ISSN (on-line): 2177-9465
ISSN (impressa): 1414-8145
Escola Anna Nery Revista de Enfermagem Escola Anna Nery Revista de Enfermagem
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Ministério da Educação
CAPES

Volume 19, Número 1, Jan/Mar - 2015



DOI: 10.5935/1414-8145.20150007

PESQUISA

Sistematização da assistência de enfermagem: facilidades e desafios do enfermeiro na gerência da assistência

Mirelle Inácio Soares 1
Zélia Marilda Rodrigues Resck 1
Fábio de Souza Terra 1
Silvia Helena Henriques Camelo 2


1 Universidade Federal de Alfenas. Alfenas - MG, Brasil
2 Universidade de São Paulo. Ribeirão Preto - SP, Brasil

Recebido em 05/11/2013
Aprovado em 21/10/2014

Autor correspondente:
Mirelle Inácio Soares
E-mail: mirelleenfermagem@gmail.com

RESUMO

OBJETIVO: Analisar as facilidades e os desafios do enfermeiro na gerência da assistência instrumentalizado pela Sistematização da Assistência de Enfermagem (SAE).
MÉTODOS: Trata-se de um estudo qualitativo, fundamentado no referencial da Hermenêutica-Dialética. A amostra constituiu-se de 32 enfermeiros de três Hospitais de um município do Sul de Minas Gerais. Utilizou-se o Grupo Focal com a questão norteadora: "Quais são as facilidades e os desafios para a implementação da SAE na gerência da assistência?". Após as entrevistas, as falas foram transcritas na íntegra. A análise de conteúdo dos dados possibilitou extrair a categoria Facilidades e desafios para a SAE no cotidiano de trabalho do enfermeiro.
RESULTADOS: Os resultados mostraram pontos facilitadores e desafiadores, onde os participantes consideram a SAE facilitadora no planejamento e na organização da assistência, porém, existem aspectos internos nas instituições que servem como entraves ao enfermeiro na sua implementação.
CONCLUSÃO: No entanto, o sucesso da operacionalização da SAE se dá por meio de um desenvolvimento mútuo.


Palavras-chave: Enfermeiros; Gerência; Hospitais; Processos de Enfermagem; Assistência ao Paciente.

INTRODUÇÃO

Desde décadas passadas nos distintos serviços de saúde, especialmente, no âmbito hospitalar, a gerência em enfermagem tem assumido fundamental importância na articulação entre os vários profissionais da equipe de saúde e na organização do trabalho da enfermagem para os que buscam esses serviços.

Entende-se que a organização hospitalar é um dos mais complexos serviços de saúde devido à coexistência de inúmeros processos assistenciais e administrativos e, uma fragmentação dos processos de decisão assistencial com a presença de uma equipe multiprofissional com elevado grau de autonomia. Dessa forma, utiliza a tecnologia de forma intensiva e extensiva, podendo ainda, constituir-se em espaço de ensino e aprendizagem além de um campo de produção científica1.

Nesse contexto, o enfermeiro vivencia um desafio na edificação e compilação do conhecimento sobre o qual se fundamenta sua prática gerencial e assistencial. Faz parte desse desafio o desenvolvimento do processo de trabalho da enfermagem, para concretizar a proposta de promover, manter ou restaurar o nível de saúde do paciente. Assim, a Sistematização da Assistência de Enfermagem (SAE) vem para somar e conformar o planejamento, a execução, o controle e a avaliação das ações de cuidados direto e indireto aos pacientes2.

 Vale ressaltar que existem diversos modos de sistematizar a assistência de enfermagem, entre os quais se podem citar os planos de cuidados, os protocolos, a padronização de procedimentos e o processo de enfermagem. Trata-se de diferentes formas de se desenvolver o cuidado, ou seja, diversos métodos podem ser utilizados para se solucionar uma situação real em um determinado tempo, a fim de alcançar resultados positivos para a saúde dos pacientes. Essas modalidades de agir não são excludentes e têm naturezas diferentes3.

Em função disso, compreende-se que a gerência e a assistência de enfermagem são funções primordiais no cotidiano do enfermeiro, visando a excelência da qualidade na atenção à saúde oferecida ao paciente, a família e a coletividade com intervenção no processo saúde-doença.

Partindo dessa premissa, é que se localiza a SAE como um dos instrumentos do processo assistencial do enfermeiro que pode contribuir para assegurar a qualidade da assistência, uma vez que a mesma contempla uma gama de ferramentas que inclui a comunicação, a interação e a articulação das dimensões gerenciais e assistenciais4.

Nesse sentido, na tentativa de facilitar a operacionalização da SAE, muitas vezes, a equipe de enfermagem, inicialmente, faz a opção pela forma fragmentada de trabalho. Mas, esse trabalho sistematizado ainda está incipiente com a prática assistencial, estando mais presente no cenário ideal, norteado pelos modelos gerenciais e assistenciais fundamentados nas teorias administrativas do que no fazer real do cotidiano no cenário hospitalar.

O enfermeiro em âmbito hospitalar desenvolve inúmeras tarefas com alto grau de exigências e responsabilidades as quais dependendo da forma como estão sistematizadas e do seu conhecimento acerca das ferramentas gerenciais capaz de auxiliá-lo, podem prejudicar a qualidade da assistência prestada. Assim, este estudo apresenta os seguintes questionamentos: Quais as facilidades e os desafios do enfermeiro na gerência hospitalar? A SAE pode auxiliar o enfermeiro na gerência do cuidado prestado? Quais os mecanismos facilitadores utilizados pelo enfermeiro para a implementação da SAE? Quais os desafios e as limitações que perpassam o cotidiano de trabalho do enfermeiro frente à implementação da SAE?

Justifica-se a realização do presente estudo com o intuito de contribuir para a reflexão do enfermeiro sobre a necessidade da implementação da SAE como estratégia para o gerenciamento do cuidado, na conquista de assumir sua autonomia e espaço, na tentativa de romper a dicotomia entre o que é preconizado e o que é realizado no cotidiano da enfermagem, colaborando para o planejamento e organização da prática gerencial e assistencial. Com isso, esta investigação teve como objetivo analisar as facilidades e os desafios do enfermeiro na gerência da assistência instrumentalizado pela SAE.

MÉTODO

Trata-se de um estudo de delineamento exploratório, de abordagem qualitativa, ancorado no referencial teórico-metodológico da Hermenêutica-Dialética, considerado um método de pesquisa de natureza empírica, onde revela uma crença no processo de movimento que existe permanentemente na sociedade, bem como na edificação histórica e na capacidade de transformação e de superação das contradições por meio da práxis5.

O campo de desenvolvimento desta investigação foi o cenário de atuação do enfermeiro, constando-se de três Hospitais de um município do Sul de Minas Gerais, sendo dois públicos, dentre esses um de ensino e um privado. Foram convidados a participar da pesquisa 85 enfermeiros das referidas instituições, sendo os convites efetuados mediante carta convite, via telefônica e eletrônica.

Diante dessa oportunidade, foram apresentados os objetivos da pesquisa, a relevância da adesão dos mesmos a realização dessa investigação, a garantia do anonimato, buscando amenizar a preocupação de qualquer exposição futura.

É importante ressaltar que o retorno desses participantes foi parcial, comparecendo nos dias e horas agendados, por consonância dos convidados, apenas os que aceitaram a participar desta pesquisa.

Para a coleta do material empírico elegeu-se a técnica de grupo focal utilizando-se gravadores digitais para o registro dos discursos dos participantes. No desenvolvimento dos trabalhos em conjunto aos grupos focais, fizeram parte da amostra 32 enfermeiros dos 85 convidados, uma vez que de acordo com o dimensionamento dos enfermeiros de cada hospital, foram realizados seis encontros, onde ocorreu um grupo focal com quatro enfermeiros no hospital privado no mês de dezembro de 2012, dois grupos focais no hospital público no mês de janeiro de 2013, sendo que os dois grupos realizados, ambos foram constituídos por sete enfermeiros e três grupos focais no hospital público de ensino em fevereiro de 2013, sendo que o primeiro grupo foi constituído por cinco enfermeiros, o segundo por quatro enfermeiros e o terceiro por cinco enfermeiros. Vale ressaltar que cada grupo focal foi realizado na própria instituição hospitalar requerida, onde os grupos foram realizados consecutivamente e, os mesmos foram organizados de acordo com os períodos de trabalho, ou seja, plantão da manhã, tarde e noite, bem como a disponibilidade de cada enfermeiro para participar dos grupos focais.

É notório enfatizar que os participantes pertencentes a cada grupo focal foram identificados pela letra E de enfermeiro e, receberam uma numeração em algarismo arábico sequencial, garantindo-se, assim, o anonimato das falas. Desse modo, foram referenciados de E1 a E32.

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade Federal de Alfenas (Unifal-MG), Parecer nº 139.518 em 05/11/2012, CAAE 08899312.8.0000.5142. Os enfermeiros assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), conforme preconiza a Resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS) 466/126.

Para a análise dos dados utilizou-se a técnica de análise de conteúdo proposta por Minayo7, constituindo-se de três fases básicas: a pré-análise, a exploração do material e o tratamento dos resultados. A pré-análise é considerada a fase organizativa do estudo com o primeiro passo, em organizar os dados coletados nos grupos focais, realizados com os participantes do estudo, precedendo à transcrição dos gravadores digitais, respeitando os discursos na íntegra.

A fase nomeada exploração do material é a análise propriamente dita, tratando-se de um momento amplo do estudo, já que o mesmo requer um movimento de ir e vir dos discursos no intuito de explorar com profundidade o material disponível.

A fase denominada tratamento dos resultados consente ao pesquisador propor inferências e realizar posteriores interpretações prenunciadas no quadro teórico, vislumbrando novas frentes, servindo de base para outra análise, aludida pela leitura do material para novas dimensões teóricas, realizada pelo método da Hermenêutica-Dialética.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Para melhor enfatizar o entendimento da categoria empírica do estudo, fez-se a caracterização dos participantes, ressaltando que todos os enfermeiros são responsáveis por unidades de setores de pequena, média e grande complexidade. Dentre esses, predominou o sexo feminino, com faixa etária entre 20 a 40 anos. Destarte, os dados mostraram profissionais com algum tipo de Pós-Graduação Lato Sensu e somente uma enfermeira possuía Pós-Graduação Stricto Sensu. O tempo de serviço variou desde um ano até 25 anos de profissão, dez desses enfermeiros foram graduados por instituições públicas e 22 por instituições privadas.

Em relação aos 32 enfermeiros participantes do estudo, dez foram técnicos de enfermagem antes de concluírem a Graduação em Enfermagem; duas enfermeiras possuem mais de 20 anos de formadas; sete mais de 10 anos de formadas e, o restante 23 entre um a 10 anos de formados. Assim, dos dados qualitativos surgiram duas categorias "Facilidades para a SAE no cotidiano de trabalho do enfermeiro" e "Desafios para a SAE no cotidiano de trabalho do enfermeiro".

Facilidades para a SAE no cotidiano de trabalho do enfermeiro

Diante da evolução tecnológica, das constantes trocas de informações e demandas das instituições de saúde na tentativa de maximizar recursos, diminuir custos e melhorar a qualidade da assistência, têm se exigido cada vez mais da enfermagem o aperfeiçoamento dos serviços, o planejamento e a operacionalização dos cuidados, reforçando a necessidade incontestável de se adotar e consolidar a SAE8,9.

A melhoria na excelência da qualidade da assistência de enfermagem tem conformado uma necessidade de modificar a prática e o papel do profissional enfermeiro no sentido de imprimir uma nova característica à sua atuação10. Dessa forma, apesar de não conseguir implementar a SAE no cotidiano de trabalho, o enfermeiro tem consciência que por meio da mesma direciona o planejamento e a organização das atividades assistenciais e das funções dos membros da equipe de enfermagem, o que é observado na fala a seguir:

[...] com a sistematização você fica mais independente porque se está implantado, se tem um protocolo da sistematização, acho que te deixa mais livre para você estar fazendo mais alguma coisa pelo paciente e não tendo a sistematização, não tendo esse protocolo [...] você depende do médico, você fica muito mais amarrado. (E06).

Desse modo, o enfermeiro assume também o compromisso de envolver toda a equipe de enfermagem, mostrando sempre a importância da sistematização do cuidado, para a sensibilização e participação ativa dos gestores. Contudo, apesar das dificuldades relacionadas ao processo de implantação da SAE do ponto de vista gerencial, observa-se uma valorização por parte dos enfermeiros quanto à necessidade de sistematizar o cuidado, funcionando como um fator incentivador e uma preocupação não apenas em dedicar-se à execução das atividades na garantia assistencial, como também nos benefícios que a sistematização pode oferecer ao cliente e ao profissional de enfermagem9.

[...] acho que tem que ter, porque é um instrumento para qualificar o trabalho da enfermagem. (E03).

[...] não tem jeito de trabalhar sem a sistematização, porque você faz isso automático, qualquer coisa que você vai fazer com o paciente está dentro da sistematização [...] (E06).

[...] a gente acha que a sistematização vai melhorar ainda mais, a gente tem muita coisa para melhorar, mas assim, um pouquinho que a gente implementa a gente vê que consegue ter resultado satisfatório. (E20).

Contudo, é notório enfatizar, neste estudo, que os enfermeiros por não terem a SAE concretizada acabam realizando suas ações de acordo com as prioridades do seu processo de trabalho.

[...] a gente vai por prioridade de gravidade, um setor muito dinâmico, a gente não tem a sistematização, a gente acolhe pacientes de ambulatório e acolhe pacientes mais graves, logicamente que a gente dá prioridade para os mais graves e a gente [...] atende de acordo com o nível de gravidade. (E03).

Observa-se nas instituições de saúde, especialmente no hospital, onde há um grande contingente de profissionais de enfermagem, constante preocupação de oferecer assistência de qualidade na enfermagem utilizando-se a ferramenta SAE, a qual deve facilitar o processo de trabalho do enfermeiro, bem como gerar resultados positivos não apenas para a organização, como também, que atenda às necessidades dos clientes e seus familiares. No entanto, a gerência do cuidado e do serviço de enfermagem envolvem ações de complexidade, requerendo conhecimentos na aquisição de novas ferramentas que é um fator preponderante na definição da práxis do profissional11.

Desafios para a SAE no cotidiano de trabalho do enfermeiro

A SAE vem sendo implantada há décadas no Brasil, com a Teoria das Necessidades Humanas Básicas12. Contudo, somente após o advento da legalização, é que passou a ser exigida dentro das instituições de saúde brasileiras. Apesar disso, atualmente, ainda percebe-se que essa resolução por si só não oferece todo o apoio necessário para sua implantação, uma vez que muitos fatores desencadeiam dificuldades práticas no processo de implantação desse instrumento de assistência9.

[...] eu percebia muitas vezes que era uma exigência legal que tinha que ser cumprida [...] (E04).

Eu acho que a gente sempre fez, agora que a palavra está no auge, é sistematização, a gente sempre fez, mas nunca soube colocar isso como que se fosse hoje a sistematização [...] a gente sempre fez desde muito antes, antes de ouvir falar em sistematização [...] (E15).

A gente consegue fazer alguma coisa, a gente já faz muita coisa, só que a gente não põe no papel essas coisas, [...] e não tem como você comprovar que você fez aquilo... a comprovação que você fez, que você escreveu, não tem. A gente não sabe como pôr, a gente não sabe como provar [...] que você fez tudo aquilo. (E18).

Esses apontamentos trazem à tona um dos grandes problemas evidenciados nesta investigação: a deficiência dos registros do enfermeiro em relação a SAE. Percebeu-se que a falta de registro, ou seja, o não colocar no papel, torna-se a SAE informal atrapalhando sua implementação. Diante disso, a não realização satisfatória do registro de enfermagem torna a SAE incompleta e inoperante, revelando uma contradição entre o que é dito e o que é praticado4.

Dessa forma, percebeu-se pelos depoimentos dos enfermeiros uma dificuldade de sistematizar a assistência de maneira correta:

Então eu acredito que informalmente a gente tem uma sistematização que muitas vezes não são escritas ou descritas, mas a gente tem uma organização de trabalho, principalmente quando a gente pega o plantão... então... a gente tem ações a serem executadas [...] (E01).

[...] a sistematização da assistência aqui [...] pelo que eu vejo [...] está bem informal, é feita automaticamente, mas sem registro de nada [...] Então, eu acho que precisa ter uma formalização, porque tudo que é informal fica assim, um jogando para o outro. Acho que quando a instituição se propõe a fazer alguma coisa, ela tem que formalizar [...] aí tem um processo que a gente pode fazer... mas a partir do momento que não colocou no papel, ah! [...] aí não adianta, não funciona mesmo. (E06).

[...] não é uma sistematização escrita, formalizada, mas já é uma rotina, uma sequência de trabalho que acaba saindo de forma estruturada. (E11).

 Para os enfermeiros participantes do estudo, o pouco ou nenhum registro sistemático da SAE pode resultar, por um lado, em ausência de visibilidade e de reconhecimento profissional; por outro, o que é talvez mais sério, em ausência ou dificuldade de avaliação de sua prática13. Diante disso, a falta de um protocolo, impresso e/ou papel fica evidenciada como um entrave no cotidiano do enfermeiro.

Como se diz, não segue um ritmo, não tem um protocolo [...] a gente não tem o ritmo ainda, a gente não tem um registro assim... a gente só observa, depois vai lá ver se teve resultados ou não, é mais direto, não tem o roteiro propriamente dito. (E07).

[...] ainda não tem nada que formalize, mas você pode estar fazendo a prescrição para o técnico estar seguindo [...] só que não tem nada formalizado [...] (E09).

[...] as cobranças estão no papel, é papel, eles cobram é o papel [...] porque uma vez o pessoal da Vigilância falou: Olha! [...] que vocês fazem tudo a gente sabe, mas não tem como provar. Não tem nada de registro a não ser lá na prescrição aonde vocês colocam ok, o horário que checou ou o relatório de enfermagem se tiver [...] mas tem algumas coisas que tem que ser registrado [...] (E15).

Acrescenta-se que, quanto maior o número de demandas afetadas do paciente, maior é a necessidade de se planejar a assistência, já que a sistematização das ações visa o planejamento e a organização, a eficiência e a validade da assistência prestada14. O que se pode constatar nos depoimentos dos enfermeiros:

[...] a gente tem retornos a serem recebidos, então a gente pega o plantão e a gente define quais são as prioridades. Então, dessas prioridades a gente vê se tem algum paciente que requer algum cuidado especial [...] se a gente tem alguma pendência [...] a gente já toma aquilo como prioridade a ser resolvida... na nossa rotina de trabalho, a gente sistematiza por prioridades que devem ser feitas [...] (E01).

[...] eu acho que o que falta agora é essa [...] um pouco mais de nós termos essa possibilidade de estar proporcionando para o paciente uma qualidade melhor na assistência que é a sistematização [...] (E15).

A SAE é o planejamento das ações, as quais são baseadas no desenvolvimento de metas e resultados, bem como a de um plano de cuidado destinado a assistir o paciente na resolução dos problemas diagnosticados e atingir as metas identificadas e os resultados esperados14. O que é referenciado pelos enfermeiros participantes do estudo:

[...] eu punciono veia, eu faço curativo e quando o enfermeiro tem essa visão da sistematização, tem essa visão de aplicar o planejamento, entra para executar uma tarefa, eu acredito que as coisas tem um retorno mais rápido [...] (E01).

Só de você chegar, a primeira coisa é você programar o que você vai fazer com o paciente [...] (E14).

[...] eu vejo que a questão de planejamento também é uma questão muito séria, a gente se perde, por exemplo, questão de indicador, quando o pessoal da Vigilância vem, eles querem que você trabalhe um monte de coisa, de repente aquilo lá não é necessidade do meu setor e cada setor tem sua particularidade [...] (E19).

[...] meu dia a dia, eu pego o plantão é [...] começa a assistência ali mesmo, como eu vou avaliando os prontuários, as medicações que vão ser feitas e vou acompanhando lado a lado aos técnicos, vou até os quartos [...] executando juntamente com elas. (E30).

Desse modo, implantar a SAE, atualmente, é considerado como um desafio, principalmente, no que diz respeito à gerência da assistência, uma vez que em uma realidade complexa, multifacetada e multidimensional, exige do enfermeiro empenho e criatividade na elaboração e execução de estratégias inovadoras e participativas, além de manter condições favoráveis ao processo de adoção da mesma, envolvendo questões políticas e econômicas para a acreditação hospitalar12. Esse fato é referenciado pelos enfermeiros, uma vez que mesmo não tendo a SAE estruturada, eles criam um meio de implementar esse instrumento, porém de forma fragmentada:

[...] existe uma demanda muito grande assistencial e é um enfermeiro por setor, então elas até tentam, não é aquela sistematização conforme está no papel, mas adaptada a nossa realidade [...] (E23).

[...] a gente não tem ainda sistematização [...] falar verdade a gente tem assim, um checklist, seria o levantamento de problemas e a nossa evolução, mas é uma coisa muito assim, precária [...] (E27).

Os profissionais apontam a ausência de capacitação como uma das limitações para a implantação e execução da SAE, sendo a falta de conhecimento do enfermeiro o principal motivo do descompromisso em algumas instituições de saúde e da ausência em outras, ao passo que esse desconhecimento gera desinteresse e a falta de adesão do método assistencial15.

[...] antes de você executar você já espera se tem o retorno, que é o que a sistematização nos garante, se você executar assim, o seu retorno vai ser mais rápido [...] (E01).

[...] nós estamos bem animados para implantar a sistematização de enfermagem... (E32).

Vale ressaltar que durante a realização da SAE muitos enfermeiros se deparam com diversos fatores cruciais na sua implantação, necessitando de uma adequação da mesma à realidade do momento e da instituição de saúde, uma vez que muitas apresentam problemas administrativos e assistenciais, principalmente, nas organizações públicas, sendo consideradas como entraves na melhoria da qualidade assistencial9.

Com isso, trata-se do conhecimento do enfermeiro, bem como da capacitação da equipe de enfermagem para a aplicação da SAE dentro da própria instituição, isso porque, os enfermeiros são formados em diversas escolas e essas os ensinam de forma distinta. Além disso, é preciso habilitar os enfermeiros em relação às especificidades dessa metodologia no contexto institucional12. Esse fato ficou confirmado no depoimento do enfermeiro E07:

[...] porque a sistematização é feita em cinco fases, não lembro bem as cinco, porque já faz um tempinho, rsrsrsrs [...] ela é dividida em cinco fases, implementação, coleta de dados, na ordem eu não lembro, depois você tem que estudar onde você está errando para tentar melhorar [...].

Uma questão apontada ainda, por um dos enfermeiros, relacionada a não operacionalização da SAE foi à falta de um ambiente para as informações acerca da passagem de plantão:

[...] eu acho que o primeiro defeito daqui, nós não termos um ambiente aonde é passado o plantão, eu acho que a passagem de plantão é preciso de uma sala reservada, um local destinado a isso, aonde você tem calma, você tem sossego [...] (E27).

 No entanto, apesar de na literatura a estrutura física ser pouco citada para a operacionalização da SAE, sua análise é indispensável quando se pretende implantá-la. O exemplo desse fato é que a existência de uma sala privativa para trocas de informações sobre o plantão pode significar um espaço para os profissionais se expressarem livremente, contribuindo para definir as ações de enfermagem que se colocarão em prática por meio da SAE12.

Contudo, o fator tempo também se constitui como um dos recursos fundamentais de uma organização e, sua gestão contribui para a melhoria nos desempenhos individuais e coletivos na produtividade. Surge, assim, a necessidade de moldar ferramentas nas ações da enfermagem de acordo com cada instituição, inserindo softwares facilitadores no andamento das atividades, tentando suprir essas limitações16.

Ao abordar a SAE, por meio do prontuário eletrônico, subentende-se que os registros de enfermagem permeiam todas as suas fases, devendo ser anotadas no prontuário do paciente as informações completas, desde o histórico, o exame físico, os diagnósticos de enfermagem, a prescrição da assistência, até a evolução/avaliação de enfermagem17.

Entretanto, deve acrescentar que, afora as vantagens do prontuário eletrônico para a SAE, o enfermeiro, ainda percebe que o mesmo traz muitos entraves no registro das atividades de enfermagem. No entanto, percebe-se que, na prática, a SAE ainda está longe de ser implementada com propriedade em sua totalidade, uma vez que a realização sistematizada de registros, que é imprescindível para sua consolidação, não é ainda uma rotina no trabalho do enfermeiro, em muitas instituições17.

[...] documentado mesmo a gente não tem, tem o relatório de enfermagem, assim de falar que é da gente enfermeiro, a gente pega escreve o que a gente faz, todo dia [...] (E18).

[...] nós temos muito problema com o prontuário eletrônico. É a questão do tanto de prescrição que às vezes tem que ficar atento [...] (E28).

[...] ao registrar no papel fica mais difícil de colocar mesmo, aí para executar é mais, que é a assistência ali propriamente dita. No papel fica mais um pouco a desejar. (E30).

Diante disso, acredita-se na viabilidade do registro eletrônico de enfermagem como instrumento de organização do trabalho dos enfermeiros e sua equipe, inclusive na documentação de todas as etapas da SAE, porém, é necessário, primeiramente, que os profissionais de enfermagem comunguem dessa afirmativa, para, então, torná-la uma utopia ou uma proposta concreta na prática assistencial17.

Percebe-se que os enfermeiros ainda deparam com muitos obstáculos referentes aos registros de enfermagem para não realização efetiva da SAE.

[...] às vezes, tem gente que acha que relatório de enfermagem nem é documento, eu já vi médico que nunca nem leu. (E15).

[...] a questão do relatório de enfermagem teve uma época que estava meio ruim... tinha muita informação repetida, colocava coisa que não tinha tanta importância, deixava as que tinha importância, a gente foi conseguindo corrigir isso, não está perfeito, mas melhorou bastante. (E26).

Nesse sentido, é importante questionar como a equipe de enfermagem percebe seus registros para a efetivação da SAE, que somente será uma prática efetiva se for discutida e defendida pela própria categoria profissional17. Tal fato dificulta sobremaneira a comunicação entre os profissionais de enfermagem, o que é apreendido pelo enfermeiro E09:

[...] mesmo no prontuário de papel o funcionário não escreve direito, querendo ou não é pobre, tem cinco linhinhas lá a noite inteira, não faz nada.

Cabe destacar que as atividades dos enfermeiros são divididas por turno de trabalho e a comunicação entre as equipes dos distintos turnos ocorre, na realidade hospitalar, por meio do livro de ocorrências, que, frequentemente, substitui a passagem de plantão e, também, na maioria das vezes, os registros nos prontuários dos pacientes e outras formas legais de informação e comunicação17. Para os enfermeiros participantes do estudo, o registro do plantão no livro de intercorrências é imprescindível para o respaldo profissional.

Eu acho que caderno é importante para você fazer a passagem de plantão, porque ele vai estar ali de qualquer forma, você está registrando ali [...] no meu plantão o povo acha até que eu escrevo demais naqueles cadernos de passagem de plantão, mas muitas das coisas que acontece no dia a dia, eu registro naquele caderno. Se for para ser só intercorrência naquele caderno, se vai servir para alguém um dia, não sei, mas que está registrado ali está. (E12).

Eu gosto de registrar tudo, às vezes minha ata é enorme, eu acho que é o respaldo que você tem ali, eu gosto de anotar quase tudo, eu gosto de escrever bastante coisa. (E31).

Observa-se pelas falas dos enfermeiros que existe a consciência da importância dos registros de enfermagem como um respaldo legal, em que o COFEN, a partir da Resolução n. 308/2009, estabelece a SAE como uma de suas atividades privativas, devendo ocorrer em toda instituição de saúde pública ou privada. Este dever é reconhecido em sua legalidade e importância, apesar de não ser cumprido por alguns dos enfermeiros entrevistados17,18.

[...] você acaba se perdendo com esse tanto de papel e é muito burocrático, você tem muito caderno, muita burocracia, a gente tenta tirar algumas coisas, mas outras não têm jeito, você preenche caderno por caderno e o paciente? É muito burocrático, você não dá conta... então, assim, é muita coisa de caderno, é muita burocracia. (E18).

Diante desses apontamentos não sistematizados, é imprescindível que o enfermeiro se aproprie dos instrumentos gerenciais para transformar o processo de cuidar que ao considerar que gerenciar a assistência é, entre outras coisas, organizar o cuidado, estão construindo uma relação entre a SAE e a própria gerência do cuidado4.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As instituições hospitalares apresentam características específicas no que diz respeito às facilidades e desafios para a operacionalização da SAE, as quais devem ser analisadas pelos enfermeiros, a fim de que este instrumento assistencial seja implementado com conhecimento da situação real e com metas possíveis de serem alcançadas.

O fluxo dos depoimentos apreendidos peregrinou para vislumbrar os cenários do cotidiano do enfermeiro em que ainda ocorre uma fragmentação no seu processo de trabalho, onde este profissional por tantos motivos não concretiza a SAE de forma sistematizada e individualizada.

Assim, é notório enfatizar que na realidade das instituições hospitalares pesquisadas, por meio dos grupos focais, foram pontuadas várias situações em que, às vezes, o profissional deixa de exercer suas ações, por conta do que lhe é imposto diante das mudanças e transformações globais.

Nesse sentido, fazendo uma articulação dos resultados, pode-se notar que existem mais desafios do que facilidades que perpassam no cotidiano do enfermeiro frente à operacionalização da SAE, tais como: implementar a SAE de maneira correta, a falta de impressos, protocolos, escassez de enfermeiros, o que gera a falta de tempo, a ausência de conhecimento, ou seja, a não capacitação dos profissionais, a falta de um ambiente para a passagem dos plantões, bem como os registros de enfermagem incompletos.

Contudo, todos os participantes reconhecem a importância da SAE para uma assistência individualizada e qualificada, porém, esses entraves citados deixa o enfermeiro de mãos atadas, não tendo o respaldo necessário para implementá-la. Dessa forma, pelos discursos dos enfermeiros é notório enfatizar que os mesmos tem se esforçado para a implantação da SAE na instituição de atuação.

No entanto, o sucesso da operacionalização da SAE se dá por meio de um desenvolvimento mútuo, em que as pessoas são valorizadas pela organização na medida em que contribuem efetivamente para o seu desenvolvimento, assim como, as organizações são valorizadas pelas pessoas na medida em que lhes oferecem condições concretas para o seu crescimento.

Por fim, cabe destacar que nada adianta utilizar a SAE como receita de bolo, mas sim adequá-la de acordo com a realidade de cada instituição, sendo preciso verificar o número do pessoal de enfermagem proporcional ao número de leitos do hospital, contemplando à resistência por parte de alguns enfermeiros que recusam a SAE como respaldo legal da profissão, quebrando o tabu de que esse instrumento veio para somar e avigorar a autonomia do profissional.

REFERÊNCIAS

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