Volume 4, Número 1, Jan/Abr - 2000
ARTIGOS DE PESQUISA
Construindo uma proposta terapêutica de enfermagem no pré-natal de baixo risco1
Nursisng assistence to pregnant women: building a therapeutic proposal for low risk prenatal care
Construyendo una propuesta terapéutica en el prenatal de bajo riesgo
Gertrudes Teixeira LopesI; Valéria Bezerra PortellaII; Marilanda Lopes de LimaII; Lucia Helena Garcia PennaII
IProfessora Ajunta da Faculdade de Enfermagem da UERJ. Doutora e Livre Docente em Enfermagem. Membro do Núcleo de Pesquisa de História da Enfermagem Brasileira - NUPHEBRAS, da Escola de Enfermagem Anna Nery/UFRJ. Pesquisadora do CNPq. Procientista da UERJ/bolsista da FAPERJ
IIProfessoras Assistentes da Faculdade de Enfermagem da UERJ. Mestres em Enfermagem
RESUMO
Estudo de natureza descritiva qualitativa, discute a assistência de enfermagem no pré-natal de baixo risco, com o objetivo de identificar os riscos gestacionais de interesse da enfermagem obstétrica e determinar terapêuticas que melhor orientem o atendimento à mulher durante a gravidez. Para desenvolver esta etapa da pesquisa, foram investigadas 88 gestantes, 20 enfermeiras assistenciais e 06 professoras de Enfermagem Obstétrica. Os resultados possibilitaram a elaboração de um ensaio das terapêuticas de enfermagem obstétrica fundamentado nos indicadores de risco estabelecidos.
Palavras-chave: Enfermagem obstétrica - Terapêutica - Cuidados de enfermagem
ABSTRACT
This descriptive and qualitative study discusses nursing assistance during low risk prenatal care, aiming at identifying those pregnancy risks which are relevant to obstetric nursing as well as determining suitable therapeutics for pregnant women. In order to develop this stage of the research, 88 pregnant women, 20 assistant nurses and 06 obstetric nursing teachers were investigated. The results made it possible to develop an obstetric nursing therapeutics essay, based on the established risk indicators.
Keywords: Obstetric nursing - Therapeutics - Nursing care
RESUMEN
Estudio de naturaleza descriptiva cualitativa que discute la asistencia de enfermería en el prenatal de bajo riesgo, con el objetivo de identificar los riesgos de la gestación, que son de interés de la enfermería obstétrica, y determinar terapéuticas que mejor orienten la asistencia a la mujer durante la gravidez. Para desarrollar esta etapa de la encuesta, fueron investigadas 88 mujeres gestantes, 20 enfermeras asistenciales y 06 profesoras de Enfermería Obstétrica. Los resultados permitieron la elaboración de un ensayo de las terapéuticas de Enfermería Obstétrica fundamentado en los indicadores de riesgos estabelecidos.
Palabras claves: Enfermería obstétrica - Terapéutica - Cuidados de enfermería
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O tema saúde da mulher tem sido objeto de numerosas análises e considerações no âmbito das ações relacionadas com as ciências da saúde. A literatura atual denota uma ênfase nos aspectos clínicos e epidemiológicos dos riscos e danos que afetam a saúde da mulher, especialmente dos que estão associados ao processo biológico da reprodução.
Rios & Gomes (1993) destacam ser reconhecido o fato de que estudos clínicos epidemiológicos dos danos e riscos que afetam a mulher e dos que se relacionam com a descrição das diferenças sociais entre os sexos produziram um corpo imensurável de conhecimentos que permitiram avançar no próprio desenvolvimento teórico e metodológico do estudo da mulher.
O Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher do Ministério da Saúde, Brasil (1984), a partir dos problemas identificados e relacionados com a saúde da mulher, como a falta de acesso às informações e aos serviços de saúde, associados à inexistência de um processo de envolvimento da mulher na discussão e na solução destes problemas, contribuindo, em muito, para a manutenção da situação de risco e das questões de saúde existentes na população feminina, estabelece diretrizes estruturais e operacionais, com vistas a atender às necessidades da mulher e em especial da gestante.
Para atender à mulher nessa sua trajetória, entendida pelo Ministério da Saúde como uma prioridade dos Programas de Saúde, todos os esforços devem ser empregados no sentido de atender às necessidades no que concerne a melhores condições sobre a saúde da mãe e do concepto.
No presente estudo, destacamos a consulta de enfermagem no pré-natal como uma medida de avaliação e terapêutica de grande importância na minimização das intercorrências obstétricas.
A partir dessa contextualização, delimitamos como objeto do estudo: os fatores de riscos gestacionais e as terapêuticas de enfermagem a serem desenvolvidas pelo enfermeiro no pré-natal de baixo risco.
Para desenvolver essas reflexões, questionamos:
1) Quais os principais problemas apresentados pelas gestantes de baixo risco durante o pré-natal?
2) Como a enfermagem obstétrica poderá intervir no pré-natal de baixo risco, a partir dos problemas identificados?
Sabemos que a gravidez não é doença, mas acontece num corpo de mulher inserida em um contexto social em que a maternidade é vista como uma obrigação feminina. Além de fatores econômicos, a condição de subalternidade das mulheres interfere no processo de saúde e doença e configura um padrão de adoecimento e morte específicos. Nessa perspectiva,
Para implementar as atividades de normatização do controle pré-natal dirigido às gestantes, é necessário dispor de um instrumento que permita identifica-las no contexto amplo de suas vidas e mapear os riscos a que cada uma delas está exposta. Isso permitirá a orientação e encaminhamentos adequados em cada momento da gravidez. (Brasil, 2000).
Segundo o Centro Latino-Americano de Perinatologia - CLAP (1996), denomina-se risco toda característica ou circunstância que está associada a um aumento de probabilidade de ocorrência de um fato indesejado necessariamente em sua causalidade.
Riscos, aqui, serão entendidos como aquelas situações que desviem a saúde, podendo ser de ordem biológica, emocional, econômica, política, ética, ambiental, habitacional e de alimentação.
Para guiar o estudo, derivamos os seguintes objetivos:
- Definir nos três níveis (baixo, médio e alto) os riscos gestacionais.
- Determinar medidas de intervenção terapêutica de enfermagem obstétrica para atendimento aos três níveis de riscos gestacionais identificados.
REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO
O Ministério da Saúde declara que, a cada ano, um grande contingente de mulheres ainda jovens morrem, deixando muitas vezes órfãos e outros familiares que dela dependiam. Afirma que essas mulheres se caracterizam normalmente por pertencerem às classes sociais mais baixas, possuírem pouca ou nenhuma escolaridade e por não terem acesso a serviços de saúde de qualidade. A mortalidade materna é, desta forma, um importante indicador da realidade social de um país e de seu povo, bem como da determinação política de realizar ou não ações de saúde comunitária (Brasil, 1995).
Ainda referindo-se à Classificação Internacional de Doenças - CID., o Ministério da Saúde destaca que óbito materno é "a morte de uma mulher durante a gestação ou dentro de um período de 42 dias após o término da gestação, independentemente da localização da gravidez, devida a qualquer causa relacionada com ou agravada pela gravidez ou por medidas tomadas em relação a ela, porém não devida a causas acidentais ou incidentais".
Declara, também, que o Brasil é o quinto país latino-americano onde a gravidade do problema é maior, registrando-se 134,7 óbitos maternos por 100.000 nascidos vivos, sendo que 98% dessas mortes poderiam ser evitadas se as mulheres tivessem condições de vida digna e atenção à saúde, especialmente pré-natal realizado com qualidade, assim como bom serviço de parto e pós-parto. Como as mortes maternas estão ligadas essencialmente ao processo de atendimento no período prénatal, no pós-parto e no puerpério imediato, é essencial que se considerem as Diretrizes do Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher - PAISM, Brasil, (1984), que preconizam um modelo assistencial capaz de propiciar um acompanhamento contínuo dessas mães, através de uma integração eficaz entre a assistência ambulatorial e a assistência hospitalar, o que só poderá ser feito à medida que se introduza o enfoque epidemiológico de risco, na organização dos serviços.
O acompanhamento pré-natal deve ser realizado com vistas a atender às necessidades da gestante, obtendo, assim, melhores efeitos sobre a saúde da mãe e do concepto. Desta forma, podemos dizer que o conhecimento prévio e amplo acerca dos padrões de vida de uma gestante nos dá possibilidades de detectar os fatores que poderão ocasionar riscos na evolução natural da gestação. Assim sendo, devemos estar atentos para identificar os aspectos socioeconômico, cultural e emocional da clientela assistida.
A CONSULTA DE ENFERMAGEM EM OBSTETRÍCIA
A Consulta de Enfermagem, conceituada por Duarte & Muxfeldt (1975) como a atenção de enfermagem à gestante sadia, de modo sistemático e contínuo durante a gestação, parto e puerpério, tem sido um instrumental valioso utilizado pela(o)s enfermeira(o)s na assistência pré-natal, através da qual o profissional tem uma visão global das condições de saúde da gestante e das ações de enfermagem prestada de forma individualizada à clientela.
A Consulta de Enfermagem voltada para o atendimento a gestantes sem intercorrências clínico-obstétricas visa oferecer assistência integral clínico-ginecológica e educativa, atentando para o aprimoramento do controle pré-natal, do parto e do puerpério.
Tem-se como objetivo a promoção da saúde, identificação precoce de problemas, que sejam fatores de risco para a gestante e concepto, tendo como referência o roteiro do Manual de Assistência Pré-natal do Ministério da Saúde (Brasil, 2000).
Salvo intercorrências de anormalidades, as consultas deverão ser mensais até a 36ª semana, quinzenais até a 40ª e, posteriormente, semanais até a 42ª (Brasil, 2000).
- Orientação na 1ª consulta
- Histórico Clínico-Obstétrico
No primeiro contato com a gestante, independente da idade gestacional, são indagados os antecedentes pessoais e familiares de interesse obstétrico, bem como é esmiuçada sua história obstétrica. Toma-se conhecimento das condições tanto gerais, através do exame clínico sumário, como da gravidez atual, além de serem solicitados exames essenciais à condução do pré-natal.
- Exame clínico - comporta a verificação do peso e dos valores tensionais, bem como a apreciação estática dos pulmões e coração como avançada.
- Exames essenciais ao pré-natal.
Solicitar-se-ão os seguintes exames de apoio à conduta assistencial: urina (elementos anormais e sedimentos, glicosúria); sangue (hemograma completo, sorologia para sífilis, determinação de fator RH, grupo sanguíneo, anticorpos para rubéola, toxoplasmose e HIV); fezes (ovo-helmintoscopia).
- Orientação nas consultas subseqüentes
- Em tese, é conveniente lembrar que o cuidado na prescrição de medicamentos no primeiro trimestre é de suma importância, vez que não são poucos os fármacos que podem ter atuação iatrogênica sobre a organogênese.
- As condutas terapêuticas serão avaliadas segundo normas institucionalizadas de responsabilidade da unidade de atendimento.
- Serão apreciados os exames solicitados na consulta anterior, destacando-se as principais eventualidades;
Na segunda consulta, será conveniente a prescrição de polivitamínicos com adequado teor de ferro, instituindo-se também esquema que vise a correção da constipação intestinal, comumente manifestada na gravidez ou por esta agravada.
No 2º trimestre, vale lembrar o período de estabilização, onde não são comuns maiores alterações. Cessadas as manifestações características, dentre elas a emética, o apetite se normaliza, quando não se acentua. Observar-se-á o ganho ponderal, cabendo uma avaliação gráfica através do nomograma, bem como o comportamento tensional a fim de se surpreender uma ascensão precoce, ou agravamento de hipertensão pós-existente. Dois parâmetros merecerão enfoque especial, o comportamento das curvas ponderal e tensional, respeitadas as variações vinculadas ao biótipo e às condições em que a mulher começou a gravidez.
No que diz respeito às práticas individuais, cabe orientar quanto às normas higieno-dietéticas, com ênfase na atividade física, exercícios moderados, evitando manifestações psicológicas negativas pré-existentes, assegurando o equilíbrio psico-emocional e no planejamento alimentar, de acordo com as possibilidades de cada uma das clientes.
Convém ressaltar que, a partir do 3º trimestre, maior será a potencialidade de complicações e acidentes materno-fetais. Além da interrupção da gravidez, prematuramente, as gestoses hipertensivas e os episódios hemorrágicos vinculados à placenta prévia e ao descolamento prematuro podendo se caracterizar nesta fase a denominação de gravidez de alto risco.
É valioso o exame clínico obstétrico criterioso no acompanhamento à gestante, pois a seriedade nestes procedimentos comprovarão com facilidade a intercorrência de qualquer agravamento do bem-estar fetal, orientando para os recursos disponíveis na conduta assistencial a ser assumida doravante.
Em face do exposto, definimo-nos por desenvolver um estudo com abordagem qualitativa, considerando ser esta a mais adequada para alcançarmos os objetivos do estudo. A pesquisa qualitativa, segundo Minayo (1994), permite compreender os valores culturais e as representações de determinado grupo específico, suas relações entre os atores sociais e as políticas públicas e sociais tanto do ponto de vista de sua formulação, aplicação técnica, como dos usuários aos quais se destinam.
O cenário do estudo foram duas matermidades públicas da cidade do Rio de Janeiro, que desenvolvem consulta de enfermagem no pré-natal e cinco Faculdades/Escolas de Enfermagem do Estado do Rio de Janeiro.
Constituíram fonte primária da pesquisa, 88 gestantes inscritas no pré-natal, realizado por enfermeira(s), 20 enfermeiras assistenciais das duas instituições campo da pesquisa e seis docentes da disciplina de Enfermagem Obstétrica. Para participar do estudo, todas as pessoas foram esclarecidas com relação aos seus objetivos e aquiesceram na participação (Conselho Nacional de Saúde, 1996).
Os dados foram obtidos no período de julho de 1996 a outubro de 1997, pelas pesquisadoras e alunas do Curso de Habilitação em Enfermagem Obstétrica da FENF/UERJ. Utilizamos um formulário que foi dirigido às gestantes e dois roteiros de entrevistas abertas, sendo um aplicado aos enfermeiros de campo e o outro aos docentes.
A análise dos dados obtidos com os sujeitos da pesquisa permitiu a classificação dos riscos gestacionais, em baixo, médio e alto, e a elaboração de um ensaio que denominamos: "Terapêuticas de Enfermagem Obstétrica Fundamentadas nos Indicadores de Risco".
E FOMOS: CONSIDERAÇÕES E PROPOSTAS A SEREM CONTINUADAS
A convivência com os participantes da pesquisa, enfermeiros, docentes, alunos de graduação e gestantes, foi particularmente importante para nos apontar "pistas" que pudessem ser indicadoras da construção teórico/prática das Terapêuticas de Enfermagem em pré-natal de baixo risco.
Entendemos que esse trabalho é provisório, portanto, está sujeito a modificações, principalmente em virtude do contexto dinâmico, das políticas públicas na área obstétrica e também pelas diversas inovações metodológicas e assistenciais da enfermagem obstétrica.
No entanto, consideramos que, num trabalho como este, o tempo previsto não foi suficiente para testar as terapêuticas propostas, no atendimento à mulher no pré-natal a partir do que foi identificado nas informações coletadas, transformadas em dados como: indicadores, de saúde, riscos para a gestante e ações de enfermagem em obstetrícia, por isso ficamos no ensaio teórico, com a pretensão de comprovar empiricamente a sua validade.
Assim, esse Projeto foi reapresentado ao CNPq e aprovado para que possamos dar continuidade ao estudo, que para nós reveste-se de grande importância para a construção de uma proposta que atenda às necessidades de saúde da mulher gestante.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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NOTAS
1 Este artigo originou-se do Relatório Parcial enviado ao CNPq sobre o Projeto Integrado de Pesquisa "Parâmetros de Risco e Terapêutica de Enfermagem Obstétrica, Institucionalizada no Desenvolvimento da Gravidez".