Volume 10, Número 1, Jan/Mar - 2006
PESQUISA
Atuação gerencial do enfermeiro na perspectiva dos recém-egressos do curso de enfermagem
Managemental performance of the nurse in the perspective of the just-egresses of the nursing course
Actuación administrativa del enfermero en la perspectiva de los recién egresados del curso de enfermería
Vanessa Alves MartinsI; Janete Rodrigues da Silva NakaoII ; Neide FáveroIII
IEnfermeira graduada pela Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto Universidade de São Paulo (EERP - USP) aluna de Pós-Graduação (mestrado) pela Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto Universidade de São Paulo (EERP - USP)
IIProfa. Dra.do Departamento de Enfermagem Geral e Especializada da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto Universidade de São Paulo (EERP - USP)
IIIProfa. Titular do Departamento de Enfermagem Geral e Especializada da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto Universidade de São Paulo (EERP - USP) Coordenadora do Projeto Integrado Gerência de Serviços de Saúde-Nível Hospitalar que originou esse estudo. In Memória
RESUMO
Na prática profissional, os enfermeiros concentram-se na função administrativa distanciando-se do cuidado direto ao paciente. Articular essas dimensões está difícil. Essa dificuldade talvez se deva ao despreparo do enfermeiro e a maneira desarticulada com que as instituições de ensino abordam esses conteúdos e os relacionam com a prática cotidiana do trabalho. O trabalho apresentado é um estudo descritivo, na forma "pesquisa de opinião" que busca conhecer a opinião de um grupo de pessoas acerca de um assunto. Foram realizadas entrevistas com alunos egressos do curso de enfermagem (2002), que ainda não estejam atuando na prática profissional com o objetivo de verificar como eles vêem a atuação gerencial do profissional enfermeiro e como eles avaliam o conhecimento adquirido na escola sobre as questões gerenciais. Os resultados demonstram que existe uma dicotomia entre assistência e gerencia em enfermagem tanto no mercado de trabalho como durante a formação profissional.
Palavras-chave: Enfermagem. Gerência. Área de atuação profissional.
ABSTRACT
In their professional practice, nurses are concentrated on administrative functions, thus taking distance from direct patient care. The articulation of these functions is difficult, perhaps due to the lack of preparation among nurses and the disjointed way in which teaching institutions deal with these contents and establish a relation with daily work practice. This descriptive study takes the form of an "opinion poll", aimed at finding out people's opinions about a certain issue. We carried out interviews with graduating nursing students (2002) who had not entered professional practice yet, with a view to verifying their opinion on management activities of clinical nurses and how they evaluate the knowledge about management issues acquired during the course. Results demonstrate that a dichotomy between nursing care and management is present in the labor market as well as in professional formation.
Keywords: Nursing. Management. Professional practice location.
RESUMEN
En la práctica profesional, los enfermeros se concentran en la función administrativa distanciándose del cuidado directo al paciente. Articular esas dimensiones es difícil. Esa dificultad tal vez se deba a la falta de preparación acadêmica del enfermero y la manera desarticulada como las instituciones de enseñanza abordan esos contenidos y los relacionan con la práctica cotidiana del trabajo. El presente trabajo es un estúdio descriptivo de tipo de "investigación de opinión" que busca conocer la opinión de un grupo de personas acerca de un asunto. Fueron realizadas entrevistas con alumnos egresados del curso de enfermería (2002) que aun no están laborando en la práctica profesional, con el objetivo de verificar como ellos ven la actuación administrativa del profisional enfermero y como ellos evalúan el conocimeinto adquirido en la escuela sobre las cuestiones gerenciales. Los resultados demuestran que existe una dicotomía entre assistencia y gerencia en enfermería tanto en el mercado de trabajo y durante la formación profesional.
Palabras clave: Enfermería. Gerencia. Ubicación de la práctica profesional.
INTRODUÇÃO
A organização da Enfermagem, iniciada durante a Guerra da Criméia com Florence Nightingale, contemplava a ordenação do espaço destinado ao cuidado dos soldados feridos na guerra e o disciplinamento das atividades relativas a esse cuidado(1). Nota-se, desde essa organização iniciada durante a Guerra da Criméia, que a prática da enfermagem não deve ser compreendida apenas na dimensão técnica do cuidado, devendo incorporar também a dimensão administrativa. Essas dimensões têm sido responsáveis por diversos conflitos vivenciados pelo profissional enfermeiro, que sofre cobranças de atuação maior na área gerencial, entretanto, tem sua formação voltada para a área assistencial. Compartilham com essa idéia Kurcgant et al.(2) quando comentam que corrobora essa ambigüidade o fato da formação da enfermeira ser precisamente voltada, durante o curso de graduação, para o cuidado direto, contrapondo-se na prática à função administrativa exigida pelas organizações de saúde.
Embora as atividades administrativas estejam contempladas na lei do exercício profissional da enfermagem de 1986, em artigos referentes a ações privativas do enfermeiro, tais como planejamento, organização, coordenação, execução e avaliação dos serviços de assistência de enfermagem, são previstas também ações de cuidados diretos a pacientes graves com risco de vida (COREn)(3). Articular a prática assistencial e gerencial tem sido difícil para o profissional. Essa dificuldade talvez se deva ao despreparo do enfermeiro e a maneira desarticulada com que algumas instituições de ensino abordam esses conteúdos e os relacionam com a prática cotidiana do trabalho; prática esta que sofre grande influência dos valores culturais das organizações onde se desenvolve.
Analisa Nimtz(4), a importância na formação de futuros enfermeiros de compreender e atuar em instituições diversas, onde existe a expectativa de que como profissionais coordenem grupos, tendo como finalidade a assistência à clientela, vivenciando obviamente as influências das diferentes culturas organizacionais que permeiam as relações de trabalho.
Instrumentalizar o futuro profissional de acordo com as diversas realidades organizacionais vigente nos variados tipos de instituição de saúde é um desafio a ser enfrentado pelos órgãos formadores.
Nesse sentido, para Kurcgant et al.(2), as instituições de ensino, no desenvolvimento da disciplina Administração Aplicada à Enfermagem, buscam instrumentalizar os alunos, com princípios, elementos e métodos preconizados pela administração geral, que lhe possibilitem, assim prestar uma assistência de enfermagem eficiente e eficaz.
Mas, frente às considerações acima e a forma como o ensino está organizado, dentro de uma perspectiva tradicional de agrupamento de disciplinas e conteúdos nem sempre integrados e articulados com a prática, é possível formar um profissional crítico e competente para atuar nas mais diferentes realidades?
Esse questionamento tem levado as instituições formadoras e toda sua comunidade, docentes e discentes, a buscarem dados que subsidiem propostas de mudanças e a construção de projetos que qualifiquem o ensino. Assim, um dos aspectos a ser estudado é como os egressos dos cursos de enfermagem, antes de sofrer influência da prática, analisam a atuação gerencial do enfermeiro e se o conhecimento das questões gerenciais adquirido no decorrer de sua formação subsidia a atuação profissional.
OBJETIVOS
Os objetivos deste trabalho são:
- Verificar como os egressos vêem e analisam a atuação gerencial do profissional enfermeiro.
- Verificar junto aos egressos do curso de enfermagem como avaliam o conhecimento apreendido na escola acerca do conteúdo de administração, para a atuação profissional do enfermeiro.
METODOLOGIA
Tipo de estudo
É um estudo descritivo, na forma "pesquisa de opinião" que busca conhecer a opinião de um grupo de pessoas acerca de um assunto. Para Triviños(5), "a maioria dos estudos que se realizam no campo da educação é de natureza descritiva" e tem por finalidade "fornecer o conhecimento aprofundado de uma realidade delimitada que os resultados atingidos podem permitir e formular hipóteses para o encaminhamento de outras pesquisas".
Para Cervo e Bervian6 somando-se a essa proposição, "a pesquisa descritiva observa, registra, analisa e correlaciona fatos ou fenômenos (variáveis) sem manipulá- los." Segundo esses mesmos autores, "a pesquisa descritiva pode assumir diversas formas, sendo uma delas a "pesquisa de opinião" que procura saber atitudes, pontos de vista e p referências que as pessoas tem a respeito de algum assunto, com o objetivo de tomar decisões".
Local do estudo
O estudo foi realizado na Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (EERP - USP), situada em Ribeirão Preto.
A EERP - USP iniciou suas atividades em 1953, com os cursos de graduação e auxiliar de enfermagem. Atualmente, oferece regularmente cursos de graduação-bacharelado em Enfermagem e de pós-graduação stricto sensu com mestrados e doutorados em Enfermagem Fundamental, Enfermagem Psiquiátrica e Enfermagem em Saúde Pública, além de um Programa Interunidades de Doutoramento em Enfermagem, ministrado em parceria com a Escola de Enfermagem da USP, situada na cidade de São Paulo.
O Curso de Graduação em Enfermagem oferece 80 vagas anuais, além das especiais destinadas a alunos estrangeiros. Tem duração de 8 semestres letivos, em período integral. A carga horária total do curso é de 3870 horas, distribuídas de forma heterogênea, em 45 disciplinas obrigatórias.
O conteúdo de administração, ministrado no Curso de Graduação, está distribuído em 720 horas curriculares, através de 5 disciplinas obrigatórias. No que se refere a instituições hospitalares, nas disciplinas: Introdução à Administração Aplicada à Enfermagem-terceiro semestre (30h); Administração Aplicada à Enfermagem Hospitalar I-sexto semestre (45h); Administração Aplicada à Enfermagem Hospitalar II-oitavo semestre (165h). Voltados para os aspectos gerenciais relacionados à saúde da comunidade, na disciplina Enfermagem Saúde Publica II, oferecida no sétimo semestre, (90h). E, finalmente, na última disciplina do curso, Estágio Curricular (390h), onde o aluno desenvolve atividades relacionadas à prática profissional do enfermeiro em diferentes instituições de saúde, dependendo da escolha do próprio aluno.
População
São sujeitos da pesquisa os indivíduos egressos do Curso de Graduação da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo, no ano 2002, que não estavam atuando na prática profissional. Esse critério foi definido para que não houvesse interferência dessa prática no conhecimento dos aspectos gerenciais adquiridos na escola. Esses indivíduos estavam vinculados a cursos de especialização, pós-graduação, residência em enfermagem em diferentes instituições de ensino.
Procedimentos e instrumento de coleta de dados
Para a coleta de dados, foi utilizada a técnica de entrevista. Segundo Cervo e Bervian(6), "a entrevista não é simples conversa. É conversa orientada para um objetivo definido: recolher, por meio do interrogatório do informante, dados para a pesquisa". Para os mesmos autores, "recorre-se a esse instrumento sempre que têm necessidade de obter dados que não podem ser encontrados em registros e fontes documentais e que podem ser fornecidos por certas pessoas".
A entrevista foi realizada pelo próprio pesquisador, no período de abril a outubro de 2003. Para tanto, utilizou um gravador e fitas cassetes. Após a autorização do sujeito da pesquisa, realizou-se a entrevista individual. Foi aplicado um formulário contendo duas questões norteadoras: 1) Como você analisa a atuação gerencial do profissional enfermeiro? 2) Você acha que o conhecimento adquirido na Escola sobre as questões gerenciais subsidiam a atuação do futuro profissional? Como?
Tratamento dos dados
As entrevistas foram gravadas em fitas cassetes, sendo transcritas pelo pesquisador. Foi utilizada, para tratamento dos dados, a análise de conteúdo, que é, para Minayo (7), "a expressão mais comumente usada para representar o tratamento dos dados de uma pesquisa qualitativa". Bardin (8) define análise de conteúdo como um conjunto de técnicas de análise das comunicações, visando obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens.
Na organização da análise de conteúdo, são propostas três fases a serem percorridas: pré-análise; exploração do material; tratamento dos resultados, a inferência e a interpretação.
PROCEDIMENTOS ÉTICOS
O estudo foi apreciado pela Comissão de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo, e aprovado em abril de 2003. Somente participaram desta pesquisa os egressos que assinaram um termo de consentimento, contendo os objetivos do estudo e lhes assegurando o anonimato.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Caracterização dos entrevistados
Foram entrevistados 18 egressos, sendo todos do sexo feminino, com idades entre 22 e 24 anos, e todos vinculados às instituições de ensino, em diferentes atividades. Ligados à EERP (Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto - Universidade de São Paulo): 09 egressos cursam a residência e 01 o mestrado no Departamento de Enfermagem Geral e Especializada; 06 cursam a residência no Departamento Materno-Infantil e Saúde Pública, 01 o mestrado no Departamento de Enfermagem Psiquiátrica e Ciências Humanas. Na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, está vinculado 01 egresso cursando mestrado no Departamento Farmacologia.
É importante ressaltar que, de acordo com os critérios de inclusão, os egressos que fizeram parte do estudo não têm vínculo empregatício como enfermeiros em instituição de saúde de forma remunerada.
Apresentação e análise dos dados
Os dados obtidos em cada questão formulada foram agrupados em categorias.
Questão 1:
Como você analisa a atuação gerencial do profissional enfermeiro? Referentes a esta questão, foram criadas duas categorias que na realidade traduzem idéias antagônicas:
Categoria I: Dicotomia entre o cuidar e o gerenciar na enfermagem;
Categoria II: A essência do gerenciamento e o planejamento do cuidado
Categoria I: Dicotomia entre a Assistência e Gerência na Enfermagem
Os egressos do curso de enfermagem, embora não atuando ainda em instituições de saúde, referem existir uma dicotomia entre o cuidar e o gerenciar na prática profissional do enfermeiro. Isso pode ser apreendido nas falas abaixo:
...muitos serviços, exigem e esperam que o enfermeiro gerencie, deixando de lado, ou em segundo plano, as outras tarefas do enfermeiro, como principalmente o cuidado, distanciando o enfermeiro da assistência ao paciente, interferindo na qualidade da assistência...
...hoje, temos uma função mais gerencial do que imaginávamos na graduação.
No contexto, emerge a necessidade de o enfermeiro gerente visualizar suas atividades, levando-se em conta a macro e microestrutura organizacional no âmbito hospitalar(9)
Estudando o trabalho administrativo do enfermeiro, segundo a ótica dos administradores de hospitais e da equipe de enfermagem, Bernardes(1) conclui que: os primeiros esperam um trabalho mais administrativo, com capacidade de coordenar e operacionalizar uma assistência adequada, liderar. Já os técnicos e auxiliares, na sua maioria, esperam um trabalho mais direto ao cliente, mais assistencial.
Para Bellato et al.(10), a enfermeira por sua vez, sente a inadequação entre sua formação profissional (que privilegia a assistência direta e o gerenciamento dessa assistência) e as funções que o mercado de trabalho espera que ela cumpra (mais voltadas para o controle burocrático da instituição).
Os egressos, ainda não inseridos no mercado, já têm essa percepção, que parece ser adquirida no processo de formação, talvez através das atividades práticas desenvolvidas nas diferentes disciplinas do curso de enfermagem.
Somando-se a essa expectativa do mercado, há outro aspecto a ser considerado que diz respeito ao elevado número de profissionais técnicos e auxiliares de enfermagem e a reduzida porcentagem do profissional enfermeiro no mercado de trabalho. Para Almeida(11), "não há como negar a presença maciça do pessoal auxiliar de enfermagem nos serviços de saúde prestando assistência direta aos pacientes..." e questiona..."como nós enfermeiros temos nos posicionado frente a esta situação?" Essa reflexão não aparece nas falas dos egressos, apesar de atualmente essa realidade continuar a mesma.
Categoria II: A essência do gerenciamento e o planejamento do cuidado
Os 18 entrevistados responderam que é essencial promover gerenciamento adequado conciliando os aspectos administrativos e assistenciais. Esse fenômeno é evidenciado nas falas abaixo:
...o trabalho do profissional enfermeiro não é só gerencial relacionado à burocracia, mas também é assistencial...
...é essencial à atenção tanto no burocrático quanto na prática para promover gerenciamento adequado tanto dos cuidados quanto dos trâmites...
Essas idéias se confirmam na seguinte colocação de Bernardes1 em que "o enfermeiro deve assumir funções administrativas tendo como foco de atenção o paciente, voltando o cuidado e a assistência ao ser humano".
De acordo com o exposto, podemos sugerir que os entrevistados possuem a noção de que a desarticulação da assistência com a gerência não contribui para uma enfermagem qualificada. E também conseguem perceber durante a formação que a prática profissional do enfermeiro exige a conciliação das duas dimensões: a administrativa e a técnica do cuidado.
Questão 2: Você acha que o conhecimento adquirido na Escola sobre as questões gerenciais subsidiam a atuação do futuro profissional? Como?
Referentes a esta questão, foram criadas três categorias, a saber:
Categoria I: O conteúdo ministrado como início do aprendizado;
Categoria II: O aprendizado é um processo continuo;
Categoria III: Desarticulação entre formação e mercado.
Categoria I: O conteúdo ministrado como início do aprendizado
Os relatos a seguir demonstram que existem diferentes pontos de vista sobre o conteúdo de administração ministrado na Faculdade; alguns julgam adequado, outros insuficiente. Referem ainda não ser um conteúdo acabado, devendo na prática ser aprofundado:
...o ensino proporciona um início ao aprendizado, pois o conhecimento precisa de aprofundamento que deve ser realizado na prática...
...a disciplina de administração deve ser picotada e distribuída durante todo o curso...
Observando a estrutura curricular do Curso de Graduação da EERP-USP, temos que as disciplinas obrigatórias estão distribuídas em oito semestres. Nos três primeiros, o aluno recebe formação fundamentada nas ciências biológicas, humanas e sociais e os princípios básicos da formação profissional que permitem sua integração na profissão e no setor saúde. A formação profissional compreendida entre o quarto e o sétimo semestre, com vistas ao enfermeiro generalista, proporciona ao aluno uma seqüência de experiência de aprendizagem, organizada em níveis de complexidade (atenção primária, secundária e terciária), capacitando-o ao desenvolvimento da assistência de enfermagem à criança, ao adolescente, à mulher e ao homem adulto. No oitavo semestre, o aluno conclui sua preparação para atuar na administração de serviços de enfermagem na área hospitalar. É também, nesse momento, que faz a sua opção de estágio curricular em uma das disciplinas: Enfermagem Aplicada ao Adulto, Enfermagem em Saúde Coletiva e Enfermagem Psiquiátrica e Saúde Mental. Esse estágio, que é a última etapa do processo de formação, objetiva aproximar o aluno da prática profissional do enfermeiro e das dificuldades encontradas no cotidiano.
Percebe-se, então, que o conteúdo prático de administração é ministrado de forma concentrada no último semestre do curso, e isso pode dificultar a sedimentação desse conhecimento. Parece ser reforçada na escola a percepção de que os processos de cuidar e administrar quase não se tocam, uma vez que até o oitavo semestre o aluno aprende a cuidar do cliente e depois a gerenciar a assistência, embora não seja essa a intenção.
Segundo Kurcgant et al.(2), no desenvolvimento da disciplina de administração aplicada à Enfermagem busca-se instrumentalizar a aluna, com princípios, elementos e métodos preconizados pela administração geral, que lhe possibilite, assim, prestar uma assistência de enfermagem eficiente e eficaz.
Desse modo, a idéia é de que o aluno, nas disciplinas de administração, desenvolva esse conteúdo tendo em vista a assistência de enfermagem, entretanto não podemos afirmar se esse objetivo é alcançado. Assegurar essa instrumentalização é um desafio para as instituições formadoras e especialmente para os docentes de administração.
Categoria II: O aprendizado é um processo contínuo.
O entendimento de que o aprendizado é um processo continuo e, por isso, não pode ser compreendido como acabado, fica evidenciado nos trechos de alguns entrevistados:
...a escola proporciona um início ao aprendizado, que precisa ser continuamente buscado na prática...
...o aprendizado não se resume na faculdade, é adquirido com experiências diárias...
Analisando essas falas, observamos que os entrevistados sabem que o conhecimento adquirido na escola não pode ser compreendido como acabado e que o processo de aprendizagem deve ser contínuo no decorrer de sua vida profissional.
Sair da escola com essa compreensão é extremamente importante e demonstra um aspecto positivo do processo educativo. Como refere Menegolla(12),
O estudante necessita ser pedagogicamente esclarecido de que ele não vai à escola somente para obter e conquistar diplomas, mas sim, que o importante para ele é que adquira todo o instrumental necessário para enfrentar e desenvolver sua vida da melhor forma possível. E é responsabilidade das instituições de ensino e seu corpo docente, formar profissionais críticos e reflexivos que sempre busquem novos conhecimentos.
Abreu e Masetto(13) afirmam que "o professor desponta como sendo o facilitador da aprendizagem de seus alunos. Seu papel não é ensinar, mas ajudar o aluno a aprender; não é transmitir informações, mas criar condições para que o aluno adquira informações".
Ainda analisando este aspecto, Sordi(14) comenta que o conhecimento a ser acumulado tem tido na figura do professor sua maior, quando não única fonte de comunicação, conduzindo os alunos a uma atitude de passividade e de contemplação ante o objeto de estudo, o que não contribui para o desenvolvimento de sua capacidade criativa e crítica.
Categoria III: Desarticulação entre formação e mercado.
Embora organizado de forma seqüencial, e em níveis de complexidade, não fica evidenciado para os egressos uma articulação entre os conteúdos ministrados no curso, nem tão pouco entre o conhecimento teórico e prático.
Além disso, para eles, ocorre uma distância entre a formação do profissional enfermeiro e a exigência no mercado de trabalho, evidenciada nas falas abaixo:
...durante toda a graduação somos treinados para o cuidado, quando nos deparamos com a real posição do enfermeiro é complicado, é como se nós tivéssemos que deixar de ser "auxiliar" para nos tornarmos enfermeiros
...cada instituição possui suas regras e no conhecimento adquirido na Escola predomina o processo gerencial do HC-Campus e Unidade de Emergência...
Durante o curso de graduação de enfermagem, os alunos passam por diferentes estágios práticos, por exemplo, enfermagem pediátrica, cirúrgica, médica, doença infecciosa, psiquiátrica, entre outros, realizando somente cuidados diretos ao paciente (trabalho efetuado por auxiliares de enfermagem). Desse modo, não são preparados para realizar atividades administrativas até esse momento, somente no último estágio prático (8º semestre) do curso é que os alunos são preparados de forma rápida para efetuar o planejamento e o gerenciamento do cuidado. Assim, ao término do curso, os profissionais recém-formados sentem-se como ter que se tornar enfermeiros de forma relâmpago sem um tempo para a elaboração dessa nova parte prática da profissão. É difícil para os órgãos formadores oferecerem aos seus alunos uma variedade grande de experiências práticas em instituições de saúde diversas. Entretanto, as colocações acima merecem um olhar reflexivo e uma busca por novas propostas de realização de estágios, pois, como afirma Sousa(15), "o saber prático se aprende fazendo, e o saber intelectual se aprende na escola".
E refletindo sobre essa relação comenta Freitas apud Sordi(14), é costume nos meios educacionais, dizer-se que a teoria na prática é outra. Com isso quer-se apontar a inadequação da teoria à prática. Embora isso ocorra com freqüência, há uma outra possibilidade para interpretar-se o fato de uma teoria não se adequar à prática: a teoria na prática não convém.
Ou seja, realidades distintas devido aos diferentes tipos de organizações das diversas instituições de saúde que exigem intervenções distintas de acordo com a população e a cultura local. Desse modo, o profissional deve ser instrumentalizado na escola para essa atuação, já que, pelo menos no discurso, espera-se formar um enfermeiro competente, crítico e criativo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste estudo, buscamos avaliar a opinião dos egressos quanto à atuação gerencial do profissional enfermeiro e se, durante o período de graduação, são instrumentalizados para atuarem no mercado de trabalho.
Os egressos, ainda mesmo não atuando em instituições de saúde, referem existir uma dicotomia entre as ações gerenciais e assistenciais na prática profissional, e essa ambivalência do enfermeiro em relação ao cuidar versus gerenciar destaca-se no período da atuação profissional, pois no exercício da profissão são exigidas atividades administrativas em detrimento das assistenciais. Essa idéia, que realmente permeia o cotidiano de trabalho do enfermeiro, foi adquirida no desenvolvimento das atividades práticas previstas no curso de graduação. Ou seja, os estágios dão oportunidade aos alunos de vivenciarem a prática de enfermagem desejada.
Quanto ao processo de formação, os egressos se expressam demonstrando que o conteúdo do curso em geral está voltado para a prestação de cuidados, sendo reduzido o tempo dedicado aos aspectos gerenciais da prática durante a graduação. Além disso, a distribuição e a relação desses conteúdos (técnicos x administrativos) na grade curricular são inadequadas, uma vez que a disciplina teórica de administração é abordada de forma segmentada entre os semestres letivos do curso e somente no 8º semestre é realizada a prática da administração em enfermagem, ou seja, concentrada no final do curso. E também criticam a realização de atividades práticas predominantemente em uma única instituição de saúde.
Os aspectos positivos apreendidos nas falas dos egressos dizem respeito ao processo de aprendizagem que para eles deve ser contínuo e que a atuação prática precisa ser reflexiva considerando os valores culturais das organizações. Também entendem que a desarticulação da gerência com a assistência não contribui para uma enfermagem qualificada.
Referências
1. Bernardes A. O trabalho do enfermeiro sob a ótica de outros profissionais. [dissertação de mestrado] Ribeirão Preto (SP): Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto/USP; 2000.
2. Kurcgant P et al. O significado da administração aplicada à enfermagem segundo a opinião de graduandos. Rev Esc Enf USP 1994;28(1):15-26.
3. Conselho Regional de Enfermagem- COREnSP. Documentos Básicos de Enfermagem: Enfermeiros Técnicos e Auxiliares. São Paulo (SP); 2001.
4. Nimtz MA. O ensino da disciplina de administração em enfermagem nas escolas de graduação da Grande São Paulo. [dissertação de mestrado] São Paulo (SP): Escola de Enfermagem /USP; 1999.
5. Triviños ANS. Introdução a pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa em educação. 4ªed. São Paulo (SP) Atlas; 1994, 175p.
6. Cervo AL, Bervian PA. Metodologia cientifica. 5ª ed. São Paulo (SP): Prentice Hall; 2002.p.66-77.
7.Minayo MC. Fase de análise ou tratamento do material. In: Minayo M.C. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 2ª ed. São Paulo (SP): HUCITEC-BRASCO; 1993.p.197-247.
8. Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa (PO): Ed. 70; 1991.
9. Prochnow AG, Alcântara LM, Leite JL, Silva ICM, Moreira MC. Liderança em enfermagem: um repensar necessário à prática gerencial hospitalar. Esc Anna Nery Enferm. 2003 dez.7(3):318-24.
10. Bellato R,organizador. Algumas reflexões sobre o método funcional no trabalho da enfermagem. Rev Latino-am Enfermagem 1997;5(1):75-82.
11. Almeida MCP. Processo e divisão do trabalho na enfermagem. Anais do 39ºCongresso Brasileiro de EnfermagemCentro de Convenções; 1987 nov; Salvador (BA), Brasil, Salvador (BA); 1987.p.19-25.
12. Menegola M. Avaliar para aprender avaliar por avaliar é um ato antipedagógico. Porto Alegre (RS): Ed. Evangraf; 1994.
13. Abreu MC, Masetto TM. O professor universitário em aula. São Paulo (SP): Ed. Cortez; 1980.
14. Sordi MR; Freitas. A prática de avaliação do ensino superior e ma experiência na enfermagem. São Paulo (SP): Cortez; 1995.
15. Sousa LLA. Ensino e prática na formação do enfermeiro. Saúde em Debate 1994;(42):23-29.
Recebido em 12/07/2005
Reapresentado em 13/11/2005
Aprovado em 24/11/2005