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Ações de enfermagem para as pessoas privadas de liberdade: uma scoping review

Resumo

Objetivo:

Identificar e mapear as práticas assistenciais exercidas pela equipe de enfermagem para as Pessoas Privadas de Liberdade.

Método:

Scoping review segundo o JBI Institute Reviewer's Manual. Na busca inicial foram utilizados os MESH: Nursing, Delivery of Health Care e Prisoners, para delimitar a estratégia final de busca, composta por uma combinação de doze palavas-chaves, realizada em bases de dados científicas e cinzentas, sem limite temporal. Foram extraídas informações sobre o ano, país de origem, objetivo da publicação, aspectos do método, resultados e conclusões relacionados a scoping review.

Resultados:

Foram encontrados 59.310 textos, após a leitura de título e resumo, 55 foram lidos na íntegra e 15 artigos compuseram a seleção final. Entre as ações de enfermagem há preponderância de práticas direcionadas para doenças infectocontagiosas e saúde mental, com ações clínicas, triagem e escuta qualificada, que melhoram as condições de saúde nos presídios.

Conclusões e implicações para a prática:

As ações de enfermagem nos presídios contribuem para o acesso à saúde entre privados de liberdade. Este trabalho elucida o papel da enfermagem nas penitenciárias, informa sobre as ações desempenhadas e contribui para a formação de enfermeiros para a atuação no sistema prisional.

Palavras-chave:
Prisioneiros; Enfermagem forense; Cuidados de Enfermagem; Prisões; Atenção à saúde

Abstract

Objective:

To identify and map the care practices carried out by the nursing team for the Liberty Deprived People.

Method:

Scoping review according to the JBI Institute Reviewer's Manual. In the initial search we used MESH: Nursing, Delivery of Health Care and Prisoners, to delimit the final search strategy, made up by a combination of twelve keywords, performed in scientific and gray databases, with no temporal limit. Information about publication year, country of origin, objective, aspects of the method, results and conclusions related to the scoping review, were extracted.

Results:

59.310 texts were found, after reading the title and abstract, 55 were read in full and 15 articles composed the final selection. Among nursing actions there is preponderance of clinical practices, screening and qualified listening, which contribute to improving the health conditions of liberty deprived people and their families.

Conclusions and implications for practice:

The nursing actions carried out in prisons contribute to health for liberty deprived people. This paper elucidates the role of nursing in the penitentiaries, informing on the actions that this professional class performs, in order to highlight the gaps that are still perceived and contributing to the training of nurses for acting in the prison system health teams.

Keywords:
Prisoners; Forensic Nursing; Nursing care; Prisons; Delivery of Health Care

Resumen

Objetivo:

Identificar y mapear las prácticas asistenciales ejercidas por un equipo de enfermería para las Personas Privadas de Libertad.

Método:

Scoping review según el JBI Institute Reviewer's Manual. En la búsqueda inicial se utilizaron los MESH: Nursing, Delivery of Health Care y Prisoners, para delimitar la estrategia final de búsqueda, compuesta por una combinación de doce palabras claves, realizada en bases de datos científicas y grises, sin límite temporal. Se extrajeron informaciones sobre el año de publicación, el país de origen, el objetivo, los aspectos del método, los resultados y las conclusiones relacionados con la scoping review.

Resultados:

Se encontraron 59.310 textos, después de la lectura de títulos y resúmenes, de los cuales se leyeron 55 en su totalidad y 15 artículos compusieron la selección final. Entre las acciones de enfermería hay preponderancia de las prácticas clínicas, la selección y la escucha cualificada, que contribuyen a una mejora de las condiciones de la salud de las PPL y sus familias.

Conclusiones e implicaciones para la práctica:

Las acciones de enfermería realizadas en las cárceles han sido resolutivas y equiparadas a aquella suministrada extramuros. Este trabajo aclara el papel de la enfermería en las cárceles, informa sobre las acciones llevadas a cabo, y contribuye a la formación de enfermeros para su desempeño en el sistema penitenciario.

Palabras clave:
Prisioneros; Enfermería Forense; Atención de Enfermería; Cárceles; Atención a la Salud

INTRODUÇÃO

As práticas realizadas para a assistência em saúde são atos produtivos dos profissionais, que objetivam produzir mudanças e efeitos na vida da coletividade, para tanto, devem estar fundamentadas no saber científico e construídas alicerçadas nas necessidades sociais.11 Merhy EE, Feuerwerker LCM. Novo olhar sobre as tecnologias de saúde: uma necessidade contemporânea. In: Merhy EE, Baduy RS, Seixas CT, Almerida DES, Slomp Junior H, organizadores. Avaliação compartilhada do cuidado em saúde: surpreendendo o instituído nas redes. Rio de Janeiro (RJ): Hexis; 2016. p.59-72. Assim, as atividades realizadas pela equipe de enfermagem devem ser orientadas pela percepção das demandas que emergem dos pacientes em consonância com as políticas públicas vigentes.

De modo semelhante, a assistência à saúde implementada no sistema prisional deve ser planejada com o objetivo de suprir as necessidades de saúde percebidas entre as Pessoas Privadas de Liberdade (PPL). A Organização das Nações Unidas afirma em sua publicação, sobre saúde nas prisões, que o perfil epidemiológico da população privada de liberdade é composto por doenças transmissíveis, como a influenza, a rubéola, o tétano, a difteria, as ectoparasitoses, a tuberculose, o HIV/AIDS, as infecções sexualmente transmissíveis, as hepatites virais, a sífilis, a hanseníase; e doenças e agravos à saúde não transmissíveis, entre as quais: violências e doenças mentais.22 World Health Organization (WHO). Prisons and Health. 2nd ed. Europa; 2014.

Diante desse cenário, para que as ações de saúde tenham sucesso em seu desenvolvimento, alguns princípios são considerados, entre os quais: a garantia do respeito à individualidade das PPL, o desenvolvimento de ações integrais e fundamentadas na prestação de assistência em nível primário, o fornecimento de alimentação adequada e a realização de atividades físicas, a manutenção dos laços com a família e amigos e a possibilidade de vida futura, a partir da ressocialização.22 World Health Organization (WHO). Prisons and Health. 2nd ed. Europa; 2014. Assim, a atenção à saúde prestada no sistema prisional deve se basear em ações transversais e integrais, tendo em vista, a diversificada gama de doenças e agravos à saúde que acometem a população confinada nos presídios.33 Portaria Interministerial n. 1 de 2 de janeiro de 2014 (BR). Dispõe sobre a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional - PNAISP no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS. Diário Oficial da União, Brasília (DF), 2 jan 2014.

A enfermagem ao desenvolver o cuidado como prática social, tem em sua práxis o compromisso de oferecer assistência integral nos mais diversos espaços de saúde, a fim de reduzir as iniquidades vividas por grupos específicos.44 Silva AAS, Sousa KAA, Araújo TME. Sistematização da assistência de enfermagem em uma unidade prisional fundamentada na Teoria de Orem. Rev Enferm UFSM [Internet]. 2017 out/dez; [cited 2019 abr 29]; 7(4):725-735. Available from: https://periodicos.ufsm.br/reufsm/article/view/22076 http://dx.doi.org/10.5902/2179769222076
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Nesse sentido, tem-se a enfermagem e demais categorias profissionais como eixo estruturante do modelo de prestação de cuidados primários de saúde nas prisões.

Para além das ações realizadas, a enfermagem deve ser capaz de garantir que a assistência à saúde entre as PPL seja realizada de maneira humanizada, com a utilização dos princípios que formam a escuta qualificada, a fim de reduzir as vulnerabilidades e demais problemas de saúde percebidos, seguindo os preceitos éticos de sua profissão.55 Ferreira ACR, Santos FS, Monteiro ARM, Coelho MMF. The cell does not open at the moment of pain: nursing care in prisons for men. J Nurs UFPE [Internet]. 2015 oct; [cited 2018 dec 05]; 9(10):9507-15. Available from: https://periodicos.ufpe.br/revistas/revistaenfermagem/article/view/10894/12152 http://dx.doi.org/10.5205/reuol.7944-69460-1-SM.0910201512
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Ao considerar a enfermagem como parte fundamental da equipe de saúde que atua nas prisões e a necessidade de conhecer as ações já realizadas nesse âmbito, este trabalho objetivou identificar e mapear as práticas assistenciais exercidas pela equipe de enfermagem para as Pessoas Privadas de Liberdade (PPL).

MÉTODOS

Trata-se de scoping review guiada pelas recomendações do JBI Institute Reviewer's Manual, segundo quadro teórico proposto por Arksey e O'Malley.66 Arksey H, O'Malley L. Scoping studies: towards a methodological framework. International J Soc Res Methodol. 2005;8(1):19-32. A revisão foi registrada junto a Open Science Framework (https://osf.io/fc28g) e seguiu o checklist do PRISMA para revisões de escopo.77 Tricco AC, Lillie E, Zarin W, O'Brien KK, Colquhoun H, Levac D, Moher D, Peters MD, Horsley T, Weeks L, Hempel S, et al. PRISMA extension for scoping reviews (PRISMA-ScR): checklist and explanation. Ann Intern Med [Internet]. 2018 oct; [cited 2019 jan 26]; 169(7):467-473. Available from: http://www.prisma-statement.org/Extensions/ScopingReviews http://dx.doi.org/10.7326/M18-0850
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A população de estudo foi constituída por estudos científicos e demais produções relevantes disponíveis na literatura cinzenta referentes as práticas assistenciais exercidas pela equipe de enfermagem junto as PPL.

A princípio foi realizada busca de scoping reviews semelhantes nas seguintes bases de dados: JBI COnNECT+, Centre for Reviews and Dissemination (CRD), The Cochrane Library e International prospective register of systematic reviews (PROSPERO) e não foram encontradas pesquisas semelhantes. Assim, para o prosseguimento dessa revisão, foi formulada a pergunta utilizada para a realização da busca na literatura, a partir da estratégia PCC, conforme descrito: P (Population) - Enfermagem; C (Concept) - Práticas assistenciais e C (Context) - Pessoas Privadas de Liberdade. Assim, a questão norteadora foi "Quais as práticas assistenciais exercidas pela enfermagem no cuidado de Pessoas Privadas de Liberdade?"

Após essa etapa foram utilizados os seguintes MeSH, correspondestes a estratégia PCC: Nursing, Delivery of Health Care e Prisoners, no portal U. S. National Library of Medicine (PubMed) e na base de dados Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature (CINAHL). O objetivo é formar a estratégia final utilizada para a scoping review, a partir da utilização dos descritores presentes dos textos selecionados nessa fase, relacionados à estratégia PCC, de acordo com o objetivo dessa revisão (Quadro 1).

Quadro 1
Descritores e palavras-chaves utilizadas na busca, Brasil, Natal, RN, 2019.

A busca foi realizada no período de outubro de 2018, nas seguintes bases de dados: U. S. National Library of Medicine (PubMed), Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature (CINAHL), Web of Science, Scopus, Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), Cochrane CENTRAL, PsychINFO e Education Resources Information Center (ERIC). E na literatura cinzenta: Portal de Teses e Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), The National Library of Australia's Trobe, Academic Archive Online, DART-Europe E-Theses Portal, Electronic Theses Online Service, Repositório Científico de Acesso Aberto de Portugal (RCAAP), National Electronic Theses and Dissertations Portal e Theses Canada.

Foram incluídas pesquisas publicadas na íntegra na língua portuguesa, espanhola, inglesa ou francesa que tiveram como objeto investigar as práticas assistenciais exercidas pelos profissionais de enfermagem junto às PPL. E, excluídos editoriais, relatos de experiência, ensaios teóricos, estudos de reflexão e revisões; pesquisas que não apresentarem abstract e texto online na íntegra; não houve delimitação temporal.

Todas as referências bibliográficas com resumos completos disponíveis e identificadas nas bases de dados foram exportadas para um gerenciador de referências bibliográficas: EndNote Web.

As publicações selecionadas foram recuperadas na íntegra e procedeu-se a extração dos dados, a fim de identificar: tipo de estudo, ano de publicação, país de origem, objetivo, população e amostra do estudo, método do estudo e resultados e conclusões relacionados ao objetivo da scoping review. Cujos dados foram sintetizados de forma descritiva (n e %), com a utilização de tabelas, quadros e gráficos, quando pertinente.

RESULTADOS

Durante a seleção inicial 59.310 textos tiveram os títulos e resumos lidos, destes, 55 foram selecionados para a leitura na íntegra. Após essa etapa, 40 textos foram excluídos (38 não respondiam ao objetivo e dois estavam duplicados). Assim, a seleção final foi composta por 15 artigos, conforme Figura 1.

Figura 1
Fluxograma de busca da scoping review, Brasil, Natal, RN, 2019.

Entre os 15 textos deste estudo, depreende-se que há crescimento no número de pesquisas produzidas sobre saúde penitenciária ao longo dos anos e que abordam o trabalho desenvolvido por enfermeiros em equipes de saúde que assistem as PPL (Quadro 2).

Quadro 2
Caracterização das publicações segundo título, ano de publicação, país de origem e base de dados dos estudos incluídos na scoping review (n=15). Natal, Rio Grande do Norte, Brasil, 2019.

Observa-se o crescimento no número de estudos que abordam as práticas de enfermagem no sistema penitenciário ao longo dos anos. E, ainda, é importante destacar o grande número (53,3%) de pesquisas desenvolvidas nos Estados Unidos da América (EUA) e em países europeus (33,3%)

O Quadro 3 caracteriza as publicações segundo objetivo e cuidados relacionados à assistência de enfermagem, no sistema prisional, dos estudos incluídos na scoping review.

Quadro 3
Caracterização das publicações segundo objetivo e cuidados/práticas relacionadas à assistência de enfermagem no sistema prisional dos estudos incluídos na scoping review (n=15). Natal, Rio Grande do Norte, Brasil, 2019.

Percebe-se que 33,33% dos estudos abordam ações direcionadas às doenças infectocontagiosas, com ênfase para HIV; 26,66% descrevem os serviços e experiências que emergem da equipe de saúde e enfermeiros; 20% tratam da assistência à saúde direcionada a saúde mental, os demais revelam cuidados paliativos (6,66%), necessidades de saúde (6,66%) e outros (6,66%).

Em relação às ações de saúde desenvolvidas pela enfermagem, apreende-se que a maior parte são destinadas as práticas clínicas (42,85%), seguidas pela triagem e escuta qualificada (28,57%), pela realização de exames admissionais das PPL quando ingressam no Sistema prisional (19,04%), pela realização de visitas nos presídios (4,76%) e ainda, ações destinadas para a promoção da saúde (4,76%).

O quadro 4 aborda a caracterização das implicações relacionadas à assistência de enfermagem no sistema prisional.

Quadro 4
Caracterização das implicações relacionadas à assistência de enfermagem no sistema prisional dos estudos incluídos na scoping review. Natal, Rio Grande do Norte, Brasil, 2019.

De acordo com o Quadro 4, depreende-se que as práticas de enfermagem no sistema penitenciário têm implicado em melhoria da assistência à saúde no âmbito prisional, pois percebe-se o maior dinamismo referente ao acesso e resolutividade nos serviços. Ainda, destaca-se que a eficiência de ações para PPL que se encontram prestes a serem libertadas, no que se refere ao planejamento para tratamento das doenças após cumprimento da pena. Contudo, ressalta-se a importância da realização de parcerias entre o sistema prisional e demais organizações e ainda rever o processo de trabalho da enfermagem.

DISCUSSÃO

O aumento do número da produção sobre saúde penitenciária tem sido observado pela literatura mundial, principalmente após os anos de 1990,88 Castro Júnior LP. A saúde atrás das grades: uma revisão bibliográfica buscando a importância do acesso da população carcerária ao Sistema Único de Saúde [monografia]. Ceilândia (DF): Faculdade de Ceilândia, Universidade de Brasília; 2015.,99 Opitz-Welke A, Lehmann M, Seidel P, Konrad N. Medicine in the Penal System. Dtsch Arztebl Int [Internet]. 2018 nov; [cited 2019 may 01]; 115(48):808-814. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC6365676/ http://dx.doi.org/10.3238/arztebl.2018.0808
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em virtude da atenção da Organização Mundial da Saúde (OMS) em relação ao tema, com a realização de projeto e publicações na área.22 World Health Organization (WHO). Prisons and Health. 2nd ed. Europa; 2014.

Entre os países que se destacam pela produção de textos que descrevem as práticas de saúde desenvolvidas pela enfermagem no sistema prisional, encontra-se os EUA. Esse país apresenta o maior número de PPL, ultrapassando 2,3 milhões de pessoas.88 Castro Júnior LP. A saúde atrás das grades: uma revisão bibliográfica buscando a importância do acesso da população carcerária ao Sistema Único de Saúde [monografia]. Ceilândia (DF): Faculdade de Ceilândia, Universidade de Brasília; 2015. Assim, na perspectiva de promover o desenvolvimento e reduzir as iniquidades em saúde, é possível considerar que mais pesquisas sejam produzidas e direcionadas às necessidades de saúde dessas pessoas.

Em relação ao tema das pesquisas e seus objetivos destaca-se, em função da incidência e prevalência, a abordagem às doenças infectocontagiosas e aos aspectos relacionados à saúde mental, seguidas por reflexões sobre as ações direcionadas para suprir as diversas necessidades de saúde. A tendência para o maior número de publicação sobre essa temática relaciona-se a, no ambiente prisional, observar maiores prevalências de doenças infecciosas, com ênfase para infecções sexualmente transmissíveis, tuberculose e hepatites; doenças mentais e reprodutivas.99 Opitz-Welke A, Lehmann M, Seidel P, Konrad N. Medicine in the Penal System. Dtsch Arztebl Int [Internet]. 2018 nov; [cited 2019 may 01]; 115(48):808-814. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC6365676/ http://dx.doi.org/10.3238/arztebl.2018.0808
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Tais características epidemiológicas - com elevados índices de disseminação de doenças infectocontagiosas e agravos relacionados à saúde mental verificados entre as PPL - podem estar associadas ao estresse ocasionado pela situação de confinamento e das condições insalubres aos quais estão expostos, como a desnutrição, a superlotação das celas, a marginalização social, a dependência de drogas ilícitas e o baixo nível socioeconômico das pessoas presas e familiares.88 Castro Júnior LP. A saúde atrás das grades: uma revisão bibliográfica buscando a importância do acesso da população carcerária ao Sistema Único de Saúde [monografia]. Ceilândia (DF): Faculdade de Ceilândia, Universidade de Brasília; 2015.

Para as necessidades de saúde mental, agravo recorrente no sistema prisional, a enfermagem tem participado das avaliações e tratamento nos serviços de saúde intramuros, ainda, realizava escuta qualificada, com o objetivo de apreender sobre as necessidades e, assim, realizar o cuidado integral, com vistas na manutenção da saúde e vida saudável.

Contudo, ainda é necessário que haja maior envolvimento entre as PPL e os profissionais de saúde no interior dos presídios e fora dele, para garantir o ajuste entre aqueles que se encontram custodiados e a assistência em saúde ofertada, a fim de reduzir os números de complicações relacionadas a essa condição.1010 Jones RM, Patel K, Simpson AIF. Assessment of need for inpatient treatment for mental disorder among female prisoners: a cross-sectional study of provincially detained women in Ontario. BMC Psychiatry [Internet]. 2019 mar; [cited 2019 may 01]; 19(1):98. Available from: https://bmcpsychiatry.biomedcentral.com/articles/10.1186/s12888-019-2083-x https://doi.org/10.1186/s12888-019-2083-x
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Desse modo, é fundamental que se realizem investimentos na formação de enfermeiros e demais profissionais da saúde e da segurança para que possam contribuir para reduzir as lacunas, que ainda existem, em relação ao tratamento de saúde mental no meio prisional.

Outras atividades desenvolvidas pela enfermagem foram os cuidados paliativos, que são compreendidos pela OMS como uma estratégia e ferramenta que objetiva a promoção da melhor qualidade de vida para os pacientes e familiares, através da prevenção e do alívio do sofrimento, diante de doenças que impossibilitam a continuidade da vida.1111 World Health Organization (WHO). National cancer control programmes: policies and managerial guidelines. 2nd ed. Geneva; 2002.

Assim, é importante que o enfermeiro e toda a equipe de saúde que atua nas unidades prisionais devem articular suas ações assistenciais para que haja identificação precoce, classificação e intervenção sobre a dor e outros problemas de natureza física, psicossocial e espiritual, que se encontram fora de possibilidades terapêuticas de cura.

Em relação às práticas desenvolvidas, a triagem e a escuta, frequentemente apontadas como ações realizadas pela enfermagem, são entendidas como ferramentas essenciais e inovadoras, que envolvem diálogo, vínculo, acolhimento, a partir do uso de tecnologias leves e que valorizam as experiências e as necessidades das pessoas em seu cotidiano.1212 Maynart WHC, Albuquerque MCS, Brêda, MZ, Jorge JS. Qualified listening and embracement in psychosocial care. Acta Paul Enferm [Internet]. 2014 aug; [cited 2018 dec 08]; 27(4):300-4. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-21002014000400003&script=sci_arttext&tlng=en http://dx.doi.org/10.1590/1982-0194201400051
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Ademais, essas atividades podem contribuir para a agilidade no encaminhamento da PPL para os demais serviços da rede de saúde e, assim, potencializar o acesso e a resolutividade em saúde. Esse fato representa um avanço para o cuidado integral entre as pessoas que se encontram em penitenciárias, pois, em muitos casos, esses encaminhamentos eram realizados por agentes de segurança penitenciária, trabalhador que não apresenta habilidade e competência para essa finalidade.1313 Oliveira LGD, Natal S, Camacho LAB. Analysis of the implementation of the Tuberculosis Control Program in Brazilian prisons. Cad Saúde Pública [Internet]. 2015 mar; [cited 2018 dec 08]; 31(3):543-54. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_abstract&pid=S0102-311X2015000300543&lng=en&nrm=iso http://dx.doi.org/10.1590/0102-311x00042914
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Então, a inserção dos enfermeiros nos presídios minimiza o silêncio imposto às PPL.

Os enfermeiros também desenvolvem atividades clínicas, que se revelaram no acompanhamento rotineiro do tratamento, com ênfase para a tuberculose, cuja intenção é maximizar a possibilidade de cura e reabilitação, pois é declarado - em muitos casos - que a consulta com o profissional médico era realizada, sobretudo, no início do tratamento e no momento da alta do paciente em meio ao sistema penitenciário.1313 Oliveira LGD, Natal S, Camacho LAB. Analysis of the implementation of the Tuberculosis Control Program in Brazilian prisons. Cad Saúde Pública [Internet]. 2015 mar; [cited 2018 dec 08]; 31(3):543-54. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_abstract&pid=S0102-311X2015000300543&lng=en&nrm=iso http://dx.doi.org/10.1590/0102-311x00042914
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Para além das atividades clínicas, a situação de confinamento deveria ser aproveitada como uma oportunidade ímpar para o desenvolvimento de ações de promoção da saúde, pouco desenvolvidas pela enfermagem nesse contexto, ao considerar o possível interesse e disponibilidade do público para tal assistência e ainda a carência de conhecimento, por, em geral, terem menos acesso a atenção à saúde extramuros.88 Castro Júnior LP. A saúde atrás das grades: uma revisão bibliográfica buscando a importância do acesso da população carcerária ao Sistema Único de Saúde [monografia]. Ceilândia (DF): Faculdade de Ceilândia, Universidade de Brasília; 2015. Contudo, é essencial ressaltar que, mesmo em face da disponibilidade do usuário para a assistência à saúde, é condição primordial o respeito ao seu livre arbítrio para a participação ou não nas ações assistenciais.

Ainda, os exames admissionais, desenvolvidos pela enfermagem, contribuem para a detecção precoce dos casos de adoecimento entre a população penitenciária e, assim, reduzem as taxas de contágio no interior dos presídios, frequentemente elevadas em decorrência da superlotação e das inapropriadas instalações, que dificultam a circulação de ar.22 World Health Organization (WHO). Prisons and Health. 2nd ed. Europa; 2014. Assim, torna-se necessário que as direções das unidades prisionais criem oportunidades para a equipe de enfermagem realizar a triagem e a escuta, a fim de identificar as necessidades de saúde e atuar em respeito a singularidade das pessoas.

Em se tratando de doenças infectocontagiosas, os exames admissionais devem ser realizados de maneira sistemática e articulados às orientações quanto aos sintomas, investigação epidemiológica com apoio de exames radiológicos, baciloscopia e provas tuberculínicas e tratamento medicamentoso.1414 Loroza ES, Araújo GKG, Silva LLEP, Senra MCP, Gonçalves RC, Fujimoto STV, et al. Perfil epidemiológico da tuberculose em um sanatório penal do Rio de Janeiro-RJ. Rev Presença. 2017 jan;2(6):55-74.

É necessário, ainda, que a equipe de saúde estenda sua atenção e a busca ativa das doenças infectocontagiosas também aos visitantes e demais profissionais do setor penitenciário, com o objetivo de reduzir as possibilidades de transmissão entre as PPL e os demais indivíduos que visitam ou trabalham nesses ambientes.

Essa forma de fazer saúde constitui-se em um desafio, que para ser superado é fundamental refletir sobre o processo de trabalho no ambiente prisional, que os limites geográficos foram definidos burocraticamente - unidade prisional - e cabe à equipe estender e entender esse território como um espaço social em contínua transformação.

Ademais, é imperativo compreender que esse espaço social é formado por pessoas heterogêneas em condições sociais, educacionais e de saúde, portanto, é necessário repensar o processo de trabalho das equipes de saúde, a fim de reconhecer direito à assistência,1515 Antonetti G, D'Angelo D, Scampati P, Croci I, Mostarda N, Potenza S, et al. The health needs of women prisoners: an Italian field survey. Ann Ist Super Sanità [Internet]. 2018; [cited 2019 may 01]; 54(2):96-103. Available from: http://old.iss.it/binary/publ/cont/ANN_18_02_04.pdf http://dx.doi.org/10.4415/ANN_18_02_04
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para organizar os serviços e alicerçá-los nos princípios como a integralidade, a universalidade e a igualdade.

O bom desempenho das ações de saúde desenvolvidas pela enfermagem verificadas nos estudos incluídos na scoping review demonstra a importância dessa profissão para o cuidado integral e de qualidade. Para tanto, é necessário que haja estrutura física adequada e capaz de contribuir com as práticas clínicas e de promoção da saúde desenvolvidas pela equipe de enfermagem e de saúde, bem como profissionais habilitados a tal prática.1616 Barbosa ML, Celino SDM, Oliveira LV, Pedraza, DF, Costa GMC. Primary health care of convicts in the penitentiary system: subsides for nursing performance. Esc Anna Nery [Internet]. 2014 dec; [cited 2018 dec 09]; 18(4):586-92. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1414-81452014000400586&script=sci_arttext&tlng=en http://dx.doi.org/10.5935/1414-8145.20140083
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Dessa forma, se faz necessário realizar o planejamento local e programação de ações e estratégias orientadas para os problemas mais prevalentes em cada unidade prisional. E, organizar o processo de trabalho a partir das necessidades de saúde da população, nos cenários específicos, pois favorece o acompanhamento efetivo e avaliativo das ações praticadas.1717 Pires ROM, Claber I, Lindner SR, Goulart R. Gestão do processo de trabalho em saúde no estabelecimento penal. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina; 2014.

Isto posto, garante o cumprimento da recomendação legal que se refere à garantia da participação e do controle social por parte da comunidade, aqui entendida como indivíduos privados de liberdade, na gestão dos serviços.

Assim, a gestão dos casos, indicada como ação de enfermagem, também contribui para que a atenção à saúde da PPL seja integral e resolutiva, e pode ser orientada pela implantação de protocolos de cuidado, organizados a partir das evidências diagnósticas, dos procedimentos, da intervenção medicamentosa, das orientações para a adoção de modos de vidas saudáveis e do monitoramento individual e,1818 Toso BRGO, Filippon J, Giovanella L. Nurses' performance on primary care in the National Health Service in England. Rev Bras Enferm [Internet]. 2016 feb; [cited 2018 dec 07]; 69(1):182-91. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-71672016000100182 http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167.2016690124i
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ainda, promover o envolvimento do enfermeiro a longo prazo na vida correcional e criminal.

A realização de parcerias, sejam elas com a iniciativa privada ou pública, constitui-se uma alternativa importante para solucionar entraves relacionados as práticas das equipes de saúde no âmbito penitenciário, a exemplo a falta de recursos humanos e materiais e insumos para a realização de atividades assistenciais integrais. E ainda, a concretização de parcerias com as próprias PPL, a partir da formação de presos para atuarem como agentes promotores de saúde, com o propósito de melhorar a assistência à saúde no sistema prisional.1919 Fernandes LH, Alvarenga CW, Santos LL, Pazin Filho A. The need to improve healthcare in prisons. Rev Saúde Pública [Internet]. 2014 apr; [cited 2018 dec 10]; 48(2):275-83. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-89102014000200275&lng=en&nrm=iso&tlng=en http://dx.doi.org/10.1590/S0034-8910.2014048004934
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Embora os resultados desta pesquisa exponham as ações realizadas pela enfermagem no âmbito prisional e suas implicações, é fundamental refletir sobre os problemas vivenciados e os entraves que se contrapõem as práticas assistenciais realizadas nos interiores dos presídios, quer perpassam eixos fundamentais, como a organização das unidades prisionais, a estrutura física inadequada e a cultura estigmatizante referente às PPL.

A organização dos presídios e a inadequação dos protocolos de segurança influenciam o acesso da PPL aos serviços de saúde, na rede assistencial ou instalado na unidade prisional. Depreende-se que, em prisões de segurança máxima, em que há maior rigidez nos protocolos de segurança por receber apenados com maiores níveis de periculosidade, a rede assistencial extramuros é menos acionada.2020 Nowotny KM. Health care needs and service use among male prison inmates in the United States: A multi-level behavioral model of prison health service utilization. Health Justice [Internet]. 2017 jun; [cited 2019 abr 29]; 5(9):1-13. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5465228/ https://doi.org/10.1186/s40352-017-0052-3
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Outro fator agravante evidenciado em todo mundo é a estrutura física das unidades prisionais, pois as deficiências no saneamento, na ventilação e no acesso a água potável e a falta de consultórios adequados e equipados para o atendimento em saúde constituem-se em barreiras para o acesso dessa população aos serviços de saúde.2121 Sander G, Lines R. HIV, Hepatitis C, TB, Harm Reduction, and Persons Deprived of Liberty. What Standards Does International Human Rights Law Establish?. Health Hum Rights [Internet]. 2016 dec; [cited 2019 abr 29]; 18(2):171-182. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5395004/
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,2222 Ferreira ACR, Santos FD, Monteiro ARM, et al. A cela não se abre no momento da dor: assistência de enfermagem em penitenciárias masculinas. Rev Enferm UFPE on line [Internet]. 2015 out; [cited 2019 abr 29]; 9(10):9507-15. Available from: https://periodicos.ufpe.br/revistas/revistaenfermagem/article/download/10894/12153 https://doi.org/10.5205/reuol.7944-69460-1-SM.0910201512
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Ainda, a cultura estigmatizante que emerge da população e dos profissionais de saúde pode contribuir para a concepção de inferioridade das PPL em relação a população em geral, de modo que as pessoas em privação de liberdade não deveriam ter acesso aos direitos básicos, como saúde e condições dignas de sobrevivência.2323 Rahul V. On Incarceration and Health - Reframing the Discussion. N Engl J Med [Internet]. 2017 jun; [cited 2019 abr 29]; 376(25):2411-2413. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/28636856 https://doi.org/10.1056/NEJMp1702373
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Por fim, ainda que o estudo tenha pretendido avaliar a maior parte da literatura existente, limitações podem ocorrer, pois possivelmente há pesquisas publicadas em outros idiomas e bases de indexação não incluídas neste estudo.

CONCLUSÕES

O aumento da produção científica sobre saúde penitenciária é uma realidade observada na literatura da área de saúde e, certamente, é decorrente da atenção direcionada à saúde integral do indivíduo privado de liberdade em todo o mundo, associado ao crescente número dessa população, fenômeno principalmente observado em países das américas.

As práticas assistenciais da enfermagem para as PPL, objeto de análise das pesquisas, estiveram relacionadas ao contexto macro à gerência do cuidado e, no contexto micro às práticas assistenciais. Estas são evidenciadas na realização de triagem e escuta, dos exames admissionais, de cuidados paliativos, direcionados, principalmente, com enfoque em doenças infectocontagiosas e mentais.

Os resultados revelam que a assistência de enfermagem tem se mostrado resolutiva, integral e equiparada aquela fornecida em cenários distintos. Todavia, no contexto prisional o que parece desafiar o cuidado integral, embora toda a assistência seja executada a partir das necessidades de saúde da população, é o constante encaminhamento para intervenção em outros níveis de responsabilidade clínica e sanitária. Desse modo, refletir sobre os entraves da rede de atenção à saúde colabora para a superar a fragmentação da assistência e do reducionismo das ações.

No que tange as ações de promoção de saúde, os estudos sinalizaram para relevância de parcerias institucionais e para a urgência em (re)dimensionar o processo de trabalho.

Os resultados deste trabalho são úteis para pesquisas futuras no cenário prisional, para o treino de habilidades e competências na formação de enfermeiros e profissionais da saúde, tendo em vista a elucidação das ações de saúde junto a essa população e, contribui para o fomento da visibilidade e relevância científica ao tema e as práticas de enfermagem em equipes de saúde prisional.

  • FINANCIAMENTO
    O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

REFERENCES

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Jul 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    02 Abr 2019
  • Aceito
    09 Maio 2019
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