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CAPES

Volume 8, Número 2, Mai/Ago - 2004

ARTIGOS DE REVISÃO

 

Conduta da equipe de enfermagem diante das alterações clínicas do cliente com síndrome isquêmica coronariana

 

Behavior of the nursing staff before the clinical modifications of the client with ischemic syndrome of the coronary

 

Conducta del equipo de enfermería delante de las alteraciones clínicas del cliente con síndrome isquémica de la vena coronaria

 

 

Claudia Medeiros de OliveiraI; Deyse Conceição SantoroII

IProfessora Substituta do Departamento de Enfermagem Médico-Cirúrgica da Escola de Enfermagem Anna Nery / UFRJ. Aluna Especial do Curso de Mestrado
IIProfessora Adjunta e Doutora em Enfermagem do Departamento de Enfermagem Médico-Cirúrgica-Escola de Enfermagem Anna Nery / UFRJ

 

 


RESUMO

Trata-se de revisão sobre a conduta de enfermagem no atendimento e na avaliação do cliente em situação de infarto agudo do miocárdio. O objeto deste estudo situa-se nos fatores determinantes do atendimento de enfermagem a essa clientela, de acordo com suas alterações clínicas. Os objetivos são: descrever o processo avaliativo de enfermagem e caracterizar os fatores favoráveis a um melhor atendimento de enfermagem. Como contribuição para a prática assistencial, destaca-se a oferta de subsídios para a aquisição de conhecimento pela equipe de enfermagem sobre a avaliação diagnóstica dessa clientela. A identificação precoce das alterações clínicas e eletrocardiográficas surgem como uma de suas contribuições, que poderá influenciar sobre as intervenções de enfermagem necessárias, de maneira segura e eficaz.

Palavras-chave: Infarto do miocárdio. Cuidados de enfermagem. Avaliação em enfermagem.


ABSTRACT

It is a revision about the nursing conduct in the attendance and in the evaluation of the client in a myocardial infarctation situation. Its subject of study is placed in the decisive factors of the nursing attendance to these clients, according to the clinical changes. The objectives are: to describe the evaluation process of nursing and to charecterize the favourable factors to a better nursing attendance. As contribution to the assistencial pratical it is saliented the subsidies offer to the acquisition of knowledge by the nursing staff about the diagnostics evaluation of these clients. The early identification of the clinical and eletrocardiographical changes emerge as one contribution of the assistencial pratical, that could influence the needing nursing intervantion, in a safety and efficient way.

Keywords: Myocardial Infarctation. Nursing care. Nursing assessment.


RESUMEN

Se trata de revisión sobre la conducta de enfermería en el atendimiento y en la evaluación del cliente en situación de infarto agudo del miocardio. El objeto de este estudio se sitúa en los factores determinantes del atendimiento de enfermeria a esa clientela, según sus alteraciones clínicas. Los objetivos son: describir el proceso de evaluación de enfermería y caracterizar los factores favorables a un mejor atendimiento de enfermería. Como contribución para la práctica de la asistencia, se destacar la oferta de subsidios para la adquisición de conocimiento por el equipo de enfermería acerca de la evaluación diagnóstica de esa clientela. La identificación precoz de las alteraciones clínicas y elestrocardiográficas surgen como una de sus contribuiciones, lo que podrá influenciar sobre las necesarias intervenciones de enfermería de manera segura y eficiente.

Palabras clave: Infarto del miocardio. Atención de enfermería. Evaluación en enfermería.


 

 

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A relevância do tema deve-se à grande mortalidade hospitalar de clientes por infarto agudo do miocárdio (IAM). Apesar de toda tecnologia presente em nosso tempo, o IAM ainda permanece em alta prevalência no mundo ocidental.

De acordo com a definição da Organização Mundial de Saúde, o diagnóstico do IAM se baseia na presença de pelo menos dois a três critérios, a seguir relacionados:(a) história clínica de desconforto precordial tipo isquêmico; (b) alterações em traçados de ECG seriados; e (c) um aumento e queda dos marcadores séricos cardíacos.

A fase aguda do infarto do miocárdio pode ser dividida em duas fases: a fase aguda, a geral, que abrange os cinco primeiros dias pós-infarto, e a fase subaguda que abrange os dias restantes da hospitalização. O IAM se instala no cliente de forma abrupta, retirando-o de sua rotina. O medo da morte permeia seus pensamentos, sua saúde mental e o equilíbrio psicológico são afetados profundamente.

A equipe de enfermagem que permanece ao lado do cliente o tempo todo deve ser capaz de identificar os fatores biofisiológicos e psicológicos que interferem no seu processo de recuperação. A atenção de alta complexidade requerida pelos clientes com IAM, entre outros clientes críticos, vem influenciando as alterações no perfil epidemiológico hospitalar, pela necessidade de incorporação de processos tecnológicos. Eles demandam um alto grau de especialização do trabalho da equipe de enfermagem, o que tem levado a uma transformação consciente ou não do processo de cuidar1.

A presença da equipe de enfermagem bem treinada para o sucesso da terapêutica e recuperação do cliente é de fundamental importância. O profissional de enfermagem tem o papel de educador no processo saúdedoença, além da importância de sua atuação durante a avaliação dos sinais e sintomas pertinentes ao quadro, e intervenção de forma positiva para reverter situações adversas. Dessa forma, o cliente terá mais oportunidade de recuperar-se mais rápido e eficazmente. Isto se confirma quando verifica-se que a conseqüência do modelo clínico em vigor destaca a dimensão biológica como eixo central para clientes críticos1, como é o caso do cliente em situação de angina estável e instável e IAM, embora as demais perspectivas da ação cuidativa venham modificando essa ênfase na dimensão biológica fazendo-a ser apenas mais um dos elementos do cuidado ao lado das perspectivas mental, psicoemocional, sociorelacional e espiritual1.

No entanto, por se tratar da avaliação diagnóstica de enfermagem para a clientela em situação de angina ou IAM e a conduta da enfermagem no seu atendimento, optou-se em destacar nesta revisão os aspectos inerentes à dimensão biológica. A justificativa para essa opção encontra-se nas demandas de conhecimento mais aprofundado da equipe de enfermagem para prestar um atendimento mais seguro e eficaz. Nesse sentido, os objetivos desta revisão são: (a) descrever o processo avaliativo de enfermagem para clientes em situação de angina e IAM; e (b) caracterizar os fatores favoráveis a um melhor atendimento de enfermagem para essa clientela.

Assim, a estrutura desta revisão buscou apresentar os principais desdobramentos encontrados quando o paciente desenvolve síndromes isquêmicas do miocárdio, as causas e alterações fisiopatológicas decorrentes, as manifestações clínicas e os sinais e sintomas que ele apresenta, os tratamentos e procedimentos indicados. Além desses aspectos, também são abordados aspectos relativos à Enfermagem no que tange às condutas profissionais relativas aos pacientes em situação de angina estável e instável e a avaliação diagnóstica de enfermagem no infarto agudo do miocárdio.

 

2. SÍDROMES ISQUÊMICAS

A isquemia do miocárdio resulta do desequilíbrio entre o consumo e a oferta de oxigênio ao músculo cardíaco. Os episódios isquêmicos incluem angina estável e instável. A função precípua das duas artérias coronárias é trazer sangue rico em oxigênio para o miocárdio, sendo o oxigênio o componente essencial para a produção de energia que o músculo cardíaco requer para se contrair2.

A redução no fluxo coronário parece ser o principal fator desencadeante das crises de isquemia, problema de irrigação do coração pelas coronárias ou coronarianas é muito comum e também o mais grave, devido à incidência de morbidade e mortalidade.

2.1. Causas

O principal fator, pela forte evidência e provas em concreto, é o que se conhece como hiperlipiproteinemia e hiperlipidemia (2). O fenômeno da redução do fluxo sanguíneo, devido às alterações na parede arterial, se origina nos distúrbios no metabolismo dos lipídeos, que secundariamente fabricam placas de ateroma nas artérias, por causa do aumento dos mesmos, e a hiperlipidemia. O colesterol bem como os triglicerídeos e certos ácidos graxos para tornarem-se solúveis se unem às proteínas e formam as lipoproteínas.

Essas alterações podem ser primárias ou secundárias. A primária é causada por certos problemas hereditários; a secundária tem origem em muitas outras afecções. Segundo Meltzer2, podemos destacar os seguintes fatores de risco para doença coronariana:

- Hiperlipidemias secundárias: hipotiroidismo, síndrome nefrótica, diabetes, hiperlipidemia do estresse ( mobilização das gorduras na gravidez, obesidade).

- A hipertensão arterial, seja diastólica ou sistólica, é um fator de alto risco relacionado às doenças das coronárias. Mas, de qualquer forma, unicamente a hipertensão arterial associada à hiperlipidemia pode acelerar o processo de aterosclerose.

- Obesidade: existe uma maior possibilidade de obesos sofrerem de diabetes mellitus, hipertensão arterial e hiperlipidemias. A obesidade é um fator para a evolução futura da doença coronariana. Ambas, a obesidade e o diabetes mellitus, são classificadas como doenças metabólicas, fatores importantes na gênese das doenças cardiovasculares. O mesmo se pode dizer da diabete que sozinha não completa o fator de risco, mas como sempre está associada a outros parâmetros de risco, é bom investigar o grau de arteriosclerose existente.

- Fumo: o risco é duas a seis vezes maior nos fumantes em relação aos não fumantes, Também o risco aumenta proporcionalmente aos cigarros que se fuma por dia.

Existem alguns fatores de risco de menor efeito, tais como a vida sedentária e o estresse diário.

2.2 Manifestações clínicas

As manifestações do processo aterosclerótico coronário resultam da desigualdade entre o oxigênio que o miocárdio necessita e o que a artéria realmente pode fornecer. Esse desequilíbrio entre os dois vetores evidencia-se quando mais de 75% do vaso coronário está alterado. Temos, então, uma isquemia do miocárdio2.

As manifestações são devido à má oxigenação do miocárdio e se manifestam através de sintomas que seguem uma ordem de gravidade: angina de peito (angina estável), síndrome coronariana intermediária (angina instável) e IAM.

2.2.1. Angina de peito ou angina estável

Sua sintomatologia caracteriza-se por precordialgia intensa no cliente, de até 30 minutos de duração, que pode estar associada a náuseas, vômitos, sudorese fria e palpitações. O exame físico é inespecífico, podendo se observar presença de terceira bulha sugerindo insuficiência ventricular esquerda ou de sopro sistólico durante ou logo após o episódio agudo.

Na interpretação eletrocardiográfica da angina do peito, o eletrocardiograma pode revelar a presença de infra ou supradesnivelamento do segmento ST e/ou inversão da onda T. Estas alterações geralmente desaparecem completa ou parcialmente com o alívio da dor. As alterações da onda T estarão mais evidentes nas derivações precordiais, devido à proximidade dos ventrículos. Contudo, as enzimas cardíacas permanecem normais2.

2.2.2. Angina instável ou síndrome coronariana intermediária

A angina instável é definida por uma dor precordial de maior intensidade e duração, quando comparada à angina de peito, Mas, ao mesmo tempo, essa dor tem intensidade e duração menores, quando comparada à dor obliterante do IAM. O substrato anatomo-patológico da angina instável encontra-se na formação de uma placa aterosclerótica com trombose local. A esse tipo de dor isquêmica dá-se também o nome de insuficiência coronariana aguda ou angina variante6.

A síndrome intermediária coronariana pode manisfestar-se como um episódio súbito e agravante de um quadro preexistente de angina estável. Esse tipo de manifestação clínica é mais grave do que o quadro de angina estável, antecedendo muitas vezes um IAM.

Geralmente, a dor dura mais de 20 minutos durante cada episódio, e a administração de nitratos tem um efeito insatisfatório necessitando, por vezes, a adoção do uso de opiáceos para haver o controle da dor. Durante a dor, geralmente há a elevação da freqüência cardíaca, bem como da pressão arterial, ocorrendo no eletrocardiograma uma alteração infra ou supradesnivelamento do segmento ST e a onda T, como ocorre na angina estável. Se a duração da dor perdurar além dos 20 minutos, a necrose do tecido cardíaco será irreversível. E, nesse caso, estabelece-se o quadro de infarto agudo do miocárdio2.

Teoricamente, a síndrome coronariana intermediária - angina instável significa que, embora o miocárdio estivesse privado de uma adequada quantidade de oxigênio por vários minutos, a oxigenação finalmente foi restabelecida antes que ocorresse destruição do tecido de miocárdio. A angina instável ou síndrome coronariana intermediária faz parte das síndromes coronarianas agudas, ao lado do IAM e da morte súbita.

2.2.3. Condutas de Enfermagem para pacientes com angina estável e instável

Nas condutas de enfermagem para pacientes com angina estável ou instável, deve-se diagnosticar e tratar os aspectos que aumentam o consumo de oxigênio no miocárdio, tais como ansiedade, anemia, febre, arritmias e insuficiência cardíaca descompensada3. A situação da doença desperta um sentimento de angústia intensa e iminência de morte. É preciso que a equipe de enfermagem esteja sensível a esse tipo de percepção do paciente para que possa transmitir-lhe confiança e tranqüilidade.

Outro fator determinante para o atendimento é entender que a presença da família ou de uma pessoa de sua confiança exerce sobre o paciente um efeito de segurança4, a certeza de que não ficará afastado dos olhares daqueles que lhe querem bem. Afinal, ele estará sendo cuidado por gente desconhecida exatamente num momento crítico de sua vida. Ele não pode naturalmente confiar nessas pessoas e ficar calmo diante delas, se não as conhece.

Para a identificação da dor sentida pelo paciente, o desconforto é geralmente descrito como uma pressão, aperto ou constrição dentro do peito. Alguns pacientes posicionam a mão fechada contra o esterno, numa tentativa de caracterizar a natureza constritiva da dor. Muito embora um ataque de angina dure somente uns poucos minutos, a dor é contínua e não é influenciada pela respiração, apnéia forçada ou por mudança de posição corporal. Essa constância da dor subesternal é o aspecto mais característico da angina e é mais significativo do que outras descrições, por exemplo, indigestão, pressão ou epigastralgia, embora essas queixas não devam ser subestimadas.

Qualquer condição que aumente a demanda de oxigênio do miocárdio é capaz de produzir a angina. Na angina estável, a dor é geralmente provocada por um esforço físico, o qual aumenta a freqüência dos batimentos cardíacos e, por conseguinte, as necessidades de oxigênio. Dessa forma, a dor provocada é aliviada através da adoção do repouso. A relação atividade física - dor - repouso - cessação da dor é típica de uma isquemia do miocárdio e distingue a angina estável de outras causas não isquêmicas de dor no peito, nas quais esse padrão não se manifesta3.

Dores torácicas de causas extracardíacas apresentam alteração de intensidade diante da mudança do padrão respiratório ou posição adotada pelo paciente, como nos casos de retenção de gases intestinais, pleurisia ou inflamação de músculos intercostais, situações nas quais não ocorre dor por isquemia do miocárdio. Além do esforço físico, outros fatores, tais como estresse emocional, medo, raiva ou excitação, podem precipitar um ataque de angina, devido à liberação de substâncias constritoras que provocam uma isquemia local no coração. Assim, o paciente deve ser mantido em um ambiente tranqüilo, com monitorização eletrocardiográfica contínua e levemente sedado.

O uso de nitratos produz alívio da dor, ou seja, a nitroglicerina ou o nitrato de isossorbiba administrados por via sublingual continuam sendo as drogas de eleição. Elas produzem um efeito em um ou dois minutos após administração. A dose sublingual deverá estar entre 2,5 a 5 mg, sendo mantida embaixo da língua até sua dissolução. Para sua administração, a boca deverá ser previamente umedecida para facilitar a absorção dos princípios medicamentosos.

A nitroglicerina endovenosa também pode ser utilizada em forma de solução por infusão contínua. A morfina é utilizada como analgésico na dose de 1mg administrada por via endovenosa, para os pacientes que se mostrarem refratários à nitroglicerina. O ácido acetil salicílico (AAS) é utilizado na dose de 200mg como anti-agregante plaquetário impedindo a formação de novos trombos5.

A administração de oxigênio por cateter nasofaríngeo também surte um bom efeito sobre o alívio da dor e tem por objetivo manter / recuperar o estado de oximetria adequado, não precisando exceder de 1,5 a 2 l / min. É importante lembrar que o paciente pode apresentar-se inquieto, sendo necessária uma paciência e compreensão diante de suas reações.

As alterações eletrocardiográficas revertem à normalidade com o alívio da dor. A persistência da dor após o uso de medicação sublingual de nitroglicerina traz uma forte suspeita de que o ataque doloroso não tem origem na angina de peito, devendo ser investigada para diagnóstico diferencial.

2.2.4. Infarto agudo do miocárdio

O IAM é conceituado como sendo a necrose de uma determinada área do miocárdio devido à falta prolongada de oxigenação ocasionada por oclusão de uma artéria coronária ou alguma de suas ramificações. A obstrução do vaso ocorre por formação / instalação de um trombo ou placa aterosclerótica, que bloqueia completamente a artéria, impedindo a circulação naquela determinada zona6.

No âmbito da fisiopatogenia, se a duração da oclusão for acima de 20 minutos, a necrose será irreversível. Essa necrose inicia-se na região subendocárdica, metabolicamente mais ativa, e se estende para a região epicárdica, sob a forma de uma "onda de necrose", completando-se em cerca de seis horas. Na ausência de adequada circulação colateral, 50% da massa muscular do miocárdio de risco sofre necrose na primeira hora e 70% em três horas7. Embora possa haver variações na velocidade desse processo em decorrência da presença de vasos colaterais e de fatores que determinam aumento do consumo de oxigênio do miocárdio, quanto mais precoce for a reperfusão da área afetada, menor será a extensão da necrose.

Quanto aos aspectos clínicos e laboratoriais, uma dor intensa localiza-se tipicamente na região retroesternal ou precordial associada a uma sensação de peso ou aperto e com uma duração acima de 30 minutos. Ela pode irradiar-se para o pescoço, mandíbula, membros superiores e dorso. Estão associados também outros sinais, tais como sudorese, dispnéia, náuseas e vômitos. Nos pacientes com diabetes, a dor é, por vezes, atípica devido à neuropatia freqüente em uma fase mais avançada da doença, o que requer da equipe de enfermagem uma investigação de qualquer queixa de desconforto.

Ao exame físico, os achados dependerão da extensão do infarto. A maioria dos pacientes com IAM apresenta-se desconfortável, ansiosa e com sinais de liberação de adrenalina - náuseas, sudorese e mal-estar geral. Naqueles pacientes com uma área de necrose maior do que 40% da massa ventricular esquerda, o risco deles evoluírem com grave disfunção ventricular, edema agudo de pulmão e choque cardiogênico é elevado7.

Portanto, a equipe de enfermagem deve estar atenta para os sinais de congestão pulmonar, como estertores, queixa de dificuldade respiratória com cabeceira do leito em posição mais baixa (ortopnéia), dificuldade respiratória súbita durante à noite (dispnéia paroxística noturna), turgência de jugular, reflexo hepato-jugular positivo, edema de extremidades ou generalizado e parâmetros hemodinâmicos alterados (pressão arterial baixa, pressão venosa central elevada, pressões de capilar e de artéria pulmonar elevadas).

Entretanto, um fator determinante para o atendimento ao paciente com IAM é a identificação precoce dos sinais que indicam a falência da bomba cardíaca. A pressão arterial, por exemplo, pode apresentar-se normal num primeiro momento na maioria dos casos, havendo apenas alteração na pressão de capilar pulmonar, quando ainda não são evidentes os sinais de comprometimento respiratório.

Nos infartos da parede cardíaca inferior, a hipotensão e a bradicardia são secundárias ao reflexo da ação vagal. Portanto, a atenção para com os parâmetros obtidos através do monitor cardíaco é de extrema importância para o acompanhamento da evolução do paciente7.

À ausculta cardíaca, a presença da terceira bulha pode ser identificada devido à gravidade da disfunção ventricular. Se houver sinais de hipoperfusão periférica, a hipotensão e a estase jugular na ausência de estertores pulmonares podem indicar o infar to do ventrículo direito, sendo o paciente portador desse tipo de IAM considerado como clinicamente grave2.

A necrose da miofibrila promove liberação de enzimas e proteínas intracelulares para a circulação sanguínea. Essas enzimas e proteínas podem ser quantificadas através de reações laboratoriais específicas. As principais são a creatino-fosfoquinase (CPK), transaminase oxalo-glutâmica (TGO) e a desidrogenase láctica (DLH), mioglobina e troponina8. Para um aprofundamento sobre a implicação dessas enzimas e proteínas em pacientes em situação de IAM, alguns detalhamentos tornam-se necessários:

- Enzima CPK: Ela começa a apresentar elevação em poucas horas após o IAM, atingindo seu nível mais elevado em 24 horas. Seus níveis elevados podem ser detectados entre duas e seis horas pós-infarto. A CPK retorna a níveis normais após dois ou três dias após o IAM. Conseqüentemente, os níveis da CPK devem ser medidos durante a admissão, após 24 horas e no segundo ou terceiro dia pós-infarto subseqüentemente. Infelizmente, a CPK não é uma enzima exclusiva do miocárdio, podendo também ser no cérebro e nos músculos esqueléticos. A isoenzima específica do miocárdio é CPKmb.

- Enzima TGO: Os níveis da TGO aumentam mais lentamente do que os da CPK, após um IAM. Ela se eleva entre oito e 12 horas, atingindo seu nível máximo entre 24 e 36 horas após o IAM, normalizando-se em três a quatro dias. Ela também pode apresentar níveis elevados nas hepatopatias, doenças musculares e quadros de choque, sendo considerada pouco útil isoladamente.

- Enzima DLH: Os níveis séricos dessa enzima aumentam após um IAM muito mais lentamente do que os níveis da CPK e TGO. As concentrações máximas geralmente ocorrem no segundo ou terceiro dia pósinfarto, sendo que seus níveis retornam ao normal entre o quinto e sexto dias. Portanto, a determinação laboratorial dessa enzima deve ser feita nos terceiro, quarto e quinto dias pós-infarto. Tal como acontece com a CPK e com a TGO, os níveis da DLH podem aumentar por outras causas, tais como: doenças pulmonares, renais e musculatura esquelética.

- Mioglobina: Ela é uma proteína de baixo peso molecular encontrada no músculo esquelético e miocárdio. A liberação de mioglobina na circulação ocorre tanto no IAM como em necroses de músculo esquelético. Ela apresenta seu nível máximo em 11 horas. O seu aumento é precoce e ocorre em uma a duas horas após o IAM, podendo seu nível ser maior que 90 mg/ml.

- Troponina: Ela é formada por um complexo protéico decorrente da integração actina - miosina no músculo estriado, tanto cardíaco como musculo-esquelético. Existem três isotipos de troponina: tanto a troponina T, quanto a troponina I são encontradas no miocárdio. O nível normal de troponina I é de 0 a 2 mg/ml, sendo encontrada exclusivamente no miocárdio com 100% de sensibilidade para o IAM, o que se diferencia dos achados em pacientes com doenças musculo-esqueléticas graves agudas ou crônicas. Nesse último caso, este complexo protéico não se apresenta em níveis elevados. Um nível de troponina maior que 1,5 mg/ml é considerado para caracterizar o IAM, podendo ser detectado de 2 a 4 horas depois do seu início tendo um tempo de duração de 1 a 2 semanas.

 

 

Muito embora o grau de elevação enzimática não possa ser relatado com precisão em relação com o tamanho e gravidade da área infartada do miocárdio, os níveis propiciam uma indicação geral da extensão da área de destruição tissular. Níveis enzimáticos acentuadamente elevados, que surgem logo após o infarto e permanecem elevados por um período de tempo maior do que o esperado, são altamente sugestivos de extensa lesão do miocárdio2.

O diagnóstico exato de um infarto agudo do miocárdio somente pode ser feito através de um eletrocardiograma. Quando ocorre uma injúria ou necrose do miocárdio, aparecem sinais característicos no traçado eletrocardiográfico3. Por vezes, o primeiro registro feito não evidencia as alterações esperadas. Assim, existe a necessidade de obtenção de traçados seriados durante alguns dias, até que se consiga a prova definitiva da ocorrência do infarto. Em geral, no primeiro dia o eletrocardiograma é realizado de 4 em 4 horas. É importante lembrar que o ECG não mostra a extensão real da lesão, e ele por si só não é indicador preciso da gravidade do ataque.

A seqüência das alterações eletrocardiográficas mostra-se da seguinte forma: ECG normal; elevação ou subescrição do segmento ST; aparecimento de ondas Q cada vez mais negativas; normalização do segmento ST; e inversão da onda T. As principais alterações eletrocardiográficas, conforme a parede ventricular comprometida9 são apresentadas a seguir.

 

 

2.2.5. Avaliação Diagnóstica de Enfermagem no Infarto Agudo do Miocárdio

O processo avaliativo de enfermagem referente às alterações clínicas de um paciente em IAM num serviço de cardiologia é de extrema relevância. É necessário que haja um esforço por parte de toda equipe de enfermagem, no sentido de serem desenvolvidos programas que permitam o treinamento de pessoal especializado e propiciem o material adequado para o tratamento dessa emergência3. Nesse sentido:

O tratamento ideal do infarto agudo do miocárdio, em ordem decrescente de prioridades, seria: (1) a prevenção da aterosclerose coronária; (2) a prevenção do infarto em pacientes com patologia coronária; (3) a interrupção da lesão isquêmica após o início do processo de infarto; e (4) o tratamento das complicações do infarto agudo do miocárdio10:369.

Portanto, o diagnóstico inicial do IAM baseia-se habitualmente numa anamnese coerente com dor torácica isquêmica, alterações eletrocardiográficas precoces e exame físico periódico. A enfermeira de um serviço de cardiologia deve ser capaz de identificar todas as alterações fisiopatológicas e eletrocardiográficas, com seus respectivos sinais e sintomas, para interferir de forma eficaz nessas alterações clínicas elaborando um plano assistencial capaz de orientar as condutas de sua equipe diante do quadro evolutivo do paciente3.

A enfermeira deve caracterizar os fatores que favorecem um melhor atendimento de enfermagem ao paciente com IAM nas primeira 24 horas, que são as mais ameaçadoras à vida do cliente, atingindo-o fisicamente e emocionalmente11. Nesse sentido, em relação aos fatores determinantes para o atendimento ao paciente com IAM, que devem estar presentes no momento de atuação da equipe de enfermagem, deve ser considerado que:

1. As arritmias, que são os distúrbios do ritmo e da freqüência cardíaca, são freqüentes nos quadros pósinfarto, podendo ocorrer a qualquer momento, sendo essencial a monitorização contínua do paciente;

2. A insuficiência ventricular esquerda aguda, que é a diminuição da contractilidade do miocárdio, pode ocorrer como conseqüência do infarto, podendo gerar sinais de falência do sistema de bombeamento; nesse caso, é de extrema importância o exame físico periódico e acompanhamento dos parâmetros hemodinâmicos;

3. O choque emocional decorrente da iminência da morte e extrema ansiedade que acomete o paciente gera a necessidade de compreensão por parte de toda a equipe de enfermagem e de iniciativas que possam contribuir para minimizar seu sofrimento, como permitir a presença de um membro da família, criar um laço de confiança com o paciente, torná-lo ciente e esclarecido sobre os passos de seu tratamento e rotinas de atendimento diante do quadro de IAM (vários fios para monitorização, exames constantes, movimento contínuo da equipe);

4. Quanto aos eletrocardiogramas, a enfermeira deve ser capaz de identificar as alterações em seus traçados, pois essas alterações diagnósticas são indicativas importantes para certas condutas que podem ser antecipadas à solicitação médica (interrupção de antiarrítmico diante de um bloqueio grave, diminuição de uma amina diante de uma elevação da pressão arterial ou seu aumento diante de um queda súbita da pressão arterial);

5. Em relação aos exames laboratoriais, a enfermeira deve ter autonomia para sua solicitação, quando achar que são necessários, principalmente eletrólitos e glicose, e deve apresentar a capacidade de interpretá-los;

6. Através de avaliação clínica, a enfermeira deve prevenir as complicações e intervir eficientemente no tratamento dessa emergência, sendo esses elos indispensáveis a uma assistência de enfermagem de qualidade ao paciente; ela também é responsável pelo treinamento da equipe sob a sua responsabilidade, que deve ser capaz de observar e comunicar as alterações clínicas do paciente à equipe;

7. O apoio emocional é um dos aspectos mais significativos para o paciente com IAM, pois o surgimento de ansiedade, depressão e outros distúrbios emocionais poderá prejudicar o curso clínico da sua reabilitação;

8. A enfermeira deve estabelecer uma comunicação eficiente com a equipe, o paciente e a família, sendo capaz de diagnosticar todas as variáveis que possam interferir no sucesso do tratamento do paciente.

A responsabilidade da enfermeira de um serviço de cardiologia é evitar complicações e propiciar aos clientes sua máxima capacidade funcional, física e emocional. Assim, a enfermeira deve ser capaz de avaliar continuamente o estado clínico do paciente através de: monitorização eletrocardiográfica; observação direta do paciente; e monitorização hemodinâmica. Em situações de emergência, ela também deve ser capaz de intervir mantendo infusões venosas pérvias; oxigenioterapia; tratamento das arritmias; respiração assistida e realizando desfribilação; e ressuscitação cardiopulmonar, sempre que necessário5.

A monitorização cardíaca é essencial para se detectar qualquer arritmia. Nesse sentido, é a equipe de enfermagem que deve manter vigilância constante sobre o monitor cardíaco, para se evitar as arritmias letais. Na avaliação clínica, deve-se considerar o estado clínico do paciente em intervalos regulares, até que aconteça a estabilização de sua condição clínica. A avaliação deverá ser realizada a cada duas horas durante as primeiras oito horas, após a admissão. Depois dessas primeiras oito horas, a avaliação deve ser realizada a cada quatro horas.

A equipe de enfermagem deve manter todos os equipamentos em perfeito funcionamento, para a cobertura adequada das intercorrências que possam vir a acontecer. Também deve receber incentivo e facilidades de treinamento constante em reanimação cardiorespiratória.

Um balanço hídrico rigoroso é fundamental para o paciente com IAM pois, na presença de uma superhidratação ou desidratação, poderá ocorrer comprometimento da circulação levando à insuficiência ventricular esquerda ou de choque cardiogênico2.

Devido à lesão no miocárdio, é indicado o repouso no leito. Qualquer esforço exigirá um trabalho maior da bomba cardíaca e conseqüentemente uma demanda maior no gasto de energia, que nesse momento crítico poderá Ter por conseqüência uma maior extensão de injúria. Nesse sentido, o paciente deve ser constantemente avaliado em relação a qualquer atividade física, e orientado quanto a sinalizar e expressar qualquer desconforto a dor.

Em contrapartida, ele deve ser incentivado, após os primeiros dias, para lavar as mãos e o rosto, escovar e pentear os cabelos e a se alimentar evitando o esforço muscular isométrico. O paciente deve ainda ser estimulado quanto a auto-estima, autoconfiança e ao seu autocuidado4.

A manutenção de um ambiente tranqüilo faz parte dos cuidados necessários para o paciente com IAM, devendo ser também propiciado um ambiente terapêutico diminuindo ao máximo o stress nele presente.

2.2.6. Tratamento Medicamentoso do Infarto Agudo do Miocárdio

O tratamento do infarto agudo do miocárdio baseiase no tratamento da dor e suas possíveis complicações, através do controle das arritmias, do uso de vasodilatadores, diuréticos, digitálicos, beta-bloqueadores e agentes trombolíticos, e da realização de procedimentos como angioplastia primária e outros. Se o tratamento for instituído logo após o infarto, acredita-se que ele possa reduzir consideravelmente a lesão do músculo cardíaco2.

O protocolo para o IAM em um setor de cardiologia deve permitir um exame clínico direcionado e a realização de um ECG de 12 derivações num prazo de 10 minutos e um tempo de porta de entrada menor que 30 minutos. O ECG de 12 derivações é o ponto central no atendimento e na decisão sobre o tratamento a ser instituído6.

A administração de oxigênio, nitroglicerina, morfina e aspirina, a instalação de acesso venoso, e a monitorização eletrocardiográfica contínua devem ser instituídos em todos os clientes com desconforto precordial, de acordo com cada necessidade. A administração de fórmulas medicamentosas compostas por trombolíticos, aspirina, beta-bloqueadores e inibidores da enzima conversora da angiotensina está indicada na fase aguda do IAM. Os três últimos fármacos, ou seja aspirina, beta-bloqueadores e inibidores da enzima conversora da angiotensina também são adotados na profilaxia secundária do IAM3,7.

A angioplastia coronária transluminal percutânea aguda tem sido feita após as primeiras horas pós-infarto, tanto no tratamento primário como na seqüência do tratamento trombolítico. Como primeira opção, ela vem mostrando um resultado positivo na interrupção do evento e impedimento dos agravos do quadro10.

 

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O paciente em situação de síndrome isquêmica exige cuidados intensivos e recursos humanos treinados para seu atendimento. É responsabilidade do enfermeiro supervisionar a equipe de enfermagem e proporcionar as condições para que ela dê um atendimento eficaz, adequando-se às necessidades físicas e emocionais do paciente.

O enfermeiro possui um corpo de conhecimentos técnico-científicos que o capacita para diagnosticar as manifestações clínicas e todas as alterações eletrocardiográficas do paciente com síndrome isquêmica. Ele também está apto para tomar as decisões cabíveis para o atendimento dessas alterações levando-se em conta os fatores determinantes que direcionam as ações da equipe de enfermagem para a eficácia da assistência prestada.

 

REFERÊNCIAS

1. Santoro DC. Situação do sistema de saúde no Brasil e os cuidados desenvolvidos nas unidades de terapia intensiva. Esc Anna Nery Rev Enferm 2001 ago;5(2):259-61.

2. Mesquita ET. Paciente vulnerável: epidemias cardiovasculares emergentes. Rio de Janeiro (RJ): Lápis de Cor; 2003.

3. Meltzer LE. Enfermagem na Unidade Coronariana. São Paulo (SP): Atheneu; 2000.

4. Santoro DC. Um ensaio sobre as dimensões subjetivas do cuidado de enfermagem na unidade coronariana [tese de doutorado]. Rio de Janeiro (RJ): Escola de Enfermagem Anna Nery / UFRJ; 2000.

5. Nettina S. Práticas de Enfermagem. 6ª ed. Rio de Janeiro (RJ): Guanabara Koogan; 1998.

6. Decacche W. Eletrocardiograma: semiótica e clínica. Rio de Janeiro (RJ): Revinter;1996

7. Timerman A, Sousa JE, Piegas LS. Urgências cardiovasculares. São Paulo (SP): Sarvier; 1996.

8. Lane JC. Manual de reanimação cardio-respiratória. Comissão Nacional de Reanimação e Emergências Cardíacas da Sociedade Brasileira de Cardiologia. 2ª ed. São Paulo (SP): Fundo Editorial BYK; 1994.

9. Dubin D. Interpretação rápida do ECG. 3ª ed. Rio de Janeiro (RJ): Publicações Científicas; 1996.

10. Eagle KA et al. Cardiologia. Rio de Janeiro (RJ): Medsi; 1993 .v.1.

11. Gus I. Eletrocardiograma, o normal e o patológico: noções básicas de vectocardiografia. 2ª ed. São Paulo (SP): Fundo Editorial BYK; 1997.

 

 

Recebido em 08/09/2003
Reapresentado em 10/09/2004
Aprovado em 17/09/2004

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