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CAPES

Volume 8, Número 3, Set/Dez - 2004

RELATO DE EXPERÊNCIA

 

Transpondo a barreira do silêncio e da solidão do cliente laringectomizado através das ações de enfermagem

 

Transporting the obstacle of silence and loneliness of the client with laryngectomy through nursing care actions

 

Transponiendo la barrera del silencio y de la soledad del cliente sometido à retirada quirúrgica de la laringe a través de los cuidados de enfermería

 

 

Maria Teresa dos Santos GuedesI; Maria Aparecida de Luca NascimentoII; Nebia Maria Almeida de FigueiredoIII; Rubens Ghidini JuniorIV

IEnfermeira do Instituto Nacional do Câncer - INCA. Mestre em Enfermagem - Escola de Enfermagem Alfredo Pinto/UNIRIO
IIProfessora do Programa de Mestrado em Enfermagem da Escola de Enfermagem Alfredo Pinto/UNIRIO. Doutora em Enfermagem - Escola de Enfermagem Anna Nery/UFRJ. E-mail: gemeas@centroin.com.br
IIIProfessora Titular da Escola de Enfermagem Alfredo Pinto e Próreitora de Extensão da UNIRIO. Doutora em Enfermagem - Escola de Enfermagem Anna Nery/UFRJ
IVEstudante de graduação em enfermagem da Universidade Estácio de Sá

 

 


RESUMO

Relato de experiência baseado na prática cotidiana das ações de enfermagem desenvolvidas junto a clientes laringectomizados em um ambulatório de pós-operatório, cujo principal objetivo é enumerar essas ações, analisando-as de acordo com a sua singularidade, tendo em vista o caráter mutilador físico e funcional dessa cirurgia. Entre as disfunções citadas, é enfatizada a afonia, que interfere na comunicação oral do cliente, fato que contribui para o seu isolamento social. A metodologia utilizada para a consecução do objetivo proposto baseou-se na consulta de enfermagem, considerando que é durante este procedimento que a aproximação do cliente e sua família é realizada junto a esta equipe. Conclui-se que o fato de dispensar cuidados específicos a um corpo calado e mutilado, encontrando alternativas de romper este silêncio, contribui para a reintegração social do cliente laringectomizado, através da recuperação da sua saúde e auto-estima, demonstrando a possibilidade de um cuidado de enfermagem centrado na ciência e na solidariedade.

Palavras-chave: Enfermagem. Assistência ao paciente. Laringectomia. Distúrbio da fala. Afonia.


ABSTRACT

This is a experience report, based on nursing care daily practice developed along with the clients with laryngectomy from a postsurgery outpatient department, whose main goal is to enumerate these actions, analysing them according to their peculiarity, considering the func tional and mutilating character of this proceeding. Among these disfunctions, it isemphasis thefocus on the cleint's aphonia situation, interfiring in the oral communication, bringing them to the loneliness, as a sort of social isolation. The methodology used for the achievement of the proposed objective based in the nursing attendance, considering that is during this proceeding that the approximation of the client with her-his family is realized along with the nurse staff. It was conclued that the fact of to give specifics care to a silent and mutilated body, finding alternatives ways to break this silence, helps in the social re-integration of the client with laryngectomy, trough the recuperation of his/her health and selfsteem, showing the possibility of a nursing care centered in the science and solidarity.

Keywords: Nursing. Patient care. Laringectomy. Speech disorders. Aphonia.


RESUMEN

Estudio con la característica de un relato de experiencia basado en la práctica cotidiana de las acciones de enfermería desarrolladas junto a clientes sometidos a retirada quirúrgica de la laringe en un ambulatorio de postoperatorio, cuyo principal objetivo es enumerar esas aciones, analizándolas de acuerdo con sua singularidad, teniendo en vista el carácter mutilador físico y funcional de esa cirurgía. Entre las disfunciones citadas, es enfatizada la afonía, que interfiere en la comunicación oral del cliente, hecho que contribuye para su aislamiento social. La metodología utilizada para la consecución del objetivo propuesto se basó en la consulta de enfermería, considerando que es durante este procedimiento que la aproximación del cliente y su familia es realizada junto al equipo. Se concluye que el hecho de dispensar cuidados específicos a un cuerpo callado y mutilado, encontrando alternativas de romper este silencio, contribuye para la reintegración social del cliente sometido a la retirada quirúrgica de la laringe, a través de la recuperación de su salud y autoestima, demostrando la posibilidad de un cuidado de enfermería centrado en la ciencia y en la solidariedad.

Palabras clave: Enfermería. Atención al paciente. Laringectomía. Transtorno de la habla. Afonía


 

 

INTRODUÇÃO

A motivação para escrever este artigo nasceu da observação da singularidade que reveste as ações de enfermagem dispensadas ao cliente laringectomizado. Essas ações somente podem ser descritas a partir da prática cotidiana do cuidar. É necessário ser espectador das necessidades dos clientes, para deixar de ser um profissional que apenas as reproduz e encaminha as suas observações para outros profissionais1.

Para compreender a relação entre a equipe de enfermagem e o cliente submetido à laringectomia total e portador de fístula faringocutânea no período pós-operatório, cabe descrever as situações vivenciadas na prática profissional e as ações assistenciais desenvolvidas pela enfermagem ambulatorial junto a essa clientela.

O enfermeiro do ambulatório transforma-se no elo da interface do cuidado com esse cliente após a alta hospitalar, pois é nesse espaço hospitalar que a equipe convive o maior período de tempo com o cliente laringectomizado e seus familiares. Por isso, essa equipe tem a oportunidade de vivenciar e intervir nos problemas que surgem após a laringectomia total, uma cirurgia considerada mutiladora.

A assistência de enfermagem direcionada ao cliente laringectomizado está centrada na promoção da sua saúde e de seu bem-estar, contemplando as origens de uma profissão que está direcionada ao ser humano e não à sua patologia. Sendo assim, a esses cuidados somam-se os atos de ouvir, observar, perceber, refletir e agir, de maneira a incluir a pessoa, para programar , seus cuidados em conjunto com ela, respeitando seu querer, seus valores e seus hábitos.

Considerando o exposto, o presente relato de experiência tem por objetivos: (a) descrever as ações de enfermagem desenvolvidas junto a clientes laringectomizados em um ambulatório de pós-operatório; (b) analisar essas ações de acordo com a sua singularidade, tendo em vista o carátermutilador físico e funcional da laringectomia total.

 

O MOMENTO DA ALTA HOSPITALAR

O momento da alta hospitalar e retorno ao lar gera ansiedade tanto para o cliente laringectomizado quanto para seus familiares. Ambos manifestam insegurança com relação às condições clínica e cirúrgica que possibilitaram a alta, recusando-se freqüentemente a saírem do hospital e, conseqüentemente a se distanciarem da assistência e da suposta proteção das equipes de profissionais às quais estão ligados.

Geralmente, as famílias alegam falta de infra-estrutura domiciliar para atender a tal situação de saúde do cliente, por presumirem que ele é dependente de equipamentos como aspiradores, nebulizadores, bombas infusoras, medicamentos ou dietas enterais e também, é dependente de cuidados realizados apenas sob supervisão médica e de enfermagem, como trocas de cânula traqueal, curativos, alimentação e medicação.

Tal situação de rejeição à alta pode ser prevenida através da implementação de orientações realizadas na fase pré-operatória que contenham informações, médica e de enfermagem, acerca não só da cirurgia que será realizada como também em relação a possíveis eventos característicos da fase pós-operatória. Essas medidas também podem reduzir o medo do ato cirúrgico e a ansiedade na fase pós-operatória. No entanto, essas orientações ao cliente não devem restringir-se à fase pré-operatória. Elas devem ser reforçadas durante o período de hospitalização, no planejamento da alta hospitalar, através da interação cliente-equipe de saúde, de modo que sejam realmente eficazes no resgate do seu bem-estar.

Na instituição que serviu de campo para as observações deste relato de experiência, cuja característica administrativa é a de ser pública e voltada para a pesquisa do câncer, os clientes são orientados no pré-operatório pelo cirurgião e por enfermeiros e fonoaudiólogo. A alta hospitalar é concedida pelo cirurgião e acompanhada pelo enfermeiro que, inicialmente informa e ensina ao familiar/cuidador os cuidados indispensáveis com a sonda nasogástrica, alimentação, medicação, manutenção da via aérea permeável, através da limpeza da subcânula (componente interno da cânula traqueal metálica), higiene bucal e proteção do curativo cirúrgico. O nutricionista e o fisioterapeuta também participam da alta hospitalar orientando sobre a prescrição da dieta e dos exercícios respiratórios, respectivamente.

O processo educativo e de recuperação será complementado pela enfermagem ambulatorial após a alta. Entretanto, no momento da alta, o enfermeiro além de todas as atividades já mencionadas, marca na agenda a primeira consulta de enfermagem no ambulatório para acompanhamento da evolução do período pós-operatório do cliente. Essa consulta é realizada no primeiro dia útil após a alta hospitalar. O cliente é acompanhado, seqüencialmente, depois da primeira consulta até que sua ferida operatória esteja cicatrizada e que ele esteja apto para o autocuidado com o traqueostomia e a troca da cânula traqueal.

 

METODOLOGIA

Para a consecução dos objetivos propostos foi utilizada a descrição da metodologia da assistência adotada junto à clientela ambulatorial, durante a consulta de enfermagem. Ela representa um método de aproximação ao cliente, o que permite acessar a técnica e a sensibilidade, através de suas etapas de: levantamento de dados, diagnóstico, planejamento, execução e acompanhamento ou avaliação, que são dinâmicas e interdependentes.

O câncer de laringe, como a principal causa para a realização da laringectomia total, é uma enfermidade geradora de reações psicossociais, face ao medo da morte ou do abandono, da incapacidade ou mutilação, da dor e das dificuldades do tratamento. Assim, a assistência de enfermagem para o cliente laringectomizado é extensiva à família e comunidade. Então, a família participa da primeira consulta de enfermagem após a alta e em todas as consultas subseqüentes. Para operacionalizar essa consulta, o cliente e seus familiares (ou cuidadores) são recebidos em conjunto.

No primeiro encontro, é comum que os clientes apresentem-se ansiosos, assustados e arredios. Segundo Guedes2, para o bom desenvolvimento das ações de enfermagem é necessário transmitir: confiança, através da coerência, firmeza e honestidade; empatia através do toque, sinceridade e respeito; atenção, através do olhar nos "olhos" e ouvir mais que falar; autonomia e mutualidade, através da inclusão dos clientes na tomada de decisões. Como prerrogativa para a participação ativa desses elementos no plano de cuidados, a informação é fundamental para que cliente e família possam acompanhar e entender o que está ocorrendo.

O cliente e sua família devem ser considerados como parceiros da equipe de saúde, pois suas informações sobre o estilo de vida e as respostas à doença e ao tratamento são guias importantes para o desenvolvimento do planejamento assistencial da enfermagem.

Os diagnósticos de enfermagem são pautados na definição dos problemas e/ou nas necessidades afetadas dos clientes. São eles os responsáveis pela geração de ações no âmbito do cuidado de enfermagem. A observação apurada é o elemento que permite ao enfermeiro estabelecer as intervenções necessárias para a recuperação do cliente e definir os resultados esperados dos clientes, a partir dos diagnósticos de enfermagem identificados para a situação do cliente laringectomizado e sua família.

Neste sentido, Avant3 afirma que a etapa diagnóstica requer análise, síntese e acurácia para interpretar e promover a transformação dos dados objetivos e subjetivos em diagnósticos de enfermagem. Tal processo, ao ser nomeado e documentado, torna a atuação do enfermeiro visível para os clientes e os demais membros da equipe multidisciplinar.

O planejamento e a prescrição de enfermagem podem ser definidos como as estratégias selecionadas para as ações assistenciais de enfermagem. Eles devem ser dinâmicos como os diagnósticos de enfermagem, ou seja, devem modificar-se na medida em que as necessidades do indivíduo, existentes ou emergentes, são atendidas.

A evolução/avaliação é feita através do acompanhamento do cliente, sendo constituída pela observação dele e por comparação de informações que visam avaliar suas respostas e a assistência prestada. Para que todo o esse processo seja eficaz, é fundamental que todas as ações implementadas sejam registradas, bem como as respostas do cliente a elas. Nesse ponto, é importante ressaltar que o registro de enfermagem é a prova legal do cuidado prestado pela Enfermagem, além de uma rica fonte de dados para pesquisas.

 

DESCRIÇÃO DOS CUIDADOS PRESTADOS AO CLIENTE E À SUA FAMÍLIA

O aprendizado de meios alternativos de comunicação é uma medida vital para trazer segurança a um cliente que não pode emitir sua voz, no momento imediato à cirurgia. A maioria dos clientes queixa-se da dificuldade em se adaptar à situação de afasia, logo nos primeiros dias de pós-operatório. Para Chubaci et al.4, no entanto, pequenos gestos ou um olhar podem ser tão ou mais significativos do que as palavras.

A situação de afasia produz angústia não só pelo fato dela dificultar a comunicação do cliente laringectomizado com as pessoas, como também por obrigar a seu interlocutor falar/comunicar-se voltado para ele, para viabilizar sua leitura labial.

A impossibilidade de falar ou gritar tem repercussões na vida pessoal, familiar, social e profissional do cliente tornando-se importante que ele e sua família saibam que é possível uma reabilitação fonoterápica. Assim, pode ser encorajador viabilizar o encontro com um outro cliente laringectomizado já reabilitado. Esses dois aspectos devem fazer parte da consulta de enfermagem, uma vez que o enfermeiro está familiarizado com eles e o cliente laringectomizado e sua família consideram-nos totalmente novo e inusitados.

Algumas dessas situações podem ser resolvidas através da comunicação escrita e mímica labial. Cabe ao enfermeiro instruir o cliente e seus familiares sobre as alternativas disponíveis. Esses recursos requerem do cliente, habilidade e empenho, e de seus familiares e amigos, paciência e empatia. A escrita pode ser lenta ou ilegível e a disponibilização de folhas de papel e lápis (ou canetas) ou quadro mágico torna-se necessária. A mímica labial, utilizada principalmente pelos que não dominam a escrita, requer articulação boa e lenta das palavras, para ser bem entendida pelos interlocutores.

Ambos os métodos podem ser complementados por frases ou palavras escritas previamente em pequenos cartões para acelerar a comunicação, como por exemplo, "Estou com dor", "Estou com fome", "Tenho sede", "Estou respirando com dificuldade", "Quero dormir", "Não", "Sim", entre outros. Podem ser usados cartões coloridos com a cor verde para afirmativo e com a cor vermelha para negativo. Também o uso de aparelhos sonoros como sinos ou pequenas buzinas é muito útil, principalmente quando não há alguém por perto.

O enfermeiro que atua junto ao cliente laringectomizado deve avaliar a dimensão da alteração da sua imagem corporal, de forma a implementar ações que promovam sua adaptação e reabilitação social. A imagem corporal diz respeito aos sentimentos acerca do modo como nos percebemos e as reações dos outros à nossa aparência. É o conceito que possuímos sobre nosso corpo e nossa aparência externa.

Isso é fundamental para a construção de uma autoimagem positiva pelos indivíduos, baseada em valores e normas pessoais do ideal de corpo e respeito por si mesmos. A imagem pessoal ultrapassa os limites do corpo e se propaga no espaço. Ela incorpora adereços, vestuários e outros artefatos, e também, o odor daquilo que emana da pessoa, como a saliva, o sangue e as secreções pulmonares5.

As alterações na imagem corporal causadas pela laringectomia podem desencadear reações negativas no cliente, em seus familiares e nas pessoas de sua esfera social. A maneira como todos reagirão dependerá da capacidade do cliente e dos demais para desenvolverem estratégias de enfrentamento, avaliarem a influência da nova imagem corporal do cliente na sua vida futura e disponibilizarem o apoio que ele precisa receber para se ajustar.

Em pesquisa acerca sobre as dimensões da imagem corporal atribuída ao cliente laringectomizado, Pedrolo et al6. concluíram que ela está relacionada a um processo de sofrimento e de desafios para o próprio cliente. Essas dimensões requerem não somente recursos internos para a sua adaptação, mas também recursos externos como profissionais de saúde e grupos de apoio e a própria família. O apoio familiar foi apontado como um recurso fundamental e o mais importante. Os resultados dessa pesquisa confirmaram que o desfiguramento facial é uma barreira para a qualidade de vida do cliente do laringectomizado.

Estudando sobre o adoecimento pelo câncer de laringe, Zago7 preconiza que a mutilação provocada pela cirurgia (afonia e imagem corporal alterada) representa uma anormalidade tanto para os clientes, quanto para suas famílias. A dependência existente do cliente laringectomizado em relação à família determina perdas no âmbito pessoal e interpessoal, além do isolamento social que se instala gradativamente.

As alterações físicas mais comuns encontradas nos clientes laringectomizados são: a cicatriz cirúrgica, o afilamento do pescoço, o edema facial, o orifício da traqueostomia, a queda dos ombros e a inclinação da coluna para frente (nos clientes que sofreram dissecção cervical radical). Nos clientes que receberam enxertos reconstrutores na região cervical, ainda existe a área doadora e, conseqüentemente, mais uma cicatriz.

Os objetos que passam a integrar a vida e a imagem corporal do cliente laringectomizado são variados. Podemos destacar a sonda nasogástrica, o adesivo de fixação da sonda, o frasco e equipo para introdução dos alimentos, o curativo cirúrgico, a traqueostomia, a cânula traqueal e seu acolchoado, o cadarço fixador da cânula ao pescoço, além do avental que protege a traqueostomia. Nenhum desses objetos pode ser camuflado facilmente nos primeiros dias de pós-operatório. No cliente laringectomizado que apresenta fístula faringocutânea, a sonda nasogástrica e o curativo cervical permanecerão até que a fístula seja reparada. A situação de reparação da fístula retarda o processo de readaptação do cliente.

A todas as transformações já referidas somam-se ainda a presença do muco e de odores expelidos através da traqueostomia, a halitose, a coriza na narina onde a sonda nasogástrica foi introduzida e a presença de sutura cirúrgica nos primeiros dias de pós-operatório. Nos clientes portadores de fístula faringocutânea, é normal haver a presença de saliva ou exsudato purulento no óstio (orifício) da fístula. A visão desses fluidos corpóreos causa sensação de desconforto e repulsa nas pessoas, além de ser interpretada como uma complicação cirúrgica, o que nem sempre é verdadeiro.

O enfermeiro pode auxiliar o cliente e seus familiares no processo de aceitação da imagem corporal alterada, reforçando e complementando as orientações pré-operatórias, fornecendo informações sobre o estado geral do cliente, assim como a finalidade de cada um dos novos acessórios que o cercam. A experiência prática mostra que, embora inicialmente haja resistência a tantos elementos novos em suas vidas por parte dos clientes e de seus cuidadores, a interação entre eles e o enfermeiro e a adoção de uma postura empática, positiva e perseverante do profissional são fundamentais para o alcance dos objetivos do plano terapêutico. A comunicação entre os clientes e o enfermeiro, se for produtiva, resultará em um aprendizado para ambos.

As ações de enfermagem devem visar a recuperação da independência e auto-estima do cliente. Para tal fim, sua educação e de seus familiares deve estender-se à higienização do corpo, da cavidade oral, da traqueostomia e da ferida operatória.

A troca da cânula traqueal e limpeza da traqueostomia devem ser ensinadas tanto para o cuidador quanto para o próprio cliente, como medida para evitar a obstrução das vias aéreas e a infecção pulmonar, além de promover a segurança e independência do cliente laringectomizado.

O autocuidado deve ser ensinado conforme a aceitação dos clientes. O enfermeiro pode fazê-lo em companhia do cuidador para envolvê-lo no cuidado, a fim de aumentar a confiança do cliente. Geralmente, ele apresenta resistência para realizar a troca de sua cânula e para limpar sua traqueostomia, nos primeiros dias de pós-operatório, ficando esses procedimentos ao encargo do seu cuidador.

Sendo assim, ambos precisarão de tempo para processar e aceitar as alterações da imagem corporal e também necessitarão da avaliação, supervisão e compreensão do enfermeiro. O suporte operacionalizado através de uma abordagem da Psicologia é de grande valia para a aceitação dessa nova condição, tanto para os clientes quanto para os seus familiares e/ou cuidadores.

A utilização de um espelho auxilia tanto na visualização da traqueostomia, como no entendimento da anatomia da estrutura orgânica onde ela se insere. É essencial ressaltar esse aspecto durante as orientações, tendo em vista a manipulação dessa estrutura durante a introdução da cânula traqueal.

O cliente deve receber a explicação de que o encurtamento das vias aéreas, como resultado da cirurgia, fará o ar entrar diretamente nos pulmões sem aquecimento, filtração e umidificação naturais. Para que o ar inspirado possa preservar essas qualidades, é necessário observar o uso constante de um avental protetor sobre a cânula traqueal. O cliente precisa entender que a traqueostomia funciona como seu "nariz auxiliar". Por isso, ele deve protegê-lo, mantendo-o limpo, seco, acolchoado e com uma cobertura limpa e permeável ao ar, que permita o aquecimento do ar e impeça a entrada de poeira ou corpos estranhos.

Vários materiais podem ser sugeridos para confecção do avental protetor para a traqueostomia, tal como redes de linha de algodão, de crochê ou tricô, tecidos leves e vazados, recortes de camisetas em formato de babadouro, lenços de seda fina e até máscaras faciais descartáveis. Para o acolchoamento entre a cânula e o traqueostoma, poderão ser utilizadas espumas hidrofílicas, gazes de algodão ou gazes de rayon e viscose. A criatividade e o gosto pessoal irão ditar o material mais confortável para o cliente. Esses recursos também podem minimizar o impacto da traqueostomia sobre a sua imagem corporal, já que podem ser usados como uma camuflagem para aqueles que assim o desejarem.

O cuidado com as vias aéreas vai além da manutenção da traqueostomia e cânula traqueal. Este cuidado, também inclui ensinar o cliente e cuidador a fluidificar as secreções pulmonares através da hidratação por ingestão de líquidos ou nebulização com solução fisiológica. Outro cuidado a ser observado com relação às vias aéreas diz respeito à orientação ao cliente para evitar a inalação de fluxo de ar seco e frio, como o de um ventilador ou um aparelho de ar condicionado, bem como a inalação de vapores quentes, como o de uma sauna ou de um líquido em ebulição numa panela. Esses eventos causam lesão da mucosa, desconforto e comprometimento da função pulmonar.

Associado a esses cuidados para a preservação da capacidade de inspirar o ar adequado às vias respiratórias, o incentivo à prática de exercícios respiratórios prescritos por fisioterapeuta também promoverá o condicionamento aeróbico, com a finalidade de minimizar a fadiga nas tarefas que impliquem esforço físico ou prática de esportes.

A limpeza da traqueostomia pode ser feita com gazes estéreis e solução fisiológica até que haja a cicatrização dos seus bordos e a retirada da sutura cirúrgica. Após a cicatrização, a limpeza pode ser feita com água e sabão de pH neutro (por exemplo, o sabonete de glicerina) durante o banho ou sempre que estiver com muco acumulado.

Dependendo da quantidade de muco expelido, a pele pode ser agredida pela umidade e pela limpeza freqüente, tornando-se escarificada. Para prevenir essa intercorrência, que pode ser dolorosa e predispor à infecção, o cliente deve ser esclarecido sobre a manutenção do acolchoado seco e limpo e o uso de um hidratante inócuo (por exemplo, óleo mineral ou óleo de amêndoas) na pele peri-ostomal (em volta da traqueostomia).

A limpeza da cânula traqueal também deve ser ensinada. Para que a troca da cânula seja feita no domicílio, são necessários dois conjuntos de cânulas, um em uso e outro sobressalente. O conjunto sobressalente deverá estar sempre limpo e montado já com cadarço e acondicionado num recipiente igualmente limpo e exclusivo para tal fim. Ao ser removida a cânula, para sua limpeza, ela deve ser colocada em um recipiente com água para solubilizar as crostas que ficam aderidas. Logo depois, pode ser esfregada com uma escovinha ou pedaço de tecido embebidos em detergente ou sabão de coco e enxaguada em água corrente.

Após a limpeza, o conjunto de cânula pode ser esterilizado em água fervente por cinco minutos, no mínimo. Soluções oxidantes ou corrosivas, como água oxigenada, ácido acético, hipoclorito de sódio ou detergentes com amoníaco, não devem ser empregadas na limpeza, pois danificam o cromado da cânula fazendo-o se desprender. Com a superfície cromada danificada, o metal da cânula produz azinhavre, como produto de sua oxidação, no contato com a mucosa traqueal tornando a cânula inadequada para uso.

 

CONCLUSÃO

Este estudo demonstrou que cuidar, segundo Nascimento et al.8 , é tentar resolver ou pelo menos minimizar as sensações que irritam e afligem o cliente que é sujeito do nosso cuidado. Segundo estes autores, se durante o ato de cuidar pudermos perceber, através da sensibilidade, toda a dimensão que o envolve, poderemos, mais que cuidar, sermos partícipes dessa ação através da empatia, pois a melhor maneira de praticar a Enfermagem é nos colocando no lugar daquele que está sendo alvo do nosso cuidado.

O fato de dispensar cuidados específicos a um corpo calado e mutilado, encontrando alternativas de romper o silêncio que o acomete, contribui para a reintegração social do cliente laringectomizado, através da recuperação de sua saúde e autoestima. Isso demonstra a possibilidade de realizar um cuidado de enfermagem centrado na ciência e na solidariedade.

 

REFERÊNCIAS

1. Nascimento MAL. As pesquisas de enfermagem sobre a saúde da criança: um enfoque positivista na prática cotidiana. Esc Anna Nery Rev Enferm 2002 dez;6(sup. 1):93-100.

2. Guedes MTS.Tecnologia do cuidado: intervenção resolutiva de enfermagem ao portador de fístula faringocutânea [dissertação de mestrado]. Rio de Janeiro (RJ): Escola de Enfermagem Alfredo Pinto/ UNIRIO; 2004.

3. Avant KC. Prefácio In: North American Nursing Association. Diagnósticos de enfermagem da Nanda: definições e classificação. Porto Alegre (RS): Artmed; 2002.

4. Chubaci RYS, Merighi MAB. A comunicação no processo da hospitalização do imigrante japonês. Rev Latino-Am Enfermagem 2002 nov;10(6):805-12.

5. Schilder P. A imagem do corpo: as energias construtivas da psique. 3.ª ed. São Paulo (SP): Martins Fontes; 1999.

6. Pedrolo FT, Zago MMF. A imagem corporal alterada no laringectomizado: resignação com a condição. Rev Bras Cancerol 2000 jul;46(4):407-15.

7. Zago MMF. O ritual de orientação de pacientes pelos enfermeiros cirúrgicos: um estudo etnográfico [tese de livre docência]. Ribeirão Preto (SP): Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto / USP; 1999.

8. Nascimento MAL, Ferreira RC, Ghidini Junior R. Quando a empatia durante o ato de cuidar produz uma tecnologia. Rev Bras Enferm 2004 mar;3(2):96-100.

 

 

Recebido em: 15/06/2004
Reapresentado em: 22/11/2004
Aprovado em: 01/12/2004

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