Volume 18, Número 1, Jan/Mar - 2014
Pesquisa
Caracterização do termo humanização na assistência por
profissionais de enfermagem
Isis de Moraes Chernicharo
1
Fernanda Duarte da Silva
1
Márcia de Assunção Ferreira
1
1 Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro - RJ, Brasil
Recebido em 31/08/2012
Reapresentado em 21/03/2013
Aprovado em 25/05/2013
Autor correspondente:
Isis de Moraes Chernicharo
E-mail:
zizimoraes@hotmail.com
RESUMO
Os objetivos deste estudo foram conhecer os dados sociodemográficos que caracterizam
os profissionais participantes da pesquisa, identificar os significados atribuídos
por profissionais de enfermagem aos termos humanização e não humanização e
analisá-los à luz dos preceitos da Política Nacional de Humanização.
MÉTODOS:
Exploratório-descritivo, com aplicação de questionários com perguntas fechadas e
abertas a 70 profissionais de enfermagem. Para análise do material utilizaram-se
recursos estatístico-descritivos e técnica de análise de conteúdo.
RESULTADOS:
Aspectos pessoais, subjetivos, morais, éticos e relacionais caracterizam a
humanização. A valorização da técnica procedimental, do modelo biomédico e dos
problemas emergentes na área de atenção à saúde caracterizam a não humanização.
Conclui-se que a assistência de enfermagem voltada aos preceitos da política
nacional de humanização é aquela que vai ao encontro dos significados dos próprios
partícipes do cuidado, devendo, portanto, ser considerada como coautora no
processo saúde-doença.
Palavras-chave: Humanização da assistência; Enfermagem; Equipe de enfermagem.
INTRODUÇÃO
Humanização no sentido literal da palavra significa ato ou efeito de humanizar, que, por sua vez, significa "tornar humano; dar feição ou condição humana a; tornar benévolo, afável; mostrar-se benévolo, compassivo, caridoso"1. Quando nos remetemos à humanização nas relações interpessoais, podemos retomar esses sentidos denotativos da palavra, ou seja, podemos configurar a humanização como algo inato ao ser humano, um sentimento instintivo que todos os homens trazem em si, no qual emerge atos e ações de caridade, bondade, tendo o bem como máxima a guiar as relações em sociedade. Entretanto, o conceito de humanização torna-se muito mais amplo quando adentramos em diversas instancias.
No sentido filosófico, humanização é um termo que encontra suas raízes na corrente filosófica do Humanismo2 que busca compreender o homem e a compreensão do homem em sociedade. No campo psicanalítico, humanização nos remete às questões da subjetividade. Já na vertente da moral, esse termo pode evocar valores humanitários, como respeito, solidariedade, compaixão e empatia3.
A utilização do termo humanização nos tempos da pós-modernidade rememora movimentos de recuperação de valores humanos esquecidos ou sucumbidos devido ao reordenamento social da época, decorrente do capitalismo multinacional e pela globalização econômica3. À luz dessa situação, em meados do século XX, começou-se a se discutir questões relacionadas aos direitos humanos, bioética, proteção ambiental e cidadania como respostas a tal situação, propondo uma reconstrução da realidade.
Já na área da saúde, a humanização começou a ser abordada em torno da década de 80, quando esse termo começou a ganhar força e adeptos devido aos acordes da luta antimanicomial, na área da Saúde Mental4 e do movimento feminista pela humanização do parto e do nascimento, na área da Saúde da Mulher5 que vieram à tona, produzindo repercussões significativas que registraram esses momentos como marcos históricos do início da discussão sobre humanização no campo da saúde.
Desde então, os hospitais começaram a desenvolver ações consideradas "humanizadoras", ações estas que de início tinham a finalidade de transformar o ambiente hospitalar a partir da implementação de atividades lúdicas, lazer, entretenimento ou arte e melhorias na aparência física dos serviços, mas que não chegavam às instâncias da organização do trabalho ou do modo de gestão e tampouco da vida das pessoas3. Hoje, sob diferentes óticas, humanização pode ser compreendida como: "Princípio de conduta de base humanista e ética; Movimento contra a violência institucional na área da saúde; Política pública para a atenção e gestão do SUS; Metodologia auxiliar para a gestão participativa; e Tecnologia do cuidado na assistência à saúde"3:254.
No contexto das políticas públicas, em 2000, o Ministério da Saúde a partir das diversas iniciativas de humanização na prática assistencial à saúde, criou o Programa Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar (PNHAH)6, visando à disseminação das ideias de humanização com forte ênfase na transformação das relações interpessoais, pelo aprofundamento das questões subjetivas inerentes à esse tipo de relação, assim como ao estímulo de uma nova prática em saúde, propondo melhorias na qualidade da assistência e nas condições de trabalho.
Tendo em vista que a humanização abrange todos os níveis de atenção à saúde e não apenas o contexto hospitalar, em 2003, o Ministério da Saúde revisa a PNHAH e lança a Política Nacional de Humanização (PNH), que passa a contemplar toda a rede SUS, abrangendo transformações dos modelos de atenção e gestão nos serviços e nos sistemas de saúde7.
A PNH adota humanização como política transversal, ou seja, "como um conjunto de princípios e diretrizes que se traduzem em ações nos diversos serviços, nas práticas de saúde e nas instâncias do sistema, caracterizando uma construção coletiva"7. Em outras palavras, a PNH propõe uma gestão participativa ou co-gestão8, na qual os trabalhadores e usuários são incluídos e valorizados no processo de produção de saúde, implicando em uma mudança na cultura de atenção dos usuários e da gestão dos processos de trabalho.
A partir de então, a temática de humanização na assistência de enfermagem começa a ganhar espaço no cenário da saúde, por isso, torna-se imprescindível compreender como essa temática está sendo trabalhada nos diferentes campos de atuação da enfermagem (instituições hospitalares, unidades de saúde e na própria comunidade), que significações os profissionais de enfermagem estão dando a esse termo "humanização" e como tais significações repercutem em suas práticas.
Para tanto, essa pesquisa tem como objetivos: Conhecer os dados sociodemográficos que caracterizam os profissionais de enfermagem que atuam na assistência hospitalar, participantes da pesquisa; identificar os significados atribuídos por profissionais de enfermagem aos termos "humanização" e "não humanização" e analisar tais significados à luz dos preceitos da Política Nacional de Humanização.
METODOLOGIA
Trata-se de um estudo exploratório-descritivo desenvolvido com profissionais de enfermagem de três setores de um Hospital Universitário público e federal do município do Rio de Janeiro, durante os meses de junho e julho de 2011.
A escolha dos cenários deu-se por meio de um levantamento panorâmico na chefia de serviço e de setores de internações clínicas e internações cirúrgicas. Devido a modificações estruturais que demandaram a reorganização dos serviços do hospital, optou-se por selecionar os setores que estavam em funcionamento pleno nos meses eleitos para a coleta de dados. Por isso, os setores selecionados foram: Clínica Médica, Clínica Cirúrgica e Centro de Tratamento Intensivo (CTI).
Os critérios de inclusão para os profissionais foram: ambos os sexos, que atuem efetivamente no cuidado aos usuários hospitalizados no turno da manhã ou no turno da tarde. Como critérios de exclusão foram aplicados os seguintes: os sujeitos em atividades exclusivas de gerência, ou afastados da assistência por licença, de qualquer natureza, ou gozo de férias no período delimitado para a produção dos dados. De um total de 116 profissionais que atendiam os critérios de inclusão, 70 aceitaram participar da pesquisa.
Utilizou-se para a coleta de dados um instrumento composto de perguntas fechadas de múltipla escolha, dicotômicas e de escala de importância contemplando variáveis sociodemográficas e relativas à questão da pesquisa. O questionário também contemplou questões abertas que permitia que o profissional dissertasse sobre suas concepções na escolha de suas opções, caso considerasse oportuno.
Realizou-se um teste-piloto com cinco profissionais com o objetivo de detectar o seu entendimento sobre as questões e sua aplicabilidade, procedendo-se as adequações necessárias. Estes resultados não foram incluídos na pesquisa, sendo, portanto, desprezados.
Os dados oriundos das questões objetivas sofreram análise estatística descritiva por meio do software Epi Info versão 3.5.2 de dezembro de 2010 e apresentados em tabelas e gráficos, elaborados com o programa Microsoft Excel 2010 para melhor visualização. Os dados provenientes das questões abertas sofreram análise de conteúdo, sendo descritos em complementaridade à análise dos resultados objetivos.
Em atendimento à Resolução nº 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, o projeto de pesquisa foi aprovado no Comitê de Ética e Pesquisa da Escola de Enfermagem Anna Nery da Universidade Federal do Rio de Janeiro, protocolo nº 098/2009. O Termo de Consentimento foi assinado por todos os sujeitos.
A identificação dos sujeitos autores dos trechos transcritos das questões abertas deu-se pela identificação pela letra E para enfermeiro, T para técnico de enfermagem e A para auxiliar de enfermagem, seguida da letra F para feminino ou M para masculino, acompanhada por números arábicos correspondentes ao número do questionário.
APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS
Sobre as características gerais dos sujeitos
Características | N | % |
Sexo | ||
Feminino | 60 | 85,7 |
Masculino | 10 | 14,3 |
Total | 70 | 100 |
Faixa Etária (em anos) | ||
18-28 | 15 | 21,4 |
29-39 | 17 | 24,3 |
40-49 | 18 | 25,7 |
50-60 | 19 | 27,1 |
61 anos ou mais | 1 | 1,4 |
Total | 70 | 100 |
Naturalidade | ||
Rio de Janeiro | 56 | 80 |
Paraíba | 3 | 4,3 |
Bahia | 2 | 2,9 |
Rio Grande do Sul | 1 | 1,4 |
Belém do Pará | 1 | 1,4 |
Ceará | 1 | 1,4 |
Minas Gerais | 1 | 1,4 |
Salvador | 1 | 1,4 |
São Luis | 1 | 1,4 |
Não informado | 3 | 4,3 |
Total | 70 | 100 |
Estado Civil | ||
Casado | 34 | 48,6 |
Solteiro | 19 | 27,1 |
Divorciado | 8 | 11,4 |
Vive maritalmente | 4 | 5,7 |
Viúvo | 4 | 5,7 |
Separado (consensual) | 1 | 1,4 |
Total | 70 | 100 |
Religião | ||
Católica | 30 | 42,9 |
Evangélico | 25 | 35,7 |
Espírita | 5 | 7,1 |
Ateu | 2 | 2,9 |
Messiânica | 1 | 1,4 |
Candomblé | 1 | 1,4 |
Testemunha de Jeová | 1 | 1,4 |
Não informado | 5 | 7,1 |
Total | 70 | 100 |
Profissão | ||
Técnico (a) de Enf. | 32 | 45,7 |
Enfermeiro (a) | 25 | 35,7 |
Auxiliar de Enf. | 13 | 18,6 |
Total | 70 | 100 |
Tempo de Formação (em anos) | ||
1-2 | 5 | 7,1 |
3-4 | 8 | 11,4 |
5-6 | 6 | 8,6 |
6-7 | 5 | 7,1 |
8-9 | 6 | 8,6 |
10-11 | 9 | 12,9 |
Mais de 11 | 31 | 44,3 |
Total | 70 | 100 |
Renda Familiar (em salários mínimos) | ||
Até 1 SM | 3 | 4,3 |
Entre 1 e 2 | 5 | 7,1 |
Entre 2 e 3 SM | 8 | 11,4 |
Entre 3 e 4 SM | 7 | 10 |
Entre 4 e 5 SM | 9 | 12,9 |
Entre 5 e 6 SM | 11 | 15,7 |
Mais de 7 SM | 27 | 38,6 |
Total | 70 | 100 |
Setor em que atua | ||
Clínica Médica | 39 | 55,7 |
CTI | 16 | 22,9 |
Clínica Cirúrgica | 15 | 21,4 |
Total | 70 | 100 |
Caracterização do objeto de estudo (humanização) pelos sujeitos desse estudo
O que caracteriza o termo humanização | N | % |
Prática de todos os profissionais | 69 | 88,6 |
Relação profissional/cliente | 60 | 85,7 |
Características pessoais | 54 | 77,1 |
Olhar para as necessidades | 51 | 72,9 |
Diálogo | 49 | 70 |
Escuta atentiva | 43 | 61,4 |
Visão holística | 26 | 37,1 |
Empatia | 21 | 30 |
Valores morais e éticos | 17 | 24,3 |
Questões subjetivas | 13 | 18,6 |
Outros | 3 | 4,3 |
O que NÃO caracteriza o termo humanização | N | % |
Mecanicismo | 56 | 80 |
Tratar a doença e não o ser humano | 55 | 78,6 |
Falta de comunicação | 54 | 77,1 |
Técnica pela técnica | 31 | 44,3 |
Carga horária exaustiva | 23 | 32,9 |
Problemas institucionais | 19 | 27,1 |
Recursos materiais | 19 | 27,1 |
Tecnologia em evidência | 15 | 21,4 |
DISCUSSÃO
A predominância da participação foi de pessoas do sexo feminino, com 60 (85,7%) e 10 (14,3%) do sexo masculino, vindo ao encontro do que caracteriza a profissão de enfermagem. Essa característica nos reporta à própria história da profissão, que, ao se organizar, exigia pessoas com atributos tidos como intrínsecos à natureza feminina, como o cuidado discreto, silencioso, caridoso e abnegado. A questão do gênero feminino na profissão da enfermagem no Brasil, contextualiza-se durante a Reforma Carlos Chagas, na década de 1920, na qual osanitarista Carlos Chagas ensejou a vinda de um grupo de enfermeiras norte-americanas com a missão de promover o controle da população mais pobre, mediante a vigilância e a educação sanitária. A partir de então, foi criada a primeira Escola de Enfermagemcomposta exclusivamente de mulheres e que valorizava, ao mesmo tempo, o cuidado técnico e abnegado, entendido como uma extensão do papel da mulher no lar, desempenhando funções ligadas ao cuidado do outro9.
Retornando à análise da Tabela 1, do total de sujeitosdessa pesquisa, não houve diferença significativa nos dados da faixa etária, cuja abrangência variou entre 18 e 60 anos. A maioria significativa é natural do Rio de Janeiro (80%). O estado civil de maior prevalência correspondeu ao de casado (48, 6%) seguido do estado civil de solteiro (27,1%). As religiões declaradas correspondem a: católica (42,9%), evangélica(35,7%), espírita (7,1%), messiânica, candomblé, testemunha de Jeová (1,4% cada). Em menor incidência foram os que não declaram a religião (7,1%) e 2,9% denominaram-se ateus. Em relação à profissão, 45,7% são técnicos de enfermagem, 35,7% enfermeiros e 18,6% auxiliares de enfermagem.
Considerando o tempo de formação, identificou-se a prevalência de profissionais com formação acima de 11 anos (44,3%). Essa situação deve ser refletida e discutida, pois se a PNH foi implementada a mais ou menos nove anos, como será que esses profissionais agregaram tais preceitos em suas práticas profissionais? Como terá sido a abordagem dessa temática em sua formação? Pesquisas apontam que há pouco investimento na área da enfermagem que se dedicam a estudar a humanização no processo ensino-aprendizagem, assim como existem falhas na formação no que compete à humanização como objeto de estudo nos cursos de graduação10,11.
Embora haja esse movimento em direção à humanização orientado por políticas públicas, nem todos os profissionais estão conscientes sobre tal situação e para tanto torna-se ainda mais difícil modificar suas práticas, que são enraizadas de valores, conceitos e atitudes compatíveis à formação que tiveram. Não que com isso se possa afirmar que profissionais que se formaram antes da implementação da PNH não tenham consciência, conhecimento e aplicabilidade dos preceitos da PNH em suas práticas, muito pelo contrário. Apenas traz-se à discussão a importância da reflexão tanto daqueles que se formaram antes quanto daqueles que se formaram após a PNH, e daqueles que ainda estão cursando a graduação ou o curso técnico de enfermagem sobre as questões da valorização do sujeito alvo do cuidado, como um ser único, autônomo e que deve ser protagonista das decisões assistenciais e gerenciais, possibilitando a coautoria do cliente, do profissional e do gestor no processo de cuidar, efetivando a PNH na prática assistencial e tornando o cuidado de enfermagem resolutivo, eficaz e humanizado.
Ainda, em relação à Tabela 1, verifica-se que a renda familiar dos sujeitos variou entre 1 e mais de 7 salários mínimos, prevalecendo a renda familiar de mais de 7 salários mínimos (38,6%). E a distribuição dos sujeitos segundo o setor em que atua corresponde a: 39 sujeitos (55,7%) trabalham no setor de clínica médica, 16 (22,9%) no Centro de Tratamento Intensivo - CTI e 15 (21,4%) no setor de clínica cirúrgica.
A segunda parte do questionário constituiu-se de questões sobre como os profissionais de enfermagem compreendem e caracterizam a humanização e a não humanização no cuidado de enfermagem e suas repercussões na prática assistencial.
A primeira pergunta dessa segunda etapa do questionário aludia se o profissional, em algum momento da sua formação ou prática profissional, conhecia a palavra humanização. Identificou-se que 82,9% conheciam esse termo, 12,9% conhecia parcialmente e 4,3% a desconheciam. A partir de então se questionou sobre como os sujeitos caracterizam a humanização e a não humanização, com uma questão semiaberta, com opções objetivas, mas com possibilidades de que eles discorressem sobre tal assunto.
Observando o Quadro 1, identifica-se que a humanização foi caracterizada por ser uma prática de todos os profissionais (88,6%), por estar embasada em uma relação profissional/cliente (85,7%), por incluir características pessoais (77,1%), por olhar para as necessidades (72,9%), pelo diálogo (70%), escuta atentiva (61,4%), visão holística (37,1%), empatia (30%), valores morais e éticos (24,3%) e por incluir questões subjetivas (18,6%), entre outras.
Humanização como prática de todos os profissionais resgata um dos princípios norteadores da Política Nacional de Humanização, que é "o fortalecimento de trabalho em equipe multiprofissional, estimulando a transdisciplinaridade e a grupalidade"7. Assim, quando há um trabalho em equipe envolto nas premissas da humanização, valorizando cada sujeito partícipe do cuidado, identificando suas habilidades e limitações, assim como compreendendo esse ser em sua inserção social, repleto de crenças, valores e condutas, a atenção à saúde começará a ir além da "simples" manutenção e restauração da saúde, passando a incluir ações que vão ao encontrodo sujeito na sua individualidade, visualizando o indivíduo como um todo, e não como parte de uma máquina em manutenção.
A humanização como relação entre profissional e cliente é uma vertente bastante explorada nas pesquisas na área da saúde sobre essa temática, principalmente na área da enfermagem10-13. Haja vista que a arte de cuidar se dá através dessa relação entre profissional e clientes. Torna-se ilógico pensar em cuidado sem pensar nesse tipo de relação, devido ao fato de o cuidado de enfermagem estar diretamente correlacionado ao cuidar do outro, de um ser humano, que pensa e interage com o meio, seja por meio verbal, não verbal ou paraverbal, mas que está em constante interação não só com o próximo, mas também com a natureza que o cerca. Para tanto, essa vertente emerge mais uma vez neste estudo, demonstrando que há uma forte tendência de correlacionarmos a humanização com as questões pessoais, subjetivas, características do ser humano racional e intelectualizado.
Para tanto, as próximas vertentes que emergiram na escolha dos profissionais para caracterizar a humanização foram: características pessoais, olhar para as necessidades, diálogo, escuta atentiva e visão holística. "Olhar", "falar" (relacionado ao diálogo), "ouvir" e "ver" são características humanas e que fisiologicamente permitemo contato humano com o mundo exterior, permitindo a relação em sociedade. Um destaque deve ser feito em relação aos verbos "olhar" e "ver", que podem ter sentidos diferentes a partir da interpretação de cada leitor. Por exemplo, se pode olhar uma linda flor no jardim, mas não ver que há nela uma pequena joaninha. Essa alusão à diferença de sentido das palavras foi posta justamente para que se pudesse discutir sobre a dialética emergente entre os termos "olhar para as necessidades" e "visão holística". Compreende-se que aqui o sentido dado pelos profissionais tanto para a questão de olhar quanto para a visão holística foi compreendida como identificar as necessidades, atendê-las, mas ter essa visão do indivíduo como um todo. Essa discussão tem pertinência quando se questiona como um profissional pode caracterizar um único termo com duas situações que se contrapõe.
Para tanto, reporta-se ao conteúdo expressado pelos profissionais sobre tal temática que confirma a compreensão posta acerca dessa questão:
Respeitando o próximo, respeitando como um todo, a opinião, religião, pensamento do cliente. É visar o cliente como um todo, respeitando seus medos. (EF-02)
Cuidado dado ao ser humano/paciente completo, de forma holística, nunca sendo classificado de acordo com a patologia apresentada, ou com "pré-conceito" que haja. Verificando suas necessidades e intervindo em tudo o que for possível. (EF-32)
Este deve ser visto como um todo sem faltar, no entanto, a compreensão em seus momentos de temores, dúvidas, constrangimentos. (TF-40)
É tratar o paciente como um todo, não só a doença ou o corpo humano, e sim o cuidado de humanizar o meu trabalho sabendo que existe dor, frio, medo todas essas sensações em um só corpo. Não podendo assim ignorar esse ser, posso prestar uma assistência de qualidade e desenvolver o meu trabalho com eficiência. (AF-48)
Emergiram também como caracterizadores da humanização a empatia, os valores morais e éticos, a subjetividade e outras questões que estão inseridas nos valores morais e éticos, mas que mereceram destaque por aparecerem diversas vezes nos conteúdos expressos pelos entrevistados, como o respeito, cidadania e a solidariedade.
Quando se discute a questão da empatia, quase que em associação, ocorrendo simultaneamente, surge a ideia de humanização, devido ao fato de que, quando o indivíduo se coloca no lugar do outro, é possível compreendê-lo e agir segundo as expectativas do próprio sujeito, permitindo um encontro de valores e concepções. Já os valores morais e éticos são aqueles que ditam a melhor maneira de articular o cuidado, assim como o respeito ao outro, a solidariedade e a compreensão do papel de cidadão dos sujeitos inseridos no processo saúde-doença, permitem que a humanização seja implementada de forma a atender aos preceitos da PNH em sua totalidade. Por fim, mas não menos importante, emergem as questões subjetivas, que foram caracterizados pelos profissionais como o amor, o pensamento, a valorização do ser, estabelecimento de vínculo, atenção, o querer, a compreensão e o carinho. Estas questões, apesar de não se apresentarem como um valor quantitativamente relevante, estão fortemente vinculadas como um valor qualitativo que se traduz nos discursos dos sujeitos como questões inerentes à humanização:
[O que caracteriza a humanização no cuidado é] O amor ao próximo. Tem que ter amor àquilo que você faz. (TF-19)
Para mim, a humanização se dá quando você dá atenção, carinho, compreensão. Se não, você não vai entender como o paciente está e o porque de ele estar reagindo daquela forma. (AM-20)
Em contrapartida, no Quadro 2 estão informadas palavras/expressões/frases as quais não foram caracterizadas pelos profissionais como correspondentes ao termo humanização, como: mecanicismo (80%), tratar a doença, e não o ser humano (78,6%), falta de comunicação (77,1%), técnica pela técnica (44,3%), carga horária de trabalho exaustiva (32,9%), problemas institucionais (27,1%), recursos materiais (27,1%) e tecnologia em evidência (21,4%).
Críticas e questionamentos são apontados tanto por profissionais quanto por acadêmicos e docentes sobre essas questões quando se diz respeito à humanização da assistência10,12,13. Além disso, a frieza do ato mecânico e o desequilíbrio entre a técnica e o fator humano, aliadosa problemas institucionais (como a carga horáriade trabalho exaustiva e a qualidade e quantidade de recursos materiais), fazem com que o individuo seja esquecido em sua identidade, em sua historia, caracterizando um cuidado despersonalizado, fragmentado e desumano que de nada facilita a implementação da humanização11-14. Este estudo mostrou assituações que os profissionais desejam modificar em sua realidade, mudanças estas que, na visão dos profissionais, permitirão uma melhoria na assistência.
Nesse estudo, os profissionais consideraram que, primeiro, é necessário que haja modificações na infraestrutura (62,9%), seguidas de modificações no quantitativo profissional (55,7%) para atender à demanda da clientela, da carga horária (52,9%) e da qualidade dos materiais (51,4%).
Essas questões devem ganhar uma importância maior nas discussões entre profissionais, clientes e gestores, pois, quando um profissional encontra em sua unidade de saúde condições que sejam favoráveis ao seu processo de trabalho, ele busca constantemente se nivelar ao patamar da instituição; ou seja, as solicitações de mudanças que aqui emergem passam a ter um significado intrínseco a tais questões: que é a satisfação do profissional. Isso pode repercutir positivamente ou negativamente na qualidade da assistência, dependendo de como o profissional irá suportar essa situação, agregada à carga horária dupla de trabalho, o trânsito da cidade, problemas pessoais, entre tantas outras situações conflituosas em nossa realidade.
Um bom cuidado humanizado só pode ser feito quando se tem material a disposição e de boa qualidade e com pessoal que goste do que faz. (AF-15)
Para mim, o cuidado humanizado para ser eficaz deveria ser em "mão dupla" ou seja profissional/cliente e instituição/profissional. (AF-28)
Bom uso do tempo, recursos e pessoal suficiente para atender ás necessidades da clientela, gerando a satisfação também dos profissionais envolvidos. (EF-34)
Cuidado integrado de bom suporte, técnico, administrativo e pessoal. (EF-35)
Assim, torna-se relevante a preocupação de se ter a concepção de humanização não apenas voltada ao cliente, mas também ao profissional, abrindo espaços de encontros entre eles, que permitam trocas de sentimentos e ideias, articulando estratégias para se alcançar uma assistência humanizada, conforme citado em um dos questionários.
Profissional tem que estar bem. Instituição tem que se preocupar com isso. Primeiro cuidar dos profissionais. (EF-07)
Outra questão interessante que emergiu em menor porcentagem, mas de extrema relevância, foi a 'tecnologia em evidência' como variável que não caracteriza a humanização. Retornando-se ao perfil dos sujeitos, observa-se que 39 deles (55,7%) trabalham no setor de clínica médica, 16 (22,9%) no Centro de Tratamento Intensivo (CTI) e 15(21,4%) no setor de clínica cirúrgica, ambientes estes que requerem, de uma forma ou de outra, o uso de tecnologias, aqui consideradasas tecnologias duras representadas pelo material concreto como equipamentos, mobiliário tipo permanente ou de consumo15. Apesar de haver essa alusão de que tecnologia está fortemente entrelaçada com a desumanização, estudos vêm descontruindo tal ideia, demonstrando que a humanização e a tecnologia devem ser indissociáveis e complementares em prol da assistência12,13,16.
Deve-se considerar que tanto no Quadro 1 quanto no Quadro 2, os sujeitos podiam marcar mais de uma opção; por isso, o total absoluto não corresponde ao total dos sujeitos, assim como o total relativo não corresponde a 100%.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conclui-se que a humanização na assistência foi caracterizada pelos profissionais de enfermagem como uma prática de todos os profissionais, por estar embasada em uma relação profissional/cliente, por incluir características pessoais, por olhar para as necessidades, pelodiálogo, escuta atentiva, visão holística, empatia, valores morais e éticos, e por incluir questões subjetivas como o amor, o pensamento, a valorização do ser, estabelecimento de vínculo, atenção, o querer, compreensão e carinho.
Em contrapartida, os profissionais caracterizam a não humanização como um ato mecânico, tratando a doença, e não o ser humano, com falta de comunicação, agindo somente pela técnica, a carga horária de trabalho exaustiva, problemas institucionais eproblemas relacionados aos recursos materiais, colocando a tecnologia em evidência.
Assim, propõe-se que uma assistência humanizada que atenda aos princípios da Política Nacional de Humanização é aquela que engloba todos os partícipes do processo de cuidar, tornando-os coautores, protagonistas desse processo, incluindo questões pessoais, subjetivas, morais, éticas e relacionais. Extinguem-se condutas que não atendam a tais premissas, como aquelas relacionadas à valorização da técnica procedimental, do apenas "saber-fazer" (em contrapartida do "como-fazer" - que agrega a diversidade de fatores biopsicossocio-espiritual do cuidado), do foco no modelo biomédico, assim como dos problemas ainda emergentes na área de atenção à saúde que impossibilitam um cuidado de qualidade.
Para tanto, torna-seimprescindível que novos estudos sejam realizados a fim de aprofundar tais questões em contextos assistenciais diferentes, buscando identificar as convergências e divergências de tais significações, assim como ampliar o debate entre profissionais, clientes e gestores sobre a humanização, propondo estratégias que estejam ao alcance de cada realidade, para que todos compreendam a relevância das práticas humanizadas que vão além dos manuais do Ministério da Saúde, mas que ainda se encontra mais centralizada no campo dos pensamentos do que no campo das ações.
Esse estudo limita-se pelo contratempo da situação do hospital em questão, o que acarretou em uma restrição de setores para a coleta de dados. Entretanto, os resultados mostram-se relevantes à medida que os objetivos propostos foram atendidos, contribuindo, assim, para os fundamentos e para a arte de cuidar da enfermagem.
REFERÊNCIAS