuária de drogas foram coletadas por um grupo de técnicas independentes, porém complementares, as quais permitem abordar coletiva e/ou individualmente atores sociais, possibilitando aprofundamento de questões específicas sobre o tema estudado. Foram usadas as seguintes técnicas: associação livre de palavras, grupo focal e entrevista semiestruturada.

O Teste de Associação Livre de Palavras (TALP) foi composto por dois estímulos indutores: drogas e pessoa usuária de drogas. Sua aplicação foi feita coletivamente, em sala de aula, em dias e horários disponibilizados por docentes do curso. Foram evocados 1072 termos para os estímulos apresentados. Desse total, 340 apareceram apenas uma vez. Os dados produzidos pelo TALP foram processados pelo software STATA, versão 8.0, sendo estabelecida frequência igual ou superior a oito. As palavras com maior frequência, para cada estímulo, nortearam a análise das demais técnicas.

Para técnica do grupo focal foram realizados dois grupos, compostos por 10 e 08 discentes. Para cada grupo foi realizada uma sessão com duração média de 90 minutos. As sessões foram guiadas por um roteiro previamente elaborado acerca do objeto de estudo. Todas as participantes do grupo focal haviam respondido ao TALP.

A entrevista também seguiu um roteiro, previamente, elaborado possibilitando aprofundamento de termos e/ou situações apresentadas nas demais técnicas e o registro de experiências vivenciadas pela(o)s estudantes em relação à problemática das drogas. As pessoas entrevistadas foram escolhidas aleatoriamente, de acordo com disponibilidade das participantes, após o grupo focal. Foram realizadas 8 entrevistas. O conteúdo das informações coletadas pela técnica de grupo focal e entrevista foi transcrito na íntegra e submetido às etapas da análise de conteúdo5.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Respeitando a perspectiva teoria das representações sociais, será feita uma breve apresentação da caracterização sociodemográfica das participantes. Em seguida, serão descritas as categorias temáticas emergentes da análise dos dados.

Estudantes do curso técnico de Enfermagem

Os estudantes investigados eram, predominantemente, do sexo feminino (90 mulheres e 8 homens). A idade variou de 19 a 43 anos, sendo evidenciadas duas faixas etárias majoritárias: menor ou igual a 25 anos (44,9%) e de acima de 26 anos (55,1%). Com relação à cor, 87,7% dos participantes se auto declararam da cor preta ou parda. A maioria dos estudantes revelou ser adepto da religião católica (56,1%). A renda familiar variou entre menos que um salário mínimo (24,5%) e mais que dois salários mínimos (19,4%), sendo prevalente a renda entre um e dois salários mínimos (52,0%).

Dos 98 participantes 43,9% tinham os estudos como principal ocupação e 36% informaram ter atuação na área da saúde. No grupo estudado, 49,43% informaram ter naturalidade soteropolitana e 42,53% nasceram em cidades do interior da Bahia, os demais (8,1%) são procedentes de outros estados brasileiros.

Vale destacar que, mesmo sabendo que todos têm o ensino médio completo, pois essa é a escolaridade mínima exigida como pré-requisito para fazer o curso técnico de enfermagem, durante a coleta de informações por meio do TALP foi observada dificuldade significativa para escrever corretamente as palavras.

Droga é destruição!

De acordo com dados do TALP, para o estímulo droga foram evocadas 406 palavras, sendo que 50% foram repetidas oito ou mais vezes. Dentre os termos evocados para este estímulo, o que apresentou frequência mais elevada foi destruição, seguida dos termos: morte, sofrimento, violência, dependência, tristeza, desespero, medo, doença, ruim e vício.

Na análise do conteúdo das entrevistas e dos grupos focais, a ideia de droga como objeto de destruição é reforçada. A destruição não aparece como algo limitado aos efeitos das drogas no organismo de quem a usa, mas como algo que atinge, sobretudo, a família. E ainda mostra associação direta com questões de criminalidade, marginalização, danos à saúde e à sociedade, conforme mostra trechos a seguir.

É uma destruição total tanto dela [pessoa usuária de drogas] e da família. Então droga é o fim do mundo [...] É destruição da vida [...] Do físico, mental, social, em si no geral, tudo [...] Se você usa droga, você está destruindo toda a sua família. (GF).

Destruição do indivíduo, da família e da sociedade. (F, sexo feminino, 26 anos).

Drogas é desestruturação social mesmo. Geral, no âmbito social, econômico-familiar. A saúde sempre acaba afetando também e o fator bem negativo mesmo é em relação ao crime. Acho que o crime vem sempre acompanhado do envolvimento com droga [...] vai pegar tudo o que você tem dentro de casa, vai roubar, vai bater, vai espancar pai, vai espancar mãe, pra ter aquele dinheiro pra comprar droga. [...] É um grande problema para a sociedade porque é através da droga que tem outras consequências, que é a violência, o próprio tráfico de drogas que levam jovens e adolescentes para a rua, cheirar. (GF).

[...] É que causam mal, muitas pessoas usam drogas, às vezes, para roubar, matar, ficar violento [...] para esquecer os problemas [...] para poder brigar com a família [...] prejuízo de alguma forma. (E, sexo masculino, 28 anos).

A RS da droga como destruição está fundamentada pelos participantes como algo que desestrutura a pessoa que faz uso, família e toda sociedade, o que demonstra que eles consideram a droga como instrumento destruidor da vida na perspectiva dessa tríade. A noção de que a droga é um objeto de destruição, associado ao que é ruim, que causa medo, sofrimento e desespero, também, esteve presente na voz das participantes.

A associação das drogas com situações de destruição, morte, violência e sofrimento são comumente divulgadas pela mídia, o que pode justificar a frequência desses termos na análise estatística. A mídia, de um modo geral, enfatiza efeitos das substâncias no organismo, atribuindo às mesmas reações de desequilíbrios e violências apresentadas por pessoas usuárias6. Essa visão enfatiza os possíveis efeitos da substância em si, em detrimento da pessoa usuária e dos diferentes contextos no qual a droga é consumida. Contudo, situações vivenciadas no contexto social e econômico dos participantes também reafirmam essa ideia, conforme apreendeu-se nos depoimentos dos participantes nos grupos focais e nas entrevistas.

Os relatos indicam que, para os discentes, as drogas são responsáveis por atos socialmente não aceitos praticados por pessoas usuárias. Essa ideia isenta a pessoa e coloca nas drogas a culpa e responsabilidade pela prática de atos como roubar e matar. A droga aparece como algo ruim, que vicia, causa dependência, desabilita o ser humano de interagir com a sociedade e induz a prática de atos de violência, roubo e morte, que afirmam a ideia de destruição. Essas ideias foram compartilhadas no grupo focal e nas entrevistas, conforme mostram trechos a seguir:

Causa na realidade um ser muito violento, onde a droga envolve coisas que também não é normal, rouba, mata [...] acaba estragando uma vida do ser humano [...] é o fim de sua vida, porque eu conheço pessoas também que hoje em dia está nessa e nunca mais vai ser uma pessoa normal [...] é tudo que a pessoa é viciada. (GF).

[...] Antes do álcool [pensativa] a gente era feliz! Quando ele [ex-marido] começou a se viciar com o álcool, tudo foi dando errado [...]. (B, sexo feminino, 38 anos).

[...] Experiência eu já tive, mas não gostei [experimentou]. (D, sexo masculino, 20 anos).

As falas levam a inferir que o grupo social estudado é constituído por pessoas que conhecem e/ou convivem com alguém que consome drogas, e por meio da realidade vivenciada, objetivam e ancoram suas representações acerca das drogas e da pessoa usuária. Então, ratifica-se que as representações sociais são construídas com base na realidade social, portanto, mutáveis de grupo para grupo, em sociedades distintas e/ou em uma mesma sociedade em diferentes épocas2.

Entende-se que os participantes associam situações que vivenciam, demonstrando que a realidade do indivíduo e do grupo é sempre representada, sendo adquirida pela pessoa e grupo social, envolvida por seus valores. Logo, ao relatarem experiências ruins no tocante ao consumo de droga no seu local de moradia e atitudes de exclusão frente a pessoas próximas que faziam uso de drogas, o grupo social estudado evidencia julgamento punitivo e excludente direcionado à pessoa que faz uso abusivo, representada pelas participantes como dependente, independentemente do tipo de droga utilizada.

Nessa perspectiva, para o grupo investigado o termo droga não se limita apenas as substâncias ilícitas, mas envolvem substâncias que causam danos à pessoa, mesmo aquelas que são utilizadas para fins terapêuticos. Para elas, a gravidade do dano gerado pelo consumo fica atrelado à denominação jurídica e sociocultural das drogas, quais sejam, legais e ilegais; benéficas e maléficas, conforme mostra trechos dos relatos.

Há drogas que são os remédios para as pessoas que são depressivas e que tem que ter um controle total e muita gente também pode utilizar e ficar dependente [...] a droga não é só entorpecente, também tem os remédios [...] a droga não é só o crack, a maconha, e sim o remédio de tarja preta, a cerveja, o álcool [...] o álcool em si é uma droga (GF).

Tem a droga benéfica e a droga maléfica. A droga benéfica a gente usa na realidade para suprir a patologia [...] já a droga maléfica, eu relaciono como uma coisa para fazer mal mesmo, as pessoas usam para fazer o mal, a cocaína, maconha, o álcool mesmo as pessoas bebem e ficam transtornadas (E, sexo masculino, 28 anos).

As [drogas] que são legais hoje são as bebidas, que todo mundo bebe, todo mundo fica feliz, muita gente faz besteira, muita gente morre em acidentes. Mas, a droga em si: as químicas, sempre tem [...]. A legalidade das drogas é uma coisa errada. Isso vai influenciar o adolescente a usar sem nenhum problema [...] A violência vai aumentar, o tráfico, a destruição do lar vai aumentar (B, sexo feminino, 38 anos).

A substância que eu considero legal é aquela que você usa através da prescrição médica [...]. As drogas ilegais são aquelas que você utiliza abusivamente e você não tem necessidade de usar (E, sexo masculino, 28 anos).

Segundo o Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (CEBRID)7, as drogas são classificadas, de acordo com a sua comercialização, em lícitas e ilícitas. As drogas lícitas possuem permissão do Estado para serem comercializadas e consumidas, com ou sem receita médica, sendo que a sua produção, comercialização e uso não são criminalizados. Enquanto que as ilícitas não podem ser comercializadas e a produção e venda são passíveis de criminalização e repressão8.

Um estudo que trata da percepção de um grupo frente ao uso de drogas9, afirma que "esta divisão, eminentemente legal, tornou-se cultural, e passa a ideia de que as drogas lícitas são seguras e as ilícitas perigosas". De um modo geral, essa ideia é propagada no senso comum e se mostra presente nos resultados dessa pesquisa. No entanto, o estudo reforça a noção de que todas as drogas trazem prejuízos, independentemente do status, de lícitas ou ilícitas.

Ainda acerca do consumo (uso/abuso) de drogas, os participantes retratam aspectos das consequências dessa prática, trazendo, inclusive, assuntos relacionados ao fenômeno das drogas, o qual compreende o consumo, comércio e a produção de substâncias psicoativas10. Foram ressaltadas as repercussões do uso abusivo e do tráfico para a pessoa, família e sociedade, como destacado nos trechos a seguir:

Prejudica não só ele, mas também os amigos, a família e todos que estão por perto [...] a sociedade mesmo que acaba sendo destruída, na verdade [...] a violência, o próprio tráfico de drogas que levam jovens e adolescentes pra rua, cheirar (GF).

Pode ser que um usuário esteja devendo a um chefão e a família esteja sabendo disso, aí muitos desses pagam com a vida ai possa ser que um desses vá à casa da pessoa ai mata os familiares, uma mãe ou um tio (H, sexo feminino, 22 anos).

De acordo com os relatos dos participantes, a droga ocasiona situações de violência, gerando insegurança para família e comunidade. Essas situações não estão limitadas ao uso, diz respeito, ao abuso representado pelo grupo como dependência, e, sobretudo, ao comércio ilegal de substâncias psicoativas.

Assim, as RS do grupo estudado são construídas a partir de suas experiências em meio à comunidade e família, afinal, as ideias em relação às SPA - de morte, destruição, de substância que prejudica a todos - também vêm caracterizando a concepção de familiares de pessoas usuárias de drogas em um estudo com esses sujeitos11.

Diante das informações apresentadas podemos afirmar que os participantes reconhecem os elementos que envolvem a problemática das drogas, quais sejam: as SPAs, a pessoa usuária e a família/comunidade, construído, conforme seu contexto de vida, porém atribuem unicamente à SPA a responsabilidade/culpa das consequências consideradas negativas para quem está envolto na problemática.

Pessoa usuária de drogas: "negra ou branca, pobre ou rica, ruim ou vítima"

Com relação ao estímulo indutor pessoa usuária de drogas, o processamento estatístico dos dados do TALP mostrou que foram evocadas 347 palavras, das quais os termos dependente, fraco, doente, desequilibrado, viciado, violento, criminoso e sofrimento apresentaram frequência igual ou superior a oito. Na triangulação dos dados, a imagem da pessoa usuária de drogas está relacionada ao sexo, raça/cor, classe social, grau de dependência química e grau de envolvimento da pessoa, conforme seu consumo.

O termo dependente, evocado para ambos os estímulos, remete a ideia de doença e de desequilíbrio no consumo de uma substancia psicoativa que leva a pessoa a praticar ações que provocam sofrimento e destruição. Logo, a pessoa usuária de drogas é representada como desequilibrada, fraca e doente. O vocábulo sofrimento sugeriu a ideia de que a pessoa usuária de drogas pode ser vista como vítima de sua fragilidade, o que leva ao sofrimento proveniente da violência e crime associado ao consumo abusivo de SPA.

No conteúdo das entrevistas e do grupo focal foram apontados motivos que conduzem as pessoas ao consumo de drogas. Dentre os motivos apresentados foi ressaltada a sensação de prazer ocasionada pelo efeito da droga no organismo, assim como a possibilidade da droga ocupar uma lacuna na vida da pessoa.

Essa pessoa é um ser humano e ele está ali seja por um motivo assim de uma falta que ele tem e não consegue realizar, não encontra o prazer em outras coisas, e encontra o prazer nas drogas. (GF).

Em primeiro lugar o motivo é familiar [...] o desprezo da família mesmo [...] por consequência das condições financeiras, muitos saem de casa por não ter o que comer vai para as ruas para cheirar, roubar. (E, sexo masculino, 28 anos).

Os participantes ressaltam questões de ordem familiar como uma das principais causas para o envolvimento com drogas, assim como consideram a família como a primeira a sofrer as repercussões pelo envolvimento de alguma pessoa com as drogas. Essa ambiguidade em relação á família na problemática das drogas é evidenciada em um estudo12 que discute o papel da família, tanto como um fator de risco, quanto um fator de proteção para o uso e abuso de drogas. Outro estudo13 realizado com adolescentes afirma que o contato com familiares drogaditos e a vivência de trauma, separação e brigas no contexto familiar, acarreta maior probabilidade desses se tornarem dependentes químicos.

Para os participantes, a pessoa usuária de drogas é representada como fraca, alguém que sofreu com algum problema e que por isso acaba consumindo drogas para fugir da realidade em que vive. É doente, logo, alguém que precisa se tratar para se recuperar, que precisa de assistência médica:

A pessoa usuária é um doente. A pessoa que já usou crack não fica normal, tem problema mental. (GF).

É doente! Então eu acho que essa pessoa precisa de todo um tratamento. (B, sexo feminino, 38 anos).

A representação da pessoa usuária de droga como doente remete a necessidade de tratamento com atenção direta de profissionais de saúde. Contudo, vale lembrar que nem todo uso de droga é caracterizado como dependência e nem toda pessoa usuária de drogas é doente. Essas ideias reforçam o estereótipo social em relação às drogas e a pessoa usuária entrelaçadas com a marginalização do indivíduo pela associação do consumo de drogas com a prática de atos ilícitos14, conforme revelado nos depoimentos dos entrevistados:

Um ser muito violento, onde a droga envolve coisa que também não é normal, rouba, mata, onde pessoas que têm condições financeiras boas, mas entra nessa área pra fazer o mal mesmo [...] é mal visto na sociedade e perde toda a credibilidade diante das pessoas [...] ele foge de toda realidade do que é ser uma pessoa normal [...] é desequilibrado. (GF).

Toda pessoa que utiliza droga no seu organismo é traficante. (E, sexo masculino, 28 anos).

A representação da pessoa usuária de drogas como doente, anormal, violenta está arraigada em elementos sociais, propagados pelos meios de comunicação e mesclados como a realidade vivenciada pelas participantes. Nos trechos dos discursos apresentados abaixo, observa-se medo, marginalização, envoltos por desigualdades raciais e sociais e as circunstâncias que levam o jovem, seja rico ou pobre, a serem pessoas usuárias de drogas:

Hoje se fala assim: ah, o negro pobre! Mas aí por que fala o negro pobre? É o preconceito, Mas, tem também o branco rico, está todo mundo envolvido do mesmo jeito. A diferença é que o pobre faz isso pra sobreviver por que ele não tem trabalho, não tem capacidade pra trabalhar, não tem experiência. Então eu acho que o pobre é mais atingido [...] todo mundo usa tudo. A diferença é que o rico é mais encoberto. O pobre não. Ele usa mesmo e pronto! (B, sexo feminino, 38 anos).

A sociedade [pessoa] que não têm condições vai comprar o crack e o filhinho de papai vai comprar a cocaína [...] fazem coisas anormais, que às vezes muitos deles, quando os efeitos maléficos acabam, eles vão vê a que se submeteu, às vezes matam pessoas que não deveriam ter feito. Com pensamento inapropriado. Roubam e depois que o efeito passa se arrepende. (E, sexo masculino, 28 anos).

Os relatos dos participantes revelam a transversalidade do fenômeno das drogas, uma vez que consideram que tal fenômeno envolve pessoas de todos os contextos sociais, econômicos, políticos, religiosos, culturais, étnico-raciais e de saúde. Em que pese no relato dos participantes exista a ideia da diversidade do perfil do usuário de drogas, estes retratam experiências junto à problemática que ressaltam um estereótipo imposto socialmente, acrescido de características, como as relacionadas à raça/cor e a classe social. Assim, percebe-se que a imagem da pessoa usuária é construída nas práticas e experiências das estudantes e adaptada aos valores arraigados em crenças e estereótipos sociais.

Outra característica associada à pessoa usuária de drogas apontada pelos participantes diz respeito à violência. A correlação droga-violência demarcou uma consequência do uso abusivo de drogas, levando a representação da pessoa usuária de drogas como um ser violento, desequilibrado, inconsequente e que causa medo e perigo para a sociedade, para a família e pessoas que vivem ao seu redor.

Nos trechos, a seguir, é demonstrado como os participantes ressaltam a violência enquanto consequência do consumo abusivo de drogas e, o que a ação desta, desencadeia na vida da pessoa usuária de drogas e das pessoas ao seu redor:

[Pessoas usuárias de drogas causam] brigas, discussões, violência, agressão, separação, morte, sofrimento mesmo. (C, sexo feminino, 20 anos).

Pessoa agressora que não tem vergonha de nada! [...] São pessoas violentas que podem matar e roubar. (GF).

A estreita relação entre o fenômeno das drogas e o fenômeno da violência é fortemente propagada pela mídia e confirmada em estudos científicos de âmbito nacional15,6. Essa relação reproduz a ideia de culpabilização das drogas por atos ilícitos e vitimização da pessoa usuária de drogas. Contudo, tal discussão em torno da associação drogas e violência torna-se mais complexa, ao considerar que existem diferentes perspectivas, as quais conduzem jovens a buscar formas de visibilidade social, dentre as quais, pode-se citar a criminalidade e o envolvimento com drogas16.

No conjunto de informações apreendidas, são ressaltadas variáveis do perfil sociodemográfico que reproduzem desigualdades socialmente estabelecidas, exclusões e grupos de vulnerabilidade ao fenômeno das drogas, tais como sexo, idade, raça/cor, conforme mostrado nos trechos a seguir.

[Pessoas usuárias de drogas] São mais jovens [...] idosos nem vejo tanto. A faixa etária é de 12 a 25 anos são os [pessoas usuárias de drogas] que mais estão usando [...] adolescentes a jovens. (F, sexo feminino, 26 anos).

Jovens, negros e suburbanos de favelas, mais homens. (G, sexo feminino, 28 anos).

Temos mais homens [...] a tendência é os homens morrerem por consequência do abuso das drogas [...] a pessoa negra, por serem as pessoas mais desmoralizadas da sociedade, devido à cor. (E, sexo masculino, 28 anos).

Eu penso nas mulheres também [além dos homens, como usuários]. Eu tenho uma colega mesmo que ela - na época eu tinha uns 18 anos - chegou lá em casa com maconha, e eu não sabia o que era. E ela me perguntou se eu não queria. E naquele dia eu disse a ela: - "Olhe, eu não quero mais amizade com você, não quero mais você na minha casa." (B, sexo feminino, 38 anos).

Eu não gosto nem que mulher fume, eu acho ridículo, eu não gosto nem de mulher que enche a cara [...] assim, beba socialmente é claro, mas aquela mulher que enche a cara, que bebe como o quê, é ridículo. (D, sexo masculino, 20 anos).

O consumo de drogas por mulheres é uma conduta socialmente condenada, o que contribui significativamente para a sua invisibilidade17,18. Contudo, dados epidemiológicos mundiais mostram que, apesar do uso e comercialização de drogas ilícitas serem mais comuns entre homens, existe uma tendência de aumento no consumo de substâncias entre as mulheres, que pode ser explicada pela diminuição de barreiras socioculturais e uma maior igualdade de gênero10. Os trechos apresentados mostram que no contexto de vida das participantes o consumo de drogas por mulheres é uma realidade e, evidenciam também, a reprodução da condenação socialmente compartilhada.

As participantes representam as pessoas usuárias de drogas com a influência de estereótipos sociais - pessoas fracas, viciadas, marginalizadas - e através de suas vivências históricas e pessoais - pessoas que têm problemas e que precisam de ajuda e compreensão. Esses termos são reflexos da confluência entre o que está posto socialmente e o afetivo e vivido pelos participantes. Fica evidenciada a aproximação das estudantes com pessoas usuárias de drogas de tal forma que apontam exemplos com descrição de situações reais.

As falas dos participantes aqui analisadas constituem, nesse sentido, reflexo da apropriação da realidade desse grupo, sobre o ser usuário de drogas não só como veem vinculada na mídia e na sociedade, mas, também, como vítima de deficiências educacionais, estruturais e/ou familiares ou como pessoa que opta por ser uma consumidora de SPA.

CONCLUSÃO

Embora os resultados apresentados sejam limitados a um grupo de estudantes de um curso técnico de enfermagem, estes são relevantes para compreender como a problemática das drogas é representada pelo grupo. A partir das representações apreendidas poder-se-á traçar ações de intervenção na formação desses profissionais, visando reduzir os seus enfrentamentos nos cuidados de saúde e, consequentemente, melhorar a assistência para pessoas usuárias de drogas.

A triangulação dos dados proporcionou o alcance dos objetivos traçados permitindo captar, de forma latente, informações, estereótipos, preconceitos acerca dos aspectos estudados sobre a problemática das drogas e, consequentemente, as representações sociais.

As características sociodemográficas do grupo estudado, sobretudo o número de participantes do sexo feminino, revelam especificidades demarcadas por construções socioculturais que estabelecem atribuições para pessoas dos diferentes sexos. Neste sentido, a ação de cuidar é delegada às mulheres, justificando assim a feminização da profissão de enfermagem.

A representação das drogas como objeto de destruição e a atribuição às mesmas como responsável por situações de violência, sofrimento e morte revela a realidade do contexto no qual as participantes estão inseridas. Esta ideia, por sua vez, prioriza a substância e seus efeitos no organismo, invisibilizando questões de ordem social, política, econômica e cultural que estabelecem desigualdades relacionadas ao sexo, raça/cor, geração, classe social e ocupação que, por sua vez, influenciam no consumo e tráfico de drogas.

As representações sociais apreendidas revelam, ao mesmo tempo, fragilidade na formação profissional e a presença de situações relacionadas às drogas no contexto social dos participantes. As diferentes evocações para os estímulos apresentados mostram a reprodução de ideias sobre as drogas com relação aos aspectos abordados, que permeiam a sociedade na qual os participantes vivem.

A dinâmica das representações sociais permite pensar em intervenções junto ao grupo estudado e, sobretudo, na possibilidade de inclusão e/ou ampliação da temática na formação desses profissionais vislumbrando ampliar informações acerca da questão em estudo e, consequentemente, reduzir os enfrentamentos profissionais e pessoais cotidianos relacionados com a problemática das drogas.

REFERÊNCIAS

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