ISSN (on-line): 2177-9465
ISSN (impressa): 1414-8145
Escola Anna Nery Revista de Enfermagem Escola Anna Nery Revista de Enfermagem
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SCIELO
REDALYC
MCTI
Ministério da Educação
CAPES

Volume 18, Número 3, Jul/Set - 2014



DOI: 10.5935/1414-8145.20140067

PESQUISA

Levantamento de recursos e necessidades de enfermagem no Brasil: estratégias para realização

Daniela Vieira Malta 1
Tânia Cristina Franco Santos 1
Laís de Araújo Pereira 1
Maria da Luz Barbosa Gomes 1
Gertrudes Teixeira Lopes 2
Alexandre Barbosa de Oliveira 1


1 Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro - RJ, Brasil
2 Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro - RJ, Brasil

Recebido em 18/02/2013
Reapresentado em 27/11/2013
Aprovado em 17/03/2014

Autor correspondente:
Daniela Vieira Malta
E-mail: danimaltavix@hotmail.com

RESUMO

OBJETIVO: Descrever as providências preliminares para viabilização do Levantamento e analisar as estratégias utilizadas pelas enfermeiras envolvidas com vistas à realização do Levantamento.
MÉTODOS: Estudo histórico-social, onde as fontes utilizadas foram documentos escritos localizados no Centro de Documentação da Escola de Enfermagem Anna Nery da Universidade Federal do Rio de Janeiro e no Centro de Memória da Associação Brasileira de Enfermagem.
RESULTADOS: O recorte temporal compreende os anos entre 1954 e 1958, abrangendo assim o período de planejamento e execução do referi o Levantamento pela Associação Brasileira de Enfermagem. A partir do VII Congresso Brasileiro de Enfermagem, em 1954 até a entrega do Relatório Final da pesquisa em 1958, as enfermeiras envolvidas no Levantamento, através da Associação, tiveram que desenvolver estratégias para viabilizar e concluir essa pesquisa.
CONCLUSÃO: Nessa perspectiva, os diversos tipos de capital (econômico, social e simbólico) que conseguiu acumular e mobilizar ao seu favor mostrou-se como estratégia eficaz durante a realização do Levantamento.


Palavras-chave: História; História da Enfermagem; Memória; Pesquisa em Enfermagem.

INTRODUÇÃO

O estudo tem como objeto as estratégias da Associação Brasileira de Enfermagem (ABEn) para realização do Levantamento de Recursos e Necessidades de Enfermagem no Brasil. O recorte temporal compreende os anos entre 1954 e 1958, abrangendo assim o período de planejamento e execução do referido Levantamento.

A ABEn, entidade responsável pela realização do Levantamento de Recursos e Necessidades de Enfermagem no Brasil foi criada em 12 de agosto de 1926, por um grupo de enfermeiras, ex-alunas da Escola de Enfermagem Anna Nery (EEAN) no intuito de concretizar a ideia de que para uma profissão progredir, precisava de uma associação e uma revista1. Desde então, a ABEn constitui-se, talvez, no maior patrimônio da enfermagem brasileira, postando-se à frente de todos importantes acontecimentos e lutas que marcaram a profissão2.

A formalização do compromisso de realizar o Levantamento de Recursos e Necessidades de Enfermagem no Brasil ocorreu durante o VII Congresso Brasileiro de Enfermagem (CBEn), na época denominado Congresso Nacional de Enfermagem, realizado em agosto de 1954, na cidade de São Paulo (Presidente Glete de Alcântara, Gestão 1952-1954) que dentre outros assuntos se discutiu a necessidade de realizar um estudo das necessidades de enfermagem no Brasil. A partir desse congresso, a ABEn passou a desenvolver estratégias para conseguir recursos financeiros e humanos, com vistas à concretização do estudo.

A justificativa da ABEn para realizar um estudo de âmbito nacional como o Levantamento de Recursos e Necessidades de Enfermagem no Brasil teve apoio em vários argumentos, entre os quais se destacam os seguintes: a necessidade de atender aos vários pedidos de informação direcionados à Associação, no sentido de conhecer o número exato de enfermeiros existentes no Brasil e conhecer melhor a situação da enfermagem nos seus diferentes aspectos, de forma a dispor de informações que possibilitassem recomendar medidas para corrigir as deficiências quantitativas e qualitativas do campo da enfermagem3.

Era indispensável saber as necessidades do país em relação ao preparo dos profissionais de enfermagem; a possibilidade de absorção de profissionais de enfermagem no futuro próximo; o recurso necessário à formação desses profissionais; e as razões da atitude indiferente da sociedade para com a enfermagem e ainda como vencer essa atitude3. A ABEn reconhecia a importância desses dados para o desenvolvimento da profissão, mediante a possibilidade de utilizá-los como argumentos para discutir com os legisladores, governantes, pessoas autorizadas e as próprias enfermeiras.

Desde o VII CBEn, quando a ABEn comprometeu-se publicamente a realizar o Levantamento, até a entrega do relatório final da pesquisa, em outubro de 1958, as enfermeiras envolvidas no Levantamento, através da Associação, tiveram que desenvolver estratégias para viabilizar e concluir essa pesquisa. Diante dessa problemática, foram traçados os seguintes objetivos: descrever as providências preliminares para viabilização do Levantamento e analisar as estratégias utilizadas pelas enfermeiras envolvidas no projeto com vistas à realização do Levantamento de Recursos e Necessidades de Enfermagem no Brasil.

O estudo se justifica por sua contribuição à história da enfermagem brasileira e ao avanço do conhecimento produzido sobre o tema. O referido Levantamento veio a se constituir em um marco da pesquisa em enfermagem no Brasil, consagrando uma "geração das enfermeiras autodidatas"4, pelo fato de terem sido precursoras de estudos científicos na área da enfermagem, com grandes números. Ademais, não obstante a importância do Levantamento de Recursos e Necessidades de Enfermagem no Brasil, os estudos históricos publicados mais recentemente fazem poucas menções ao Levantamento, cuja divulgação à época de sua conclusão também foi prejudicada, devido ao número restrito de exemplares do Relatório Final5. Do ponto de vista social, a relevância do estudo consiste na possibilidade de ratificar a importância da ABEn para o desenvolvimento da profissão, bem como sua contribuição à história, como lugar de memória da enfermagem brasileira.

MÉTODO

Trata-se de um estudo de natureza histórico-social, onde as fontes primárias se constituem de edições da Revista Brasileira de Enfermagem (REBEn), referentes ao período de 1954 a 1958; duas entrevistas transcritas de Maria Rosa Sousa Pinheiro e Haydée Guanais Dourado, concedidas a Vitória Secaf e Raquel Rapone Gardizinsk, em 16 de maio de 1988, que fazem parte do arquivo intitulado "Criação de Fontes da História da Enfermagem"; Anais dos CBEn pertinentes ao recorte temporal do estudo. Essas fontes foram localizadas no Centro de Documentação da Escola de Enfermagem Anna Nery da Universidade Federal do Rio de Janeiro EEAN-UFRJ. O livro Levantamento de Recursos e Necessidades de Enfermagem no Brasil, editado pela ABEn, no ano de 1980; os Anais do Seminário Didático Internacional sobre Levantamentos de Enfermagem, de 1958; e o livro de atas das Reuniões do Conselho Diretor do Levantamento também serviram como fontes primárias para esse estudo e foram localizadas no Centro de Memória da ABEn em Brasília. As fontes secundárias constituídas de artigos, dissertações, teses e livros inerentes à temática do estudo, apoiaram a análise dos achados. O período de coleta de dados ocorreu entre outubro de 2010 a maio de 2012.

A análise dos dados, em consonância com o método histórico, comportou o levantamento dos dados, avaliação crítica dos mesmos e a análise consubstanciada pelo conhecimento produzido sobre o tema6. Além disso, o conceito de capital simbólico do sociólogo francês Pierre Bourdieu representou uma importante ferramenta analítica para o entendimento das estratégias empreendidas pelas enfermeiras responsáveis pela elaboração do Levantamento de Recursos e Necessidades de Enfermagem no Brasil para angariar capital (econômico, social e simbólico) eficiente à viabilização do projeto.

O conceito de capital, emprestado da economia, tem papel essencial para o pensamento de Pierre Bourdieu. No que se refere ao conceito de capital social, esse é entendido por Bourdieu como o conjunto de relações sociais que as pessoas desenvolvem em determinados espaços sociais, onde são estabelecidas relações nas quais as posições dos agentes determinam a forma das interações. Sobre o capital simbólico, este diz respeito ao prestígio ou boa reputação que um indivíduo ou instituição possui num campo específico ou na sociedade em geral7. Esse conceito se refere, em outras palavras, ao reconhecimento obtido pelos indivíduos ou instituições.

O projeto que deu origem ao presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da EEAN-Hospital São Francisco de Assis (Protocolo 063-2011), em 27 de setembro de 2011.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Busca de recursos humanos e financeiros para viabilização do Levantamento de Recursos e Necessidades de Enfermagem no Brasil

O VII CBEn constituiu espaço de decisões importantes que resultaram nas primeiras ações em prol da realização do Levantamento. Ao final do evento, no que interessa a esse estudo, foram aprovadas duas propostas de recomendação à ABEn: "Manter seu cadastro de enfermeiras e seu arquivo de informações sobre o ensino e o exercício de enfermagem sempre atualizado; estudar as necessidades de enfermagem no país e os níveis de formação profissional para fazer frente às necessidades"8:319.

A publicidade dessas recomendações, à vista de todos, detém a magia de consagrar e ratificar socialmente o compromisso com o desenvolvimento da profissão, sendo assim, a partir do VII CBEn, com a enfermeira Maria Rosa Sousa Pinheiro na presidência da ABEn, foram tomadas as primeiras providências com vistas a busca de recursos financeiros e o apoio de outras instituições para realização do Levantamento, uma vez que a Associação tinha consciência que esse estudo só seria viável com o apoio e parceria.

Sobre a necessidade de buscar recursos para viabilização do Levantamento, é esclarecedor o trecho da entrevista de Maria Rosa Sousa Pinheiro:

(...) No Congresso de 54, acho que foi a Agnes Chagas que fez uma proposta de fazer um Levantamento, fazer, no Brasil um Levantamento de Recursos e Necessidades de Enfermagem. Eu que tinha acabado de ser eleita presidente, e que estava presidindo a sessão de recomendações, protestei. Disse: nós não temos meios para fazer um levantamento no Brasil inteiro... mas não adiantou o protesto, e foi votado, e eu fiquei com essa tarefa imensa! Então fomos Haydée e eu, fomos no Ministério da Educação, no Ministério da Saúde, pedimos ao SESP, mas ninguém tinha recursos para dar (...)9:7.

As primeiras solicitações formais em busca de apoio foram endereçadas ao secretário geral da Comissão Nacional de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), em outubro de 1954 e ao representante da Organização Mundial de Saúde (OMS), no Rio de Janeiro, em fevereiro de 1955. As solicitações, apesar de terem sido apreciadas pela CAPES e pela OMS, que reconheceram sua importância, não puderam ser atendidas. No entanto, a OMS, deu conhecimento do pedido ao representante da Fundação Rockfeller, no Brasil. Maria Rosa, ao saber que a Fundação Rockfeller demonstrara interesse em apoiar, tratou de enviar correspondência ao seu representante, em julho de 1955, discorrendo sobre o significado de tal estudo para a enfermagem brasileira. A partir daí, a Fundação se comprometeu a financiar a Pesquisa1.

Sobre o apoio financeiro concedido pela Fundação Rockfeller para o Levantamento, Maria Rosa Sousa Pinheiro, declarou o seguinte:

Um dia eu estava no meu escritório no SESP e chegou um representante da Fundação Rockfeller no Brasil, e disse: Miss Pinheiro, eu sei que a senhora tem que fazer um Levantamento de Recursos e Necessidades de Enfermagem; eu disse; tenho. Ele disse: vim oferecer dinheiro da Fundação Rockfeller. Esse dinheiro caiu do céu... Deu 30 mil dólares e cedeu salas da Fundação Rockfeller que era pertinho dos SESP, ali no Castelo, para o pessoal que fosse trabalhar. Nós começamos a trabalhar9:7.

Uma oferta dessa monta de iniciativa da Fundação Rockfeller evidencia o crédito simbólico da ABEn e a da enfermagem brasileira, perante uma instituição internacional e denota o peso e o volume do capital simbólico da Associação. Esse apoio expressa o reconhecimento social obtido pela ABEn e agrega valor ao capital simbólico da entidade, perante a enfermagem brasileira.

Tanto assim, que a partir do financiamento da Fundação Rockfeller, outras instituições decidiram cooperar, evidenciando que a chancela da Fundação agregou lucros simbólicos ao projeto da ABEn. Com esse respaldo, o Levantamento de Recursos e Necessidades de Enfermagem no Brasil, contou com a assessoria técnica da OMS e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), além da colaboração de outras importantes instituições públicas e particulares, civis e religiosas1. Dessa forma, através desses apoios foi possível efetivar as primeiras estratégias para realizar o Levantamento de Recursos e Necessidades de Enfermagem no Brasil.

Estratégias das enfermeiras envolvidas no projeto em prol da realização do Levantamento de Recursos e Necessidades de Enfermagem no Brasil

A primeira estratégia com vista a formalizar o início do Levantamento de Recursos e Necessidades de Enfermagem no Brasil foi uma reunião realizada no dia 8 de julho de 1955, na sala da superintendência do Serviço Especial de Saúde Pública (SESP). A convocação da mesma emanou da enfermeira Agnes Chagas, então chefe do Serviço de Enfermagem da Repartição Sanitária Panamericana - OMS, que estava no país, especialmente, para trabalhar no projeto1.

Essa primeira reunião teve como finalidade estabelecer o tipo de participação e as responsabilidades das instituições, que haviam se comprometido com a ABEn em apoiar a realização do Levantamento de Recursos e Necessidades de Enfermagem no Brasil. O evento contou com a presença do Dr. Ernani Braga, representando a Fundação Rockfeller; Dr. Henrique M. Penido, superintendente do SESP; a enfermeira Agnes W. Chagas, representando a OMS; as enfermeiras Maria Rosa Sousa Pinheiro e Haydée Guanais Dourado, presidente e vice-presidente da ABEn, respectivamente10.

A necessidade de formalizar coletivamente a participação das entidades dispostas a apoiar o Levantamento demonstra a preocupação das enfermeiras da ABEn em assegurar tal suporte, condição imprescindível para a realização do mesmo. Nessa reunião, também se discutiu a conveniência de criar um Conselho Diretor do Levantamento; um plano de utilização dos recursos financeiros oriundos da Fundação Rockfeller e a definição de um responsável pelo Levantamento.

O Conselho Diretor do Levantamento foi designado como órgão de deliberação máxima. Abarcou nove instituições e dez membros. Representando a ABEn estavam Maria Rosa Sousa Pinheiro e Haydeé Guanais Dourado; Dr. Ernani Braga representando a Fundação Rockfeller; Anísio Teixeira representando a CAPES; Isaura Barbosa Lima representando o Ministério da Saúde (MS); Nair Fortes representando o Ministério da Educação e da Cultura (MEC); Luíz Timóteo da Costa representando o IBGE; Henrique Maia Penido representando o SESP; Dr. Kenneth Courtney representando a OMS através da Repartição Sanitária Pannamericana e por fim Fabrício Gomdim representando o Ministério do Trabalho (MT)11.

No que tange ao planejamento da utilização dos recursos financeiros que seriam doados pela Fundação Rockfeller, em face da dificuldade de se estimar o custo total, foi deliberado que a Fundação faria a liberação da verba de forma gradual. Sendo assim, o custo total de recursos financeiros do Levantamento foi de 40 mil dólares, doados em duas parcelas: a primeira de 10 mil dólares, em 1956, e a segunda, de 30 mil dólares em 19571.

No intuito de tornar público a efetivação da ideia e o apoio recebido, a Seção de Notícias e Comentários da REBEn, publicou a primeira notícia a respeito do Levantamento em sua edição de março de 1956:

Está em fase preparatória o trabalho inicial dos inquéritos sobre enfermagem. Como primeira providência, foi instalado o Centro de Levantamento de Necessidades e Recursos de Enfermagem, estabelecido, graças ao oferecimento da Fundação Rockfeller, em sua própria sede. (...) As Sras. Zilda Carvalho Hughes e Haydée Guanais Dourado, em regime de tempo integral, dedicam-se a esse grande empreendimento da ABEn. A Sra. Maria Palmiro Tito de Moraes, da OMS - Repartição Sanitária Panamerica, chegada ao Brasil em março... é um dos assessores do Levantamento. A Sra. Maria Rosa, Presidente da Comissão Executiva... esteve na cidade em março a convite da Fundação Rockfeller, a fim de tomar parte em deliberações preliminares, juntamente com outras autoridades, que cooperam com o Levantamento. Tem, mensalmente, reuniões ora no Rio de janeiro, ora em São Paulo, acertando as medidas principais. A presidente também noticiou em primeira mão... que a associação obteve uma doação da Fundação Rockfeller para esse importante estudo que nos deverá revelar o estado atual da enfermagem. Todas as seções da ABEn e por intermédio, todos os seus associados deverão tomar parte nos trabalhos. É, pois, de interesse comparecerem às reuniões mensais das Seções, para aí terem comunicação do assunto. A Revista Brasileira de Enfermagem igualmente noticiará o andamento dos trabalhos12:46.

Como se observa, a notícia veiculada na REBEn sobre o Levantamento, abordou, de forma panorâmica, as primeiras providências realizadas pela ABEn; as enfermeiras envolvidas na fase inicial da pesquisa, bem como os cargos por elas ocupados. Ademais, os nomes registrados no excerto do texto publicado evidencia que o apoio ao Levantamento foi realizado por agentes, cuja autoridade profissional era reconhecida no campo da enfermagem. O texto comunica o apoio financeiro da Fundação Rockfeller, bem como o compromisso da ABEn, de manter comunicação sobre o assunto, através das Seções Estaduais, de seus associados e da própria REBEn.

A respeito da divisão de tarefas, formulou-se um plano, de modo a estabelecer o trabalho em conjunto com os elementos envolvidos, distribuindo-os em comissões e conselhos, com a determinação de responsabilidades de cada qual. A ABEn foi designada como órgão responsável pelo desenvolvimento do projeto, cuja execução, propriamente, dita ficaria a cargo de um Centro de Levantamentos de Recursos e Necessidades de Enfermagem, criado especificamente para desempenhar essa função. Esse Centro foi dirigido por uma presidente, nesse caso, a presidente da ABEn, Maria Rosa Sousa Pinheiro e duas diretoras: Haydée Guanais Dourado e Zilda Carvalho Hughes até 1956 e por Maria de Lourdes Verderese, a partir de 1957. O cargo de coordenação geral do Levantamento ficou nas mãos de Haydeé Guanais Dourado, que se dedicou exclusivamente para esse fim12.

A Fundação Rockfeller e a OMS, através da Repartição Sanitária Panamericana, ficaram responsáveis por prestar assistência financeira e técnica, respectivamente. Subordinadas ao Centro de Levantamentos foram criadas duas seções: uma técnica e outra administrativa: a Seção Técnica foi composta exclusivamente por enfermeiras que deveriam se dedicar ao desenvolvimento do projeto em tempo integral6. Essa Comissão era responsável pela orientação geral do Levantamento; por providenciar o auxílio técnico; organizar e dirigir a coleta de dados; proceder à análise e interpretação dos dados; elaborar o relatório final e os planos de ação futura13. A Seção Administrativa, dirigida por Haydée, era composta por um assistente de divulgação e duas secretárias. Suas funções eram: propor a organização do Centro, coordenar os trabalhos, administrar o orçamento, desenvolver relações públicas e divulgação, inclusive em coordenação com os Conselhos14.

O Conselho Diretor, investido de autoridade administrativa, tinha a atribuição de administração dos trabalhos do Levantamento13. Suas funções incluíam: organizar o Conselho de Colaboradores; estabelecer e delimitar as áreas do problema a ser estudado; aprovar as normas e os planos de trabalho; fazer a revisão dos achados do Levantamento; considerar e adotar as recomendações finais; planejar a execução das recomendações; aprovar o relatório final e deliberar sobre qualquer outro assunto não especificado15. A Assessoria Técnica era composta de uma enfermeira consultora da OMS, Maria Palmira Tito de Morais, um estatístico, um sociólogo, um antropólogo, dois médicos sanitaristas e mais duas enfermeiras12.

O Conselho de Colaboradores tinha como funções: examinar o esquema geral do Levantamento; dar apoio e prestar assistência, na qualidade de colaboradores, em várias fases do desenvolvimento do trabalho; desenvolver ação no aspecto de divulgação e relações públicas; assistir na resolução de problemas; fazer sugestões quanto às recomendações a serem feitas e quanto aos meios e modos de dar execução às recomendações. Era composto por 79 pessoas influentes, os quais representavam diferentes setores, a saber: da enfermagem, da medicina, da educação, da estatística e da pesquisa social e da comunidade. Esses membros foram indicados pelo Conselho Diretor. A constituição desse Conselho não se baseou no critério da assistência em assuntos técnicos ou profissionais, mas na necessidade de conferir a cada um dos componentes uma orientação segura sobre a enfermagem brasileira e seus problemas13. Convidar pessoas influentes e representantes de setores profissionais diversificados foi mais uma estratégia das enfermeiras envolvidas para conferir visibilidade ao projeto.

Com as Comissões e Seções formadas e estabelecidas suas funções, era preciso tomar um ponto de partida. Para deliberar sobre as próximas ações, promoveram-se reuniões de todos os envolvidos, registrou-se o planejamento em ata, de modo a garantir o prosseguimento lógico dos trabalhos, com base nas resoluções e providências combinadas. Uma das primeiras iniciativas foi a delimitação do âmbito do estudo.

A determinação das áreas de investigação levou em conta os recursos materiais e de pessoal disponíveis e o fato de que, não raro, os problemas específicos assumem proporções mais exatas, quando examinados em conjunto, no contexto geral. Foi então decidido que o Levantamento teria âmbito nacional13. Foi elaborado pela Comissão Executiva do Centro, constituída pela Seção Técnica e Administrativa, um esquema para o Levantamento15. À medida que ocorriam as reuniões do Conselho Diretor, o esquema sofria as adaptações necessárias, sendo iniciada a coleta oficial dos dados em 19571.

O esquema abarcou cinco áreas: Enfermeiros em Atividade e Inativos; Enfermagem Hospitalar; Enfermagem de Saúde Pública; Escolas de Enfermagem e Escolas de Auxiliar de enfermagem. Os objetivos foram os seguintes: situar o desenvolvimento da enfermagem na estrutura socioeconômica e cultural do Brasil; conhecer o potencial humano de que dispunha a enfermagem em seus diferentes setores de atividade; determinar se o tipo de ensino ministrado nos cursos de enfermagem e de auxiliar e a produção quantitativa das escolas correspondiam às necessidades de enfermagem do país; conhecer as condições atuais e determinar às necessidades dos serviços de Enfermagem Hospitalar e de Saúde Pública1.

À medida que os dados eram coletados, veiculavam-se os resultados. Os trabalhos referentes às áreas de Enfermagem Hospitalar e de Saúde Pública, considerados os mais complexos, foram iniciados em agosto de 1957. No primeiro semestre desse ano, realizou-se o planejamento e elaboração minuciosa dos questionários e determinação das amostras para os estudos das duas áreas. Em continuidade, as quatro enfermeiras pesquisadoras de campo sob a coordenação de Olga Verderese, passaram a fazer a coleta dos dados nessas duas áreas, com previsão para terminá-la em dezembro do mesmo ano, o que só ocorreu em janeiro do ano seguinte1. Como exposto, essa parte da pesquisa foi a mais difícil de ser executada, principalmente, devido à extensão territorial do Brasil como indicado no trecho exposto a seguir:

"Dentre as muitas dificuldades que tivemos que enfrentar, uma referia-se às distâncias. Viajar pelo Brasil, em 1957, não era brincadeira. Utilizávamos, felizmente, o transporte aéreo que existia na ocasião, a REAL, que ia a quase todos os lugares do Brasil; onde houvesse um campinho, um DC 3 lá descia... Algumas vezes fazíamos o levantamento dos dados em conjunto, isto é, as três enfermeiras juntas; outras vezes íamos sozinhas. Eu por exemplo, fiz a região centro-oeste sozinha. A dificuldade era justamente chegar nos lugares que haviam caído na amostragem. Eu viajei de DC 3, ônibus, jardineira, jeep, trem; só não viajei de barco, mas até a pé tive que andar... Toda essa experiência, adquirida em apenas dois anos, aproximadamente, me proporcionou uma bagagem de conhecimentos correspondentes a dez anos de atividade profissional normal o que, evidentemente, me deu grande vantagem na carreira profissional"1:308.

Essa fala demonstra o engajamento profissional das enfermeiras no cumprimento das tarefas que exigiram esforços mentais e físicos. Também ficou claro que essa árdua etapa de coleta de dados deveria ficar a cargo de enfermeiras, uma vez que eram as mais interessadas na qualidade da pesquisa, Além da capacidade para o trabalho, elas foram selecionadas por serem pessoas de confiança de Maria Rosa Sousa Pinheiro.

Enquanto a Seção Técnica envolveu-se na coleta de dados, a Seção Administrativa do Centro, coordenada por Haydée, desenvolvia ações de divulgação e relacionamento com o público acerca do Levantamento. Com essa veiculação, buscou-se obter apoio e colaboração de diferentes segmentos da sociedade, especialmente da classe médica, de grandes áreas da administração pública e da própria classe de enfermeiros e profissionais afins. As atividades de divulgação foram constantes do começo ao fim dos trabalhos, através da publicidade de viva-voz, cartazes e impressos, jornais, revistas e imagens na televisão sendo a REBEn o principal veículo de divulgação do Levantamento de Recursos e Necessidades de Enfermagem no Brasil.

A veiculação de informações acerca do prestígio e da visibilidade que o Levantamento proporcionava à enfermagem brasileira, reafirmava o valor e a credibilidade da pesquisa em andamento. A estratégia tinha o intuito de transmitir confiança e fazer com que a categoria colaborasse, fornecendo dados para o Levantamento, cujo êxito dependia de dados fidedignos.

Concomitante ao processo de finalização da pesquisa promoveu-se em Salvador, Bahia, entre 06 a 15 de julho, um Seminário Didático Internacional sobre Levantamentos de Enfermagem. O evento foi de iniciativa da OMS, em atendimento à solicitação da ABEn à Repartição Sanitária Panamerica, por intermédio do MS. O objetivo da solicitação da ABEn era compartilhar a experiência obtida durante o Levantamento com os países, que demonstraram interesse em conhecer as técnicas empregadas e os resultados obtidos16. Ademais, a Associação esperava contar com o apoio especializado dos participantes na elaboração final das recomendações do Levantamento1.

A realização do Seminário Didático Internacional simbolizou ganho simbólico advindo da realização do Levantamento, que tornou viável divulgar, internacionalmente, pesquisa de grande porte, realizada pelas enfermeiras brasileiras, através de sua Associação. Na oportunidade, as enfermeiras ampliaram e atualizaram seu capital social, mediante o intercâmbio profissional. Em termos pontuais, o Seminário também possibilitou a atualização de conhecimentos com vistas ao Relatório Final do projeto, em especial, no que se refere às recomendações.

Ao final do ano de 1958, um dos problemas enfrentados foi a falta de verba para a impressão do Relatório Final e para tradução do mesmo em inglês. Para dar conta dessa demanda, aventou-se a possibilidade de solicitar o auxílio da CAPES. Também se identificou a necessidade de solicitar ajuda do SESP para a impressão em multilite (máquina de imprimir, comumente usada para se obter impressos comerciais em escritórios, ou folhetos de pequena tiragem) do Relatório Final17.

Apesar dos esforços para a obtenção de recursos financeiros, a redação final do Levantamento de Recursos e Necessidades de Enfermagem no Brasil não estava concluída por ocasião do XI CBEn, realizado em Recife, entre os dias 14 a 17 de outubro de 1958. No entanto, nesse evento, a Seção Técnica do Centro apresentou os principais dados do Levantamento.

O Relatório Final do Levantamento foi entregue ao Conselho Diretor em reunião, em 30 de outubro de 1958. Esse relatório contém 46 recomendações dirigidas ao Ministério de Educação, ao Ministério da Saúde, às universidades e legisladores, aos Serviços de Enfermagem em Unidades Sanitárias e Hospitalares, à Conferência dos Religiosos do Brasil, às instituições que mantinham escolas de enfermagem, às Escolas de Enfermagem e de Auxiliar de Enfermagem e à própria ABEn18.

Em decorrência de ter sido empreendimento auxiliado por múltiplos órgãos, não foi possível estabelecer previsão orçamentária completa e então a ABEn não conseguiu editar o Relatório Final, logo após sua conclusão. A publicação em português pela ABEn, só ocorreu em 1980, mesmo assim em número limitado, com exemplares distribuídos apenas às bibliotecas de enfermagem de referência no país e às principais escolas de enfermagem18.

Mesmo com as dificuldades enfrentadas referentes à execução das recomendações do Relatório Final, a relevância do estudo foi muito expressiva para a enfermagem, uma vez que contribuiu para o aumento do prestígio e do reconhecimento da ABEn, que passou a ser ouvida, quando se discutiam questões de interesse da categoria. De forma específica, o Levantamento influenciou no campo da legislação, do ensino e da prática da enfermagem.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A primeira estratégia no sentido de viabilizar o Levantamento foi buscar parcerias com entidades que compartilhavam interesse no assunto. Nesse intuito, a ABEn lançou mão de seu poder simbólico, como estratégia para dar credibilidade à pesquisa. Com esse esforço, a Associação conseguiu que o Levantamento fosse financiado pela Fundação Rockfeller, assessorado, tecnicamente, pela OMS e recebesse o apoio de outras importantes instituições.

Outra estratégia empreendida foi planejar cuidadosamente a estrutura do Levantamento, através da formação dos Conselhos e Comissões, definindo e distribuindo, previamente, as obrigações de cada qual. Como produto desse planejamento, merece relevo o Organograma e o Esquema do Levantamento.

Sob o ponto de vista de divulgação, pode-se concluir que esses foram os recursos mais utilizados pelas enfermeiras envolvidas no Levantamento. Por se tratar de uma Pesquisa de nível nacional e de natureza censitária, onde muitos dados foram obtidos através de questionários, a pesquisa não dependia apenas do esforço dos envolvidos diretamente no estudo, mas também da "boa vontade" dos envolvidos indiretamente.

A iniciativa da ABEn foi efetiva, no sentido de se fazer ver e crer através da realização do Levantamento, conquistando, desde então, espaço reconhecido para um discurso autorizado, baseado em dados concretos, para lutar a favor do desenvolvimento da enfermagem no Brasil. Nessa perspectiva, os diversos tipos de capital (social, econômico e simbólico) que conseguiu acumular e mobilizar a seu favor mostrou-se eficaz durante a realização do Levantamento, inclusive para dar credibilidade à Pesquisa e conseguir apoio de outras instituições, a fim de que viabilizassem e realizassem o Estudo.

Sem dúvidas, o Levantamento deixou um legado para a história da enfermagem brasileira, ao marcar o início da pesquisa científica de enfermagem no país, com grandes números e trazer a público, a capacidade das enfermeiras, de levar a bom termo, estudo tão intenso, recheado de dados concretos que permitiram diagnosticar a enfermagem brasileira.

REFERÊNCIAS

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Freire MAM. Levantamento de Recursos e Necessidades de Enfermagem no Brasil: da pesquisa ao livro (1956-1980) [dissertação]. 2011. Rio de Janeiro (RJ): Escola de Enfermagem Alfredo Pinto, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro; 2011.
Associação Brasileira de Enfermagem. 8º Reunião do Conselho Diretor do Centro de Levantamentos de Recursos e Necessidades de Enfermagem no. Brasília (DF): Centro de Memória da Associação Brasileira de Enfermagem; 1958. (Organização e Funcionamento: caixa 17, 001).
Associação Brasileira de Enfermagem. Boletim Informativo da Associação Brasileira de Enfermagem. 2004 out/dez. Disponível: http://www.abennacional.org.br/centrodememoria/levantamentoderecursos.pdf coletado: 28-07-2011.

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