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Ministério da Educação
CAPES

Volume 8, Número 2, Mai/Ago - 2004

ARTIGOS DE PESQUISA

 

Saúde mental e o professor de ensino público fundamental: uma relação possível?

 

Mental health and the teacher of basic public education: A possible relationship?

 

Salud mental y el profesor de educación pública fundamental: ¿Una relación posible?

 

 

Lilian Hortale de OliveiraI; Maria Manuela Vila Nova CardosoII; José Carlos Lima de CamposIII

IMestre em Enfermagem; Professora Assistente do DEMC da EEAN/UFRJ; Membro do Núcleo de Pesq. em Enf. Hospitalar - NUPENH; Membro do LAPEPS
IIDoutoranda em Enfermagem, Professora Assistente, membro do Núcleo de Pesquisa em Ensino, Gerência e Exercício Profissional da Enfermagem - NUPEGEPEn, do Departamento de Metodologia da Enfermagem. Membro do Laboratório de Pesquissa em Enfermagem Psiquiátrica - LAPEPS - IPUB/UFRJ
IIIMestre em Enfermagem EEAN/UFRJ, Enfermeiro do IPUB/UFRJ, Professor de Enfermagem da FESO

 

 


RESUMO

O estudo tem como objeto a saúde mental dos professores de ensino público fundamental. Os objetivos foram identificar as condições da saúde mental dos professores do ensino público fundamental; caracterizar os possíveis agentes "perturbadores" da saúde mental desses professores; analisar como o trabalho dos professores interfere no seu cotidiano e discutir os motivos que levam esses profissionais a continuarem nessa atividade. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, realizada em setembro de 2002, cujos sujeitos foram 58 professores de ensino público fundamental do Município do Rio de Janeiro. Foi utilizado como instrumento de coleta de dados um questionário com perguntas abertas relacionadas à sua atividade profissional. Convívio em ambientes hostis, de forte tensão, perdas salariais, desvalorização profissional e fortes cobranças são fatores que nos tornam um grupo de risco para problemas psicológicos. Em contrapartida, existe amor pela profissão por parte desses profissionais que acreditam que ela seja uma das mais bonitas que existem.

Palavras-chave: Saúde Mental. Risco Ocupacional. Educação.


ABSTRACT

The object of this study is the mental health of the teachers of basic public education. The objectives was identify the conditions of the teachers mental health, to characterize the possible agents that are disturbing the teachers mental health, to analyze as the work of the teachers intervenes day by day and to argue the reasons for these professionals to continue in this activity. This is a qualitative research that was realized in September of 2002, with 58 teachers of basic public education of the City of Rio de Janeiro. It was used a questionnaire as instrument of collection of data with related open questions to its professional activity. Some factors that transform teachers in a group of risk for psychological problems were to coexist on hostile environments of strong tension, the wage losses and the professional depreciation. On the other hand, there is love by the profession on the part of these professionals who believe that this profession is one of more prettiest that exist.

Keywords: Mental Health. Occupational Risk. Education.


RESUMEN

Este estudio tiene como objeto la salud mental de los profesores de educación pública fundamental. Los objetivos fueron: identificar las condiciones de la salud mental de los profesores de la enseñanza pública fudamental; caracterizar los posibles agentes "perturbadores" de la salud mental de esos profesores; analizar como el trabajo interfiere en el cotidiano de los profesores; y discutir las razones que hacen esos profesionales continuar ejercendo la actividad docente. Se trata de una investigación cualitativa, realizada en septiembre de 2002, cuyos sujetos fueron 58 docentes de educación pública fundamental del municipio de Rio de Janeiro - Brasil. Como instrumento de recolección de datos, fue utilizado un cuestionario con preguntas abiertas relacionadas a su actividad profesional. Convivencia en ambientes hostiles, de tensión fuerte, pérdidas de sueldo, desvalorización profesional y costos muy grandes son factores que transforman los profesores en un grupo de riesgo para problemas psicológicos. Al contrario, los profesores aman su profesión porque acreditan que ella sea una de las más lindas que existen.

Palabras clave: Salud mental. Riesgos Laborales. Educación.


 

 

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) do Ministério da Educação e Cultura1: ..., que objetivam abranger aspectos primordiais para a educação e para o trabalho do professor de Ensino Fundamental se caracterizam como:

... referenciais para a renovação e reelaboração da proposta curricular (...) e buscam auxiliar o professor na sua tarefa de assumir, como profissional, o lugar que lhe cabe pela responsabilidade e importância no processo de formação do povo brasileiro ...

O Ensino Fundamental, que contempla alunos desde a Classe de Alfabetização (C.A.) até a 8ª Série, é a base da educação do aluno; é o período em que este aprende a ler, a escrever, a realizar cálculos matemáticos e a entender os fundamentos da História, Geografia e Ciências. É nessa fase que o aluno adquire as noções sobre os grupos sociais dos quais faz parte - família, escola e comunidade, bem como sobre cidadania, que engloba os seus direitos e deveres como cidadão1.

O profissional responsável por educar tem o papel de preparar o aluno para a criação dos vínculos sociais e para o mercado de trabalho, incutindo nele conceitos sobre dignidade, honestidade, respeito e responsabilidade Não é, portanto, um trabalho simples, pois exigem do profissional preparo, dedicação e compromisso.

O papel do professor das Classes de Alfabetização à 4ª Série, tem sido tradicionalmente desempenhado por mulheres, como observamos em algumas visitas às salas de aula das escolas investigadas. Parece haver uma concepção implícita de que elas são melhores ou mais adequadas para esta função do que os homens, já que suas atividades implicam, de certa forma, cuidar de crianças pequenas, uma "especialidade feminina". O papel da professora seria, portanto, uma extensão do papel materno. Todos já ouvimos, desde pequenos, frases como: "a escola é o segundo lar"; "a professora é a segunda mãe" ou, mais recentemente, uma "tia"; indicadores da conotação familiar que envolve a escola e a professora, em particular a primária. Nesse sentido, Brito et al.2: consideram que:

A massificação-precarização das escolas públicas no Brasil foi acompanhada pela feminização dos trabalhos ali realizados, que têm relação com o trabalho doméstico, considerado não - produtivo, o que colabora para a desvalorização / desqualificação tanto das tarefas em si, como de quem as executa. Este processo mostra-se sócio-econômica e simbolicamente desqualificante (...) As atividades docentes apresentam-se como doação, cuidado, sensibilidade, qualidades ditas naturais da mulher/mãe, e não adquiridas socialmente ou que requeiram qualificação.

A mão de obra feminina foi utilizada pela produção capitalista, desde os seus primórdios, tanto de manufatura como na indústria; todavia uma boa parcela de mulheres, especialmente as da pequena burguesia, não trabalhavam como operárias, ou eram simples donas-de-casa, cuidando da reprodução da força de trabalho, ou exerciam atividades cujas características assemelhavam-se às daquele papel, tais como cuidar de doentes, as enfermeiras - ou cuidar de crianças pequenas, as professoras do primário2.

Mas ser professora primária, função aparentemente lírica que chegou a inspirar compositores brasileiros ("... Minha linda normalista..."), não é tão suave e doce como pode parecer. Nesse aspecto, investigações realizadas nos Estados Unidos da América, revelaram níveis preocupantes de estresse nessa categoria profissional, apontando seu trabalho como "particularmente estressante", quadro que se agrava quando comparado a outras profissões3.

Um levantamento realizado pelos autores na Divisão de Assistência ao Servidor (DIAS) e no setor de serviço social da Secretaria de Educação do Estado do Pará (SEDUC)1 trouxe inquietantes revelações sobre a saúde mental dos professores. O estudo foi realizado a partir do exame de 290 fichas de professores, tanto da capital como do interior do Estado, que haviam solicitado readaptação de função por motivo de saúde, nos anos de 1988, 1989 e 1990, tendo sido submetidos a exames médico-psicológicos.

Os dados demonstraram que tais professoras eram, em sua maioria, do 1º Grau; do sexo feminino; casadas; sua idade situava-se, em geral, na faixa dos 30 aos 40 anos; eram readaptadas, quase sempre, para a função de auxiliar de secretaria ou de biblioteca. Os motivos que as levavam a mudar de função, ou seja, os problemas diagnosticados, eram, em primeiro lugar, os distúrbios da voz (39,3%), vindo a seguir os transtornos mentais - neuroses e psicoses (20,3%) e, em terceiro lugar, os problemas alérgicos (18,9%).

Considerando os dados referentes aos transtornos de natureza variadas, Codo et al4: ... partem da concepção de que:

Saúde e doença mental são partes de um mesmo processo; que são qualidades diferenciadas de uma mesma realidade; e que são produzidas ou determinadas por uma multiplicidade de fatores dinâmicos e contraditórios, que agem e interagem de forma simultânea e complexa. Considerando que o modo como estão organizadas as relações interpessoais e as estruturas produtivas e reprodutivas do trabalho são alienantes e exploradoras, principalmente para a força de trabalho feminina; e que a alienação pode conduzir ao sofrimento psíquico.

Observamos, hoje, no Brasil, professoras desgastadas física e emocionalmente em função de um conjunto de fatores que não estão contemplados de forma explícita nos PCNs, pois são fatores subjetivos para cada profissional, como: o não reconhecimento do seu trabalho, a ausência de estímulos de autoridades governamentais, a baixa remuneração, alunos com diferentes perfis de ordem pessoal e familiar, estresse, entre outros, como podemos observar nos relatos das mesmas, durante as entrevistas.

Deve-se atentar, ainda, para o fato que o trabalho das professoras de ensino fundamental de escolas públicas e as condições de saúde mental produzem-se em um país ainda com precárias condições de desenvolvimento econômico e social. Dessa forma, as características psicológicas e psicopatológicas desta categoria profissional encontram suas determinações no modo como trabalha e como tem seu trabalho explorado, como afirmam Codo et al5. Esses autores complementam que a doença mental se instala em momentos significativos da vida do homem, quando, ocorrendo uma ruptura entre subjetividade e objetividade, bloqueiam-se outros meios de reapropriação secundária desta ligação5: ....

Os mesmos autores5 constatam, ainda, que a contradição trabalhar para educar/formar/instruir X trabalhar para sobreviver, provavelmente afeta, de forma profunda, a identidade do professor como tal, e a relação afeto-trabalho. O aluno que ele deve educar, ensinar, preparar para a vida é também a força de trabalho em preparação para o capital. Ele é a razão de ser de seu salário miserável e, conseqüentemente, de suas precárias condições de vida.

A partir dessas considerações, este estudo surgiu a partir da premissa de que a saúde mental dos professores de ensino público fundamental influencia na qualidade do ensino que fornecem à sociedade. Além disso, as condições de trabalho oferecidas a esses profissionais, como baixos salários e sua cansativa jornada de trabalho, propiciam a instalação do estresse, o que pode influenciar no seu desempenho como educador.

Assim, este estudo tem como objeto a saúde mental dos professores de ensino público fundamental, do município do Rio de Janeiro. E seus objetivos são os seguintes: 1. Identificar as condições da saúde mental dos professores do ensino público fundamental, compreendendo o período de C.A. à 4ª série; 2. Analisar os possíveis agentes "perturbadores" da saúde mental desses professores; 3. Discutir os motivos que levam esses profissionais a continuarem nessa atividade, considerando as implicações da profissão para sua saúde. O estudo justifica-se pelo fato de que tal investigação pode servir de suporte a um novo continente intelectual, capaz de articular Medicina do Trabalho, Sociologia, Psicologia, Enfermagem e Epidemiologia, entre outras disciplinas, além de permitir a articulação entre os pesquisadores, prestadores de serviço, organismos normatizadores de assistência e legisladores e as representações politicamente organizadas dos trabalhadores.

 

2. METODOLOGIA

Para delinear o método deste estudo, utilizamos uma abordagem qualitativa, do tipo descritiva, que permite ao pesquisador abarcar a realidade vivenciada pelo indivíduo, como parte de uma sociedade e, ainda, a compreensão de suas necessidades.

O presente estudo teve como cenário diversas escolas municipais voltadas para o ensino de nível fundamental, todas situadas no município do Rio de Janeiro. Sua clientela apresentou uma idade que variava desde 06 até 14 anos, cujo nível social e econômico era variado, em função principalmente da área programática onde estavam localizadas essas escolas.

Os sujeitos da pesquisa foram 58 professores de ensino público fundamental do município do Rio de Janeiro, que preencheram um termo de consentimento livre e esclarecido respaldado na Resolução 196/968.

A coleta de dados foi desenvolvida através da aplicação de um formulário, com perguntas abertas relacionadas à sua atividade laboral, às relações interpessoais no ambiente de trabalho, às possíveis alterações de saúde física e mental e ao motivo da escolha dessa profissão. Para a coleta de dados, os autores aplicaram os formulários realizando entrevistas, durante as quais buscaram não perder o elo entre as perguntas, para que os próprios professores compreendessem a importância da investigação, o que foi possível perceber durante a sua realização.

A análise dos resultados foi realizada através de análise temática dos dados9, sendo os mesmos categorizados de acordo com os núcleos cuja freqüência apresentava importância para os objetivos propostos. Ludke e André10 ressaltam que, para a formulação inicial das categorias, é necessário que sejam feitas repetidas leituras do material coletado, para que haja uma certa "impregnação" do seu conteúdo pelos pesquisadores. Essas leituras foram feitas buscando possibilitar a divisão do material em seus elementos componentes, sem que se perdesse a relação desses elementos com os demais conteúdos do trabalho.

Para o alcance dos objetivos do estudo, os dados foram distribuídos por unidades temáticas tendo surgido ao final da operação, três categorias, a saber: a primeira, denominada "A Saúde do Professor Alterada", analisa as alterações na saúde física e na saúde mental dos professores; a segunda categoria, intitulada "Agentes Perturbadores da Saúde Mental dos Professores", aborda os fatores determinantes das alterações na saúde mental dos professores; e a terceira categoria, denominada "A Escolha correta da Profissão", discute os motivos que levam os professores a permanecer nessa atividade, apesar da existência de fatores que interferem na sua saúde mental.

 

3. ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS RESULTADOS

A saúde mental do trabalhador deve ser entendida como um processo no qual as agressões dirigidas à mente pela vida laboral são confrontadas pelas fontes de vitalidade e saúde representadas pelas resistências de natureza múltiplas, individuais e coletivas, que funcionam como preservadoras da identidade dos valores e da dignidade dos trabalhadores.

3.1. A saúde do professor alterada

A grande maioria dos profissionais entrevistados (79%) relatou alterações em sua saúde física e mental, apresentando sintomas como: estresse, cansaço, alteração no volume e qualidade de voz, desânimo, violência física e verbal. Algumas falas dos entrevistados refletem esses aspectos:

Atualmente, sinto-me muito cansada, há algumas semanas atrás fiquei completamente sem voz, teria que ficar em casa para me recuperar, mas como faço horas extras não pude. Mas busco cuidados para minha saúde, pratico exercícios físicos em academia (Claudia).

Saúde física regular, sofrendo com as pressões dos problemas particulares (no caso doença em família), jornada dupla de trabalho e outros problemas (Paulo).

No que se refere especificamente às condições de saúde mental referida pelos sujeitos desta pesquisa, foi verificado que 53% dos professores entrevistados relataram apresentar um estado mental alterado, por conta da interferência das suas atividades laborativas advindas principalmente dos seguintes fatores: jornada exaustiva de trabalho, intensas responsabilidades a serem realizadas e problemas escolares voltados para os alunos que alteram assim o estado emocional, prejudicando seu bem-estar. Esses aspectos são exemplificados nas falas a seguir:

[...] mente cansada, esgotada, muitas vezes não tenho paciência para desenvolver atividades mais diversificadas (Rosa).

[...] sinto-me muito inquieta e esquecida. Às vezes, sinto-me pressionada pelas várias responsabilidades (muitas vezes complexas de resolver) que tenho (Maria).

Os esforços especificamente relacionados ao trabalho são analisados sob a denominação de carga de trabalho, no qual estariam contidos basicamente três aspectos: o físico, o cognitivo e o psicoafetivo.

A sobrecarga, em cada uma dessas áreas estreitamente inter-relacionadas, pode refletir-se em manifestações de sobrecarga para as outras duas. Assim, as tarefas que exigem uma atenção concentrada, ou rápidos raciocínios matemáticos realizados sucessivamente ou outras atividades mentais intensificadas poderão redundar tanto em dores musculares quanto em fortes irritabilidades11.

3.2. Agentes perturbadores da saúde mental dos professores

Foram identificados diversos fatores perturbadores relatados pelos professores em seu ambiente de trabalho, entre os quais pode-se destacar o desinteresse dos governantes, a falta de recursos materiais e humanos, o reconhecimento social, problemas sociais (miséria, violência), falta da presença dos responsáveis no cotidiano dos educandos e falta de ética profissional. Os seguintes depoimentos ressaltam esses aspectos:

[...] Pouca valorização profissional por parte dos nossos governantes, falta de união dos grupos dentro da própria escola, necessidades de cursos competentes que nos ajudam a variar e incentivar os nossos educandos (Joana).

[...] Mães e pais que não dão atenção aos filhos, colocando o trabalho em primeiro lugar. Os professores têm que trabalhar com esse aluno passando para ele hábitos e atitudes que ele deveria trazer de casa (Pedro).

Percebemos claramente que todos as situações relatadas pelos professores entrevistados, de diversas escolas e séries variadas, vão de encontro diretamente à sua saúde mental, no que se refere à sua vida social, cotidiana. Nesse sentido, Codo et al4: ... destacam que, os transtornos psíquicos se apresentam quando as exigências do meio e do trabalho ultrapassam as capacidades de adaptação do sujeito ou de suas possibilidades defensivas.

É de fundamental importância que os professores sejam vistos de forma holística, ou seja, seres humanos com necessidades físicas, emocionais, psicológicas e mentais que devem ser respeitadas e preservadas. O indivíduo é o fenômeno que expressa a totalidade e as experiências históricas dele e de seu mundo. O ambiente no qual está inserido e as relações interpessoais a que estão submetidos interferem de forma ativa na suaqualidade de vida.

Codo et al4 acrescentam ainda que o trabalho em si é de orientação, ele não cura e nem faz adoecer. O que cura, enriquece a personalidade ou faz adoecer são as condições humanas e inumanas em que o trabalho é realizado. O depoimento a seguir exemplifica esta análise:

Dependendo do dia, é tranqüilo. Procuro me disciplinar para que o período da tarde e da noite não sejam tão desgastantes, já que dou aula nos três turnos. Em uma das escolas alguns alunos parecem ser barra pesada, e isso me deixa muito tensa. Mas, tento apenas não me envolver muito nesses casos e simplesmente dar aula é difícil. (Claudia).

Foi Hans Selye, em 1926, que utilizou o termo estresse pela primeira vez, e que denominou um conjunto de reações que um organismo desenvolve ao ser submetido a uma situação que exige esforço de adaptação. O estresse ocupacional é decorrente das tensões associadas ao trabalho e à vida profissional. Os agentes estressantes ligados ao trabalho têm origens diversas: condições externas (economia e política) e exigências culturais (cobrança social e familiar). No entanto, Silva e Marchi12 salientam que a mais importante fonte de pressão é a condição psíquica e espiritual do indivíduo.

Peiró13 explicita como estressores do ambiente físico: ruído, iluminação, temperatura, higiene, clima, disposição do espaço físico para o trabalho; e também destaca como principais demandas estressantes: trabalhos por turnos, trabalho noturno, sobrecarga de trabalho, exposição a riscos e perigos. Assim, o trabalho, além de possibilitar crescimento, transformações, reconhecimento e independência pessoal e profissional, também causa problemas de insatisfação, desinteresse, apatia e irritação. Dejours et al.14 afirmavam que não existe trabalho sem sofrimento.

Grande parte dos entrevistados relatou, ainda, que sua saúde mental fica comprometida por situações como o desgaste com alunos desinteressados, falta de recursos no local de trabalho e carga horária excessiva. Essas situações são explicitadas, por exemplo, nas seguintes falas:

Sou uma pessoa que gosto de ir ao cinema, escutar música, passear, mas nem sempre posso. Na medida do possível faço isso, mas sei que preciso fazer mais coisas para ficar mais feliz comigo mesma (Valéria).

O físico interfere no mental e vice-versa. É claro que os problemas, as frustrações decorrentes do trabalho interferem na minha vida (Paulo).

Saúde constitui o estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de enfermidade e doença15, um estado que a comunidade e os indivíduos aspiram atingir. Nesse âmbito, distinguem-se dois grandes campos de conhecimento e atividade, que devem ser interrelacionados. No primeiro, específico para satisfação e resolução do problema saúde-doença das pessoas, encontram-se a Enfermagem, a Medicina, a Psicologia, entre outros. O segundo campo é o de conhecimentos e atividades técnico-científicas voltadas diretamente para o diagnóstico, prognóstico, formulação e execução de medidas de mudanças nas situações de saúde das comunidades como um todo.

A saúde mental deve ser preservada. É muito difícil atingir o que se convencionou chamar de estado de saúde ideal, pois que ele implica um conjunto harmônico de bemestar físico, mental e social. Utilizar a denominação saúde mental do trabalho para o campo de estudos em referência seria focalizar também a saúde mental como processo no qual as agressões dirigidas à mente pela vida laboral são confrontadas pelas fontes de vitalidade e saúde representadas pelas resistências de natureza múltipla, individuais e coletivas, que funcionam como preservadoras da identidade, dos valores e da dignidade dos trabalhadores.

3.3. A escolha correta da profissão

Por fim, em sua maioria, apesar de encontrarem dificuldades em realizar suas atividades, esses profissionais relataram ser gratificante acompanhar a evolução dos seus alunos e poder contribuir para seu crescimento, e também pelo amor que sentem pela profissão, como pode ser observado nos seguintes depoimentos:

[...] só em saber que um dia estes meus alunos podem ser alguém na vida, me motivo a continuar (Ana Maria).

[...] por mais desvalorizada que seja a profissão, tenho certeza que escolhi a carreira certa pra mim (Renata).

[...] para mim, o professor é tão ou mais importante que o papel dos pais, por isso continuo (Roberto).

Para Codo et al.5, a organização do trabalho exerce sobre o homem uma ação específica, cujo impacto é o aparelho psíquico em choque entre uma história individual, portadora de projetos, de esperanças e de desejos, e uma organização do trabalho que os ignora. Esse sofrimento, de natureza mental, começa quando o homem, no trabalho, já não pode fazer nenhuma modificação na sua tarefa, no sentido de torná-la mais próxima de suas necessidades fisiológicas e seus desejos psicológicos, isto é, quando a relação homem - trabalho é bloqueada.

Alguns dos entrevistados declararam que o professor tem um papel primordial na sociedade, como agente socializador e educador. Ele passa a ser responsável pela educação e a transforma em produção, e não meramente em uma simples transmissão de conhecimento, pois muitos pais abstêm-se da responsabilidade de educar a criança, transferindo-a para os professores.

O professor faz parte do processo de educação na escola proporcionando ao educando as condições necessárias para o desenvolvimento de todas as suas potencialidades, como elemento de preparo para o exercício de uma atuação consciente e crítica diante do mundo que o rodeia.

 

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Todos sabemos que o bem-estar físico é parte essencial de uma vida feliz. Neste sentido vão os esforços das ciências para dar ao ser humano todo o suporte necessário para uma vida longa com saúde física e mental. No sentido contrário, as condições oferecidas para o exercício dessa profissão implicam quase que necessariamente uma diminuição da qualidade de vida e comprometimento da saúde mental dos professores.

Observou-se, a partir dos resultados apresentados, que os professores entrevistados convivem em ambientes de forte tensão e hostilidade, declaram perdas salariais constantes, vivem uma desvalorização social da profissão e sofrem fortes cobranças. Esses aspectos tornam os profissionais um grupo de risco para problemas psicológicos, tais como depressão, ansiedade e estresse.

Percebemos, também, ao conversar com esses profissionais, após o término das entrevistas, que existe uma certa resignação sobre a realidade da profissão, o que os leva a um discurso quase uníssono de "sempre foi assim, e não vai mudar". Essa posição de desânimo explicita, assim, uma ausência de pragmatismo para mudanças estruturais importantes partindo de sua própria postura.

Em contrapartida, é notório um brilho, ainda que discreto em alguns professores, quando afirmam que, mesmo com todos esses aspectos negativos, ainda existe muito amor de sua parte por essa profissão e eles não deixam de acreditar que essa profissão é uma das mais bonitas que existe. Uma inquestionável verdade.

 

REFERÊNCIAS

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10. Ludke M, André M. Pesquisa em Educação: abordagens qualitativas. São Paulo (SP): EPU; 1986.

11. Angerami VA, organizador. Crise, trabalho e saúde mental no Brasil. São Paulo (SP): Ed.Traço; 1986.

12. Silva MAD, Marchi R. Saúde e qualidade de vida no trabalho. São Paulo (SP): Editora Best Seller; 1997.

13. Peiró JM. Psicología de la organización. Madrid (ES): Uned; 1986

14. Dejours C, Abdoucheli E, Jayet C. Psicodinâmica do trabalho: contribuição da escola Dejouriana à análise da relação prazer, sofrimento e trabalho. São Paulo (SP): Atlas; 1994.

15. Disponível em http://www.abqv.org.br/artigos009.php

 

 

Recebido em 12/05/2004
Reapresentado em 24/08/2004
Aprovado em 31/08/2004

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