Volume 18, Número 1, Jan/Mar - 2014
Pesquisa
Caracterização da dor em mulheres após tratamento do câncer
de mama
Vânia Tie Koga Ferreira
1
Maria Antonieta Spinoso Prado
1
Marislei Sanches Panobianco
1
Thais de Oliveira Gozzo
1
Ana Maria de Almeida
1
1 Universidade de São Paulo. Ribeirão Preto - SP, Brasil
Recebido em 29/10/2012
Reapresentado em 22/05/2013
Aprovado em 28/06/2013
Autor correspondente:
Vânia Tie Koga Ferreira
E-mail:
vaniatie@hotmail.com
RESUMO
Este estudo pretendeu caracterizar e localizar a dor nas mulheres submetidas ao
tratamento por câncer de mama. Estudo de caráter exploratório, descritivo, com
abordagem quantitativa, pelas medidas de tendência central e percentual. Pesquisa
desenvolvida no Núcleo de Ensino e Pesquisa e Assistência na Reabilitação de
Mastectomizadas com 30 mulheres. Os dados foram coletados no período de fevereiro
a
agosto de 2008, por meio de instrumento contendo variáveis capazes de caracterizar
e
localizar a dor, e foram tratados por meio de média, mediana, moda e desvio-padrão
e
percentual. Destacou-se que 56,7% mulheres referiram que a dor é diária, 46,7%
mulheres referiram que a dor teve início após a cirurgia da mama, e para 40% a dor
é
constante. Conhecimento, reconhecimento e manejo do sintoma permitem ofertas
terapêuticas alternativas para o alívio da dor, minimizando efeitos físicos e
emocionais que podem ser causados na vida de mulheres submetidas ao tratamento por
câncer de mama.
Palavras-chave: Neoplasias mamárias; Dor; Complicações pós-operatórias; Mastectomia.
INTRODUÇÃO
O Comitê de Taxonomia da Associação Internacional para o Estudo da Dor (IASP) conceitua a dor como uma experiência sensorial e emocional desagradável, associada a lesões teciduais reais ou potenciais ou descritas em seus termos termos1. A dor é, essencialmente, um sintoma subjetivo, multidimensional e complexo, resultante da interação entre aspectos cognitivos, sensitivos, emocionais e culturais, bem como de experiências prévias2.
A dor após o tratamento do câncer de mama é comum e pode ter várias causas. Geralmente, as mulheres que desenvolvem este sintoma apresentam uma redução funcional e uma alteração emocional importante3.
Se as mulheres não forem informadas antes do tratamento sobre esta morbidade, o sintoma pode ser interpretado como algo que está errado em relação à doença e pode causar complicações sociais e emocionais4.
Uma vez que o sintoma, quando presente, pode ser um fator limitante para a realização de atividades da vida diária, lazer, causar alterações na imagem corporal e diminuir a atividade sexual, a dor em mulheres após tratamento pode resultar em alteração significativa na qualidade de vida em comparação com as mulheres que não apresentam o sintoma3. Essas informações podem ajudar os profissionais de saúde a melhor compreender a dor e aliviar momentos de angústia e estresse4.
A dor ocorre, frequentemente, nas regiões que foram lesionadas (axila, região medial do braço e/ou parede anterior do tórax do lado afetado) pelos tratamentos locais do câncer de mama. Os sintomas incluem sensações de choque, queimação, agulhada dolorosa e aperto nas regiões axilar, medial ou superior do braço e/ou no tórax. A dor é descrita também como súbita e intensa e associada à hiperestesia crônica, e pode iniciar imediatamente após a cirurgia, seis meses ou até um ano após o tratamento. Persiste com o repouso e aumenta durante as atividades diárias, respondendo muito pouco aos fármacos4,5.
Como muitas vezes as mulheres acreditam que a presença de dor após o tratamento é algo esperado, vivenciam o sintoma sem muitas vezes relatarem a equipe. Sendo assim,a equipe deve informar a mulher sobre a ocorrência da dor; quando ela traz esta queixa durante consultas, a queixa deve ser ouvida e valorizada, sendo este um aspecto básico que, geralmente, é negligenciado, visto que segundo Andersen e Kehlet (2011)6, existe uma significativa discordância entre a intensidade de dor atribuída pelo profissional de saúde e pelo paciente. Esta discordância é, muitas vezes, uma das causas do controle inadequado da dor6.
Assim, o objetivo deste estudo foi caracterizar, localizar e identificar os recursos utilizados para alívio da dor nas mulheres submetidas ao tratamento por câncer de mama.
METODOLOGIA
Estudo prospectivo, transversal de caráter descritivo-exploratório. Pesquisa desenvolvida no Núcleo de Ensino Pesquisa e Assistência na Reabilitação de Mastectomizadas, situado na Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (EERP/USP).
Os dados foram coletados no período de fevereiro a agosto de 2008, após aprovação do projeto pelo Comitê de Ética em Pesquisa da EERP/USP, protocolo n° 0802/2007, com a participação mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Constituíram a amostra da pesquisa 30 mulheres, que atenderam os critérios de inclusão: ter sido submetida à cirurgia por tratamento do câncer de mama, ter concluído o tratamento há, pelo menos, um ano e apresentar queixa de dor relacionada ao tratamento por câncer de mama.
As mulheres foram entrevistadas por meio de instrumento contendo variáveis para categorização sociodemograficas e variáveis de descrição do tratamento, caracterização e localização da dor. O instrumento desenvolvido passou por avaliação prévia de cinco profissionais da área, para avaliação e adaptação. A entrevista foi realizada com agendamento prévio e em apenas um momento.
Para uma melhor compreensão da dor vivenciada pela mulher mastectomizada, foram destacadas variáveis relacionadas ao início do sintoma, frequência, duração, predomínio, movimentos que contribuem para o aumento e as formas de alívio da dor. A localização foi avaliada por meio da representação esquemática do corpo humano, dividido em frontal, dorsal, direita, esquerda e subdivisões enumeradas de 1 a 457. Cada mulher foi orientada a marcar o local correspondente de manifestação da dor.
Os dados foram armazenados com o auxílio do aplicativo Excel® do Programa Microsoft Office 2007® em dupla digitação, favorecendo a confiabilidade do banco de dados. O programa estatístico utilizado foi o Statistical Package for Social Sciences (SPSS®), versão 10.0 para apresentação e organização dos dados de caracterização da amostra, dados sobre o câncer de mama e a dor, utilizando para tratamento as medidas de tendência central média aritmética, desvio-padrão (DP), mediana, valores mínimos e máximos. Para a tabulação dos dados relativos aos locais que identificavam a dor por meio do diagrama corporal, foi utilizada a análise descritiva e percentual.
RESULTADOS
Entre as 30 mulheres participantes deste estudo, a idade variou entre 32 e 79 anos, com a média de 55,7 anos (DP = 11,46), mediana 53 anos, e a idade mais frequente foi de 43 anos; 73,3% eram casadas; 63,3% donas de casa; 70% católicas. Em relação ao grau de escolaridade, este variou de 0 a 17 anos,com média de 7,13 anos de estudo (DP = 4,84), mediana de 6 anos; o tempo mais frequente da escolaridade foi de 4 anos.
Em relação ao tratamento cirúrgico, a média de tempo de cirurgia transcorrido no momento do estudo foi de 4 anos (DP = 4,31), mediana 2 anos, sendo 2 anos o período de tempo mais frequente para o tempo de cirurgia. Em relação à lateralidade observou-se que a mama direita foi acometida em 50% e a esquerda em 46,7% mulheres. Quando questionadas acerca do tratamento adjuvante, 80% realizaram quimioterapia e 76,7% realizaram radioterapia. A maioria das mulheres deste estudo, 76,7%, não realizou a cirurgia de reconstrução mamária, conforme a Tabela 1.
Variáveis | Categorias | Nº | % |
Lateralidade da cirurgia | Direito | 15 | 50,0 |
Esquerdo | 14 | 46,7 | |
Bilateral | 1 | 3,3 | |
Tipo de cirurgia | Mastectomia total | 15 | 50,0 |
Quadrantectomia | 15 | 50,0 | |
Esvaziamento axilar | Sim | 29 | 96,7 |
Não | 1 | 3,3 | |
Linfonodo sentinela | Sim | 8 | 26,7 |
Não | 22 | 73,3 | |
Radioterapia | Sim | 23 | 76,7 |
Não | 7 | 23,3 | |
Quimioterapia | Sim | 24 | 80,0 |
Não | 6 | 20,0 | |
Reconstrução mamária | Sim | 7 | 23,3 |
Não | 23 | 76,7 | |
Total | 30 | 100,0 |
Essa ocorrência é concordante com outros estudos que relacionam diretamente o surgimento da dor com o tratamento. Com a técnica cirúrgica algumas estruturas como o nervo intercostobraquial e o serrátil anterior podem ser lesionadas, e a associação da radioterapia com a cirurgia pode levar a ocorrência de uma cicatriz aderida e com fibrose. Por estes motivos estas modalidades de tratamentos têm sido consideradas fatores predisponentes para o desenvolvimento da dor4,8-10.
Fabro et al. (2012), ao acompanharem 205 mulheres durante seis meses,identificaram que, após seis meses de cirurgia,a incidência de dor crônica foi de 108,4 (52,9%) em 205 mulheres avaliadas. A dor crônica que surge após a cirurgia justifica-se como resultante da lesão de estruturas como músculos e ligamentos e neuropática, quando acomete nervos ou uma disfunção do sistema nervoso6,8.
Portanto, quando avaliado o impacto dessas cirurgias sobrea qualidade de vida das pacientes, evidencia-se que a mastectomia pode trazer um menor escore da qualidade de vida, pois a dor gerada pela cirurgia pode levar a um comprometimento na parte funcional11.
Em relação à região, foi solicitado às mulheres pesquisadas que marcassem no diagrama corporal os locais em que a dor é mais recorrente. Os locais mais frequentemente informados foram o hemitórax direito e esquerdo (43,3 e 40%, respectivamente), o braço e o antebraço (66,7 a 56,7%, respectivamente).
Foi possível verificar que, para 46,7% mulheres,o início do quadro álgico ocorreu após a cirurgia da mama e 23,3% mulheres após a radioterapia, destacando-se que, para 56,7%, a sensação dolorosa é diária e para 40% ela é constante. Observa-se que não há predominância de horário para a ocorrência da dor, mas,para aquelas que apresentam um padrão mais constante (40%), a dor ocorre mais frequentemente à tarde e à noite, de acordo com a Tabela 2.
Variáveis | Categorias | Nº | % |
Início da dor | Antes da cirurgia da mama | 7 | 23,3 |
Após cirurgia da mama | 14 | 46,7 | |
Após radioterapia | 7 | 23,3 | |
Após reconstrução mamária | 2 | 6,7 | |
Frequência da dor | Diária | 17 | 56,7 |
A cada 2-3 dias | 5 | 16,7 | |
Semanal | 3 | 10,0 | |
Outras | 5 | 16,7 | |
Duração da dor | Constante | 12 | 40,0 |
< 1 hora | 8 | 26,7 | |
Entre 1 e 3 horas | 4 | 13,3 | |
Entre 3 e 5 horas | 2 | 6,7 | |
> 6 horas | 4 | 13,3 | |
Predomínio da dor | Manhã | 2 | 6,7 |
Tarde | 6 | 20,0 | |
Noite | 9 | 30,0 | |
Não há | 13 | 43,3 | |
Total | 30 | 100,0 |
Fabro et al. (2012)3, ao buscarem características da dor, identificaram que as mulheres que realizaram o tratamento do câncer de mama relatam a dor como intermitente e constante; o mesmo foi observado por Fecho et al. (2009)9. Os achados de Gartner et al.(2012) 12 são concordantes com o presente estudo.
Em relação à percepção das mulheres acerca dos movimentos que estariam relacionados com o aumento da intensidade dolorosa, os movimentos identificados como mais relacionados foram o de empurrar e alcançar, com frequência de 63,3% e 60,0%, respectivamente. O movimento de puxar, para 50% delas, também esteve relacionado ao aumento da intensidade da dor, considerando que os tratamentos cirúrgicos e adjuvantes podem resultar em morbidades do membro superior e essas complicações podem levar a um prejuízo funcional, principalmente do membro superior homolateral ao tumor3,5,10. Tentou-se relacionar a percepção da dor com os movimentos realizados pelo membro superior. Em particular porque o movimento foi descrito por Nesvold et al. (2008) como um dos fatores que podem alterar ou, até mesmo, agravar a percepção da dor nas mulheres após o tratamento para o câncer de mama. Estes movimentos são descritos como bruscos e movimentos que alongam o membro superior10,12,14. A dor neuropática seria o fator responsável por aumentar a queixa de dor durante a realização destes movimentos, uma vez que pode levar ao desenvolvimento do quadro mecânico de restrição do movimento do ombro3,4,10,12-14.
Uma vez que a amostra estudada realiza exercícios para reabilitação da amplitude do membro superior periodicamente, questionou-se se a dor aumenta durante a realização destas atividades; 56,7 % negaram tal relação, enquanto 23,3% relataram que às vezes ocorria aumento e 20% disseram que dor sempre aumentava com o exercício físico. Segundo Hwang et al. (2008)15, a prática do exercício físico, de intensidade moderada,supervisionado, pode reduzir as complicações que ocorrem durante o tratamento, entre elas a dor, quando comparado a não realização de exercícios para reabilitação.
Como as mulheres deste estudo frequentam um serviço de reabilitação em que a prática de exercícios é realizada por uma hora e três vezes por semana, acredita-se que este seja o motivo pelo qual as mulheres que compuseram esta amostra não relacionaram a dor com exercício. Estudo realizado neste mesmo serviço demonstrou que as mulheres identificaram mais benefícios do que barreiras à prática da atividade física. Esse resultado deixa em evidência que os benefícios percebidos estão associados tanto ao corpo como à mente, pois, para elas, a prática da atividade física traz importantes contribuições para a saúde e prevenção de doenças, além de auxiliar no retorno da funcionalidade dos braços e ombros homolaterais à cirurgia16. Os estudos de Chen et al. (2011)16 e Gartner et al. (2009)12 diferem deste resultado,apresentando índices importantes de relação entre a dor e a prática de atividade física/exercício. Destaca-se, entretanto, que as pesquisas foram realizadas com mulheres que não frequentam serviços de reabilitação, o que pode sugerir da prática de exercícios domiciliares realizados de forma inadequada, isto é, sem a supervisão de um profissional adequado, propiciando a ocorrência de dor12,17.
No período em que foi realizado este estudo, as mulheres utilizavam alguns recursos para minimizar a dor, tais como: massagem, relaxamento e uso de medicamentos. Observou-se que a prática de massagem foi o recurso utilizado por 66,7% e o relaxamento, por 50% das mulheres, conforme mostra a Tabela 3. Contudo, o uso de recursos na tentativa de buscar alívio do quadro álgico nem sempre traz o resultado esperado, como é o caso do uso de analgésicos3. O conhecimento sobre as medidas de alívio da dor é extremamente importante para as equipes que trabalham com estas mulheres4,18. O manejo adequado da dor deve ser implementado evitando o autotratamento, visto que este pode comprometer ainda mais o sintoma da dor entre as mulheres com câncer de mama11,13.
Variáveis | Categorias | Nº | % |
Uso de medicamento | Sim | 14 | 46,7 |
Não | 16 | 53,3 | |
Prática de relaxamento | Sim | 15 | 50,0 |
Não | 15 | 50,0 | |
Prática de massagem | Sim | 20 | 66,7 |
Não | 10 | 33,3 | |
Prática de exercícios | Sim | 11 | 36,7 |
Não | 19 | 63,3 | |
Técnica de respiração profunda | Sim | 11 | 36,7 |
Não | 19 | 63,3 | |
Alívio da dor com alongamentos | Sim | 10 | 33,3 |
Não | 20 | 66,7 | |
Uso do TENS | Sim | 7 | 23,3 |
Não | 23 | 76,7 | |
Total | 30 | 100,0 |
CONCLUSÃO
A dor é um sintoma que acomete as mulheres participantes, que realizaram o tratamento do câncer de mama. Inicia frequentemente após a cirurgia, mas também pode ter como marco a radioterapia. Está localizada na região homolateral à cirurgia, sendo vivenciada durante a realização de movimentos com o de empurrar e alcançar. Acontece todos os dias, sendo constante, mas sem uma predomínio de período do dia para o surgimento. O estudo teve como limitação o tamanho da amostra.
Resultados demonstram a importância da avaliação da dor nesta população, principalmente antes da cirurgia, para que possam ser descartadas as causas osteomioarticulares e neuropatias. Uma limitação do presente estudo foi a não possibilidade de avaliar as pacientes antes da intervenção cirúrgica. Portanto, não se pode afirmar que tais achados sejam decorrentes do procedimento cirúrgico, já que as mulheres procuram o serviço na sua maioria, somente depois da cirurgia e quando encaminhadas pela equipe médica.
É de grande relevância que a dor seja valorizada e identificada pelos profissionais de saúde que acompanham estas mulheres, informando e avaliando a dor, pois algumas acreditam que é normal a presença de dor mesmo após o término do tratamento.
Avaliar o mais precoce possível e de maneira correta são as principais ferramentas dos profissionais de saúde para oferecer o manejo adequado da dor e alcançar os benefícios esperados com o tratamento. Assim, ao saber reconhecer e lidar com o sintoma,é possível oferecer alternativas terapêuticas para o seu alívio, minimizando os efeitos físicos e emocionais que a dor pode causar na vida destas mulheres.
REFERÊNCIAS