Volume 18, Número 1, Jan/Mar - 2014
Pesquisa
Centros de atenção psicossocial álcool/drogas: inserção e
práticas dos profissionais de enfermagem
Divane de Vargas
1
Marina Nolli Bittencourt
1
Fernanda Mota Rocha
1
Anna Carolina Oliveira Silva
1
1 Universidade de São Paulo. São Paulo - SP, Brasil
Recebido em 05/11/2012
Reapresentado em 30/04/2013
Aprovado em 08/06/2013
Autor correspondente:
Marina Nolli Bittencourt
E-mail:
marinanolli@usp.br
RESUMO
O objetivo deste estudo foi verificar a inserção e as práticas dos profissionais de
nível médio da equipe de enfermagem nos CAPS álcool e drogas
MÉTODOS:
Estudo exploratório de cunho qualitativo. Os dados foram coletados por meio de
entrevista semiestruturada em uma amostra de 16 profissionais de enfermagem de
nível médio. As entrevistas foram gravadas, transcritas e analisadas àluz do
referencial teórico da Reforma Psiquiátrica.
RESULTADOS:
Observou-se que esses profissionais se inserem de maneira efetiva nas atividades
dos CAPS ad, sendo comum a prática de atividades extrafuncionais. Como fatores que
dificultam sua inserção, observou-se a pouca capacitação para atuar junto ao
usuário desses serviços.
CONCLUSÃO:
Os profissionais de nível médio de enfermagem têm contribuído efetivamente para
consolidação da Reforma Psiquiátrica Brasileira. A identificação das suas formas
de trabalho promovesubsídios para reflexão sobre as estratégias possíveis que
visem aprimorar a prática desses profissionais nesses cenários de prática,
norteando futuras propostas educacionais e formativas para essa categoria
profissional.
Palavras-chave: Enfermagem; Serviços comunitários de saúde mental; Auxiliares de enfermagem.
INTRODUÇÃO
Os resultados do I e II Levantamento Domiciliar sobre o uso de drogas psicotrópicas no Brasil, realizados nos anos de 2001 e 2005, respectivamente, mostram que o consumo de drogas lícitas no país, especialmente o álcool e tabaco, é superior ao das drogas ilícitas1,2. Entre os alcoolistas, a taxa de dependência passou de 11,2% no I Levantamento para 12,3% no II Levantamento;em relação aos tabagistas, a taxa passou de 9% para 10,1%1,2. Quando o assunto são as drogas ilícitas, os resultados apontam o aumento na taxa de uso entre os brasileiros1,2.
Diante dos dados que demonstram o aumento do uso e dependência de substâncias psicoativas, vale ressaltar que até a última década do século passado o Brasil não dispunha de centros específicos de atendimento a essa clientela. Foi somente na Reforma Psiquiátrica Brasileira que uma nova política federal propôs a estruturação do CAPS - Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), entre eles os CAPS ad, serviços em funcionamento em todo território nacional, que compõem a rede de atenção primária ao atendimento a pacientes com transtornos decorrentes do uso e dependência de substâncias psicoativas3.
Essa nova política prevê, entre outras coisas, uma equipe mínima para atuação junto aos usuários, composta por diversos profissionais da área da saúde, entre eles os técnicos e auxiliares de enfermagem, surgindo um novo campo de atuação para esses profissionais, regulamentado por lei3. Apesar de os profissionais de nível médio de enfermagem fazerem parte da equipe dos CAPS ad, quando se analisa a produção científica sobre as concepções, atitudes, conhecimentos e práticas dos técnicos e auxiliares de enfermagem na área de álcool e drogas, percebe-se que a temática tem despertado pouco interesse entre os pesquisadores, uma vez que, embora também escassos, a maioria dos estudos encontrados referem-se ao profissional enfermeiro e estudantes de enfermagem4. Um estudo realizado com profissionais de enfermagem de pronto atendimento de serviços públicos observou que,apesar do impacto do álcool na morbimortalidade da população, esses profissionais continuam recebendo pouca ou nenhuma informação e treinamento nas questões relativas ao uso de álcool. Ainda relacionou a falta de conhecimento aos fatores que levam o enfermeiro a situar os problemas de saúde relacionados a essa substância em um nível inferior na sua lista de prioridades5. Por outro lado, esse estudo mostrou que há interesses desses trabalhadores em aprender questões relativas à temática do uso abusivo de álcool. Pontuou ainda que as investigações em geral priorizam estudantes e profissionais de enfermagem de nível superior, omitindo os profissionais de nível médio, que, no presente trabalho, mostraram necessidade de conhecimentos sobre dependência química5.
Um estudo realizado com enfermeiros que trabalham em CAPS ad demonstrou-as dificuldades na inserção no campo de atenção desses serviços, estando as suas práticas mais atreladas ao modelo tradicional de atenção à saúde mental, apontando ainda a carência de preparo para atuação na área e o pouco conhecimento sobre conteúdos relacionados à dependência química que favoreçam sua inserção nesses locais4.
Diante dos dados levantados, é importante a realização de estudos que, como esse, têm o objetivo de verificar o campo de atuação (inserção) e as práticas da equipe de nível médio em enfermagem em CAPS ad, além de possibilitar o preenchimento de uma lacuna na literatura, de estudos que pretendem abordar o trabalho desses profissionais nos CAPS ad4, principal cenário de atenção ao dependente químico após o advento da Reforma Psiquiátrica6. Conforme lei3, os auxiliares e técnicos de enfermagem compõem o quadro de trabalhadores nesses serviços, e conhecer a inserção e as práticas desses profissionais possibilitará a reflexão sobre o trabalho e a efetividade dessas práticas nesse novo contexto de atenção à saúde mental.
MÉTODO
Trata-se de um estudo exploratório de cunho qualitativo cuja investigação foi fundamentada na verificação do campo de atuação e nas práticas da equipe de nível médio em enfermagem em nove CAPS ad do município de São Paulo. Os participantes da pesquisa foram 16 profissionais de enfermagem de nível médio, sendo 7 técnicos de enfermagem, e 9 auxiliares de enfermagem que atuavam nos CAPS ad no momento da coleta dos dados e que aceitaram participar do estudo. O fechamento amostral deu-se pela saturação teórica dos dados, ou seja, suspendeu-se a participação de novos sujeitos, quando os dados passaram a apresentar uma certa redundância ou repetição7. A coleta de dados ocorreu no período de outubro a dezembro de 2010. As entrevistas foram realizadas nas dependências da instituição em local reservado, garantindo ambiente neutro e calmo onde não houvesse interrupções. Foram gravadas e transcritas na integra e levaram em média 30 minutos. Para preservar a identificação dos entrevistados, optou-se por referenciar os participantes no corpo do trabalho pela letra E seguida do número das entrevistas. A técnica utilizada para coleta de dados foi entrevista semiestruturada, composta por duas questões norteadoras: "Quais são as suas atribuições aqui no CAPS? Descreva um dia típico de trabalho aqui no CAPS". Para a análise das entrevistas, optou-se pela estratégia da Análise de Conteúdo, que compreende os passos a seguir: 1 - A pré-análise; 2 - Exploração do material e 3 - Tratamento dos Resultados Obtidos e Interpretação8. Os dados foram analisados de acordo com o referencial teórico da Reforma Psiquiátrica, composto por quatro dimensões que se articulam e se retroalimentam: a primeira dimensão refere-se ao campo epistemológico ou teórico-conceitual, que representa a produção de saberes e conhecimentos; a segunda é a dimensão técnico-assistencial, que emerge no modelo assistencial;a terceira dimensão refere-se ao campo jurídico-político, que rediscute e redefine as relações sociais e civis em termos de cidadania, direitos humanos e sociais;e a quarta dimensão é a sociocultural, que expressa a transformação do lugar social da loucura9. As entrevistas foram lidas de modo intenso extraindo-se dos depoimentos os temas emergentes do discurso dos entrevistados que se relacionavam ao objetivo da pesquisa.
Este projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com seres humanos da Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo sob número 149/08.
RESULTADOS
Caracterização sociodemográfica dos sujeitos
Em relação aos sujeitos do estudo, 57,89% atuava como técnicos de enfermagem, 79% da amostra eram do sexo feminino e 50% estavam na faixa etária entre 31 e 39 anos. Em relação à formação, 57,89% tinham formação em escola privada. Em relação ao tempo de atuação desses profissionais, 50% tinham entre 1 ano e 1 ano e 5 meses de profissão. Em relação ao preparo para atuar com dependentes químicos durante seu curso de formação, 52,63% dos entrevistados referiram não ter recebido tal preparo.
A inserção e as práticas da equipe de nível médio de enfermagem nos CAPS ad
Os resultados obtidos permitiram agrupar os dados à luz do referencial teórico adotado em duas categorias de análise: uma referente às práticas desses profissionais no serviço, e a segunda relacionada à inserção deles no contexto dos CAPS ad. Osresultados são apresentados a seguir.
Categoria I - As práticas dos técnicos e auxiliares de enfermagem no CAPS ad
Essa primeira categoria agrupa as diversas práticas realizadas pelos profissionais de nível médio em enfermagem nos CAPS ad onde a coleta de dados foi realizada. A análise dessa categoria originou duas subcategorias: a) práticas técnicas e específicas do campo; c) práticas extrafuncionais.
Práticas técnicas e específicas do campo
Essa subcategoria é referente às práticas técnicas específicas do profissional de enfermagem de nível técnico. A análise das falas possibilitou verificar que esse profissional executa atividades referentes ao seu núcleo específico de conhecimento, como: administração e orientação quanto a tratamento medicamentoso, realização de curativos e aferição de sinais vitais.
"Tenho a parte de enfermagem, como atendimento de medicação, às vezes tem paciente que precisa de um soro, e que chega em abstinência(...)" (E.3).
"Eu tenho as práticas da enfermagem, como verificar os sinais e administrar medicação" (E.10).
Práticas Extrafuncionais
Referem-se às práticas que não são diretamente atribuídas à função de técnico e ou auxiliar de enfermagem. Nessa categoria notou-se que esses profissionais estão mais propensos a desempenhar tarefas extrafuncionais dentro da dinâmica de trabalho na unidade, ocorrendo desvio das atividades preconizadas, como auxílio nas atividades administrativas.
"Estou um pouco fora de função agora, (...)Porque as duas meninas da secretaria estão grávidas, então praticamente eu estou em desvio de função, porque eu fico na enfermagem, faço minha parte e ainda tenho ajudar na secretaria" (E.9).
Ainda há o relato que nos leva a entender que esses profissionais, por fazerem parte de um serviço, realizam diversas atividades além dos cuidados de enfermagem específicos.
"A gente faz o serviço de todo mundo, ajuda na farmácia, na recepção, na cozinha, lá na sala de administração, a gente faz o nosso serviço de enfermagem, ajuda nas oficinas como apoio, nas caminhadas, em tudo a enfermagem está presente(...)" (E.1).
Categoria II - As inserções dos técnicos e auxiliares de enfermagem no CAPS ad
Essa segunda categoria refere-se à inserção dos técnicos e auxiliares de enfermagem no contexto dos CAPS ad. A análise dessa categoria originou três subcategorias: a) Fatores que facilitam a inserção dos profissionais de nível médio de enfermagem nos CAPS ad, b) Fatores que dificultam a inserção dos profissionais de nível médio de enfermagem nos CAPS ad, c) Espaços de inserção dos profissionais de nível médio de enfermagem nos CAPS ad.
Fatores que facilitam a inserção dos profissionais de nível médio de enfermagem nos CAPS ad
Essa subcategoria está relacionada aos fatores que facilitam a inserção do técnico e auxiliar de enfermagem nos CAPS ad. Entre eles,os profissionais relatam a presença do enfermeiro como um fator facilitador no aprendizado, facilitando a sua inserção.
"Eu aprendi no dia-a-dia com a enfermeira, naquele tempo ainda ela estava fazendo mestrado e me trazia muito conteúdo pra ler de dependência. Ela lia e queria que eu lesse também e foi por onde eu fui aprendendo esse manejo, essas coisas com dependente, os grupos, as atividades. (...)" (E.11).
"Aqui a gente teve uma instrução pela enfermeira, ela deu um curso para nós aqui mesmo. E também nos passou algumas atividades, pra saber como a gente ia lidar com a situação se o paciente agitasse e como seria a nossa postura" (E.14).
Outro fato que facilita a inserção desses profissionais é o relacionamento positivo e a integralidade com os outros membros da equipe.
"Me relaciono muito bem, a equipe toda tem um relacionamento muito bom, tanto com os técnicos, com a enfermeira, com a gerente, a gente tem bastante respaldo, a gente é realmente uma equipe" (E.7).
"Toda semana a gente faz reunião de equipe, ejunto com os técnicos, discute bastante os casos; isso é muito bom porque cresce o grupo em si (...)" (E.5).
Fatores que dificultam a inserção dos profissionais de nível médio de enfermagem nos CAPS ad
Nessa subcategoria, que se refere aos fatores que dificultam a inserção dos auxiliares e técnicos de enfermagem no cuidado ao usuário, encontrou-se, entre outras coisas, que o espaço físico foi um fator que dificulta o trabalho desses profissionais, interferindo na qualidade do atendimento.
"Dificuldade é espaço, porque são muitos pacientes e não tem espaço adequado pro atendimento, (...) os médicos acabam atendendo no refeitório(...). Não tem espaço pra fazer os grupos, as oficinas, porque tem bastante usuário.(...)" (E.4).
Outro fator que pode dificultar a inserção desses profissionais é o despreparo profissional da equipe para atuar com o dependente químico.
"Não tive preparo para isso no curso de auxiliar, a gente passava alguma coisa, mas era uma palestra, por cima. (...)" (E.15).
"Existe dificuldade porque, além de ser algo novo, nem todo mundo está preparado, e a gente não tem muito respaldo (...)" (E.2).
Espaços de inserção dos profissionais de nível médio de enfermagem nos CAPS ad
Essa categoria está relacionada aos espaços de inserção dos técnicos e auxiliares de enfermagem nos CAPS ad. Esses profissionais relatam participarem de oficinas e grupos educativos realizados nos CAPS ad.
"Aqui participo das oficinas. Pode participar, é legal porque você aprende também, né?!(...)" (E.13).
"Eu participo de grupos, tem grupo de acolhimento, grupo de família, grupo de comorbidade" (E.8).
"A gente participa de oficinas com técnicas e técnicos (enfermeiros, psicólogos), passeios e de atividades tipo bazar e brechó" (E.12).
Além disso, eles entendem que sua inserção nas orientações e acolhimento aos usuários contribuem para o tratamento.
"Acho que os técnicos podem contribuir bastante nessa parte de orientação, de cuidados próprios com relação à sua saúde, (...)eles gostam bastante quando a gente orienta" (E.6).
"Eu acho muito importante, não estar só nos cuidados gerais, mas na conversa, no diálogo, estar com eles, ouvir eles também, é muito importante e faz diferença" (E.16).
DISCUSSÃO
O agente de saúde de nível médio também é sujeito de transformação, por força do próprio movimento da história;sem essa crença seria impossível sustentar os pressupostos da Reforma Psiquiátrica10. Conforme as falas dos auxiliares e técnicos de enfermagem que participaram da pesquisa, constatou-se que, além das práticas assistenciais oriundas da profissão, muitas vezes esse profissional realiza práticas extrafuncionais, como auxílio nas atividades administrativas. Além disso, eles demonstraram estar inseridos em espaços diversificados nos CAPS ad, como em grupos e oficinas educativas. Porém, relataram fatores que dificultam sua inserção, como o espaço físico e o déficit na capacitação profissional para atuar com o dependente químico.
A primeira subcategoria, práticas técnicas, biomédicas, específicas do campo, demonstrou que os profissionais de enfermagem realizam atividades do seu núcleo específico de conhecimento, como administração de medicamentos. Porém, ao mesmo tempo em que observamos essas práticas baseadas no trabalho técnico e na medicalização do sujeito, observa-se na segunda categoria a inserção desses sujeitos nas atividades de reabilitação. Tal achado reflete que o cuidar dos profissionais de nível médio ainda está em processo de transição, ou seja, de um modelo tecnicista e de relação de poder a um modelo que busca satisfazer as necessidades do usuário, sem se limitar a procedimentos técnicos, mas criando ações de intervenção reabilitatórias e psicoterapêuticas11. Conforme a dimensão epistemológica do referencial da reforma psiquiátrica, isso nos permite apontar que, apesar dos novos saberes e conhecimentos produzidos com o advento da reforma, por meio da ruptura do olhar psiquiátrico diante da doença mental, ainda há muitos profissionais que ainda estão atrelados a esse olhar; por isso, as instituições de formação de profissionais de nível médio em enfermagem e os próprios enfermeiros devem ficar atentos para a transformação desse olhar, o que requer mudança de concepção do "objeto" da saúde mental e a necessidade de descontruir/reconstruir esse novo jeito de trabalhar nesse novo paradigma psicossocial11.
Por outro lado, conforme a subcategoria que aponta as práticas extrafuncionais dos profissionais de nível médio, há casos em que, apesar de o profissional ter a capacidade necessária para atuar junto ao usuário do CAPS ad, contribuindo para a efetiva reabilitação psicossocial do sujeito, ele continua exercendo as funções administrativas que não são de sua competência. Tal questão nos faz refletir dentro da dimensão técnico assistencial do referencial da reforma, pois além de o desvio de função prejudicar a assistência prestada pelos profissionais de nível médio ao usuário presente no serviço, esse desvio de função aponta para a insuficiência de recursos humanos nos CAPS ad, o que pode fazer com que esse trabalhador tenha dificuldades para perceber seu real papel nesse novo espaço de atenção aos usuários de álcool e outras drogas.
O enfermeiro é reconhecido pelos participantes da pesquisa com um fator facilitador na sua inserção no serviço por colaborar com a formação continuada desses profissionais, achado que corrobora o estudo12, que demonstra que, no que tange àcapacitação dos profissionais de enfermagem de nível médio para cuidar dos pacientes dependentes de substâncias psicoativas, a formação ocorre na prática, no cotidiano, muitas vezes mediada pela enfermeira. Em relação a isso, um estudo ressaltou que o enfermeiro desempenha papel importante em relação à planificação do cuidado executado pelos técnicos e auxiliares de enfermagem e apontou o enfermeiro como elo integrador que garante o cuidado prestado, ressaltando a importância de instrumentalizar o profissional de nível médio, sob a orientação e supervisão do enfermeiro, para melhorar as relações interpessoais e aperfeiçoar-se tecnicamente13. Daí a necessidade de se dar maior atenção à formação desse profissional, reconhecidamente pouco preparado para reconhecer, encaminhar e assistir pessoas com problemas relacionados ao álcool e outras drogas4. Este presente estudo mostrou que o enfermeiro exerce função importante no preparo dos profissionais de nível médio para o cuido a essa clientela, e uma vez que o próprio enfermeiro careça de conhecimentos e habilidades para o cuidado, como demonstrado em estudos4,14, é possível que não esteja preparado para qualificar sua equipe, o que acarretará em uma assistência baseada em modelos que nem sempre respondem as reais necessidades do usuário.
Outro fator facilitador relatado foi a presença da equipe multiprofissional no CAPS ad, que não é composta apenas por vários profissionais trabalhando de forma individualizada, mas sim, por profissionais trabalhando de forma mútua, devido àprópria dinâmica de trabalho de um CAPS, que requer uma equipe multiprofissional integrada, facilitando um bom inter-relacionamento entre os membros da equipe terapêutica. Tal achado é positivo, pois, conforme estudo prévio15, em relação ao cuidado em saúde mental, não basta que haja a simples constituição de equipes compostas por diferentes profissionais se estes não se encontram para conversar sobre a atividade comum; nesse caso, há simples soma das ações. Assim, fazendo uma análise pela dimensão técnico-assistencial, o diálogo entre os profissionais é essencial dentro desses novos dispositivos, pois, a partir do momento que esses profissionais dialogam entre si em busca do melhor tratamento direcionado ao usuário, a inserção dos profissionais de nível médio é facilitada. O importante passa a ser a troca de informações e conhecimentos que norteiam o cuidado em detrimento à hierarquização das relações que pouco contribuem para o enfrentamento das demandas da pessoa assistida.
Em relação aos fatores que dificultam a inserção, foi relatado que o espaço físico é inapropriado, e muitas vezes os atendimentos são realizados em locais que não são destinados para esse tipo de abordagem. Em relação a isso, entramos na discussão da dimensão jurídico-política, pois a falha está na própria portaria, GM 336/02, que define a estrutura dos CAPS, já que essa não dispõe sobre o espaço físico desses Centros, apenas descreve as atividades que devem ser realizadas nesses locais, como o atendimento individual e grupal. Não devemos, porém,nos esquecer que o espaço físico deve suportar estas atividades16, e que o dependente químico, assim como qualquer outro cidadão em tratamento, tem o direito de ter um local adequado para tal. Um estudo17 realizado em São Paulo, com objetivo de descrever, entre outras coisas, a estrutura física de 21 CAPS do município de São Paulo, demonstrou que metade dos serviços funcionava em imóveis alugados, com instalações físicas inadequadas especialmente para atendimentos grupais. Isso faz com que a assistência aos usuários dos CAPS seja prejudicada, e pode dificultar a inserção de diversos profissionais nos CAPS ad, inclusive a equipe de enfermagem, que está presente em grande parte das atividades e espaços.
Os entrevistados também referem carência no conhecimento acerca de dependência química nos cursos técnicos e estágios;por isso, grande parte estabeleceu o contato inicial com dependência química durante o atual emprego, dado que indica a fragilidade da formação desses profissionais; essa fragilidade atinge também a abordagem de conteúdos como o relacionamento interpessoal, que,quando abordado, o é de forma fragmentada, teórica, sem ser refletido em campo prático, o que leva ao desconhecimento de sua aplicabilidade como habilidade no cotidiano de trabalho11. Essa fragilidade no conhecimento desses profissionais corrobora a literatura que demonstra que a maioria da categoria de nível médio de enfermagem não teve formação suficiente na área de saúde mental e psiquiátrica, tanto na questão teórica como prática11. E considerando que a formação em saúde mental desses profissionais não é suficiente, a formação em álcool e outras drogas provavelmente deverá ser frágil ou inexistente. Dentro disso, analisando o achado dentro da dimensão sócio cultural, é importante também destacar que, uma vez que a formação é falha,esses profissionais passam a ter representações sociais baseadas no senso comum, que estigmatiza o indivíduo dependente químico, o que influencia negativamente no tratamento e na recuperação desse paciente.
Observou-se significativa inserção dos profissionais de nível médio em enfermagem nos grupos terapêuticos e oficinas educativas nos CAPS ad, algo que é essencial, uma vez que, conforme a dimensão técnico-assistencial, esse profissional estará presente em práticas que, na proposta da reforma psiquiátrica, são entendidas como impulsionadores da construção de espaços sociais onde o usuário possa reconquistar ou conquistar seu cotidiano14; ou seja, nessas atividades o profissional realmente terá contato com uma nova organização do trabalho, em que há a promoção da socialização e independência dos usuários e o desenvolvimento de habilidades, do acesso aos conteúdos simbólicos latentes, ainda como uma atividade recreativa18. Além disso, os profissionais relatam sua atuação no acolhimento, por meio do diálogo e escuta dos usuários, e orientação; algo que permite a esse profissional um novo papel, diferente daquele de executor de técnicas preestabelecidas, ou seja, a organização do trabalho deixa de ser embasada nos princípios dos saberes e das especialidades de cada categoria profissional; portanto, rompe a hierarquia rígida do poder/saber11, fazendo com que os profissionais assumam novos papéis, que permitirão a criação de vínculos mais estreitos entre o usuário e a unidade de saúde, aumentando a satisfação do usuário diante do tratamento e possibilitando a diminuição das taxas de abandono desses sujeitos.
O presente estudo apresenta limitações, pois envolve somente alguns CAPS ad da cidade de São Paulo, impossibilitando a generalização dos resultados. Porém, traz avanços na pesquisa de enfermagem, uma vez que são escassos na literatura brasileira estudos que tenham se proposto a investigar os profissionais de nível médio em enfermagem, e especificamente a demonstrar as suas inserções e práticas nos serviços substitutivos propostos pela Reforma Psiquiátrica Brasileira,entre os quais os CAPS ad. Além disso, esse estudo poderá impulsionar estratégias que visem melhorar a formação desses profissionais na área de álcool e outras drogas durante sua formação e na própria prática profissional, já que a falta de capacitação foi relatada como o fator que mais dificulta o seu trabalho nos CAPS ad.
CONCLUSÃO
O estudo foi realizado em serviços de caráter substitutivo, destinados à atenção a usuários de álcool e outras drogas, aliados aos ideais da reforma psiquiátrica.Os resultados apontaram que os auxiliares e técnicos de enfermagem realizam práticas assistenciais oriundas da profissão, e inserem-se espaços diversificados nos CAPS ad, como em grupos e oficinas educativas.
O conhecimento da prática e forma de inserção desses profissionais nos CAPS ad, da cidade de São Paulo, permitiu concluir que esses profissionais, ao se inserirem em um novo modelo de assistência,passam por uma transição de um modelo em que exerciam funções controladoras, higienistas e punitivas, com pouca ou nenhuma autonomia, para assumirem o papel de protagonistas da Reforma Psiquiátrica Brasileira. Este novo modelo pressupõe a quebra de velhos paradigmas e consolida uma nova forma de cuidar, em que o paciente é considerado sujeito, não doença.
Porém, os resultados apontam que essa transição ainda está em processo nesses serviços, pois, ao mesmo tempo que esses profissionais relatam suas práticas de medicalização e retaguarda, ainda muito atreladas ao modelo controlador e higienista, eles relatam a sua inserção nas atividades de reabilitação dentro dos serviços; tais achados nos faz refletir sobre a importância da melhora na educação desses profissionais, tanto durante a sua formação - por meio de disciplinas que abordem a saúde mental da perspectiva da Reforma Psiquiátrica e da Reabilitação Psicossocial, levando em consideração as práticas e a inserção desses profissionais nos CAPS - como durante a sua prática nesses serviços - por meio de educação continuada e palestras com especialistas na área. Dessa forma, esses profissionais estarão aptos a lançar mão das tecnologias necessárias à reabilitação do sujeito, permitindo, assim, a identificação do seu real papel nesses serviços.
REFERÊNCIAS