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CAPES

Volume 6, Número 1, Jan/Abr - 2002

ARTIGOS DE PESQUISA

 

Fênix: das cinzas à luz - relatos de egressos de unidade de tratamento intensivo

 

Phoenix: from ashes to light - stories of the egresses of intensive care unit

 

Fenix: de las cenizas a la luz - relatos de egresos de una unidad de cuidados intensivos

 

 

Marcus Teódolo F. NascimentoI; Viviane Pinto MartinsII

IEnfermeiro, Mestre em Enfermagem, Prof. Assistente do Departamento de Metodologia da Enfermagem da Escola de Enfermagem Anna Nery/UFRJ. Membro do Núcleo de Pesquisa em Educação, Gerência e Exercício Profissional de Enfermagem
IIEnfermeira, Graduada pela Escola de Enfermagem anna Nery/UFRJ

 

 


RESUMO

Na mitologia grega, existe o mito da Fênix, o pássaro que renasce a partir da sua destruição, ressurgindo das próprias cinzas e criando o conceito de renovação e começo de um novo ciclo. Nesse sentido, ter alta de uma UTI (Unidade de Tratamento Intensivo) significa recomeçar a vida, em que pese as experiências vivenciadas pelo cliente, que está cercado por tecnologia avançada e essencial para salvar vidas, mas pode constituir um ambiente ameaçador (HUDAK, 1997). Portanto, este estudo tem como objeto a experiência do cliente egresso da UTI. Tem como objetivos descrever os fatores estressores intervenientes no período de internação em uma UTI e analisar a relação entre a experiência do cliente egresso da UTI com o ambiente. Estudo descritivo e qualitativo, constituindo-se um estudo de caso, no qual a abordagem qualitativa capta não só a aparência, como também sua essência, experiências e perspectivas dos usuários ( TRIVIÑOS, 1994 ).

Palavras-chave: Enfermagem. Estresse. Ambiente.


ABSTRACT

In the Greek Mythology, there is the myth of the phoenix, the bird wich is reborn from it's destroyed self, resuscitating from it's own ashes and creating the concept of renewal and the start of a new cycle. In that sense, getting out of an ICU (Intensive Care unit) means to restart life, no mather what experirnces where lived by the patient, who is surrounded by advanced technology that is essential to saving lives, but can constitute a threatening environment (HUDAK, 1997). Therefore, this study is focussed on the experience of the patient that got out of ICU. It has as the objectives to describe the stressful factors that intervene in the period of internment and to analyze the relationship of the experience of the patient that got out of ICU with the environment. It is a descriptive and qualitative study, consisting of a case study, in which the qualitative approach captures not only the appearance, but also it's essence, experiences and perspectives of the users (TRIVIÑOS, 1994).

Keywords: Nursing. Stress. Environment.


RESUMEN

En la mitología griega, existe el mito del Fénix, el pájaro que renace a partir de su destrucción, resurgiendo de las propias cenizas y creando el concepto de renovación y comienzo de un nuevo ciclo. En ese sentido, obtener la salida de una UCI (Unidad de Cuidados Intensivos) significa recomenzar la vida, en que pese a las experiencias vividas por el cliente, que esta rodeado por tecnología avanzada es esencial para salvar vidas, pero puede constituir un ambiente amenazador (HUDAK, 1997). Por lo tanto, este estudio tiene como objeto la experiencia del cliente egresado de la UCI. Tiene como objetivos describir los factores estresantes que intervienen en el periodo de internación en una UCI y analizar la relación entre la experiencia del cliente egresado de la UCI con el ambiente. Estudio descriptivo y cualitativo, se constituyó un estudio de caso, en el cual el abordaje cualitativo no reconoce solo la apariencia, sino también su esencia, experiencia y perspectivas de los usuarios (TRIVIÑOS, 1994).

Palabras claves: Enfermería. Estrés. Ambiente.


 

 

O SURGIMENTO DE UNIDADES DE TERAPIA INTENSIVA

A enfermagem organizada começou na metade do século XIX, com a liderança de Florence Nightingale, pois anteriormente o trabalho de cuidar de doentes era realizado por pessoas incapacitadas para qualquer outra espécie de trabalho.

Desde a Guerra da Criméia, Florence Nightingale, que era uma enfermeira de extrema eficiência à cabeceira dos doentes e tinha grande preocupação com os soldados, adotou um método para observação contínua de muitos pacientes, colocando os mais graves próximo à área de trabalho das enfermeiras, possibilitando observação e atendimento contínuo, mesmo dispondo de poucas enfermeiras (GEORGE, 1993, p.38; GOMES, 1988, p. 3 e 4).

Havia algumas dificuldades nos hospitais devido à permanência de pacientes com diferentes níveis de complexidade em um mesmo local, pois havia uma grande demanda na assistência para alguns, em detrimento de outros.

A Unidade de Terapia Intensiva surgiu devido à necessidade de uma observação mais efetiva, dirigida a pacientes mais graves, necessitando para isto agrupá-los em uma área comum, para facilitar o trabalho da equipe de saúde.

Os pacientes críticos necessitavam ainda de vários equipamentos e o trabalho da equipe de enfermagem tornava-se difícil pela falta de especialização e disponibilidade do profissional para dedicar um tempo significativo de cuidado ao paciente; tais equipamentos ainda reduziam o espaço físico, dificultando cada vez mais a assistência.

Com o passar do tempo, foram surgindo áreas com um número menor de leitos, possibilitando a criação de um espaço físico para todos os equipamentos necessários e melhor acesso da equipe multiprofissional que atua na atenção a estes pacientes em situações de alta complexidade (GOMES, 1988, p. 4).

 

INFLUÊNCIAS DO AMBIENTE DE UMA UTI PARA O CLIENTE HOSPITALIZADO.

A Unidade de Terapia Intensiva é o local apropriado para o cuidado a pacientes críticos, porém o ambiente parece agressivo, tenso e traumatizante.

Uma UTI moderna é muito impressionante, onde pacientes críticos não estariam vivos se não estivessem ali, são cercados de complexos equipamentos eletrônicos, fios e tubos que entram e saem de vários orifícios e cavidades na pele do paciente, bombas infusoras de medicamentos, os mais modernos respiradores eletromecânicos, marcapassos cardíacos trabalham continuamente,

"envolvendo o cliente em um ruído contínuo, em uma dança de traços verdes em telas de monitores, em bipes sonoros sincronizados com a batida do coração, em sussurros e batidas que ecoam de forma sintética os ritmos da vida. Luzes fluorescentes fortes brilham o tempo todo (...)". (SABBATINI, 1996.)

- O ambiente1 em que o indivíduo está inserido, seja ele físico (referente a limpeza, ventilação, iluminação, barulho, etc.), psicológico (referente ao efeito da mente sobre o corpo) e social (relacionados à doença e a preservação da doença), como divide a teoria de Florence Nightingale, deve ser observado, cabendo à enfermagem ver cada cliente em um contexto especial, individualizado, tentando fazer que este ambiente não seja um fator estressor na recuperação dele.

Cada indivíduo pode influenciar o meio em que está e a enfermagem funciona de modo a influenciar o ambiente humano, afetando, assim, a saúde.

"o indivíduo é afetado pelo ambiente e pelo profissional de enfermagem que influencia sua saúde. A sociedade/ambiente causa impacto sobre o profissional e sobre a saúde do indivíduo. A saúde é um processo atingido pelo trabalho de enfermagem, bem como pelas condições ambientais e humanas" (NIGHTINGALE apud GEORGE, 1993, p.43).

A possibilidade de mudança do ambiente de uma UTI é muito difícil, mas há adaptações que podem ser feitas para que esse ambiente total2 possa proporcionar um bem - estar.

Cabe não só aos profissionais de enfermagem, mas a toda equipe multiprofissional, que está em contato direto com esses clientes críticos, uma atenção especial ao ambiente e sua conseqüente influência no processo saúde/doença, para que possa mudá-lo, visando sempre o restabelecimento dos clientes internados.

O ambiente de uma UTI é diferente do conhecido pelo cliente em uma unidade hospitalar; os aparelhos ali encontrados são assustadores, é claramente perceptível que eles causam temor, ansiedade e estresse nos clientes conscientes.

A enfermagem pode favorecer a resposta à adaptação, incentivando o funcionamento fisiológico e emocional, ajudando dessa forma o cliente a reduzir o estresse e a conservar energia. Quando a intervenção de enfermagem ou a ausência dela não favorece a adaptação, o paciente perde energia, aumentando conseqüentemente o estado de tensão, tendo menor capacidade para lidar com as situações de estresse (HUDAK & GALLO, 1997).

 

ESTRESSORES: A FONTE DE ESTRESSE

A palavra estresse3 foi usada inicialmente na física para traduzir o grau de deformidade sofrido por um material quando ele é submetido a um esforço ou tensão. O médico Hans Selye trouxe este termo para a área da saúde significando esforço de adaptação do organismo para enfrentar situações que considere ameaçadoras a sua vida e a seu equilíbrio interno (PINHEIRO, 2000).

Para entender o estresse, é necessário captar o seu conceito:

"estar sob pressão ou estar sob a ação de um estímulo persistente (...) significa um conjunto de alterações acontecidas no organismo em resposta à um determinado estímulo capaz de coloca-lo sob tensão" (BALLONE, 2000).

Portanto, estresse é a resposta fisiológica, psicológica e comportamental de um indivíduo que procura se adaptar e se ajustar às pressões internas e/ou externas (BALLONE, 2000).

O que irá determinar a gravidade das reações ao processo de estresse é a capacidade de adaptação do indivíduo, pois o desenvolvimento do processo de estresse depende tanto da personalidade do indivíduo quanto do estado de saúde em que ele se encontra, ou seja, seu equilíbrio orgânico e mental, por isso nem todos desenvolvem o mesmo tipo de resposta diante dos mesmos estímulos.

A internação em uma Unidade de Terapia Intensiva gera uma série de preocupações quanto à vida, pois existe a idéia de que o cliente ali internado está em risco iminente de morte, e certamente essa situação gera estresse.

 

O PROFISSIONAL DE ENFERMAGEM NA UTI

A equipe de enfermagem que trabalha nas Unidades de Terapia Intensiva é jovem (média de idade de 26 anos) porque esta área é uma escola complexa para os primeiros anos de profissão. Esta equipe deve gozar de boa saúde para abordar um trabalho que requer grande dose de resistência física, dedicação e esforço (ANDRADE, 2000).

Os enfermeiros de Terapia Intensiva se deparam com algumas questões difíceis como "clientes cada vez mais comprometidos, tecnologia cada vez mais complexa, população cada vez mais idosa, dilemas éticos, pressões para redução de custos e alterações dos sistemas de serviço" (HUDAK & GALLO, 1997, p. 4).

A equipe que trabalha na Unidade de Tratamento Intensivo não se resume somente na equipe de enfermagem, mas sim em uma equipe multiprofissional, constando de médicos, enfermeiros, auxiliares e técnicos de enfermagem, fisioterapeutas, psicólogos, assistentes sociais, nutricionistas, entre outros. Porém, a equipe de enfermagem é a que está integralmente em contato com o paciente, devendo, portanto, ser atenciosa.

"a equipe de enfermagem é a incansável dispensadora de cuidados ao paciente, atendendo tantos aspectos relacionados com a sua doença, como os de caráter emocional ou socio-ambiental." (ANDRADE, 2000, p. 8)

A enfermagem de Terapia Intensiva requer capacidade para lidar com situações cruciais com uma velocidade e precisão que não são necessárias normalmente em outras áreas assistenciais.

A essência da enfermagem de Terapia Intensiva não está na alta tecnologia, nos equipamentos especiais, mas no processo de tomada de decisão baseado na sólida compreensão de condições fisiológicas e psicológicas, sem esquecer do ambiente que é de fundamental importância, e que também deve ser uma preocupação da enfermagem para uma recuperação plena do cliente, vendo-o sempre de forma holística, não como uma patologia, mas como um indivíduo que possui não só as necessidade biológicas, mas também psicossociais, espirituais, ambientais e familiares, que se tornam intimamente ligadas com a doença física

O interesse em estudar os efeitos do estresse ambiental na percepção do cliente e sua relação com a recuperação em Unidades de Terapia Intensiva (UTI) surgiu com a observação da reação dos clientes em UTI frente aos estímulos ambientais. Esse é um cenário de prática assistencial com alto investimento tecnológico invasivo, que traz estresse e insegurança por se tratar de uma clientela em situações de alta complexidade, onde muitas vezes somente o emprego do termo UTI é suficiente para lembrar situações de morte.

Diante do exposto, a atenção deste estudo focalizou a experiência do cliente egresso de uma UTI.

Portanto, as questões que nortearam este estudo foram:

Como é a vivência de um cliente internado em uma UTI?

De que forma o ambiente de uma UTI influencia na evolução clínica durante a internação?

A partir destas questões basearam-se os objetivos deste estudo:

Identificar os fatores ambientais intervenientes no período de internação em uma UTI;

Analisar o relato de experiência do egresso face ao ambiente da UTI.

 

ABORDAGEM TEÓRICO - METODOLÓGICA

Este estudo foi baseado em uma abordagem qualitativa, constituindo-se um estudo de caso. A abordagem qualitativa "capta não só a aparência, como também sua essência, experiências e perspectivas dos usuários" (TRIVIÑOS, 1994, p.129)

O estudo de caso pode ser simples e específico ou complexo e abstrato, onde:

"O caso é sempre bem delimitado, devendo ter seus contornos claramente definidos no desenrolar do estudo (...), é distinto, pois tem um interesse próprio, singular" (LÜDKE & ANDRÉ, 1986, p.17) .

Os estudos de caso visam a descoberta, a interpretação de um contexto, buscando sempre a realidade de forma completa e profunda, tendo uma variedade de fontes de informação, revelando experiências e representando diferentes pontos de vista.

Os sujeitos deste estudo foram clientes internados em enfermarias de um hospital de grande porte, público, e que passaram pela experiência recente de internação em UTI.

Na realização da pesquisa, foi utilizado um instrumento de coleta de dados, constituído de uma entrevista semi-estruturada, visando a participação do sujeito, pois esta leva a uma interação entre o pesquisador e os sujeitos (MINAYO, 1996, p.121). Percebe-se que a entrevista semi-estruturada preencheu as necessidades deste estudo, visto que permite ao entrevistado liberdade nas suas respostas, veracidade das suas idéias, e o entrevistador torna o trabalho mais real, podendo captar a essência das respostas, fazendo um direcionamento nas questões quando necessário, podendo assim dar caráter fidedigno às respostas.

As entrevistas foram realizadas no período de maio a junho de 2000 e os depoimentos gravados em fitas cassete e transcritos para posterior análise, mantendo o anonimato dos entrevistados por meio de atribuição de nomes fictícios, bem como da instituição. Os depoimentos foram concedidos com prévia autorização, na forma de Consentimento Livre e Esclarecido, segundo a Resolução 196/96, do Conselho Nacional de Saúde.

 

ANÁLISE DOS DADOS

Durante o período de coleta de dados, foi possível realizar 08 entrevistas com clientes que passaram pela experiência recente de internação na UTI, estando eles ainda internados em enfermarias de hospitais públicos e privados. Os dados foram analisados, de acordo com as categorias identificadas a seguir: A permanência na UTI, ambiente x recuperação: existe influência?, identificando a equipe de enfermagem, o estresse que ronda a UTI.

 

A PERMANÊNCIA NA UTI

Foram observadas experiências diversas dos clientes entrevistados, com relação ao período de permanência na UTI, pois cada indivíduo é único, com características próprias, reagindo diferentemente, embora os estímulos sejam os mesmos, o que caracteriza a individualidade (GALIZA, 1985, p. 29).

Para alguns clientes, esse período de internação foi ruim, atribuindo-se este fato a uma infecção, sendo esta conseqüência de seu período de internação no CTI.

"Foi péssimo porque foi lá que eu peguei uma infecção pulmonar." cliente 02

"Um horror, pelas dores e pelo ambiente, UTI me lembra hospital e hospital me lembra doença." cliente 03

A cliente 06 refere desespero por permanecer no CTI, o fato de estar neste ambiente, onde a morte é lembrada a todo o momento, como refere Martins (1992, p.209) em seu relato de experiências "(...) vi pessoas morrendo ao meu lado, outros angustiados gritando, mais adiante outros, ainda, num completo distanciamento de qualquer realidade (...)"; a cliente 06 também passou por essa experiência de presenciar a morte.

"Foi muito desesperador, você sabendo que tá no CTI e vê gente morrendo, é muito ruim, é desesperador, sabe? Eu fiquei atenta a tudo,(...) quando você está desacordada é melhor, mas eu estava lúcida, estava atenta a tudo,(...) eu vi uma pessoa morrer na minha frente, vi uma garota sendo operada, era desesperador, eu achava que ia morrer." cliente 06

Há que se ater sobre a questão ética e moral, como equipe não só de enfermagem, mas uma equipe multiprofissional de privar o cliente de tais experiências traumáticas, respeitando a privacidade e individualidade de cada um, em uma diversidade onde existem clientes em estado muito grave e que necessitam atenção integral.

"(...) é possível resgatar a totalidade da pessoa humana, através de um outro 'olhar', sem dúvida, extrapola a lógica racional, a detecção somente de sinais e sintomas que se diferem dos padrões de normalidade, ou seja é preciso romper com a visão pela qual esses pacientes são reduzidos à vida biológica, a um corpo a ser manipulado" (CORREIA, 1998, p. 299)

O tempo de permanência desses clientes na UTI é um fator muito importante:

"eu fiquei duas noites, e a terceira eu não ia ficar não, pedi ao médico pra me tirar de qualquer jeito de lá que eu não ia ficar a terceira noite lá não (...)" cliente 07

O objetivo desta unidade é "(...) de cuidar muito intensamente, por pouco tempo" (SABBATINI, 2000, p. 01).

"O período foi bom... que me trataram muito bem, me trataram muito bem lá.(choro!) (...) De início assim deu um pavor, meu Deus do céu UTI ... cliente 04

"A natureza estressante e agressiva da UTI é amplamente reconhecida, e que o emprego de termo UTI é suficiente para lembrar uma situação muito tensa" (GALIZA, 1985, p. 30), porém no caso dessa cliente este pré - conceito traumático da UTI se transformou em agradecimento a pessoas e ao lugar que contribuíram para sua recuperação.

A equipe de enfermagem é de essencial importância para estes clientes, é fundamental o envolvimento humano no cuidado deles que necessitam de atenção, carinho, não somente do tratamento biológico, mas também do psicossocial e espiritual.

 

AMBIENTE X RECUPERAÇÃO: EXISTE INFLUÊNCIA?

O paciente internado em uma UTI está sujeito a influências internas e externas, podendo levá-lo a condições de estresse, dificultando a sua adaptação e, ameaçando assim sua saúde (GALIZA, 1985, p. 30). Atitudes aparentemente simples, o jejum para exames é um fator marcante na internação.

A ação da equipe de enfermagem é fundamental para todo e qualquer cliente internado, seja na UTI ou em outra unidade, porém com o paciente de terapia intensiva é necessário aguçar os sentidos, ter uma observação minuciosa e criteriosa, tranqüilidade e confiança importante para o cliente.

O ambiente é um fator marcante; existem nessa unidade ruídos, barulhos desconhecidos para a pessoa internada; são muitos aparelhos necessários para manter a vida, atenção redobrada, pois "a relação com a máquina pode mecanizar o cuidar, a ponto de o paciente tornar-se extensão do aparato tecnológico, não se percebendo até onde vai a máquina e tem início o ser humano." (CORREIA, 1998, p. 300). Pode-se observar no relato da cliente 06 a influência do ambiente em suas atitudes:

"Foi importante, mais é muito desesperador, eu não dormi uma noite,(...) quando eu saí do CTI e vim aqui pra baixo, foi um alívio, um lugar mais tranqüilo, sem barulho, mais eu continuei estressada, não conseguia ter paz, ficava desesperada, ficava chamando, por mais que peçam, agente não fica calma, passava a noite toda acordada, era horrível. Você dá graças a Deus de sair de lá, a equipe ajudou muito, tem muito aparelho." cliente 06

Portanto, o ambiente tem direta influência nas atitudes dos clientes, em seu estado físico e psíquico, conseqüentemente influência direta sobre a recuperação, pois "todas as condições, circunstâncias e influências que cercam afetam o desenvolvimento e o comportamento de pessoas e grupos" (ROY apud GEORGE, 1993, p. 213).

Percebe-se que o cuidado é importante para o cliente, quando este cuidar é qualificado, o cliente consegue superar o medo inicial e sentir que está sendo assistido, acompanhado; para a cliente 04, foi uma lição ter conhecido a UTI, o que foi fundamental para sua recuperação.

"Teve uma importância muito grande ..., eu pude perceber assim, a atuação dos profissionais, muito grande, uma atenção muito grande (...)" cliente 04

É gratificante ver a recuperação de um cliente e saber que você, como profissional da saúde, contribuiu para isto; o ambiente de terapia intensiva é realmente muito difícil para o paciente e para a equipe multiprofissional que ali atua, porém há que se transformar esse ambiente, com um cuidado qualificado e humanizado.

Deve-se trabalhar por um ambiente melhor, mais humanizado e mais alegre, para maior bem-estar dos clientes ali internados, pois melhorar o ambiente influencia na recuperação do cliente, que é o nosso objetivo principal.

 

IDENTIFICANDO A EQUIPE DE ENFERMAGEM

A equipe de enfermagem é o eixo norteador de um hospital, como também na Unidade de Terapia Intensiva, onde há muito trabalho, muitas atribuições para toda a equipe, e com isso existe uma grande preocupação em relação à qualidade e à humanização da assistência prestada. Muitas vezes os pacientes não reconhecem a equipe de enfermagem, pois as pessoas não se identificam, não há uma comunicação, um diálogo com o cliente. Em algumas entrevistas os clientes referem não identificar a equipe de enfermagem.

"não só a equipe médica, a de enfermagem não." Paciente 03

"Mais pelo uniforme, porque eu sou curiosa (...) a gente vê muita gente boa, agora tem outras que, (...) a gente avalia pelo tipo de vida, tem que pegar duas ou três conduções e ainda vai para outro emprego. As pessoas não se identificavam, eu reconhecia mais pelas ações e pelo uniforme." Paciente 05

Grande parte dos clientes na UTI estão inconscientes ou sedados, e a equipe muitas vezes não sabe lidar com o paciente lúcido, onde a atenção é essencial.

"(...) às vezes as pessoas são também de pouca comunicação, não vem assim perto de você fala assim como está se sentindo seu J., tal tudo bem? Vou botar aqui um medicamento aqui (...) só pra te tranqüilizar né? Então a pessoa chega ali, vai fazer, faz o que bem entender, entendeu? Na hora de escrever no prontuário a pessoa fica te olhando, mexe pra um lado, mexe pra cá,(...) eu fico com medo (...) foi um tratamento muito estranho, eu fiquei com medo entendeu? Teve hora que eu cheguei lá, eu falei, olha esse medicamento que vocês tão preparando, eu não vou deixar me aplicar não,(...) esse remédio aí é pra quê? Posso saber? Ela fala assim não, não posso te falar não, não sei, a senhora é enfermeira poxa, a senhora tem que saber pra que que é, não custa nada falar,(...) ela além de te negar, te responde asperamente, entendeu? Essas coisas me assustaram muito." cliente 07

Percebe-se com este depoimento a falha de comunicação existente entre a enfermagem e o cliente; muitas vezes os profissionais estão acostumados a lidar com o paciente inconsciente e não se dão conta que também existe outro tipo de cliente em uma UTI:

"torna-se complicado cuidar daquele que fala, que pede, que indaga não apenas com o olhar, que se nega a alguns atos, que se queixa com clareza, ou seja, daquele que pode se manifestar, deixando emergir o sentimento de que ali permanece um ser de relações, um ser de possibilidades. Nesses casos, a relação com o paciente poder-se-ia deixar de ser tão verticalizada, tão concentrada no saber científico e no cumprimento de rotinas e tão despersonalizada" (CORREIA, 1998. p. 300)

Na enfermagem, o ser humano é o sujeito e objeto de toda a atividade desenvolvida; o atendimento da pessoa humana, na sua totalidade, é o que justifica nossas ações éticas e moralmente corretas. A comunicação é essencial para o estabelecimento de um relacionamento terapêutico, pois é um "processo social básico, importante em todos os setores da vida humana, da relação mais simples a mais complexa." (SILVA, 1991, p. 16).

A comunicação é a própria essência do relacionamento humano, pois através dela os seres humanos trocam mensagens ou não, e assim afetam reciprocamente suas vidas e a dos outros. Utilizando a comunicação verbal ou não-verbal, ou ambas, atua-se sobre o cliente, muitas vezes de forma negativa.

A humanização na relação com os clientes é um fato marcante quando se fala em cuidado intensivo, porém percebemos a importância de repensar a situação de estresse que é imposta aos profissionais que ali atuam, sendo esses fatores agravantes da desumanização das ações desenvolvidas nas UTI's e propondo formas diferentes, mais humanas de fazer enfermagem (SANTOS, 1998, p.318).

É fundamental repensar a prática assistencial de enfermagem em terapia intensiva, pois a humanização se distanciará do cuidado se priorizarmos o saber técnico-científico, menosprezando as manifestações do indivíduo.

Há que se entender o homem como um sujeito e não como um objeto de manipulação. Também não é possível falar em humanização sem levar em conta o universo de referência, ou seja, a bagagem cultural da clientela e do profissionais ali inseridos (SANTOS, 1998, p. 318).

 

O ESTRESSE QUE RONDA A UTI

A mudança de ambiente gera uma série de reações, principalmente quando se fala em uma unidade que somente pelo nome assusta. A internação na unidade de cuidados intensivos indica uma ameaça à vida e ao bem-estar de todos os que são admitidos. Freqüentemente, clientes e seus familiares percebem a internação em uma UTI como um sinal de morte iminente, devido a experiências anteriores ou de outras pessoas.

O que irá determinar a gravidade das reações ao processo de estresse é a capacidade de adaptação do indivíduo, pois o desenvolvimento do processo de estresse depende tanto da personalidade do indivíduo quanto do estado de saúde em que ele se encontra, ou seja, seu equilíbrio orgânico e mental, por isso nem todos desenvolvem o mesmo tipo de resposta diante dos mesmos estímulos. É o que é possível observar com os depoimentos abaixo:

" (...) às vezes eu fiquei um pouco tensa, assim um pouco ansiosa pelo barulho, tinha muito barulho,(...) Também você presenciar o banho das pessoas, aquilo era muito chocante, mas deu pra levar, deu pra levar. (...)" paciente 04.

Os clientes nas UTI's atuais são cercados por tecnologia avançada que, embora seja essencial para salvar vidas, cria um ambiente estranho e até mesmo ameaçador para tais clientes. Como conseqüência desta alta tecnologia estão os ruídos dos aparelhos, não esquecendo daqueles causados pela equipe. Um estudo de parâmetros psicossociais em UTI's revelou que há uma grande preocupação dos pacientes com os ruídos. Os ruídos específicos mais descritos nesta pesquisa foram aqueles da equipe e o som de cadeiras arrastando no chão, como observamos também com os clientes 04 e 06:

"(...)Lá tinha muita conversa, dava vontade de mandar calar a boca, muita gente conversando, é muito barulho, é horrível, você continua desesperada quando desce, devido ao estresse de lá.(...) Eu fiquei muito nervosa, porque o tempo todo sem dormir, ligada, as conversas dos médicos dos enfermeiros, tudo. Eu quero esquecer aquele período. Foi ruim demais(...)" paciente 06.

A sugestão para a diminuição destes tipos de ruídos é a conscientização da equipe sobre a fonte de tais ruídos.

"A equipe hospitalar pode reduzir a quantidade de ruído que cria, e a equipe de enfermagem pode controlar os estímulos ambientais gerais, com a exceção de algum equipamento essencial para os sistemas de manutenção da vida. Os enfermeiros podem ser capazes de controlar vários sons em monitores que possuem alarmes luminosos em lugar de alarmes sonoros. Os aparelhos que produzem ruído contínuo(...)." (HUDAK & GALLO, 1997, p. 32).

É visível em alguns depoimentos que os ruídos também prejudicavam o sono dos clientes, sendo este "uma parte essencial do ciclo de 24 horas dentro do qual os organismos humanos devem funcionar"(HUDAK & GALLO, 1997, p. 32). O sono é essencial para o bem-estar físico e mental. O objetivo do sono é evitar a exaustão física e psicológica e/ou doença; a ausência do sono prolonga o tempo necessário para a recuperação de uma doença.

"Eu fiquei muito nervosa, o tempo todo sem dormir, ligada às conversas dos médicos, dos enfermeiros, tudo. Eu quero esquecer aquele período. Foi ruim demais (...)" cliente 06.

"E aquele movimento, aí eu dormi muito mal na noite em que estive lá, porque eu não tive sono,(...)." cliente 05.

A equipe de enfermagem deve, portanto, controlar na medida do possível os ruídos que chegam aos clientes ali internados, tanto dos monitores, como as conversas; devemos ter muita atenção:

"O ambiente é hostil e agressivo e a explicação sobre os aparelhos bem como a presença amiga e o interesse ajudam muito. Ouvi-lo e informa-lo sobre sua doença, família e mesmo sobre o que está acontecendo fora do hospital deve ser feito quando houver solicitação a respeito" (KURCGANT, 1991, p. 5)

Atualmente, o enfermeiro de uma Unidade de Tratamento Intensivo deve ter um bom conhecimento científico que facilite a capacidade de percepção, na grande variedade de questões, como também informações altamente definidas e específicas (HUDAK & GALLO, 1997).

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo foi desenvolvido no intuito de descrever os fatores que interferem na recuperação dos clientes de Unidades de Terapia Intensiva. Sabendo como é a vivência e à influência do ambiente em sua evolução clínica, pois existem vários relatos referentes a agressividade em que o cliente é exposto neste ambiente, percebemos, portanto, que são inúmeros (poluição sonora, dor, ansiedade, desinformação) os fatores estressores intervenientes no período de internação, sendo eles responsáveis por uma série de respostas físicas, psicossociais e espirituais indesejáveis.

Através deste estudo, buscou-se compreender o universo em que o cliente de uma UTI está inserido, bem como dicotomizar os fatores causais das respostas individuais de cada cliente frente às situações de estresse.

As questões que estão atreladas à humanização das UTI's perpassam a perspectiva da compreensão do agir dos sujeitos envolvidos, ou seja, clientes-profissionais-família, situados no mundo da vida, onde o saber científico deverá aliar-se à apreensão das necessidades individuais e coletivas, a partir de uma vivência concreta, de modo ininterrupto, possibilitando a dinâmica da assistência. Há que se falar em humanização dos serviços, não como um modismo, mas como um direito do cliente, tornando-se portanto um desafio, uma busca de novos valores na UTI.

 

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