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CAPES

Volume 6, Número 2, Mai/Ago - 2002

ARTIGOS DE EXPERIÊNCIA

 

Avaliação diagnóstica de enfermagem na comunicação interatrial: relato de experiência

 

Nursing diagnostic evaluation in inter atrium comunication: an experience report

 

Evaluación diagnostica de enfermería en la comunicación interatrial: relato de caso

 

 

Deyse Conceição SantoroI; Jaqueline de JesusII; Priscila GuedesII

IProfª Adjunto do Departamento de Enfermagem Médico-Cirúrgica-Escola de Enfermagem Anna Nery/UFRJ. Chefe do Departamento. Diretora Científica da Sociedade Brasileira de Enfermagem Cardiovascular-SOBENC/RJ. Doutora em Enfermagem. Membro do Núcleo de Pesquisa em Enfermagem Hospitalar
IIAluna do 7º período do Curso de Graduação em Enfermagem e Obstetrícia da Escola de Enfermagem Anna Nery/UFRJ. Membro do Núcleo de Pesquisa em Enfermagem Hospitalar

 

 


RESUMO

O presente estudo trata do interesse dos autores apresentarem um relato de experiência acerca da avaliação diagnóstica e intervenção de enfermagem nos casos de comunicação interatrial. As causas desse tipo de cardiopatia congênita permanece não totalmente elucidada. O diagnóstico da comunicação interatrial baseia-se na história clínica, no exame físico e exames complementares. O cuidado da enfermagem e o conhecimento específico do enfermeiro são fundamentais para o bem-estar do cliente e o diagnóstico precoce de distúrbios cardíacos. O caso clínico apresentado ilustra como o enfermeiro deve se inserir neste contexto como membro atuante, capaz de realizar um exame físico preciso e uma avaliação diagnóstica que permita a detecção de anormalidades que levem a um diagnóstico definitivo e tratamento específico o mais precocemente possível, diminuindo os riscos de complicação para o cliente.

Palavras-chave: Enfermagem. Processo de enfermagem. Cuidado de enfermagem.


ABSTRACT

The present work is a walk through the article that approaches the clinic of a patient with Interatrial Comunication (CIA), defined as the partialor total congenital aperture of septo interatrial and corresponds the 10-15% of all the congenital cardiopathies (Cheitlin, 1996 p. 309). Its basic causes are unknown and occur in about 0.9% of the born living creatures. Its etiology is related to the factors as genetic, ambient causes and toxic substances that interfere in the development of the embryo in a crucial period of training for the formation of the heart. We have as objective, to offer subsidies for the nursing community to have access to information about diagnostic behaviors and interventions. For the aiming of the article we present a clinical case as illustration, that made possible to show to paths for a more effective performance of the nurse as much as to the precocious diagnosis and therapeutical intervention.

Keywords: Nursing diagnosis. Interatrial comunication. Nursing intervention.


RESUMEN

El presente trabajo es un artículo de relato que aborda la clínica del cliente portador de Comunicación Interatrial (CIA), definido como la abertura congénita parcial o total del septo interatrial y corresponde al 10-15% de todas las cardiopatías congénitas (Cheitlin, p. 1996 309). Sus causas básicas son desconocidas y ocurre en cerca de 0,9% de los nacidos vivos. Su etiología se relaciona con los siguientes factores: causas genéticas, ambientales y sustancias tóxicas que comprometen el desarrollo del embrión en una etapa crucial para la formación del corazón. Tenemos como objetivo, ofrecer los subsidios para que la comunidad de enfermería pueda acceder a informaciones sobre conductas diagnosticas e intervenciones. Para orientar el artículo presentamos un caso clínico como ilustración, que posibilitó mostrar los caminos para una actuación mas efectiva de la enfermera en cuánto al diagnostico precoz e intervención terapéutica.

Palabras claves: Diagnostico de la enfermera. Comunicación interatrial. Intervención de la enfermera.


 

 

ASPECTOS CONCEITUAIS E FISIOPATOLÓGICOS

A comunicação interatrial (CIA) é definida como uma abertura congênita total ou parcial, do septo interatrial, correspondendo a 10-15% de todas as cardiopatias congênitas(CARNEIRO, 1988). As causas básicas das cardiopatias congênitas, as quais ocorrem em cerca de 0,9% dos nascimentos com vida, são desconhecidas, apontando alguns fatores como causas genéticas, ambientais e substâncias tóxicas que acometem o desenvolvimento do embrião em um estágio crucial para a formação do coração.

Aproximadamente entre a 4ª e 6ª semana de vida intrauterina, o átrio primitivo deve sofrer processo de septação, o qual pode não ocorrer, formando então, o átrio único-ausência total do septo interatrial, que é raro. O processo de septação tem início através do aparecimento e crescimento do septum primum que promove a separação atrioventricular. Na porção inferior deste septo, acima das valvas atrioventriculares, pode ocorrer um defeito chamado de CIA tipo ostium primum, que na verdade deve ser encarado como um defeito do septo atrioventricular com junção atrioventricular comum. Logo depois, um segundo septo começa a se formar, é o septum secundum (CARNEIRO, 1988).

Da proliferação destes dois septos resulta a formação de um orifício, o forâmen oval, que permite uma comunicação entre os átrios indispensável na vida fetal, fechando-se funcionalmente ao nascimento e anatomicamente entre o 6º e 18º meses de idade. Os defeitos localizados na lâmina da fossa oval são responsáveis pela absoluta maioria dos CIAs.

 

ETIOLOGIA

As causas das cardiopatias congênitas permanecem não totalmente elucidadas. Vários fatores são apontados como responsáveis, tais como, infecções, como rubéola, que acometendo o organismo materno pode repercutir sobre o coração do feto em formação, irradiações, efeitos medicamentosos e fatores genéticos. É importante que se diga que os agentes tidos como responsáveis pelo aparecimento de cardiopatias congênitas atuariam sobre o coração do feto numa fase em que muitas vezes o diagnóstico clínico da gravidez ainda não foi estabelecido (HAMPSON, 1994).

A síndrome clínica do defeito do septo atrial cobre uma ampla gama de lesões que muitas vezes são indistinguíveis clinicamente. De acordo com carneiro (1988), "um forâmen oval permeável pode existir em mais de 50% dos indivíduos até os 5 anos de idade e em mais de 25% acima dos 20 anos, porém existe normalmente um shunt esquerdo-direito, devido à menor pressão e resistência das cavidades direitas, fazendo com que a membrana da fossa oval tenda a ocluir o forâmen através de um mecanismo valvar"

O defeito do septo atrial muitas vezes passa desapercebido na infância. "A gravidade da lesão depende, em parte, do tamanho do defeito, que pode limitar a quantidade de sangue que passa através da comunicação"(Cardiologia Clínica). Muitos defeitos são suficientemente grandes para permitir que as pressões nos átrios fiquem iguais. Assim, a magnitude da derivação de sangue da esquerda para a direita depende principalmente das características do enchimento dos ventrículos (WOOD, 2000).

 

AVALIAÇÃO DIAGNÓSTICA DE ENFERMAGEM

O diagnóstico de CIA baseia-se na história clínica, no exame físico e exames complementares. A lesão muitas vezes só é notada no início da idade adulta, seja por um exame físico ou radiografia de tórax. O sintoma mais comum de apresentação é a dispnéia de esforço (65%), seguida de palpitação decorrente de arritmia atrial (20%) e dor torácica que geralmente não tem característica anginosa. Quase sempre está presente um sopro sistólico pulmonar tipo ejeção por causa do fluxo aumentado da valva pulmonar (deWIT, 1994).

Em 90% dos pacientes portadores de CIA, o ECG mostra bloqueio de ramo direito. No raio X de tórax, geralmente apresenta aumento de átrio e ventrículo direitos e artéria pulmonar devido à circulação encontrar-se aumentada. Também pode ser feito o diagnóstico através de técnicas invasivas como o cateterismo cardíaco, medida do fluxo pulmonar ou sistêmico, diagnóstico anatômico completo, medidas das pressões intracardíacas e resistência vascular pulmonar.

 

HISTÓRIA CLÍNICA

São poucos os casos de CIA diagnosticados antes dos três anos de idade. Excetuando-se os casos diagnosticados na infância, a maioria dos casos são assintomáticos. A cianose só ocorre quando há associação com outros defeitos congênitos ou quando surgem importantes alterações no leito vascular pulmonar (aumento da resistência vascular periférica).

De acordo com Wood (2000), a história clínica deve seguir-se:

Exame físico

Na inspeção geral, estes pacientes são discretamente menores do que aqueles sem CIA, na mesma faixa etária. O exame físico do precórdio pode revelar alguns dados que auxiliam o diagnóstico.

Inspeção

Freqüentemente observa-se levantamento paraesternal esquerdo, com um coração hiperdinâmico, sugerindo fortemente o crescimento do ventrículo direito, em conseqüência da sobrecarga de volume que lhe é imposta pelo "shunt"esquerdo-direito.

Palpação

É rara a palpação de um frêmito sistólico na área pulmonar, expressão tátil do sopro aí existente. A característica fundamental é o eretismo cardíaco.

Ausculta

A 1ª bulha é normal ou acentuada no foco tricúspide. A 2ª bulha é amplamente desdobrada, já que o desdobramento é ouvido tanto na inspiração como na expiração.

O sopro sistólico no foco pulmonar é usualmente percebido com intensidade moderada. O sopro diastólico, de baixa frequência, é percebido no foco tricúspide, seguindo-se a 3ª bulha.

O estudo das especificidades relacionadas à clínica de um cliente portador de CIA vem atender ao interesse do grupo, autores deste relato, em ampliar seus conhecimentos e oferecer subsídios para outros profissionais de saúde acessarem informações acerca de condutas diagnósticas e intervenções; e ressaltar a possibilidade de o enfermeiro desenvolver seu papel no grupo multiprofissional no serviço de cardiologia, realizando exame físico e avaliação diagnóstica que possam contribuir para uma identificação precoce do quadro de anormalidades, minimizando possíveis complicações futuras.

Ilustrando essas informações sobre a CIA, apresentamos um relato de caso sobre um cliente que experimentou um processo de investigação e intervenção cirúrgica.

 

CASO CLÍNICO

J.R.F.N.R.1, 18 anos, sexo masculino, estudante. Nascido de parto prematuro com idade gestacional de seis meses e uma semana, internado por 21 dias na maternidade. Permaneceu sem apresentar anormalidades até os 17 anos, quando iniciou quadro investigatório devido à exigência da realização de exame físico para iniciar aulas de natação. Nesse período, ao exame físico realizado por uma enfermeira, foi detectado um sopro durante a ausculta cardíaca, sendo percebida discreta assimetria torácica. Por segurança, a enfermeira encaminhou o cliente a um cardiologista que solicitou a realização de um ecocardiograma, mas este mostrou-se inconclusivo. Foi realizado então, um eletrocardiograma (ECG). Neste, foi detectado um orifício interatrial, sendo o diagnóstico de CIA. Após outros exames complementares, foi encaminhado à cirurgia, sendo detectado um orifício de 3cm, sendo este fechado com enxerto bovino.

Nestes casos, o controle no pós-operatório é feito através da consulta de enfermagem mensal, que tem por objetivo acompanhar a evolução clínica do cliente, detectando precocemente quaisquer sinais de descompensação hemodinâmica ou sobrecarga cardíaca. Exames como ecocardiograma e eletrocardiograma são realizados semestralmente para avaliação de um cardiologista (FORTUNA, 1992).

O prognóstico do cliente é apresentar-se assintomático, não fazendo uso de nenhum medicamento, exercendo normalmente suas atividades diárias e praticando esportes sem restrições. Além das orientações específicas, a enfermeira oferece apoio e esclarecimentos ao cliente e a sua família, estabelecendo uma relação de confiança e assegurando um acompanhamento que se faz necessário diante de uma alteração imbuída de dúvidas e inseguranças (SANTORO, 2000).

 

DISCUSSÃO

A comunicação interatrial na maioria das vezes é diagnosticada tardiamente, pois não costuma desenvolver sinais e sintomas prematuros nos portadores do problema. Quando os sintomas iniciais se apresentam, estes são diversificados e não-específicos, o que não permite sua distinção de outras afecções. No caso clínico apresentado, uma alteração apresentada em um exame físico eventual foi o alarme para que exames específicos fossem realizados, chegando-se então ao diagnóstico de CIA. Isso mostra a importância de um exame físico bem feito e a capacidade de quem o realiza de perceber tais alterações, que nem sempre são relevantes.

É claro que a definição do diagnóstico de um distúrbio cardíaco só é possível através de exames complementares. Porém, a necessidade de realização de tais exames muitas vezes só é evidenciada após uma anamnese e um exame físico minuciosos, que podem ser realizados pelo enfermeiro. Tendo um domínio sobre o assunto, através da avaliação física, poderá ser observada a presença de sinais que indiquem possíveis disfunções.

O cuidado da enfermagem e o conhecimento específico do enfermeiro são fundamentais para o bem-estar do cliente e o diagnóstico precoce de distúrbios cardíacos. Daí a importância primordial de uma das etapas do processo de enfermagem, a avaliação diagnóstica. O contato diário assegura ao enfermeiro a base e a confiança necessárias na assistência junto ao cliente e, em especial, quando se trata de unidades cardiológicas. Segundo Boff (1999, p. 33), "cuidar é mais que um ato, é uma atitude. Portanto, abrange mais que um momento de atenção, de zelo e de desvelo. Representa uma atitude de ocupação, preocupação, responsabilização e de envolvimento afetivo com o outro". E é desse modo que atua o enfermeiro, além de todo o conhecimento científico, deve estar presente nos momentos em que seringas e comprimidos não são o essencial, pois não proporcionarão o conforto de que o cliente tanto necessita.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A incidência de menos de 1% desta anomalia congênita, em conjunto com 4% de taxa de complicação, sugere que, apesar de incomum, esta lesão pode ser encontrada na prática clínica. O diagnóstico ou a suspeita da ocorrência de CIA pode ser feito através do exame físico realizado pelo profissional, seja ele médico ou enfermeiro. Evidentemente, deve ser considerado o diagnóstico diferencial de outras patologias com manifestações agudas comuns, e confirmada com exames complementares específicos que fazem parte do serviço de cardiologia. O enfermeiro deve se inserir neste contexto como membro atuante, capaz de realizar um exame físico preciso e uma avaliação diagnóstica que permita a detecção de anormalidades que levem a um diagnóstico definitivo e tratamento específico o mais precocemente possível, diminuindo os riscos de complicação para o cliente. Desta forma, estaremos também reforçando e consolidando uma área cada vez mais em expansão, a enfermagem cardiovascular.

 

REFERÊNCIAS

BOFF, Leonardo. Saber cuidar: ética do humano - compaixão pela terra. Petrópolis: Vozes, 1999.

CARNEIRO, Raimundo D.; COUTO, A. A. Semiologia e propedeutica cardiológicas. Rio de Janeiro: Atheneu, 1988.

DEWIT, Susan C. Nursing skills for clinical practice. Philadelphia: Independence Square West. 1994.

FORTUNA, Prado. Pós-operatório imediatio em cirurgia cardíaca. Rio de Janeiro: Livraria Atheneu. 1992.

HAMPSON, Gillian D. Pratice nursing handbook. Oxford: Library of Congress.1994.

SANTORO, Deyse C. O cuidado de enfermagem na unidade coronariana: um ensaio sobre a dimensão da subjetividade no cuidar. Tese ( Doutorado em Enfermagem) Escola de Enfermagem Anna Nery, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2000.

WOOD, Susan L.; FROELICHER, Erika S.; MOTZER, Sandra Underhill. Cardiac nursing. Lippincott,2000.

 

NOTAS

1Ressaltamos que por questões éticas e atendimento à Resolução 196/96, do Conselho Nacional de Saúde, a identidade pessoal do cliente, a instituição hospitalar e os profissionais envolvidos no caso clínico não serão revelados.

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