Volume 8, Número 2, Mai/Ago - 2004
ARTIGOS DE REVISÃO
A institucionalização do parto e a humanização da assistência: revisão de literatura
The institucionalization of the delivery and the humanizing of the care: literary revision
La institucionalización del parto y la humanización de la atención: revisión de literatura
Leila Regina WolffI; Maria Aparecida Vasconcelos MouraII
IDoutoranda da Escola de Enfermagem Anna Nery/UFRJ. Profª. Assistente da Universidade Federal de Santa Maria - UFSM. Membro do Núcleo de Pesquisa em Saúde da Mulher- NUPESM
IIOrientadora, Profª. Drª. da Escola de Enfermagem Anna Nery/UFRJ Pesquisadora do NUPESM. Coord. Adj. do Mestrado da EEAN/UFRJ
RESUMO
Para a maioria das mulheres e família, a maternidade é um momento especial em suas vidas, no qual uma assistência humanizada, permeada pela sensibilidade em todos os atos e atitudes da equipe multiprofissional, constituída por profissionais conscientes do papel que desempenham nesse processo, traz segurança e bem-estar à mulher e família. Esta revisão buscou analisar a temática encontrada na literatura sobre a promoção de uma assistência humanizada à maternidade na institucionalização do parto, para um nascimento saudável. O Ministério da Saúde, ao instituir o Programa de Humanização ao Pré-Natal e Nascimento, pretende integrar a capacitação técnica à humanização no processo de atenção à mulher durante a gestação e o parto e resgatar a singularidade desse momento para as mulheres e profissionais da saúde. A criação de um vínculo mais profundo com a gestante, resultante da assistência,
Palavras-chave: Saúde da Mulher. Assistência. Parto. Humanização do parto.
ABSTRACT
To most women and families, the materniy is a special moment in their lifes, in wich a qualify and humanize care, permeated by the sensitivity in every multiprofessional staff acts and attitudes, formed by conscious professionals about their roles in this process, giving security and the well-being of the women and her family. This revision seeked to analyzes the thematics found in the literature about the promotion of a humanizing care to the maternity in the institucionalization of the delivery, for a health birth. As the Health Ministry instuted the Humanizing to the Prenatal and Birth, intend to integrate the technical capacitation to the humanizing in the care process to the woman during pregnancy and the delivery and to rescue the sigularity of this moment to the women and health professionals. The creation of a deeper link with the pregnant, resultant of the care, give to her confiability and tranquility during the implementation of the strategies to the humanizing of the care to the institucionalizationed delivery.
Keywords: Women's Health. Care. Delivery. Humanizing Delivery.
RESUMEN
La maternidad para la mayoría de las mujeres y familia es un momento especial en sus vidas, donde se espera una asistencia de calidad y humanizada, que pasa por la sensibilidad en todos los actos y actitudes del equipo multiprofesional, constituida por profesionales concientes del papel que desempeñan en ese proceso. El estudio de la representación de las mujeres sobre la asistencia recibida durante el trabajo de parto identificará y caracterizará la asistencia dada a las parturientas, en la representación de las mujeres. Aborda el Programa de Humanización al Pre-Natal y Nacimiento, instituido por el Ministerio de la Salud, que pretende integrar la capacitación técnica a la humanización en el proceso de atención a la mujer durante la gestación y parto y rescatar la singularidad de ese momento. La creación de un vínculo más profundo con la gestante, para las mujeres y profesionales resultante de la asistencia, transfiere para ella confianza y tranquilidad durante la implementación de las estrategias para humanización de la atención al parto institucionalizado.
Palabras clave: Salud de las Mujeres. Atención. Parto. Humanización del parto.
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O nascimento é historicamente um evento natural, sendo que as primeiras civilizações agregaram a esse acontecimento inúmeros significados culturais, que através de gerações sofreram transformações. O nascimento ainda é comemorado como um dos fatos marcantes da vida. Assim, o parto por muitos anos foi um evento privado, íntimo e feminino, que passou a ser vivido de maneira pública e institucionalizado, quando ele se deslocou para as instituições de saúde. A assistência à mulher tornou o momento do parto em um momento desconhecido e amedrontador. Em contrapartida, esse evento transformou-se em mais conveniente e asséptico para os profissionais de saúde. Essas maneiras diversas de experimentar o parto, até mesmo contraditórias, destacam a essencialidade de uma assistência humanizada à parturiente e família recebida do profissional de saúde, levando em conta e respeitando a maneira de ser, de sentir e os direitos dessa mulher.
A assistência hospitalar ao parto deve ser segura e proporcionar a cada mulher os benefícios dos avanços científicos. Mas fundamentalmente, ela deve permitir e estimular o exercício da cidadania feminina, resgatando a autonomia da mulher no parto.
O Ministério da Saúde¹, ao instituir o Programa de Humanização ao Pré-Natal e Nascimento, pretende integrar a capacitação técnica da equipe multiprofissional à humanização do processo de atenção à mulher durante a gestação e parto e resgatar esse momento único da parturição para as mulheres e profissionais que o vivem.
Para dar conta da abordagem desta temática, a presente revisão tem por objetivo analisar a promoção de uma assistência humanizada à maternidade, na institucionalização do parto, para um nascimento saudável.
A INSTITUCIONALIZAÇÃO DO PARTO
A arte de partejar é uma atividade que acompanha a história da própria humanidade e, particularmente, da história da mulher. Por muito tempo, esta arte foi considerada uma atividade eminentemente feminina, tradicionalmente realizada por parteiras. Segundo Bessa e Ferreira², o processo de incorporação da prática obstétrica pelos médicos deu-se inicialmente na Europa, nos séculos XVII e XVIII, estendendo-se ao Brasil, com a criação das Escolas de Medicina e Cirurgia nos Estados da Bahia e do Rio de Janeiro, em 1808. Assim, eram aqueles que exercessem essa atividade denominados de parteiros ou médicos-parteiros.
Na opinião de Osava3, na Europa, a participação masculina no parto foi pouco freqüente até o século XVII. O relativo atraso da tocologia médica, quando se pensa na medicina como um todo, era em parte imputado a obstáculos de ordem moral, que impediam a entrada de homens nos aposentos da parturiente. A concepção do fenômeno de dar à luz como um evento fisiológico também contribuiu para manter a medicina longe do cenário da parturição. Os primeiros homens convocados para o parto atendiam em situações especialíssimas, quase sempre dramáticas. Poucos deles conheciam a fisiologia e, nessas ocasiões, estavam mais interessados em hemostasia, sutura e drenagens.
Rezende4 descreve que a presença masculina no parto era vivida com inquietude pelos presentes, pois significava que algo fora dos padrões da normalidade estava acontecendo. Antes dos cirurgiões, na maioria das sociedades primitivas, eram os médicos sacerdotes que auxiliavam as parteiras nas situações de anomalias no parto. A esses médicos foi atribuída a invenção dos primeiros instrumentos embriotômicos. No Brasil, a realização do parto permaneceu nas mãos de parteiras por todo o século XIX. Nesse sentido, Del Priore5 (p. 263) comenta que:
Esta coisa de mulher em que se constituía dar à luz requeria ritos e saberes próprios, em que os homens só interfeririam em casos de emergência e, sobretudo, nos centros urbanos. A presença masculina no parto era desconfortável, nem sempre bem vinda, porque, além dos médicos mostrarem-se em seus relatos absolutamente insensíveis à dor das parturientes, as mulheres pareciam também atingidas pelo tabu de mostrar seus genitais, preferindo, por razões psicológicas e humanitárias, a companhia das parteiras.
Em seu estudo, Vasconcelos6 refere que as parteiras, as obstetrizes e as enfermeiras obstétricas, além do envolvimento com a própria condição feminina, no passado eram a detentoras de um saber significando poder, prestígio e competência.
No pensamento de Progianti7 sobre o parto, a arte de partejar foi milenarmente constituída como saber-poder feminino, rico em saberes populares, orientado pela intuição e experiência vivida no cotidiano. Não obstante essa história, a institucionalização trouxe o processo de medicalização à mulher na sociedade, e essa prática cotidiana foi transformada em saber-poder-fazer masculino.
Pode refletir-se sobre a superação desse processo de institucionalização somente quando ocorrer uma participação efetiva dos profissionais obstétricos que, apesar de conscientes da tecnologia, passem a priorizar a humanização na dinâmica da parturição, durante a assistência ao parto normal.
Osava3 escreve sobre o fim da feminização do parto dizendo que a entrada dos médicos e seus instrumentos em cena levou as parteiras para segundo plano e marginalizou a comunidade de mulheres dos acontecimentos que marcavam o nascimento. No século XX, passou a predominar o parto hospitalar, sobretudo após a Segunda Guerra Mundial. A mudança criou condições para a inclusão de rotinas cirúrgicas no parto, como a episiotomia e o fórceps profilático. O ato de dar à luz, antes uma experiência profundamente subjetiva e de uma vivência no ambiente domiciliar para a mulher e sua família, transformou-se em experiências no âmbito hospitalar, em momento privilegiado para o treinamento de acadêmicos e residentes de medicina e obstetrizes.
Mesmo tendo as parteiras à frente do cuidado ao parto normal, ele passou a ser considerado como um ato privativo do médico. Os profissionais não-médicos, incluindo as enfermeiras e especialmente as enfermeiras obstetras, realizam o parto normal, muitas vezes, por insuficiência de cobertura médica. Apesar de existir a Lei do Exercício Profissional da Enfermagem (Lei nº 7.498/86)8, que, desde 1986, assegura a autonomia da enfermeira na consulta de enfermagem à gestante, assistência à parturiente e puérpera e o acompanhamento da evolução do trabalho de parto e execução do parto sem distócia, a mesma ainda não é reconhecida, nem respeitada.
Assim sendo, a formação das enfermeiras pela sua própria autonomia imputada pela legislação, apesar de todos com conflitos gerados na prática está assegurada. A nós profissionais é dado o direito de exercer a competência na assistência à mulher durante o ciclo grávido-puerperal, quer em Casas de Parto, Maternidades ou outras instituições.
Por ser a Enfermagem uma profissão com predominância do sexo feminino, ela não pode estar desvinculada da questão de gênero, quando se discute o cotidiano do exercício profissional da enfermeira na assistência ao parto institucional. Trata-se de uma profissão constituída em sua base histórica por mulheres e, muitas vezes, considerada como uma profissão hegemonicamente feminina. Por essa razão, existe uma questão de gênero e poder hegemônico em relação aos profissionais médicos conflitando as relações e seus saberes com os saberes das enfermeiras, na institucionalização do parto normal. Concordamos com Vasconcelos6 quando ela descreve que temos uma história de submissão feminina desde a nossa infância perpassando à vida adulta, além da história da formação de parteiras e enfermeiras obstétricas, profissões que possuíam um conhecimento próprio e um domínio feminino desse saber, e a medicina se apropriou dele e o transformou em saber-poder masculino.
Para Rocha et al.9, a enfermagem representa uma categoria que muito tem a contribuir para a melhoria da qualidade da assistência à saúde da mulher, pelas suas práticas e seu corpo de conhecimento teórico-científico. Assim sendo, é necessário que sejam estudadas propostas de intervenção que direcionem esforços para a garantia da saúde física e mental, a dignidade humana, o respeito social e o direito de cidadania à mulher.
Na institucionalização do parto, os profissionais de saúde na atuação ao parto normal, independente da relação do gênero, estão buscando uma atenção necessária às parturientes, procurando ampliar a assistência no contexto igualitário ou de igualdade social. O relacionamento interprofissional com respeito ao saber de cada profissão possibilita uma assistência que auxilie a mulher em trabalho de parto e parto, buscando sua qualidade e a satisfação da clientela assistida. Na mudança de paradigma em relação à humanização da assistência, torna-se imprescindível uma visão holística da atenção à mulher.
A PERSPECTIVA DE HUMANIZAÇÃO DA ASSISTÊNCIA
A Conferência Internacional sobre Humanização do Parto10, realizada em Fortaleza-CE, no ano de 2000, representou uma oportunidade especialmente importante para discutir e aprofundar propostas, idéias e experiências provenientes de diversas regiões do país e da comunidade internacional.
Em relação à humanização, o Ministério da Saúde11 (p.9), ao descrevê-la em relação à assistência obstétrica, destaca que:
o conceito de atenção humanizada é amplo e envolve um conjunto de conhecimentos, práticas e atitudes que visam à promoção do parto e do nascimento saudáveis e à prevenção da morbimortalidade materna e perinatal. Inicia-se no pré-natal e procura garantir que a equipe de saúde realize procedimentos comprovadamente benéficos para a mulher e o bebê, que evite as intervenções desnecessárias e que preserve sua privacidade e autonomia.
Nesse sentido, durante a assistência humanizada ao parto e nascimento, procura-se considerar a mulher como sujeito do parto, mostrando que a sua participação é fundamental para o sucesso do processo, o qual deve acontecer de maneira o mais natural possível. A OMS12 (p. 5) ainda complementa que as práticas incluem o respeito ao processo fisiológico e a dinâmica de cada nascimento, nas quais as intervenções devem ser cuidadosas, evitando-se os excessos e utilizando-se criteriosamente os recursos tecnológicos disponíveis.
A Conferência Nacional sobre a Organização de Serviços para Maternidade Segura à Luz da Humanização realizada, em 1998, também em Fortaleza, discutiu a Atenção em Saúde com relação ao parto à luz da humanização. Em sua conferência, Lima13 (p. 71) apresenta dois paradigmas de assistência ao parto em nível mundial, que destaca como se segue:
Um chamado de modelo biomédico e outro de modelo holístico. O modelo biomédico vê o nascimento como um processo patológico, é um modelo altamente intervencionista, que tem no hospital o seu centro de atenção e ênfase no uso invasivo de tecnologia sofisticada. E o modelo holístico que vê o nascimento como um processo natural, um processo que além de envolver os fenômenos biológicos, ele envolve os fenômenos psíquicos, econômicos, sociais, culturais e que não pode ser tratado apenas como um evento médico. Ele tem na comunidade, na família, no domicílio, o centro da sua atenção e não no hospital e, o uso de tecnologia simples e eficaz.
Com o mesmo pensamento sobre os modelos, esse autor ainda refere que, no modelo biomédico, a mulher é o objeto do processo, ela se submete aos procedimentos que são definidos pela equipe de assistência dentro de um hospital ou maternidade. Nesse contexto, ela não tem controle sobre o que é feito. No modelo denominado holístico, a mulher passa a ser sujeito ativo desse processo, passando a determinar e a definir aquilo que deve ser realizado e aquilo que ela acha melhor para si mesmo e seu filho, e não os médicos e enfermeiras ou outros profissionais de saúde que definem o que deve ser feito.
O parto é um universo de acontecimentos próprios, uma experiência essencialmente feminina e familiar, rica em sentimentos, entremeada de emoções, preocupações e dúvidas. É necessário que esse afeto deva permear os cuidados voltados para essa clientela e família. Esse processo desencadeado pela maternidade é um momento ímpar na vivência de um casal, o que demanda habilidade e sensibilidade dos profissionais envolvidos nessa assistência.
Para Maranhão et al.14, a parturiente precisa de apoio emocional, durante a assistência técnica oferecida por uma equipe obstétrica constituída de médicos, enfermeiras e demais integrantes da equipe de enfermagem. Médicos e enfermeiras devem prestar assistência à parturiente, atendendo às necessidades específicas ligadas à assistência obstétrica e às necessidades básicas individuais.
Todo profissional deve sentir amor por aquilo que faz. Segundo Ávila15, isso propiciará a presença do afeto durante o atendimento e acolhimento de todos os participantes da família grávida. Santos16 reforça este ponto ao falar que a humanização é um fenômeno situado na pessoa, no ser humano, sendo este o centro referencial. Dessa forma, o profissional de saúde que acompanha a mulher e o familiar durante o processo do nascimento, além de possuir competência técnica, precisa estar autenticamente presente, disponível aos outros seres humanos, e ser capaz de compreendê-los a partir do significado que os mesmos atribuem à experiência.
Espírito Santo e Bemi17 relatam que é necessário considerar cada parto, independentemente da paridade, e cada nascimento como episódios únicos na vida da mulher, da criança e da família, constituindo-se em experiências de extrema importância. Nesse cenário, a mulher procura o serviço de saúde em busca de ajuda, preocupada com a sua integridade e segurança e a de seu filho. Traz consigo, ainda, expectativas, necessidades, esperanças, preocupações, medos, ansiedades e angústias. Ela precisa de uma assistência profissional competente e humanizada, que considere sua singularidade, suas emoções e o significado do parto em si mesma. Isso porque a mulher e sua família buscam uma assistência capaz de possibilitar sua integridade física e emocional.
Nesse sentido, os humanizadores ressaltam que, para o sucesso do parto, o ambiente deve ser o mais acolhedor possível. Dr. Galba de Araújo, em sua conferência sobre a Humanização do Parto e Nascimento, em Fortaleza, em 200010, ressalta que, além do trabalho de humanização do parto, ele visava igualmente humanizar os hospitais, criando um ambiente de confiança para as parturientes.
Assistir as mulheres no momento do parto e nascimento com segurança e dignidade é compromisso fundamental de todos os profissionais de saúde envolvidos na atenção à saúde da mulher, atendendo dessa forma as recomendações preconizadas pelo Ministério da Saúde. O parto é um evento biológico e social integrante da vivência reprodutiva de homens e mulheres. A gestação, o parto e puerpério constituem uma das experiências humana mais significativas, com forte potencial positivo e enriquecedora para todos os que dela participam. Os profissionais de saúde são coadjuvantes dessa experiência e desempenham importante papel, colocando seu conhecimento a serviço do bem-estar da mulher e do bebê; ajudando-os no processo de parturição e nascimento de forma saudável.
Assim, cabe à equipe multiprofissional em obstetrícia aproveitar o período da gestação até o parto, em que modificações físicas, sociais e psicológicas na vida da mulher ocorrem, para realizar ações educativas sobre o autocuidado e preparando-a, física e emocionalmente, para enfrentar o trabalho de parto e parto, de maneira mais segura e tranqüila. Devem ainda os profissionais de saúde questionarem-se em relação ao papel que desenvolvem frente à assistência à mulher em trabalho de parto e parto, procurando valorizar a pessoa individualmente pelo que ela é e sente, buscando transformar essa assistência em um procedimento humanizado.
Oliveira et al.18 (p. 56), em relação às atitudes dos profissionais que integram o mundo da maternidade, referem que elas são fundamentais para a humanização do cuidado. Dizem ainda que a participação interdisciplinar humaniza a equipe e, conseqüentemente, a própria assistência no ambiente institucionalizado:
Atitudes que levam o profissional a estar aberto e disponível ao diálogo, às mudanças, a compartilhar conhecimentos, à incorporação de novos conhecimentos oriundos de outras disciplinas, ou seja, a uma atitude interdisciplinar. Os profissionais passam a falar a mesma linguagem, não se contradizem, se complementam; não tomam atitudes opostas e, conseqüentemente, todos estes aspectos se refletem na qualidade da experiência parturitiva, uma vez que a mulher/parturiente e a família percebem e sentem-se mais tranqüilas e seguras.
Para Moura et al.19, o parto humanizado é a garantia da melhoria da qualidade da assistência. Através dessa assistência, as parturientes desfrutam de recursos para tornar o processo de parturição mais saudável e seguro. São medidas simples que viabilizam uma qualidade diferenciada na assistência ofertada pelos profissionais de saúde no centro obstétrico, e até mesmo pelo acompanhante que auxilia na promoção do apoio psicológico.
As medidas adotadas pelo Ministério da Saúde sobre a humanização do atendimento à gestante e à parturiente datam do ano 2000, quando a Organização Mundial da Saúde - OMS já alertava os países membros no sentido de adotar estratégias visando à humanização da assistência ao parto e ao nascimento. Dessa forma, a OMS classifica as práticas comuns na condução do parto normal, categorizando-as de acordo com o bem-estar e conforto da parturiente. Por um lado, a OMS coloca algumas práticas que deveriam ser eliminadas, por seu caráter danoso ou ineficaz. Em outro, estão aquelas que deveriam ser estimuladas em virtude da sua utilidade e respeito à parturiente. E ainda, mostra procedimentos usados regularmente, porém de maneira inapropriada.
De acordo com o que elabora o Ministério da Saúde (p. 38)11 sobre a Assistência Humanizada à Mulher, o conceito de humanização da assistência ao parto refere ser um processo que inclui desde a adequação da estrutura física e equipamentos dos hospitais, até uma mudança de postura e atitude dos profissionais de saúde e das gestantes.
Na posição de Oliveira et al.18, as condutas relativas a uma tecnologia apropriada em Obstetrícia propõem a humanização da atenção durante a gestação e o parto. A ênfase colocada na valorização da comunicação humana e nas relações interpessoais, na satisfação das necessidades das clientes (sem recorrer necessariamente a técnicas e métodos complexos, nem expondo normas cujos fundamentos não são válidos) e na priorização do natural. Em síntese, é preciso analisar as tecnologias utilizadas segundo as modalidades de atendimento e adotar aquelas que avaliam como adequadas em termos de sua capacidade de satisfazer as verdadeiras necessidades do ser humano. Isso implica atuar com um critério de responsabilidade social.
Exercendo seu papel normatizador e regulador, o Ministério da Saúde11 vem implantando um conjunto de ações através de portarias ministeriais com o objetivo de estimular a melhoria da assistência obstétrica. Entre elas, destaca-se a Portaria Nº 9, de 05 de julho de 2000, que normatiza a adesão dos municípios ao Programa de Humanização no Pré-Natal e Nascimento, conforme estabelecem as Portarias Nº 569 e Nº 570, ambas de 1º de junho de 2000.
A efetivação do que é preconizado nessas portarias demanda uma reflexão sobre o que é cuidado humanizado. Waldow20 (p.17) descreve o processo de cuidar/cuidado como:
uma forma de ser visto sob uma perspectiva ontológica. Assim sendo, não é apenas um privilégio ou característica da enfermagem. O cuidar/cuidado é uma expressão de nossa humanidade, sendo essencial para nosso desenvolvimento e realização como seres humanos. Contudo, a enfermagem possui vários requisitos e atributos que a distinguem e a caracterizam por ser uma profissão de ajuda na qual o conceito de cuidado é genuíno como um conceito que abrange todos os atributos que a tornam uma disciplina humana e de ajuda.
Esse conceito deve servir de inspiração, pois é necessário que a equipe multiprofissional que atua na área obstétrica interaja com mulheres em trabalho de parto e parto com respeito, ouvindo-a, orientando-a e tratando-a de uma forma humanizada, singular.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na atualidade, o Brasil vem trabalhando com a visão de um novo paradigma, que é o da atenção humanizada à mulher, à criança e à família, respeitando-as em suas características e individualidades. A gravidez e o parto são eventos sociais que integram a vivência reprodutiva de mulheres e homens. O nascimento de um filho é uma experiência especial na vida do casal e sua família, na qual os profissionais de saúde são coadjuvantes do processo e desempenham um papel importante.
Apesar da humanização da assistência ser um tema amplamente discutido, temos um caminho a trilhar na implementação do Programa de Humanização ao Pré-Natal e Nascimento. A atenção adequada à mulher no momento do parto representa um passo indispensável para garantir que ela possa experienciar a maternidade com segurança e bem-estar. Este é um direito fundamental de toda mulher. A equipe de saúde em obstetrícia deve estar preparada para acolher a grávida, seu companheiro e família, respeitando todos os significados desse momento. Isso deve facilitar a criação de um vínculo mais profundo da equipe com a gestante, ao lhe transmitir confiança e tranqüilidade, oriundas das estratégias para humanização da atenção no parto institucionalizado.
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Recebido em 22/09/2003
Reapresentado em 21/07/2004
Aprovado em 28/07/2004