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CAPES

Volume 8, Número 2, Mai/Ago - 2004

ARTIGOS DE PESQUISA

 

Imaginário das mães de filhos internados em UTI-Neonatal no pós-parto: contribuições para a enfermagem

 

Mother's imaginary of children interned in an ITU-Neonatal after the childbirth: contributions to Nursing

 

Imaginario de las madres de hijos internados en UTI-Neonatal en el postparto: contribuciones para la Enfermería

 

 

Ronilson Gonçalves RochaI; Priscila de Castro HandemII; Rafaela de Oliveira Lopes da SilvaIII; Nébia Maria Almeida de FigueiredoIV

IGraduando de Enfermagem da EEAP/UNIRO. Bolsista AT CNPq
IIGraduanda de Enfermagem da EEAP/UNIRO. Bolsista IC CNPq
IIIGraduanda de Enfermagem da EEAP/UNIRIO. Bolsista PIBIC CNPq
IVDoutora em Enfermagem pela UFRJ. Professora Titular do DEF da EEAP/UNIRIO - Pesquisadora do CNPq

 

 


RESUMO

Este estudo tem como objetivo verificar o que pensam as puérperas com relação ao afastamento dos seus filhos no pós-parto para receberem cuidados especiais na UTI-Neonatal e avaliar, a partir de seus depoimentos as suas necessidades com relação ao cuidado de enfermagem. A abordagem é qualitativa, pois trata-se de um trabalho que envolve alguns fenômenos aparentemente imensuráveis. A análise dos dados deu origem a duas categorias de análise: A representação imaginária de perda: o sofrimento da mãe quando tem seu filho encaminhado à UTI-Neonatal e O Cuidado Real: imaginando um Cuidado Sensível. Concluímos que o fato de as mães serem "esquecidas" num momento em que estão abaladas fisicamente e psicologicamente pode ser responsável pela criação imaginária

Palavras-chave: Enfermagem. Mães. Cuidados de Enfermagem. Enfermagem materno-infantil.


ABSTRACT

This study has as purpose to verify what think the parturient about the separation from their children in the after childbirth to receive special care in the ITU-Neonatal and to evaluate, from their statements their needs related to the nursing care. The aproach is qualitative, because the study is about some phenomenons apparently immensurable. The data analysis made possible two categories of investigation: The imaginary representation of lost: the suffering of the mother with a child in the ITU-Neonatal and The Real Care: imaginning a Sensitive Care. We conclued that the fact of the mothers been "forgotten" in a moment that they are physicaly and psychological shaked may be responsible for the imaginary creation of feelings capable to make them to think the worst, as the lost of their children, interfering in the recovering from the childbirth and in the construction of an affective link with the baby.

Keywords: Nursing. Mothers. Nursing care. Maternal-child nursing.


RESUMEN

Este estudio tiene como objetivos verificar lo que piensan las puérperas en relación a la separación de sus hijos en el postparto para recibir cuidados especiales en la UTI-Neonatal, y evaluar, a partir de sus testimonios, sus necesidades cuanto al cuidado de enfermería. El abordaje es cualitativo porque se trata de un trabajo que envuelve algunos fenómenos aparentemente inmensurables. Encontramos dos categorías de análisis: La representación imaginaria de pérdida: el sufrimiento de la madre cuando su hijo es llevado para la UTI-Neonatal; y el cuidado real: imaginando un cuidado sensible. Se concluyó que el hecho de las madres ser "olvidadas" en un momento de fragilidad física y sicológica puede ser el motivo para la creación imaginaria de sentimientos capaces de llevarlas a pensar en lo peor, como la pérdida del hijo, lo que interfiere en la recuperación postparto y en la construcción del vinculo afectivo con el bebé.

Palabras clave: Enfermería. Madres. Atención de enfermería. Enfermería maternoinfantil.

 

 

INTRODUÇÃO

A presente pesquisa surgiu a partir de observações e questionamentos durante a realização de estágio curricular numa maternidade situada no município do Rio de Janeiro. Nesta época, desenvolvíamos atividades práticas pelas disciplinas Atenção à Saúde da Mulher e Atenção à Saúde do Recém-nascido, ministradas no 5º período do Curso de Graduação em Enfermagem da Escola de Enfermagem Alfredo Pinto (EEAP), da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO).

Durante a realização da prática de cuidar em enfermagem naquela maternidade pudemos observar as inquietações de algumas mães. Ao tentar confortá-las, questionamos o que as deixavam tão aflitas, surgindo então as motivações para o presente estudo. A repetição de vários depoimentos semelhantes, nos quais o afastamento dos seus filhos no pós-parto para que pudessem receber cuidados especiais na UTI-Neonatal e a falta de informações sobre os mesmos as deixavam psicologicamente abaladas. Estes aspectos nos levaram a construir um pensamento crítico sobre o estado daquelas mães, haja vista a incerteza das mesmas quanto as reais condições em que se encontravam seus filhos.

Notamos nestas clientes, a dor da separação, a instabilidade física e psicoemocional, o que evidenciava a necessidade de uma assistência capaz de estimulá-las positivamente frente às dificuldades por que passavam, buscando assim evitar que as mesmas ficassem imaginando o que poderia não ser condizente com o estado de saúde dos seus filhos. Neste sentido, acreditamos em envolver a Enfermagem com a necessidade de envidar esforços para ultrapassar as dificuldades da sua clientela e permitir a mesma a compreensão dos problemas a serem enfrentados. Neste sentido, Lima1 esclarece:

Um enfermeiro adepto da enfermagem criativa deve estar preparado para se manter estável e forte diante de uma pessoa que se sente sem forças ou desesperada na sua dor ou em suas necessidades. Cabe a nós, pela conscientização do corpo, tanto do nosso, quanto da outra pessoa, ajudá-la a enquadrar e visualizar a promoção, manutenção e recuperação da saúde, assinalando possibilidades de êxito através da prestação de ações profissionais.

Assim, enfatiza-se a necessidade de atenção do enfermeiro diante do sofrimento das mães ocasionado por um lado pelas alterações sofridas durante o processo do parto e de outro lado, pela preocupação com as condições de seus bebês, que correm risco de vida por estarem na UTI-Neonatal, condição reconhecidamente capaz de deixá-la bastante ansiosa. É o que afirma Maldonado 2, quando diz:

O fato de a gravidez constituir uma situação crítica, implicando naturalmente em maior vulnerabilidade e desorganização de padrões anteriores, em inúmeras modificações fisiológicas e em estados emocionais peculiares, justifica a presença normal de um certo grau de ansiedade. No entanto, quando a maternidade, por motivos vários, gera um grau de ansiedade mais intenso, há maior probabilidade de se observar complicações obstétricas na gravidez, no parto e no puerpério.

Tal afirmativa impeliu-nos refletir mais profundamente sobre o modo com que a equipe de enfermagem presta os cuidados a essas puérperas, sem se distanciar de uma prática de cuidar que atenda tanto as condições apresentadas e visíveis fisicamente nestas mães, quanto as condições adversas mais dificilmente detectáveis, porém presentes, como: depressão, medo, angústia, ansiedade dentre outras. Estas condições, que exigem afinidade ou sensibilidade suficiente da equipe de enfermagem, para detectá-las, podem ser expressadas por sentimentos, muitas vezes não verbalizados. Entendemos que a Enfermagem deve prestar cuidados aos seus clientes compreendendo-os e preocupando-se em manter um grau de socialização que permita a expressão de seus sentimentos. Isto facilita de forma significativa a prestação de um cuidado integral, além de permitir a confiança, a aceitação e a satisfação de quem é cuidado.

Durante nossa prática de cuidar evidenciamos também nas mães, de filhos internados na UTI-Neonatal, a necessidade de dialogar e obter informações sobre eles, de modo a minimizar suas angústias. Não podemos esquecer do que afirma Boff 3 ao se referir ao sentimento da mãe em relação a seu filho, quando ele diz que a mãe está pronta a dar sua própria vida pela segurança, pela proteção e pelo bem do seu filho.

Acreditamos que estas mães que experimentam a ausência de seus filhos na sala de parto e depois, no alojamento conjunto precisam de muito apoio da equipe multiprofissional, principalmente da Enfermagem, pois ela é a profissão que lida a maior parte do tempo com esta clientela. Este cuidado minimizaria problemas emocionais mais sérios e as repercussões presentes e futuras em sua vida social e interpessoal, que podem ser conseqüentes de uma assistência ineficiente durante o puerpério.

Diante destas considerações, este estudo tem como objeto o imaginário das mães de filhos internados em UTI-Neonatal, para receberem cuidados especiais. Assim, delinearam-se como objetivos da pesquisa (a) verificar o que pensam as puérperas com relação ao afastamento dos seus filhos para receberem cuidados especiais na UTI-Neonatal; (b) avaliar as necessidades das puérperas com relação ao cuidado de enfermagem, a partir de seus depoimentos.

A partir do objeto de estudo e dos objetivos da pesquisa, podemos refletir sobre essas contribuições. Considerando o processo evolutivo envolvido na sensibilização daqueles que praticam o cuidar junto aos clientes, pode-se destacar a posição de Figueiredo et al.5, ao dizerem que ninguém se envolve ou se preocupa com o outro, quando o amor não esta movendo suas emoções e ações.

Consideramos que as emoções fazem parte do cuidado. Ao cuidarmos da clientela, diversas alterações fisiológicas são geradas podendo mudar nosso comportamento diante dela. Por outro lado, os clientes da Enfermagem também apresentam uma sensibilidade, que pode estar exacerbada em situações aflitivas ou de crise. Assim, essas mães, carentes de uma atenção que seja capaz atender suas necessidades, apresentam expectativas de ajuda, que os enfermeiros podem atender.

 

METODOLOGIA

Este estudo utilizou a abordagem metodológica qualitativa, por envolver questões subjetivas. É um trabalho que envolve a percepção por parte das mães internadas no alojamento conjunto, de alguns fenômenos aparentemente imensuráveis e sobre isso encontramos apoio em Minayo6 quando ela nos diz que:

A pesquisa qualitativa se preocupa, nas ciências sociais com um nível de realidade que não pode ser quantificado, ou seja, ela trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das reações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser realizados à operacionalização das variáveis.

Polit et al.7 complementam dizendo que, Pesquisadores qualitativos coletam e analisam materiais pouco estruturados e narrativos que propiciam campo livre ao rico potencial das percepções e subjetividade dos seres humanos.

Uma autorização foi solicitada à instituição e às mães participantes do estudo, respeitando-se a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde. Então, foram obtidas as respectivas autorizações para o desenvolvimento da pesquisa, mediante a garantia do sigilo e anonimato dos sujeitos participantes do estudo.

O cenário deste estudo foi uma maternidade pública situada no município do Rio de Janeiro, que era campo de ensino clínico das Disciplinas ministradas pelo Departamento de Enfermagem Materno-infantil da Escola de Enfermagem Alfredo Pinto,da Universidade do Rio de Janeiro.

Os sujeitos do estudo foram dez mães com faixa etária compreendida entre 17 e 38 anos, que se encontravam no alojamento conjunto dessa maternidade,seus filhos haviam sido afastados logo após o parto, para poderem receber cuidados mais específicos na UTI-Neonatal.

Como instrumento de coleta de dados foi utilizado um roteiro de entrevista com duas questões abertas. As entrevistas foram gravadas em fitas cassete, posteriormente transcritas, para garantir a fidedignidade das falas.Após a transcrição das informações coletadas , selecionamos o que era comum nas falas das puérperas quanto à condição de ter seus filhos afastados logo após o parto, para que pudessem receber cuidados específicos na UTI-Neonatal.

Trabalhando as respostas à questão: do roteiro, que passou pela sua imaginação, quando o seu filho foi afastado para receber cuidados especiais na UTI-Neonatal após o nascimento, surgiu a primeira categoria de análise do estudo, assim especificada: a representação imaginária de perda: o sofrimento da mãe que teve seu filho encaminhado a UTI-Neonatal.

A segunda categoria de análise surgiu a partir das respostas à seguinte questão do roteiro, a senhora acha que a Enfermagem poderia ajudá-la dando algum conforto emocional, no momento em que o seu filho foi levado? Esta categoria foi denominada: o cuidado real imaginando um cuidado sensível.

 

ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS

A REPRESENTAÇÃO IMAGINÁRIA DE PERDA: o sofrimento da mãe que teve seu filho encaminhado a UTI-Neonatal

As informações contidas nos depoimentos das puérperas denotam a condição psicoemocional dessas mães, o que pode ser comprovado a partir da leitura de suas falas:

Entrevista da 2: A gente fica nervosa, a gente fica meio em depressão, começa a chorar, não sei.... Entrevista da 3: Tudo de ruim, que a minha filha não ia sair nunca, sei lá, tudo, tudo de ruim, até de morte. A gente pensa tudo ne, eu chorei muito. Entrevista da 5: O que passa pela nossa cabeça é o pior possível ne, porque a gente vê todo mundo com o seu neném do lado e o seu não ta. Então é uma sensação horrível, não dá nem pra explicar, é inexplicável.

Entrevista da 7: Eu pensei em muitas coisas ruins... A gente vê a criança com a cabeça raspada e, por isso, a gente sofre também.

Entrevista da 9: Eu fiquei insegura e com um pouquinho de medo, mas quando eu cheguei lá e vi ele, eu chorei muito por ver ele naquela situação. Mas os médicos me deram força dizendo que estava tudo bem e que não era nada demais e grave.

Entrevista da 10: Eu fiquei muito triste, fiquei pensando que ele não ia sobreviver, porque UTI já uma coisa assim muito séria.

A partir destes depoimentos, ficou claro que as mães sentiam a perda imaginária dos seus filhos. Nesta perda existiu o envolvimento de emoções objetivas, como chorar, ficar nervosa, sentir medo, ficar deprimida, sentir-se insegura. O imaginário foi capaz de colocá-las em consonância com fatos que não eram reais, já que não tinham informações sobre seus filhos mas, que eram capazes de fazê-las "pensar no pior". Além disso, enquanto elas permaneceram no alojamento conjunto, observavam outras mães com seus filhos no colo, sendo amamentados e recebendo o carinho materno. Nesse sentido, encontramos apoio em Malrieu 8 quando nos diz:

O imaginário coloca-nos no centro das nossas preocupações ocultas, das nossas possibilidades, do nosso passado. Somos, então, encaminhados, à margem da consciência do eu, para representações desconhecidas.

Estas mães revelaram sentimentos que precisam ser ouvidos ou percebidos pelos profissionais que cuidam das mesmas. Neste caso, é necessário que o profissional abra um espaço para estas clientes expressarem seus sentimentos e necessidades, na tentativa de entender o outro dentro de seus medos e suas aflições. Maldonado9 reforça este aspecto dizendo que:

É claro que há momentos em que, em resposta à reflexão de sentimentos, a pessoa se abre - começa a chorar, ou chora a ponto de soluçar, ou se expressa de modo mais completo. Isto não quer dizer que a pessoa piorou, mas que simplesmente encontrou um espaço onde se sente com liberdade e confiança para desabafar. Comumente, o efeito é de alivio dos sentimentos dolorosos ou difíceis, após serem livremente expressos, compreendidos e respeitados.

Neste sentido, evidencia-se que as condições daquelas mães, em função da necessidade de ver logo o filho em boas condições de saúde, propiciaram o esquecimento ou falta de percepção sobre a sua própria necessidade de cuidados especiais, pois sentiam a ausência do filho que estiveram em sua companhia durante todo o período de gestação. Para esta condição específica e conflitante das mães que tiveram seus filhos levados para a UTI-Neonatal, percebemos a necessidade de que o profissional de enfermagem prestasse um cuidado sensível, ouvindo estas mães e permitindo uma maior interação com ele, para que estes sentimentos de perda fossem aliviados.

Sobre este assunto Maldonado9 diz ainda que, o medo do sentir é muitas vezes denominado "medo de se envolver" com a situação da cliente - ficar com muita pena, ou sofrer junto com ela ou afligir-se demais por não conseguir resolver o problema da pessoa.

Porém, como enfermeira e futuros profissionais de enfermagem, acreditamos que sem o envolvimento dos profissionais inexistem condições para cuidar do outro, pois cuidar requer tocar, interagir, conhecer, afetar, relacionar, que compõem as ações reconhecidamente inerentes à Enfermagem. Elas são impossíveis de acontecer, sem que haja envolvimento entre quem cuida e quem é cuidado.

 

O CUIDADO REAL: IMAGINANDO UM CUIDADO SENSÍVEL

Das condições apresentadas por estas mães, de filhos no pós-parto internados para receberem cuidados específicos na UTI-Neonatal, constatamos o quanto estava aflorado o imaginário das mesmas. Pudemos perceber em suas falas a expressão do tipo de cuidado que gostariam de receber enquanto estavam distantes fisicamente dos seus filhos. Isto as fez imaginar um cuidado sensível e real, fazendo-as inclusive explorar o que os enfermeiros poderiam fazer e que não era feito como identifica-se nas falas a seguir:

Entrevista da 1: ...não olhava, passava assim, só fazia mesmo o que era de obrigação deles fazer. A gente ficava insegura, se tem algum bebê com alguma coisa, a gente chama quem?

Entrevista da 2: Poderia, é conversar, orientar a gente né?

Entrevista da 5: A enfermagem pode ajudar porque é..., nessa hora a gente quer é isso ne, é ouvir um conforto, uma palavra de que vai ficar tudo bem, eu acho que é nessa questão que pode ajudar, a pessoa tá do lado, procurando acalmar a outra, acho que é muito importante.

Entrevista da 6: Acho que estar sempre perto caso haja qualquer coisa..., A gente fica mais confortável. Gostaria que também sempre trouxessem informações e explicassem a situação da criança, o quê e por quê se está fazendo algo

Entrevista da 7: Não tenho nada a falar com respeito ao que foi feito. Mas eu acho que eles deviam ter mais paciência, enfermeiras ou não.

Interpretando o que as mães puérperas expressaram em seus depoimentos, nota-se que elas gostariam de ter um cuidado que envolvesse sensibilidade. Por isso, os profissionais da equipe de enfermagem devem estar atentas para detectar essa necessidade de informações sobre seus filhos, e esse sofrimento por não serem confortadas por alguém diante da situação em que se encontravam. Recorremos a Boff 3, quando fala sobre o sofrimento humano dizendo que no homem é provável que os sofrimentos psíquicos sejam mais importantes que as dores físicas. Estas últimas podem ser fatais, mas o sofrimento psíquico vai mais fundo, atinge a pessoa em seu próprio cerne.

As puérperas gostariam de receber um cuidado imaginário que diz respeito ao cuidado real, o qual evidencia a necessidade de segurança, de conversa, de orientação, de receber conforto, atenção, informação e de perceber nos profissionais interesse e paciência, quando eles prestam o cuidado.

Malrieu 8 confirma esta análise ao dizer que à imaginação deixa de ser entendida como a mera reminiscência de sensações no interior de um sujeito privado do seu poder de crítica, para passar a ser a revelação do sentido das aparências e das atividades da vida quotidiana.

Desta forma, percebe-se que estas mães têm um desejo de receber um cuidado que atenda todos os seus anseios, um cuidado que envolva, primordialmente, a sensibilidade e a racionalidade do enfermeiro. Entretanto, estas puérperas não cobram desses profissionais por se verem em uma situação complexa e dependente, que as deixa impossibilitadas de exigir, de questionar um cuidado que deveria ocorrer naturalmente, para atender suas necessidades e de seus filhos, cuidado que perpassa pelo seu imaginário, mas que não transcende à realidade.

As falas das puérperas remetem a um cuidado imaginário que elas gostariam de receber dos profissionais de enfermagem, mas que não eram realizados. Este cuidado, que as mães evidenciaram é o cuidado defendido por Waldow 10 como aquele que requer conhecimento do outro ser referindo-se ao conhecimento dos sentimentos do outro a partir do estabelecimento de uma relação, permitindo que o outro cresça, aceitando o outro como ele é e transmitindo segurança para que ocorra a independência.

A interferência derivada desta análise aponta para a valorização de quem cuida com quem é cuidado ou carece de cuidados. A busca pelo desenvolvimento da Enfermagem, enquanto arte que envolve o outro requer, que o profissional também esteja envolvido. Entretanto, por convivermos com o paradigma cartesiano existe uma dificuldade de envolvimento.

Salientamos também, que o profissional de enfermagem deve ter responsabilidade máxima com quem está sendo cuidado. A partir da arte e ética profissionais, é necessário que a equipe considere a possibilidade de suas clientes apresentarem dificuldades em expressar seus sentimentos, levando-as a explorar seu imaginário para obter respostas sobre suas inquietações, diante da condição de perda imaginária do seu filho. Sobre esse assunto, entende-se que o enfermeiro deveria buscar inspiração no que afirma Figueiredo et al.11, quando destaca a importância do equilíbrio com as dimensões física/psicológica/social/espiritual, para garantir um cuidado que proporcione o bem-estar e a recuperação do cliente.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Deste estudo, concluí-se que os enfermeiros precisam envolver-se mais com as mães de filhos internados na UTI-Neonatal, logo após o parto, pois o fato de serem "esquecidas" em um momento em que estão abaladas fisica e psicologicamente pode ser a situação responsável pela criação imaginária de sentimentos capazes de atormentá-las, como a perda de seu filho. Esta situação interfe na recuperação pós-parto e na construção do vínculo afetivo com o bebê. De acordo com Maldonado2, alguns sentimentos como depressão, frustração e ansiedade tornam-se mais acentuadas quando o bebê está afastado de sua mãe.

Para minimizar os efeitos da questão do estudo que envolve essas mães, a Enfermagem necessita apropriarse de um cuidado sensível. Cabe assim salientar que, a apropriação dos nossos sentidos, tanto objetivos quanto subjetivos, torna-se fundamental para permitir que a cliente-mãe seja ouvida, tocada, respeitada, informada e, sobretudo compreendida, o que implica em um cuidado sensível e uma prática competente da profissão, que é entendida como uma ciência em vias de fazer.

 

REFERÊNCIAS

1. Lima AJ. Pediatria essencial. Rio de Janeiro: Atheneu, 1992. 890p.

2. Maldonado MT. Psicologia da gravidez: parto e puerpério. 16ª ed. São Paulo(SP): Saraiva; 2002. 229p

3. Boff L. Princípio de compaixão e cuidado. Petrópolis(RJ): Vozes; 2000. 164p

4. Oliveira ICS, Souza CCF. A participação da mãe nos cuidados ao seu filho hospitalizado: uma perspectiva da equipe de enfermagem. Esc Anna Nery Rev Enferm 2003 dez;7(3):379-87.

5. Figueiredo NMA, Machado WC, Porto IS. A Dama de Branco transcendendo para a vida/morte através do toque. In: Meyer DE, organizadora. Marcas da diversidade: saberes e fazeres da enfermagem contemporânea. Porto Alegre(RS): Artes Médicas; 1998. p.137-169.

6. Minayo MCS, organizadora. Pesquisa social: teoria, método e criatividade. Petrópolis( RJ): Vozes; 1994. 80p.

7. Polit D, Hungler F. Fundamentos da pesquisa em enfermagem. Porto Alegre(RS): Artes Médicas; 1995. 391p.

8. Malrieu PA. Construção do imaginário. Lisboa(PT): Instituto Piaget; 1996. 243p

9. Maldonado MT. A relação médico-cliente em ginecologia e obstetrícia. São Paulo(SP): Atheneu;1981. 239p.

10. Waldow VR. Cuidado humano. O resgate necessário. Porto Alegre(RS): S.Luzzatto; 1998. 204p.

11. Figueiredo NMA, Machado WCA. Ecosofia e autopoiese um cuidado com o corpo. In: Santos, I,organizador. Enfermagem fundamental: realidade, questões e soluções. São Paulo(SP): Atheneu; 2001. p.191-210.

 

 

Recebido em 08/08/2003
Reapresentado em 29/07/2004
Aprovado em 05/08/2004

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