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CAPES

Volume 8, Número 1, Jan/Abr - 2004

ARTIGOS DE PESQUISAS

 

A semiologia da expressão dos pacientes com feridas cirúrgicas no pós-operatório imediato

 

The semiology of the patients expression with surgical wounds in the one after immediate operatory

 

La semiología de la expresión de los pacientes con heridas quirúrgicas en el post-operatório inmediato

 

 

Sílvia Teresa de Carvalho AraújoI; Vera Lúcia Freitas de MouraII; Denise de Assis Corrêa SóriaIII; Elza Maria dos Santos LimaIII

IProfessora Adjunta e Doutora em Enfermagem do Departamento de Enfermagem Médico-Cirúrgica da Escola de Enfermagem Anna Nery/UFRJ
IIProfessora Assistente e Mestra em Enfermagem do Departamento de Enfermagem Médico-Cirúrgica da Escola de Enfermagem Alfredo Pinto/UNIRIO
IIIProfessora Adjunta e Mestra em Enfermagem do Departamento de Enfermagem Médico-Cirúrgica da Escola de Enfermagem Alfredo Pinto/UNIRIO

 

 


RESUMO

Este estudo investigou, através da semiologia da expressão, as emoções dos pacientes com perda da integridade da pele pela incisão cirúrgica.
OBJETIVOS: 1) Testar um instrumento para decodificação das expressões não verbais dos pacientes, que participam nos cuidados de enfermagem; 2) Descrever e discutir as expressões faciais e corporais destes pacientes, decodificando-as de acordo com a comunicação não verbal; 3) Discutir as implicações desta comunicação não verbal para o cuidar/cuidado de enfermagem.
METODOLOGIA: Observação participante. O estudo foi desenvolvido em hospital federal do Rio de Janeiro, em 2003. Os atores foram pacientes com feridas cirúrgicas internados em Centro de Tratamento Intensivo no pós-operatório imediato. Os dados tratados foram categorizados com base em Silva e Silva10.
RESULTADOS: foram construídos e validados os instrumentos; obteve-se as manifestações não verbais e corporais dos pacientes com feridas cirúrgicas. As emoções validadas foram: dor, incômodo, surpresa, dúvida, ansiedade, medo e timidez/vergonha. As manifestações proxêmicas e tacésicas devem ser consideradas na experiência do enfermeiro.

Palavras-chave: Cuidado de enfermagem. Comunicação não verbal. Ferida cirúrgica.


ABSTRACT

This study has investigated, through the semiology of the expression, the emotions of the patients with loss of the integrity of the skin by the surgical incision.
OBJECTIVES: 1) To test an instrument for the decodefication of the not verbal communication of the patients, whose take part of the Nursing care; 2) To describe and discuss the facial and corporal expressions of these patients, decodefying it according to the not verbal communication; 3) To discuss the implications of this not verbal communication for the Nursing to take care/care.
METHODOLOGY: Participant Observation. The study was developped in a Federal Hospital of Rio de Janeiro - Brazil, in 2003. The actors was patients with surgical wounds interned in the Intensive Treatment Center in the after operatiom immediate. The data was categorized based in Silva and Silva10.
RESULTS: It was constructed and validated the instruments; It was obtainned not verbal and corporal manifestations of the patients with surgical wounds. The validated emotions was: pain, bother, surprise, doubt, anxiety, fear and shyness. The proximity and touch manifestations must be considered in the experience of the nurse.

Keywords: Nursing care. Not verbal Comunication. Surgical Wounds.


RESUMEN

Este estudio investigó, a través de la semiología de la expresión, las emociones de los pacientes con pérdida de la piel por incisión quirúrgica.
OBJETIVOS: 1) Testar un instrumento para descodificación de las expressiones no verbales de los pacientes, ellos participan en los cuidados de enfermería; 2) Describir y discutir las expresiones faciales y corporales de estos pacientes, descodificándolas según la comunicación no verbal; 3) Discutir las implicacionesde de a comunicación no verbal y sus implicaciones para el cuidar/cuidado de enfermería.
METODOLOGÍA: Observación participante. El estudio fue desarrollado en um hospital federal de Rio de Janeiro - Brasil, en 2003. Los actores fueron pacientes con heridas quirúrgicas internados en Centro de Tratamiento Intensivo en el post-operatório inmediato. Los datos obtenidos fueron categorizados con base en Silva y Silva.
RESULTADOS: los instrumentos fueron construídos y validados; se obtuvieron las manifestaciones no verbales y corporales de los pacientes com heridas quirúrgicas. Las emociones validadas fueron: dolor, incomodidad, sorpresa, duda, ansiedad, miedo y timidez/vergüenza. Las manifestaciones de la proximidad y del tacto deben ser consideradas en la experiencia del enfermero.

Palabras clave: Cuidado de enfermería. Comunicación no verbal. Herida quirúrgica.


 

 

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Surgiu um grande interesse em pesquisar em profundidade as emoções que estão entrelaçadas neste universo subjetivo do cuidar na enfermagem de pacientes com perda da integridade da pele, especificamente pela incisão cirúrgica, com um olhar diferenciado, quando as autoras tiveram um encontro com a semiologia de expressão não verbal e a subjetividade.

Como professoras e supervisoras de acadêmicos do Curso de Graduação em Enfermagem da Escola de Enfermagem Alfredo Pinto (EEAP/UNIRIO) e da Escola de Enfermagem Anna Nery (EEAN - UFRJ), temos valorizado no ensino e na prática a decodificação de expressões não verbais, durante o período de ensino clínico da disciplina Atenção do Adulto e do Idoso I e II (5º e 6º períodos), e no PCI IX - Assistência de enfermagem ao cliente hospitalizado III (6º período), verificamos no cenário hospitalar que a decodificação não verbal auxilia na construção da semiologia e na compreensão das emoções dos pacientes assistidos por nós. Apesar de as expressões não verbais serem objeto de algumas pesquisas na enfermagem, nesta pesquisa pretendemos enfocar aquelas expressões que foram manifestadas pelo paciente, durante o procedimento de cuidado com a ferida cirúrgica.

No contexto do cuidado hospitalare, lidamos com pessoas em situações de desequilíbrio, fisicamente doentes, em crise, e muitas vezes desencadeadoras de emoções; destacamos os sentimentos e emoções do paciente como relevantes para o cuidado do enfermeiro. Essas emoções geram necessidades que podem e devem ser percebidas e atendidas por ele no desenvolvimento do toque terapêutico, que se caracteriza pelas etapas de realização dos curativos no pós-operatório imediato. Outrossim, é preciso que esse profissional conheça os sentimentos e as emoções. Se consideradas em todas elas, da remoção do curativo oclusivo até a nova oclusão, acreditamos ser o toque do enfermeiro capaz de transformar o procedimento pela emissão de energia positiva gerando um sistema de troca capaz de minimizar o incômodo comumente em entrada nesse cuidado.

Como bem destaca Silva 1:33, para que o toque terapêutico do enfermeiro contemple o toque afetivo, ele necessita evoluir da simples execução mecânica da técnica para a etapa de compreensão do significado pessoal do paciente, no momento de tocá-lo. Para essa evolução no cuidado, faz-se necessário que o enfermeiro reflita sobre a importância das expressões humanas.

Alguns esquemas de percepção, utilizando os sentidos corporais, têm sido destacados por Araújo2 como instrumentos ou técnicas de pesquisa facilitadoras da identificação das manifestações não verbais, com base na semiologia da expressão e da compreensão dos aspectos subjetivos presentes na interação do enfermeiro com o paciente, durante o cuidar/cuidado de enfermagem

Para Moura 3:108, os pacientes oncológicos e hospitalizados com feridas e dor revelaram dois fatores muito importantes na assistência de enfermagem, que são: a humanização durante os cuidados de enfermagem e o aspecto emocional deles, quanto à ansiedade e preocupação à respeito da cicatrização da ferida. Foi identificado que as emoções permeavam os dois universos: o de quem cuida e o de quem é cuidado. No universo dos pacientes, as emoções foram descritas como parte importante do relacionamento pessoal entre os pacientes e a equipe de enfermagem, estando representadas em momentos de amor, atenção, boa vontade e prazer ao cuidar.

A mesma autora revela que alguns fatores influenciam a severidade da dor dos pacientes. Entre eles se destacam a sensação de desânimo e o medo da morte, adicionados ao sofrimento total do paciente, exacerbando a dor. Por isso, antes de se decidir o tratamento deve-se pesquisar a causa, a história, as características da dor e avaliar o estado psicológico e físico do paciente

Os profissionais de saúde, cientes de suas responsabilidades ao desenvolver uma forma de atenção em saúde integradora, diferenciada e específica, devem incluir uma abordagem mais integral no tratamento dos pacientes com feridas e dor. Considerando o exposto, os objetivos deste trabalho são:

1. Testar um instrumento para decodificação das expressões não verbais dos pacientes, eles da participam nos cuidados de enfermagem;

2. Descrever expressões faciais e corporais dos pacientes participantes do cuidado de enfermagem, decodificando-as de acordo com comunicação não verbal;

3. Discutir as expressões faciais e corporais como partes da comunicação não verbal e suas implicações para o cuidar/cuidado de enfermagem.

Para demonstrar as construções da semiologia da expressão do estudo na prática do cuidar/cuidado em enfermagem, apresentaremos as seções subseqüentes relacionadas à comunicação não verbal de pacientes, no cenário hospitalar.

 

2. DESENVOLVENDO UMA TRAJETÓRIA DE ESTUDO

2.1 A comunicação não verbal no cenário hospitalar

A comunicação é um processo constituído de formas verbais e não verbais utilizadas pelo emissor com o propósito de compartilhar informações. Para perceber o outro, acessamos nossos sentidos corporais, para estarmos abertos ao processo de comunicação.

A percepção é aquilo que dá significado às nossas interações com o outro. É o que Silva1 acredita estar na base dessa habilidade em decifrar as manifestações não verbais de comportamento capacitando-nos a identificar a confirmação ou negação da manifestação verbal.

A comunicação é entendida como um processo de compreender, compartilhar mensagens enviadas e recebidas, sendo que as próprias mensagens e o modo como se dá seu intercâmbio, em conjunto, exercem influência no comportamento das pessoas envolvidas neste processo.

Para Silva1:276, a comunicação não verbal tem merecido pouca atenção dos pesquisadores, o que dificulta o avanço do saber nesta área. Isso conseqüentemente limita as interações interpessoais, pelo desconhecimento de seus tipos, das suas formas e de seus efeitos, resultando em um empobrecimento do processo comunicativo.

Sandoval4:401 nos permite compreender que a comunicação não é apenas um processo no qual duas ou mais pessoas interagem, e sim um processo profundo, complexo e abrangente que envolve não só a utilização da linguagem e/ou gestos, mas também as cognições e o comportamento das pessoas.

Como destaca Stefanelli5:38, na interação, somente trinta e cinco por cento das informações ou mensagens é transmitida verbalmente pelas pessoas. Os sessenta e cinco por cento dela é transmitida não verbalmente. Face à essas informações, impõe-se, durante a interação enfermeiro/paciente, a consideração de que os indícios não verbais permitem a compreensão do que está sendo transmitido, vivenciado ou silenciado durante o cuidado de enfermagem.

A exemplo disso, a mesma autora5:35 atribuiu ao toque a capacidade de obter e manter a atenção da pessoa; comunicar o "cuidado", quando parecer desapropriado fazê-lo por meio de palavras; o "apoio" numa situação de crise; servir como modelo para alguém que evita tocar as pessoas; a transmissão de "calma" face a um descontrole emocional súbito do outro; facilitar a comunicação com pessoas prejudicadas em suas visão e audição.

Segundo Silva6:270, entre os tipos de sinais não verbais abordados, o toque é um deles, tornando-se parte integrante do cuidado de enfermagem. Ele deve ser valorizado, considerando que todas as suas características envolvem pressão exercida, local onde se toca, idade e sexo dos comunicadores, privacidade, consentimento, espaço pessoal, territorialidade, diferenças individuais e culturais.

Essas mesmas autoras1:312 fazem uma distinção entre o toque instrumental e o afetivo. O primeiro tipo de toque é aquele que requer contato físico para execução de técnicas; o segundo tipo é espontâneo e tem a finalidade de demonstrar empatia, apoio, segurança e proximidade para com o paciente.

Silva1:312 define o toque como a ação ou ato de sentir alguma coisa com a mão, apalpar, comover, sensibilizar, entre outros. Embora o tato não seja em si uma emoção, seus elementos sensoriais produzem alterações neuronais, glandulares, musculares e mentais que, quando combinadas, compõem a emoção, e não apenas a sensação. Para essa autora, em linhas gerais, o tocar é imprescindível em nossa profissão e ele está muito ligado à sensação de "estar próximo", de se "envolver" com alguém. Para usá-lo, deve-se ter uma consciência para decidir: tocar indiscriminadamente, sem permitir permissão, tocar intuitivamente, ou com base em algum conhecimento, ensinamento ou planejamento, que resultarão igualmente em diferentes efeitos sobre o cuidado que se pretende realizar.

Leloup apud Bandeira7:351 afirma que a relação com o corpo é um equilíbrio a ser reencontrado. No corpo está a membrana da existência (pele) e tocar nela significa tocar uma pessoa com toda sua história.

Dessa forma, buscamos nesta pesquisa decodificar as manifestações não verbais de pacientes no período pós-operatório imediato, que são portadores de feridas cirúrgicas. Suas manifestações não verbais, durante a realização do primeiro curativo da ferida cirúrgica, foram o alvo privilegiado deste estudo.

 

3. CAMINHO METODOLÓGICO

A realidade da prática profissional, para Deslandes8, pode ser acessada através da aplicação de técnicas de pesquisa tais como a observação participante que se realiza através do contato direto do pesquisador com o fenômeno.

Para Minayo9:105, o campo de pesquisa é como um recorte que o pesquisador faz em termos de espaço, representando uma realidade empírica a ser estudada a partir de concepções teóricas que fundamentam o objetivo da investigação. O estudo ora apresentado foi realizado num hospital federal do Rio de Janeiro. Os atores escolhidos aleatoriamente foram os pacientes com feridas cirúrgicas internados em CTI, no período pós-operatório imediato, que concordaram em participar de todas as etapas da pesquisa.

No ensino, na assistência e na pesquisa sobre as manifestações não verbais, no contexto do cuidado do paciente hospitalizado, observamos que tanto os alunos como os enfermeiros docentes e assistenciais apresentam uma limitação referente à comunicação não verbal como um conhecimento apropriado à prática profissional. Por conseqüência, por esta não ser uma área de domínio da Enfermagem, construímos um instrumento capaz de identificar códigos gerais de expressões de pacientes cirúrgicos emitidos durante a técnica de curativo cirúrgico no período pós-operatório imediato. Utilizamos, para isso, cinco momentos apresentados a seguir.

1. Primeiro Momento: Foram construídos dois instrumentos: (1) um formulário do tipo ficha de caracterização e de observação das manifestações não verbais, durante a realização de curativos (anexo I); (2) um roteiro de descrição das emoções e expressões faciais dos pacientes cirúrgicos, durante a realização da técnica de curativo, no qual descrevemos as emoções dos pacientes com base nas emoções e expressões faciais e corporais sugeridas por Silva e Silva10:85 (anexo II). Para dinamizar o trabalho, foi criada uma lista de pseudônimos com nomes de cores (amarelo, laranja, vermelho, azul, azul claro, verde e rosa) para identificar os sete sujeitos participantes da pesquisa.

2. Segundo Momento: Solicitamos e obtivemos a permissão do Chefe de Enfermagem do Setor para manusear os prontuários dos pacientes internados e proceder ao levantamento daqueles que poderiam ser selecionados como sujeitos da pesquisa. Assim, a investigação foi realizada com aqueles pacientes que aceitaram dela participar.

3. Terceiro Momento: A escolha dos sujeitos deu-se de forma aleatória e o registro dos dados da pesquisa ocorreu durante o procedimento de curativo. Vale ressaltar que todos os passos de desenvolvimento desta pesquisa pautaram-se nos requisitos exigidos quanto ao respeito aos aspectos éticos e legais da profissão em conformidade com a Lei 7.498/98 e seu Decreto 94.406/87 e na Resolução 196/96, do CNS/MS, que regulamenta a pesquisa com seres humanos. Todos os pacientes participantes da pesquisa assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido, aderindo voluntariamente e sabendo que poderiam afastar-se a qualquer momento da pesquisa, sem nenhum prejuízo.

4. Quarto Momento: Após a seleção dos sujeitos, foi realizada uma testagem-piloto com três dos pacientes utilizando-se os dois primeiros instrumentos antes referidos.

5. Quinto Momento: Realizamos a análise da testagem-piloto, que propiciou a validação dos instrumentos e a aplicabilidade dos mesmos para confirmação do planejamento das etapas da pesquisa e dos setores nos quais os demais sujeitos foram selecionados. E prosseguimos no levantamento dos dados com a participação de mais quatro sujeitos, o que levou a um total de sete sujeitos.

Após a leitura das informações contidas nos instrumentos já testados, decidimos separá-las em sete etapas.

Na primeira etapa foi iniciada a identificação dos pacientes entrevistados, na qual existiam informações importantes quanto ao perfil da clientela observada pelas pesquisadoras. Essa identificação foi registrada em uma ficha de observação na qual constavam idade, data e dias de internação, diagnóstico médico, tipos de curativos e drenos utilizados.

Na segunda etapa foi desenvolvida a observação da cinesia dos pacientes durante a realização dos curativos, nos seguintes momentos: diante do material de curativo e do profissional na hora de realização da técnica; durante a remoção do esparadrapo; aderindo à pele; durante a limpeza da pele; no momento de manuseio do dreno; ao utilizar a solução no local da ferida e na oclusão do curativo.

Na terceira etapa foi realizada uma entrevista com base no seguinte tema norteador: Quais são as suas sensações durante o curativo?

A quarta etapa iniciou-se com a caracterização das informações contidas nos instrumentos. No total de sete entrevistas realizadas, nas quais apareceram as cinesias e manifestações não verbais dos pacientes entrevistados, novos significados e fatos foram pesquisados, o que facilitou o processo de análise dos dados produzidos, utilizando-se o segundo instrumento.

Na quinta etapa foi construída uma categorização do tema norteador, que propiciou a emergência de expressões faciais e corporais dos sujeitos da pesquisa agrupadas segundo o tipo de emoção vinculada.

A sexta etapa foi aquela em que os conteúdos das entrevistas foram inseridos na proposta desenvolvida por Araújo2 para atribuir sentido às expressões corporais.

A sétima etapa consistiu em analisar as expressões corporais identificadas nos sujeitos. Essa análise adotou alguns autores para balizar os resultados encontrados. A trajetória da pesquisa, no curso e percurso dos momentos descritos, propiciou a construção do corpus de dados, que se configuraram como conteúdo principal da pesquisa.

 

4. ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS

Nesta parte serão apresentados os resultados obtidos na análise dos resultados produzidos nesta pesquisa. A triangulação dos aspectos quantitativos e qualitativos dos pacientes observados durante a realização do curativo e levantados juntos aos pacientes evidenciaram os seguintes resultados:

Os pacientes entrevistados, na sua maioria são do sexo feminino (4), na faixa etária entre de 60 e 80 anos. Os sujeitos do sexo masculino (3) apresentaram a mesma faixa etária. A permanência dos pacientes no CTI foi de 8 dias em média, variando de 1 a 23 dias.

O espaço pessoal é o território invisível, dentro do qual os indivíduos situam-se na relação interpessoal e logram interesse entendido no seu sentido etimológico latino de estar entre, estar dentro do contexto, estar comprometido com ele. A defesa desse espaço pode ser observada pela comunicação não verbal. Quando o espaço não é respeitado, pode gerar ansiedade. O espaço deve ser visto também, em termos de territorialidade, como área necessária à autodefesa. E em termos de proximidade, a territorialidade é mantida por ocasião do relacionamento, o que é denominado por alguns autores de comunicação proxêmica, como por exemplo Stefanelli5.

Não podemos ficar indiferentes diante de diversificadas experiências, dos pacientes, nas quais a riqueza de "ser", "perceber" e "reagir" é de cada um, distintamente expressas de forma clara e compreensível e com aparente simplicidade, desvelando no seu bojo uma intensa complexidade. Essa pode ser entendida pelas multirreferências que explicam as possíveis inter-relações entre o real, o imaginário e a subjetividade de cada paciente2.

Observamos que, quanto ao tipo de curativo, o mais utilizado foi o curativo simples com soro fisiológico a 0,9% ou álcool a 70%. A região mais afetada nos pacientes foi a área abdominal (5) apresentando drenos de penrose (2); drenos de dupla luz (1); bolsas de colostomia (4); incisão craniana (1); e associado a amputação do MID (1). Para a realização dos curativos foram gastos 16 minutos, em média.

A avaliação atenta das manifestações não verbais do paciente durante o curativo pôde possibilitar ao enfermeiro a compreensão dos aspectos pessoais de ordem biopsicoemocional. Estes aspectos ora referem-se à imagem corporal, pela mutilação relacionada ao segmento corporal ou pelo tipo de cirurgia realizada ora tornam-se evidentes e intrínsecos à condição de utensílios como fio, bolsas, drenos presos em seus corpos, cujos aspectos sociais são evidentes.

Entretanto, temos de considerar que, em quase todas as ações de enfermagem, nós tocamos o cliente. Esse modo de comunicação não verbal (táctil) transmite muito conteúdo de nosso estado emocional e dos nossos pensamentos relacionados aos clientes. O toque é defendido como um tipo muito importante de comunicação não verbal. Através dele, podemos indicar para a pessoa que fique onde está, que se aproxime ou que "estamos com ela" em uma dada situação. É um dos meios mais concretos de transmitir nossos sentimentos de empatia e confiança.

O toque terapêutico e compassivo das(os) enfermeiras (os) é atravessado pela esfera afetiva, que mostra, muitas vezes, o desespero do cliente na hora do curativo. A manifestação não verbal proxêmica passa então a ser determinante para uma assistência integral e permanente, que tem por objetivo atender as necessidades manifestadas pelo paciente.

Para Gauthier11:23, se a emoção é o lado mais primitivo do pensamento, ela é também a energia; a raiz vital de todo pensamento. A idéia mais abstrata gera uma emoção, no lado físico, corporal, do nosso modo de estar no mundo, e uma imagem dinâmica do lado mental.

Muitas pessoas, quando se internam a fim de se submeterem a uma cirurgia, concentram-se totalmente em sua dor e sofrimento. Na crise, algumas pessoas concentram-se em algum fato externo para distrair a mente e não pensar no corpo e nos temas sofrimento e tempo. Outras pessoas escolhem sentir dor para superá-la. Existe uma parte de nossa psique que equilibra o tempo e explora nossos limites mentais (Ackerman12:132).

A seguir serão apresentadas as descrições das expressões faciais e corporais e as manifestações não verbais dos pacientes colhidas durante a realização do curativo. As expressões corporais apresentaram-se através dos seguintes gestos:

a) Elevação dos membros superiores durante a remoção do esparadrapo, na utilização da solução e na oclusão do curativo - 3 pacientes;

b) Relaxamento dos MMSS durante a oclusão do curativo - 5 pacientes;

c) Elevações dos MMII e contração dos MMSS durante a utilização de solução na limpeza da ferida - 4 pacientes;

d) Contrações abdominais durante o manuseio dos drenos na região abdominal - 2 pacientes.

A manifestação tacésica é conceituada como a comunicação que envolve o tato, o toque terapêutico para procedimentos, ou ataque afetivo para o apoio ao paciente, no qual devemos considerar as regiões autorizadas para essa invasão. Devemos considerar também o sexo e a idade durante essa interação.

Tanto nós quanto os pacientes utilizamos os tipos de comunicação não verbal simultaneamente. Diríamos até que há um encadeamento natural dessa linguagem. Elas se complementam, ao mesmo tempo em que se reforçam. Quando o enfermeiro se comunica cinesicamente com a face, sendo expressão facial positiva, isso pode facilitar a percepção do seu paciente, de modo que se estabeleça empatia entre ambos.

À medida que as percepções muitas vezes vibram na mesma freqüência, outros movimentos do corpo vão aparecendo: o da aproximação ou afastamento (manifestação proxêmica); os movimentos cinésicos dos braços e mãos como extensões da nossa voz, que ora podem estar ausentes e substituídas transformando-se em manifestação tacésica como permissão total de interação.

Quanto às expressões faciais e as emoções demonstradas pelos pacientes, foram identificadas as seguintes:

a) A dor e o incômodo apareceram como foco principal. Entre eles encontramos 23 manifestações: gemido (2), olhos fechados (11), rugas na testa (8), lábios comprimidos (1) e comissura labial para baixo e suor frio ( 1).

b) A surpresa surgiu com abertura dos olhos (10) e da boca (1).

c) A dúvida apareceu com o inclinar da cabeça (6) e o erguer das sobrancelhas (1).

d) A ansiedade, o medo e timidez/vergonha fizeram surgir rugas na testa (1), expressão facial séria e rígida e mudança no foco do olhar (1).

Não devemos esquecer que o espaço pessoal também tem influência na comunicação. O espaço que mantemos entre o outro e nós pode influenciar ou mesmo definir o tipo de relacionamento que será mantido. Quando estamos próximos, o silêncio dá espaço às verbalizações para perguntar, esclarecer, dividir, compartilhar.

Portanto, sempre que se mexe com o corpo, ele remete a um território, uma fronteira e um espaço físico. Sendo o corpo um centro de informações para todos nós, devemos considerar o cuidado de enfermagem como um momento rico para compreender questões somente alcançáveis pelas diferentes formas de olhar, tocar, sentir, ouvir, cheirar e se emocionar, o que são características singulares e intransferíveis.

Na Enfermagem, interferimos com o território corporal do outro e com a sua dimensão subjetiva. Por isso, todo cuidado deve ser bastante explorador e atento aos indícios expressados pelo corpo do cliente, durante o desenvolvimento do procedimento de curativo. A ferida cirúrgica remete a uma alteração do corpo, à mudança da cor, à textura, ao cheiro e às vezes até a uma alteração de função de um segmento do corpo.

A pele é viva, respira e produz, protege, isola-nos do calor e do frio, recompõe-se quando necessário, regula o fluxo sangüíneo, atua como moldura para nosso tato, auxilia-nos na atração sexual e define nossa individualidade, através de impressões digitais únicas e com padrões característicos próprios. Ackerman12:93;102 ressalta ainda que a quantidade de informações que podem ser transmitidas por meio de um toque chega a ser surpreendente, e, por isso, elas percorrem todo o corpo.

 

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao final deste estudo, consideramos que seus objetivos foram alcançados. Foram realizadas a testagem e a validação de um instrumento, do qual obtivemos manifestações não verbais e corporais dos pacientes com feridas cirúrgicas, durante a realização de curativos por enfermeiros em CTI. Quanto às emoções responsáveis pelas expressões não verbais e validadas verbalmente pelos pacientes, elas foram a dor e o incômodo, a surpresa, a dúvida, a ansiedade, o medo e a timidez/vergonha.

Para Silva6:310, o estudo do âmbito não verbal da comunicação possibilita aos enfermeiros resgatar a capacidade de percepção dos sentimentos do paciente, em seus momentos de dúvida e dificuldade de verbalização, propiciando-lhe também potencializá-las como elementos transmissores de mensagens.

É urgente também a necessidade de os enfermeiros conhecerem ou resgatarem, no nível consciente, a comunicação não verbal emitida por eles e pelos pacientes, já que ela é a verdadeira "delatora" das nossas intenções, objetivos, crenças e sentimentos.

Os professores e os estudantes de enfermagem marcam as fronteiras das seqüências interacionais, dos intercâmbios temáticos, das fases e até das lições sobre a modificação dos seus comportamentos gestuais, paralingüísticos e verbais, no cenário de prática. Essas fronteiras devem auxiliar na reflexão da práxis assistencial.

Ficou claro que as manifestações proxêmicas e tacésicas devem ser consideradas na experiência do enfermeiro. Quando se valorizam os aspectos subjetivos e se explora o potencial de informações do paciente, enquanto ele se mantém em silêncio, certamente obtém-se com ele uma interação mais calorosa.

É possível traçar um caminho ideal para vincular o ensino do processo assistencial à aprendizagem das mensagens silenciosas do paciente. O enfermeiro deve estar atento para desenvolver habilidades interativas, a fim de facilitar a liberdade de expressão, tão contida nessa clientela, para que ela possa, ao menos, compartilhar suas emoções e temores.

Passando para as experiências tacésicas, a do toque durante a realização do curativo foi a experiência que mais marcou. A partir da observação e análise do cuidado nas diferentes fases da técnica de curativo pudemos redimensionar a forma de realizá-lo e a forma de perceber o paciente. Nesta pesquisa, trabalhamos com as mãos e com os demais sentidos corporais, para captar além dos bordos da ferida cirúrgica. A ampliação de nossos sentidos corporais permitiu visualizar o ser humano que existe em cada olhar, cada gesto, cada postura ou reação. Nesse exercício de pesquisar durante a realização do curativo, as peculiaridades de cada paciente apresentaram-se em relevo durante o cuidado.

O (re)dimensionamento consiste, portanto, na sistematização do curativo definido por etapas seqüenciais, nas quais as ações do enfermeiro não devem ser rígidas ou mecânicas. As habilidades técnicas devem estar associadas às habilidades humanas, para ajustar na técnica a força, a pressão e tempo no qual o enfermeiro desenvolve os momentos para realizar o curativo no paciente.

Deixamos de dividir nosso tempo e nossos olhares entre papéis e fácies para nos dedicarmos agora exclusivamente ao olhar atentivo, sem pressa, com zelo, de corpo e alma. E, nesse devir, oferecer um gesto compreensivo e recíproco ao apelo das manifestações não verbais do paciente, durante a realização do curativo.

As expressões não verbais demonstram a capacidade cognoscível, principalmente quando utilizamos nossos sentidos corporais. O exercício contínuo de investigá-las nas interações com os pacientes também nos faz desenvolver habilidades para perceber e atender a essas expressões não verbais.

Enriquecidos pelos sentidos e pela dimensão da comunicação não verbal, os enfermeiros capacitam-se pela aprendizagem de conhecimentos tão necessários à compreensão dos fenômenos que envolvem o cuidar dos pacientes, durante a realização do curativo.

O conhecimento sensível deve ser rico, claro e adequado, principalmente para a área das ciências ditas humanas. Já que a Enfermagem lida com seres humanos, ele requer, portanto, que os enfermeiros engajem-se na harmonia de seus sentidos corporais, empregados durante a assistência prestada aos pacientes. O pensar sobre uma experiência vivida exercita uma multirracionalidade, nas suas manifestações mais diversas.

Terminamos nossas considerações com a categoria do sentido do tato criada na tese de Araújo2 e simbolizada na seguinte frase e poesia: O toque firme que pede ajuda às pessoas que cuidam no ambiente... Um toque diz mais que mil palavras acalmam, acalenta, acolhe, e quando eu me toco eu me sinto, é importante o sentir das minhas mãos e das mãos de quem eu cuido."...

 

REFERÊNCIAS

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3. Moura VLF. A avaliação dos cuidados de enfermagem ao paciente oncológico com feridas e dor o cotidiano de enfermagem. Dissertação de Mestrado. Curso de Mestrado em Enfermagem. UNIRIO 1999, 112p.

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9. Minayo MCS, O desafio do conhecimento Pesquisa qualitativa em saúde. 4ª ed., SP: Hucitec-Abrasco, 1996. p.105

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Recebido em 21/10/2003
Reapresentado em 20/02/2004
Aprovado em 02/03/2004

 

 


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