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CAPES

Volume 17, Número 3, Jul/Set - 2013

PESQUISA

Práticas socioculturais e de cuidado à saúde de idosos em diferentes etnias

Jossiana Wilke Faller 1
Sonia Silva Marcon 2


1 Mestre - (Docente) - Universidade Estadual do Oeste do Paraná - Foz do Iguaçu - PR - Brasil - jofaller@hotmail.com
2 Doutora - Universidade Estadual de Maringá - Maringá - PR - Brasil - soniasilva.marcon@gmail.com

Recebido em 29/11/2012
Reapresentado em 15/12/2012
Aceito em 23/07/2013

RESUMO

OBJETIVO: Identificar práticas de cuidado à saúde e em situação de adoecimento adotadas por idosos de diferentes etnias.
METODOS: O Interacionismo Simbólico e a Teoria Fundamentada nos Dados foram utilizados como estratégia teórico-metodológica. Dados coletados de fevereiro a julho de 2011 entre 33 idosos de cinco etnias diferentes, em seus domicílios.
RESULTADOS: Os cuidados na saúde envolvem atividade física, alimentação, oração e trabalho, e somente os franceses demonstraram preocupação com isso ao longo da vida. Em situação de adoecimento, a fé e a religiosidade norteiam o cuidado entre os libaneses; a utilização de chás entre os paraguaios; a medicina tradicional associada ao uso de chás entre os franceses, chineses e brasileiros.
CONCLUSÃO: As diferentes práticas de cuidado devem ser conhecidas pela enfermagem gerontológica, pois aproximam o profissional do idoso e sua família, permitindo-lhes planejar e implementar ações adequadas a cada situação específica.


Palavras-chave: Envelhecimento; Cultura; Grupos étnicos; Enfermagem

INTRODUÇÃO

O envelhecimento populacional observado na atualidade provocou grandes mudanças no perfil social, econômico e epidemiológico do país, exigindo mudanças na atenção à saúde à população senil e maior interesse nos estudos sobre a velhice, o envelhecimento e novas alternativas para promover a saúde1. Portanto, tornou-se necessário conhecer essa população em seus diversos aspectos, incluindo os problemas ambientais, psicossociais, culturais e econômicos que afetam a população diretamente.

O processo de formação do povo brasileiro resultou do entrechoque de europeus, índios selvagens e campineiros e negros africanos. Essa miscigenação de raças deu origem à teoria da triangulação na sociedade brasileira: um povo formado da "colisão de três raças", possibilitando infinitos cruzamentos genéticos. Essa imigração, ainda presente na atualidade, representou uma ameaça de transfiguração na população brasileira preexistente, afetando o destino de uma sociedade que assimilava toda aquela massa migratória, transformando mais os recém-chegados do que os que aqui viviam2. No entanto, o contato de diversos povos oriundos de diferentes países, que são socializados numa cultura e depois vão morar em outra, envolve um conceito definido como aculturação e que ocorre tanto no âmbito grupal como no individual3.

Por isso, o homem deve ser considerado como resultado de uma cultura, transmitida de uma geração a outra e definida como uma teia de significados tecida pelo próprio indivíduo, capaz de propor mudanças culturais, pois incorpora características próprias do grupo em que vive e adquire personalidade básica4. Assim, os aspectos culturais e antropológicos são importantes na compreensão das experiências de adoecimento e das práticas de saúde adotadas pelo indivíduo e sua família, em que elementos culturais de uma sociedade influenciam a visão de mundo relacionada a hábitos e costumes e alteram o comportamento das pessoas em relação às demandas de saúde5.

Nesse contexto, as práticas de saúde variam de indivíduo para indivíduo6, e é vital conhecê-las para considerá-las em programas de saúde, pois estes dependem da aceitação e da efetiva participação da população para alcançar seus objetivos. Além disso, constituem importante ferramenta para uso dos profissionais de saúde, como os enfermeiros, ajudando-os a enfrentar dificuldades e a fazer com que o público alvo de tais programas adquira comportamentos saudáveis e compatíveis com suas crenças e valores.

Isso é particularmente importante para as pessoas que imigraram, devido à barreira da língua, dos hábitos e dos costumes. Como atender um idoso numa unidade de saúde, se não compreendermos seus valores e suas crenças? Torna-se difícil fazer-se compreender, quando também não compreendemos. Essas situações devem ser levadas em consideração, principalmente porque o idoso, pela característica própria de já ter sedimentados seus hábitos de vida, já não se empenha muito para modificar determinadas situações relacionadas ao seu cotidiano.

Nesse panorama, e por considerar muito útil para o planejamento da assistência de enfermagem, conhecer como o idoso percebe seus problemas de saúde e como procura resolvê-los, no sentido de desenvolver intervenções adequadas às características sociais e culturais dessa população, o objetivo deste estudo foi identificar as práticas de cuidado à saúde e em situação de adoecimento adotadas por idosos de diferentes etnias.

METODOLOGIA

Neste estudo foram adotados os pressupostos da Teoria Fundamentada nos Dados (TFD) e do Interacionismo Simbólico (IS), como referencial teórico-metodológico, o qual permite a articulação de suas diretrizes com a pesquisa e para que pudessemos compreender as práticas de cuidados à saúde ocorridas neste contexto migratório.

A TFD tem como propósito compreender fenômenos sociais com base nas experiências vivenciadas pelos atores sociais e seus aspectos significativos. Já o IS tem sua perspectiva centrada na interação humana, pois procura entender as características simbólicas da vida social e a realidade por meio do conhecimento da percepção - ou significado - que certo contexto, ou objeto, tem para a pessoa7.

A pesquisa foi desenvolvida no município de Foz do Iguaçu, Paraná, com 33 idosos de cinco grupos étnicos (libaneses, paraguaios, chineses, franceses e brasileiros). A captação dos sujeitos ocorreu por indicação de amigos, Centro de Convivência do Idoso, Unidades de Saúde e escolas de língua francesa. Os dados foram coletados no período entre fevereiro e agosto de 2011, por meio de entrevistas previamente agendadas e realizadas nos domicílios dos idosos. Elas foram guiadas por um roteiro semi-estruturado, registradas com auxílio de gravador e após, transcritas na íntegra. Na composição dos grupos, foram respeitados os critérios de amostragem e saturação teórica. Assim, o tamanho e a composição dos grupos foram determinados durante o processo de coleta de dados, e a saturação teórica ocorreu no momento em que não foram mais encontrados dados novos nem adicionais em determinado grupo7.

Os critérios de inclusão para a formação dos grupos foram: ter 60 anos ou mais; ter a nacionalidade dos grupos étnicos estabelecidos e ser capaz de responder as questões do estudo. Ao grupo de brasileiros, para reduzir a influência de outras culturas, determinou-se que os participantes fossem filhos de brasileiros natos. Foram excluídos indivíduos com muita dificuldade de expressar-se em português e sem contar com tradutor.

A análise dos dados se deu por meio da codificação aberta, codificação axial e codificação seletiva. Na codificação aberta, os dados foram analisados linha a linha e comparados por similaridades e diferenças, seguidos da conceituação. Na codificação axial foi realizado o reagrupamento dos dados divididos na fase anterior e estabelecida a relação entre categorias e subcategorias. Já a codificação seletiva foi o momento de integrar e refinar as categorias para que os resultados da pesquisa assumissem a forma de teoria, instante no qual é possível chegar a uma categoria central que expresse o tema da pesquisa e, a partir disso, buscar consistência nos dados e validar a teoria7.

O projeto do estudo foi aprovado pelo Comitê Permanente de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Estadual de Maringá (parecer nº 739/2010). Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido em duas vias e seus relatos estão identificados com a primeira letra do grupo étnico correspondente, seguida do número indicativo da ordem de realização da entrevista no grupo amostral, além das letras M e F para indicar o sexo e outro número para indicar a idade.

Este paper apresenta parte de um estudo que focalizou a concepção de velhice e as práticas de cuidado em diferentes etnias. A categoria central "Tendo que envelhecer: as práticas socioculturais e de cuidado direcionando o envelhecimento em diferentes etnias", tem várias categorias inter-relacionadas, sendo "A cultura influenciando hábitos e costumes no cuidado à saúde" uma delas e será aqui apresentada.

RESULTADOS

Foram entrevistados 33 idosos (17 homens e 16 mulheres), com idade entre 60 e 96 anos, os quais constituíram cinco grupos amostrais formados por sete libaneses, dez brasileiros, cinco paraguaios, sete franceses e quatro chineses, Seus relatos referentes à prática de cuidado em diferentes etnias permitiram identificar duas subcategorias.

A categoria central e as subcategorias foram construídas em delineamento com o referencial teórico - IS - no qual as ações individuais e coletivas são construídas a partir da interação entre as pessoas, que definindo situações agem no contexto social a que pertencem. A forma como as pessoas definem eventos ou situações, e como agem em relação às suas crenças subsidiu a análise dos dados e sua interpretação.

Saúde e cuidado para o envelhecimento

Constatou-se que para os idosos a saúde tem diversos significados, como comer bem, dormir bem e beber, conceitos por meio dos quais traduziam a percepção de uma vida mais longeva, evidente neste depoimento:

Um amigo meu falou: minha mãe tem 103 anos e não para de jeito nenhum. Ela escuta bem, enxerga bem, faz bordado o dia inteiro. Isto é ter saúde! O que mata é o estômago da gente. Se ela não come, não bebe, não dorme bem, não vivia. Não ficava com essa saúde (L1, M, 72 anos).

Notou-se que a saúde do idoso é percebida por alterações sofridas ao longo dos anos:

Conforme a idade vai, a gente fica de tudo menos, menos saúde, não é como antigamente (L1, M, 72 anos).

E alguns conceitos foram relatados como determinantes para a sua manutenção:

Nós não podemos fazer muita coisa, porque o jovem de 40 a 50 anos é muito diferente, e a partir dos 60 anos é outra diferença. Senti isso no físico, perdi força de tudo, tenho vontade de fazer, mas não consigo fazer como antes, tenho dor aqui, dor ali.... mas não parei de trabalhar, só que tudo demora mais; não consegue fazer igual, só devagarinho, se quer fazer rapidinho não dá (P1, M, 74 anos).

Observa-se também que os idosos sentem gradativamente as mudanças ocorridas com o passar da idade, e que embora essas mudanças possam reduzir algumas possibilidades de atividades laborais, por exemplo, há um processo de adaptação e readequação a novas atividades. Muitos mantêm as tarefas domésticas e se adaptam ao novo ritmo de realizá-las.

Também conseguem perceber que algumas características da pesonalidade de cada indivíduo contribuem para o surgimento de doenças, como por exemplo o estresse.

...o estresse é o princípio de todas as doenças. Então não podemos viver estressados (L6, M, 72 anos).

As pessoas que conversam não ficam com problemas de saúde (L7, M, 60 anos).

Os cuidados foram citados como realizados no envelhecimento e também ao longo da vida, principalmente entre os franceses, que gozam de melhores condições de saúde.

A vida hoje está menos corrida. Fazemos exames de saúde periódicos, de maneira preventiva... mas nada que tenha alterado muito com o decorrer dos anos (F3, F, 62 anos).

Sempre tive uma alimentação saudável, então não há grandes diferenças além da fisioterapia que iniciei para melhorar a coluna (F5, F, 69 anos).

Já os idosos brasileiros se apresentaram mais doentes, embora a busca pelo cuidado com a saúde tenha sido relatada, mostrando-se de diferentes maneiras nos cinco grupos étnicos.

A pessoa não deve ficar parado, deve ficar se mexendo, seja trabalhando, fazendo serviço, andando. A mente também deve ser exercitada. Porque a pessoa que vive só deitada adoece e envelhece mais depressa (B1, M, 74 anos).

Diante de diferentes conceitos culturais relacionados à saúde, o enfermeiro deve construir concepções híbridas, mescladas e compostas de diversas situações sócio-históricas e culturais, as quais devem fundamentar a sua prática assistencial de modo a abranger os diferentes cenários populacionais.

A preocupação com o aparecimento de doenças na velhice direcionando as práticas de cuidado

Percebeu-se uma preocupação com as questões alimentares, que apresentaram estreita relação com a saúde. Desse modo, mudança de hábitos alimentares e prática de atividade física foram tidas como cuidado à saúde.

[...] cuido da alimentação há mais de dez anos. No café da manhã como maçã, iogurte, torrada integral, ovo mexido e chá verde. Há dois anos incluí a pimenta vermelha e uma colher de linhaça com coalhada. Antes do almoço uma fruta e um pedaço de batata-doce. No almoço salada à vontade, feijão e arroz. E às cinco horas chá verde e queijo branco (L6, M, 72 anos).

Dentre os cinco grupos, brasileiros e paraguaios revelaram mais semelhanças, o que pode estar relacionado com renda inferior.

Cuido mais da saúde agora, porque no Paraguai não tinha nem calçado, andava descalço na geada. Cuido mais na alimentação, como de tudo, só não gordura demais (P2, F, 74 anos).

A única coisa que cuido é da comida, porque quando era jovem não tinha nada disso, tinha uma saúde de ferro (B5, F, 90 anos).

Para os chineses, o alimento mostrou-se de grande significado, pois há todo um processo de preparação, de cuidado e manuseio que não simboliza apenas o saciar a fome, mas também cuidar do corpo e da mente.

Chinês gosta muito de pimenta, é muito bom para saúde. Como no tempo de frio de manhã e no almoço gengibre, à noite não, porque é como veneno. É o melhor remédio natural, ajuda a liberar sal (C2, M, 70 anos).

Como menos sal, não como muita fritura, para manter a mente boa e para não esquentar muito a cabeça e sempre manter a alegria (C3, M, 70 anos).

Quanto à prática de atividade física, os cinco grupos o revelaram como cuidado à saúde, principalmente nos benefícios para o corpo e para a mente.

[...] não deixo de fazer exercícios físicos e dou muitas aulas também, o que me permite manter a saúde da mente (F2, M, 65 anos).

Toda tarde eu dou uma caminhada, a empregada me leva. Me pareço com 15 anos [risos..]. Andar e visitar a casa de meus filhos me faz viver melhor (P4, F, 85 anos).

Outro cuidado com a saúde relatado foi o consumo de chás, de uso habitual por brasileiros, paraguaios e chineses.

[...] usamos bastante erva no chimarrão, não tomo sem erva, coloco malva, só que é diferente o nome da erva aqui. É bom para bastante coisa (P2, F, 74 anos).

Tomo chá de erva-doce, endro, cidreira que lá no Norte é capim Santo. Folha de laranja serve para o sono, é calmante (B2, F, 74 anos).

Chá é bom para eliminar gordura. Chá preto, chá verde, depois do almoço tem que tomar chá para eliminar toda a gordura que sobrou de você (C2, M, 70 anos).

A oração e a religiosidade também foram reveladas como prática de cuidado à saúde. Em destaque os idosos libaneses, de religião muçulmana, a qual rege pela conduta da vida social e familiar de seus seguidores.

A higiene faz parte da nossa cultura e da religião. Para que a pessoa possa rezar é obrigada a lavar os braços, algumas partes do corpo e os órgãos genitais. Você tem que ir purificado para falar com Deus. E isso é um cuidado com a saúde também (L4, M, 60 anos).

Aos demais grupos, além de constituir um hábito que os faz se sentirem mais saudáveis, a oração também é tida como um cuidado quando há uma situação de doença: eles creem em Deus como tratamento em situações de adoecimento.

Minha perna parece osso rasgado, não dá para operar. Tomo remédio e não resolve. Vou vivendo por Deus, tenho esperança, faço muita oração (B9, F, 90 anos).

Os hábitos de sono e repouso, a proteção do frio e da chuva, além do uso de touca nas estações mais frias também foram revelados como auto-cuidado na velhice.

Eu durmo oito horas toda noite. Levanto cedo e à tarde eu durmo até as três, e isso me faz bem (L6, M, 72 anos).

Comecei a me agasalhar mais; com a idade, ficamos mais sensíveis aos resfriados (B10, F, 74 anos).

Vou dormir que nem os brasileiros, depois da novela, e acordo às seis e meia, e assim me sinto bem (C1, F, 60 anos).

Não pego vento frio senão fico gripada facilmente. Se tiver uma garoa, já pego o guarda-chuva, senão, não saio de casa. Quando tomo banho também não saio para fora e não coloco o ventilador com o vento direto, isso me faz muito mal (B2, F, 74 anos).

Uso touca porque sou careca agora, sinto mais frio e me protejo (P1, M, 74 anos).

Na contramão desses depoimentos, também há idosos que declararam não ter nenhuma preocupação com a saúde ao longo da vida, tampouco na velhice.

Nunca fiz nada. Não sou muito de comer verdura, não era preocupada com a saúde, nem lembrava que existia saúde. Aí a primeira vez que fui no médico deu diabete, anemia, reumatismo e colesterol. Agora minha pressão está sempre alta, por isso que me deu derrame, usava muito sal, agora faço a comida meio insossa (B8, F, 86 anos).

Não me cuido muito não, não levo isso muito a sério (C4, M, 63 anos).

Em algumas situações, a percepção de ser ou estar doente só foi manifestada quando a doença trazia alguma limitação física ou algum grau de dependência. Idosos com hipertensão ou diabetes somente os relataram quando essas enfermidades lhes traziam alguma limitação no dia a dia; caso contrário, eram percebidos como consequência da idade.

A minha saúde sempre foi muito boa, o único problema é o desgaste no joelho, e depois que fiquei com mais idade, engordei muito (B7, F, 75 anos).

Esta idosa apresentava limitações para caminhar por conseqüência de várias doenças como diabetes e hipertensão, tratados e controlados por farmacoterapia não alteravam sua rotina, nem mesmo alimentar, por isso não foram consideradas como doença.

Nos casos em que a doença provoca alterações na rotina e desencadeia mudanças importantes na vida do idoso, os cuidados e os tratamentos são realizados com o objetivo de reduzir ou eliminar o desconforto. Exceto os franceses, os demais idosos só buscam atendimento médico em situação de adoecimento. O uso da medicina tradicional foi predominante e relatado pela maior parte dos idosos. No entanto, aliadas ao tratamento médico, outras práticas foram citadas, revelando-se a influência cultural de cada grupo.

Tomo sempre muito chá de noz-moscada, cravo com canela e sene se estou um pouco ruim do estômago. Benzedeira ia direto, levava os filhos e para mim também. Depois que vim para o Paraná não encontrei mais benzedeira por aqui (B6, F, 96 anos).

Os idosos paraguaios manifestaram a crença em benzedeiras, embora relatem não utilizar para si, somente para netos e bisnetos. No Paraguai, essa prática é largamente usada por qualquer indivíduo, independentemente da idade, devido à baixa condição econômica da população e elevados custos dos serviços de saúde.

Os franceses se mostram muito céticos em relação a alternativas de cuidado à saúde. No entanto, parecem suscetíveis de adotá-las quando migraram com pouca idade, caso em que se tornam mais permeáveis à crença em cuidados alternativos.

Com certeza a medicina tradicional, apesar de já ter tentado no passado homeopatia e acupuntura (F3, F, 62 anos).

Se for resfriado ou mesmo gripe resolvo com chá, mel, gargarejo e um antitérmico, se for preciso; e nunca precisei mais do que isso. Se for outra coisa, tipo virose, se não passa e me sinto muito mal, recorro a um médico (F5, M, 80 anos).

Os dados demonstram que, independente da etnia, os idosos costumam associar o tratamento médico ao uso de chás e ervas, e o fazem em situações que consideram menos graves. A acupuntura foi citada por apenas um chinês, o que demonstra a adaptação cultural sofrida por esse grupo étnico de idosos no Brasil, pois essa prática é comum na medicina oriental e tradicionalmente utilizada e reconhecida como eficaz nos países orientais.

DISCUSSÃO

Reconhecer as práticas populares de cuidado à saúde se torna importante no instante em que preservamos essa sabedoria e interagimos entre o conhecimento científico e o popular, considerando adiversidade cultural no meio em que vivemos. O cuidado, comum a todas as culturas, varia em suas formas de expressão8, pois são os padrões culturais que determinam como o indivíduo entende e vivencia sua própria vida.

O acesso à saúde em alguns países europeus, como França, Alemanha e Holanda, é oferecido por meio de um Seguro Social, enquanto no Brasil, esse acesso é universal no sistema de saúde, o que o torna um dos poucos países do mundo a proporcioná-lo à sua população.

São muitos os fatores que interferem no adoecimento de uma população, e as condições socioeconômicas, históricas e culturais, que evidenciam oportunidades de acesso a melhores escolas e à informação, estão entre as que favorecem a qualidade de vida e, consequentemente, as condições de saúde. Entre os idosos franceses, a melhor condição de saúde se deve à junção desses fatores e ao autocuidado ao longo da vida.

Na França, a baixa incidência de doenças cardiovasculares se deve ao consumo de vinho tinto, que compensa o efeito negativo da alta ingestão de gorduras saturadas. Entretanto, também pode estar relacionada a fatores comportamentais e à elevada ingestão de vegetais e frutas9, conforme identificado entre os franceses deste estudo.

Em relação à população estudada, os brasileiros e os paraguaios eram de menor renda, tornando-os mais vulneráveis a doenças. Tanto o Brasil como o Paraguai foram marcados historicamente por fortes desigualdades sociais em relação à habitação, educação, alimentação, saúde e segurança, problemas que ainda merecem atenção para serem solucionados10.

No tocante aos hábitos alimentares, é elemento essencial na constituição das identidades11, assim como o idioma, e por isso os hábitos e os costumes cultivados na infância não se perdem. O que há são adaptações pelos alimentos oferecidos, tendo em vista as condições climáticas de cada região. No entanto, com a globalização, torna-se fácil adquirir um alimento chinês ou francês no território brasileiro.

A prática de atividade física como cuidado à saúde é importante para a prevenção de doenças, melhoria da mobilidade, capacidade funcional e qualidade de vida no processo de envelhecimento. Dessa forma, é importante enfatizar que ações voltadas para um estilo de vida ativo fazem parte de um envelhecimento saudável e de qualidade12, necessário para o bem-estar físico e mental.

A fé e a religiosidade, fator marcante para os muçulmanos, traz uma influência profunda e abrangente que direciona atitudes e condutas, pois todos os atos necessários à vida humana envolvem um sentido e um significado religioso, determinado pelo chari'a, um conjunto de normas que estabelece regras para: práticas religiosas, a família e os casamentos, a conduta social, a ingestão de alimentos e o asseio pessoal13.

A medicina religiosa pertence a um processo histórico e consegue sobreviver mesmo diante das inovações tecnológicas da atualidade, pois está inserida em um contexto sociocultural e é influenciada por familiares ou grupos sociais. Independente da idade, a oração é tida como um cuidado popular, utilizado na crença de prevenir problemas de saúde e proteção em casos de doenças 14.

Os idosos atribuem significados próprios aos hábitos de vida de modo que desenvolvem na cultura o auto-cuidado, que abrangem: alimentação, higiene, conforto, lazer, espiritualidade e repouso. Na velhice, os hábitos se tornam mais evidentes e se cristalizam no cotidiano como parte significante da vida.

Quanto ao uso de chás, seus conhecimentos são difundidos pela cultura popular por meio das práticas dos familiares e do conselho de pessoas mais velhas às mais novas. É importante observar que entre eles não há uma preocupação com a cientificidade de sua utilização para o tratamento de doenças. Importa que respodam às suas necessidades e sejam tidas como eficazes. Desses dados se infere que a prática de cuidado e a ação de saúde iniciam no encontro de subjetividades, determinadas socialmente e amparadas culturalmente. Na atualidade, há evidencias de mudança de paradigmas tanto dos profissionais como dos usuários de saúde, o que faz com que se interessem por novos métodos de tratamento e cura15.

Um dos achados do presente estudo foi a invisibilidade do profissional enfermeiro pelos idosos das diferentes etnias aqui investigadas, talvez por sua atuação indiferenciada, marcada pela prática de tarefas em que não se processam as interações e trocas na convivência com os seres em suas múltiplas dimensões e complexidades.

A necessidade de considerar diferenças culturais de cada região, estado ou município na operacionalização das políticas públicas, inclusive nos programas de formação de profissionais na área da saúde e de gerontologia, tem sido identificada em outros estudos com idosos de diferentes etnias8. A ausência de políticas que considerem o desenvolvimento social, econômico e cultural de uma população é uma realidade. Contudo, o cuidado interprofissional deve ser sensível a tais diferenças e diversidades, pois as pessoas vivenciam o envelhecimento de diferentes formas e os serviços precisam estar atentos o suficiente para identificar tal fato, respeitando a diversidade em termos de gênero, etnia, cultura, habitação, nível de escolaridade, estado civil, orientação sexual e religião16.

Assim, embora não se pretenda fazer generalizações, sugere-se o desenvolvimento de outras investigações envolvendo profissionais de saúde que lidam no dia a dia com questões relacionadas ao envelhecimento, além de outros setores da sociedade, com o intuito de fortalecer a coerência das políticas públicas e facilitar as intervenções na saúde.

De acordo com as premissas do IS, a descrição do comportamento humano deve ser feita com base no ato social, avaliada pela atividade manifesta - comportamento observável - e pela atividade encoberta, manifestada a partir da experiência interna do indivíduo. A conduta humama, portanto, deve ser compreendida em termos sociais, e não como decorrente, apenas, da influência externa sobre o indivíduo7.

Desse modo, a interação dos indivíduos é tida como processo e como atores sociais em mudança, em constante "estado de tornar-se", socializados nos processos interativos ao longo da vida. Nesse contexto, a disposição do enfermeiro para lidar com diferentes públicos e em múltiplos cenários, sua capacitação e conhecimento da clientela são fundamentais para o desempenho de um cuidado mais eficaz para quem o recebe.

O respeito às premissas do cuidado cultural constituído por valores, crenças e expressões padronizadas, que auxiliam e capacitam o indivíduo ou grupo a manter o bem-estar, a melhorar uma condição ou vida humana ou a enfrentar a morte e as deficiências, constitui um meio importante para o desenvolvimento do cuidado gerontológico na enfermagem, pois orienta e apoia a interação com o ser idoso, seus familiares e demais indivíduos envolvidos no processo de cuidado17.

Portanto, o conhecimento das múltiplas dimensões da vivência do ser idoso possibilita ao enfermeiro alcançar a plenitude do cuidado, o que requer atitudes críticas-reflexivas, de intersetorialidade, capazes de resgatar os aspectos humanos envolvidos nessa prática, como um compromisso ético e de responsabilidade social. O respeito à interpessoalidade, tanto do ser agente do cuidado quanto do ser-receptor da ação do cuidar, garante a melhoria da qualidade de vida18 e o cuidado gerontológico em seus pressupostos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os temas de destaque abrangeram o cuidado exercido ao longo da vida, como a prática de atividades físicas, os bons hábitos alimentares, a oração e a manutenção de uma ocupação, o que demonstra a necessidade urgente de alterar o perfil do profissional de saúde que atende direta e indiretamente essa população, que deverá conhecer e considerar esses aspectos na sua prática diária.

Para os cuidados em situação de adoecimento, a busca pela medicina se dá concomitantemente ao uso de chás e providências caseiras, prova de que as práticas socioculturais são utilizadas como complementares ao tratamento médico e por esse motivo não podem ser desconsideradas, mas integradas ao cuidado.

As diferentes formas de cuidado, sejam elas para promover a saúde ou em situação de doença nos diferentes grupos étnicos, demonstraram a fé e a religiosidade como norteadoras do cuidado no grupo de libaneses; a crença e a utilização de chás entre paraguaios; a crença na medicina convencional entre franceses; entre os brasileiros, o chá e a medicina tradicional.

Os vários grupos étnicos em estudo contribuíram na formação do povo brasileiro não apenas no seu aspecto biotipológico. Ainda hoje os traços culturais desses imigrantes permanecem nos seus descendentes, que cultivam as tradições, costumes e crenças de sua origem e, embora se considerem brasileiros, essa herança cultural que eles carregam deve merecer um olhar especial do profissional que lhes prestar assistência à saúde.

Desenvolver um cuidado gerontológico na enfermagem fundamentado em práticas socioculturais pode aproximar o idoso e sua família do profissional, permitindo ações planejadas com base nas experiências do indivíduo, pois há uma relação identificável e positiva no modo como pessoas de diferentes culturas definem, interpretam e conhecem o cuidado. Um cuidado pautado apenas na doença não contribui para a evolução da assistência à saúde nem para valorizar a individualidade de cada ser.

Como limitações naturais do estudo, podemos destacar a impossibilidade de ampliar os grupos amostrais devido à limitação de tempo para concluir o curso de mestrado, além da exígua experiência da pesquisadora em técnicas de coleta e interpretação de dados qualitativos, o que se tentou compensar com dedicação, envolvimento e empenho; e ainda o fato de se tratar de pesquisa qualitativa, cujos resultados não podem ser generalizados. Contudo, acredita-se que eles possam despertar o profissional para a importância dos aspectos aqui identificados.

Por fim, conscientes do valor desse tipo de estudo para a ciência da enfermagem, sugere-se a realização de novas investigações com este mesmo enfoque em outros cenários e com outros grupos étnicos, que certamente trarão importantes achados para a enfermagem gerontológica. Além disso, a interação entre profissionais, clientes e famílias, mediante os pressupostos do IS como ponto reflexivo, fomenta novas possibilidades de cuidado interativo, de forma contextualizada com a realidade da sociedade. Ampliar o acolhimento nos serviços de saúde, a capacidade de escuta, de orientação e de lidar com diferentes conceitos a respeito do envelhecimento, cuidado e saúde, pode promover a autonomia e melhoria da qualidade de vida dos idosos.

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