Volume 17, Número 3, Jul/Set - 2013
PESQUISA
Repercussões do pet-saúde na formação de estudantes da área da saúde
Paula Hübner Freitas
1
Juliana Silveira Colomé
2
Adriana Dornelles Carpes
3
Dirce Stein Backes
4
Carmem Lúcia Colomé Beck
5
1
Enfermeira. Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Maria-UFSM. Universidade Federal de Santa Maria-UFSM. Santa Maria - RS - Brasil - enf.paulahf@gmail.com
2
Enfermeira. Doutoranda do Programa de Pós Graduação em Enfermagem do Rio Grande. Docente do Curso de Enfermagem do Centro Universitário Franciscano - UNIFRA. Santa Maria - RS. Brasil - julianacolome@yahoo.com.br
3
Farmacêutica. Doutora. Preceptora do Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde - PET-Saúde - 2009/2011. Docente do Curso de Farmácia do Centro Universitário Franciscano - UNIFRA. Santa Maria - RS. Brasil - carpes.ad@gmail.com
4
Enfermeira. Doutora. Docente do Curso de Enfermagem do Centro Universitário Franciscano - UNIFRA. Santa Maria - RS. Brasil - backesdirce@ig.com.br
5
Enfermeira. Doutora. Docente do Curso de Enfermagem da Universidade Federal de Santa Maria - UFSM - Universidade Federal de Santa Maria - UFSM. Santa Maria - RS. Brasil - carmembeck@gmail.com
Recebido em 10/08/2012
Reapresentado em 21/03/2013
Aceito em 02/05/2013
RESUMO
OBJETIVO: O estudo teve como objetivo conhecer as repercussões do Programa de Educação pelo
Trabalho para a Saúde/PET-Saúde na formação de estudantes da área da saúde.
METODOS: Configura-se como exploratório-descritivo, com abordagem qualitativa.Fizeram parte
do estudo, vinte estudantes participantes do PET-Saúde. A técnica de coleta de dados
foi a entrevista semi-estruturada e o método de análise dos dados empregado, a análise
de conteúdo temática.
RESULTADOS: Os dados sinalizam que o PET-Saúde configura-se como um programa facilitador para
a busca da integralidade e que proporciona articulação teórica-prática entre estudantes,
serviço de saúde e comunidade, o que é imprescindível para a reorientação da formação
em saúde.
CONCLUSÃO: Conclui-se que o desafio centra-se na formação crítico-reflexiva de profissionais
da área da saúde, apontando para novos comportamentos e atitudes.
Palavras-chave: Enfermagem; Relações Comunidade-Instituição; Educação Profissional em Saúde Pública
INTRODUÇÃO
Com a implantação do Sistema Único de Saúde (SUS) na década de 80, vem ganhando força o pensamento crítico em saúde que incorpora discussões em torno da determinação social do processo saúde-doença. Com isto, surge um novo paradigma na atenção à saúde, cujos princípios e diretrizes rompem com o paradigma clínico flexneriano e apontam para a necessidade de imprimir uma nova forma de produzir e distribuir as ações e serviços de saúde, ou seja, de configurar e definir este novo modelo de atenção em saúde.1 Associada a essa ideia, percebese a necessidade de mudança dos modelos de atenção e de formação dos profissionais da saúde para atuarem em consonância com o modelo de saúde proposto.
A partir de 2001, as Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de Graduação (DCN) foram estabelecidas com o intuito de proporcionar às Instituições de Ensino Superior (IES) um direcionamento para a implantação dos projetos político-pedagógicos. Cabe destacar que as DCN não são fórmulas prontas, mas ressaltam que as instituições formadoras devem buscar formas inovadoras de ensinar, com a missão de formar profissionais críticos, capazes de apreender a realidade e de trabalhar em equipe, considerando a realidade social para a atenção integral e de qualidade em um sistema regionalizado e hierarquizado.2
Em virtude da necessidade de inovar o processo ensino-aprendizagem, em 2004 foi criada a Portaria 198/GM/MS, na qual foi instituída a Política Nacional de Educação Permanente em Saúde como estratégia do SUS, para a formação e o desenvolvimento de trabalhadores para o setor da saúde.3
Em continuidade ao processo de transformações na área da formação em saúde, no ano de 2005 estabeleceu-se uma política articulada de educação em saúde, a qual prevê a cooperação técnica entre os Ministérios da Educação e da Saúde para a formação e desenvolvimento de profissionais.4 Nessa perspectiva, foi criado o Programa Nacional de Reorientação da Formação Profissional em Saúde (PRÓ-SAÚDE), o qual tem como eixo central a integração ensino-serviço, com a consequente inserção dos estudantes no cenário real de práticas que é a Rede SUS, com ênfase na atenção básica desde o início de sua formação.5
Neste contexto, no ano de 2008, foi criado o Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde - PET-Saúde, que tem como objetivo facilitar o processo de integração ensino-serviço-comunidade, investindo na qualificação em serviço dos profissionais da saúde, bem como de iniciação ao trabalho e vivências dirigidos aos estudantes das graduações em saúde, de acordo com as necessidades do SUS.6
Participam desse programa instituições de ensino superior, públicas ou privadas sem fins lucrativos, Secretarias Municipais de Saúde e/ou Secretarias Estaduais de Saúde de todas as regiões do país, selecionadas por meio de Editais publicados pelo Ministério da Saúde. O programa efetiva-se mediante a composição de equipes de trabalho compostas por tutores estudantes, preceptores da rede de atenção básica, bem como estudantes voluntários.Considera-se que os investimentos no programa até fevereiro de 2010 chegaram a 63.027 bolsas PET-Saúde.
Estas mudanças foram necessárias para favorecer a formação de profissionais da saúde sob a perspectiva da integralidade, o que se constitui em uma proposta desafiadora, uma vez que fortalece a ruptura com o modelo tradicional de formação, a reorganização dos serviços e dos processos de trabalho7.
O grande desafio está em modificar a formação dos profissionais da rede de serviços e instituições de ensino, tendo em vista a capacitação para educação permanente em saúde, a implementação de atividades de acompanhamento em serviço de especialização para profissionais de formação técnica ou universitária. Estas diretrizes ressaltam a atuação integral na área de atenção básica, com ênfase na saúde da família e na utilização de metodologias ativas de ensino e aprendizagem.8
Assim, esse estudo origina-se de alguns questionamentos, quais sejam: quais relações os estudantes identificam entre a formação e o trabalho em comunidade? Que mudanças estão acontecendo neste cenário e que efetivamente aproximam o ensino, o serviço e a comunidade? Qual o impacto de tal programa na formação do estudante da área da saúde?
Considerando essas questões e a necessidade de problematização dinâmica e permanente sobre o referido programa, esse estudo objetivou conhecer as repercussões do Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde/PET-Saúde na formação de estudantes da área da saúde.
METODOLOGIA
Trata-se de um estudo exploratório-descritivo, estruturado em uma abordagem qualitativa de pesquisa. O estudo foi realizado no Grupo PET-Saúde desenvolvido em duas Instituições de Ensino Superior, uma privada e outra pública, no município de Santa Maria, RS. O grupo é composto por quatro equipes, cada uma delas composta por um tutor, seis preceptores, 12 estudantes bolsistas e 18 estudantes voluntários, totalizando 148 participantes. O estudo foi desenvolvido entre os meses de julho e novembro do ano de 2010.
No que se refere aos sujeitos do estudo, foram convidados todos os estudantes participantes do PET-Saúde dos diferentes cursos da área da saúde, incluindo o Curso de Psicologia, devido à formação interdisciplinar do grupo. Não foi seguida uma ordem pré-estipulada para convidá-los, mas sim foi levada em consideração a disponibilidade para integrar o grupo do estudo e a sua manifestação de interesse pela pesquisa. Fizeram parte do estudo os primeiros 20 estudantes que aceitaram participar dele.
Dos 20 estudantes participantes, dois eram do Curso de Biomedicina; um, do Curso de Enfermagem; quatro, do Curso de Farmácia; dois, do Curso de Fisioterapia; um, do Curso de Fonoaudiologia; dois, do Curso de Medicina; um, do Curso de Nutrição; três, do Curso de Odontologia; um, do Curso de Psicologia; dois, do Curso de Serviço Social; e um, do Curso de Terapia Ocupacional.
A técnica escolhida para a coleta dos dados foi a entrevista semiestruturada, a qual trouxe como questões norteadoras: o que o PET- Saúde representou na sua formação acadêmica? Que contribuições o programa trouxe para as relações entre o ensino, os serviços de saúde e a comunidade? Como você avalia a atuação juntamente com profissionais e estudantes de outros cursos da área da saúde?
Foi solicitado aos participantes que as entrevistas fossem gravadas em aparelho MP4, para assegurar dados na íntegra e garantir a essência das falas. A fim de manter o anonimato dos participantes, foi adotada a denominação "P" seguida de numeração de 1 a 20.
Este tipo de análise, uma modalidade de análise de conteúdo, desdobra-se em três etapas: pré-análise, momento em que o pesquisador realiza a leitura exaustiva do material, deixando-se impregnar pelo conteúdo; exploração do material, etapa em que o pesquisador busca encontrar categorias que são expressões e palavras significativas em função das quais o conteúdo será organizado; tratamento dos resultados obtidos e interpretação, etapa em que o pesquisador propõe inferências e realiza interpretações9. Estas etapas foram seguidas nesta sequencia após a transcrição das entrevistas em um editor de textos e organização do material.
Optou-se por utilizar fragmentos das falas dos participantes para ilustrar as categorias do estudo. Este estudo foi encaminhado para o Comitê de Ética em Pesquisa do Centro Universitário Franciscano - CEP/UNIFRA para análise e aprovação, sendo registrado sob o número 207.2010.2, no dia 21 julho de 2010. Além disso, foi entregue aos participantes um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido contendo informações pertinentes ao estudo, garantia do anonimato e autorização para divulgação dos dados coletados, conforme previsto na Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Pesquisa.
ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS
Os sujeitos da pesquisa, 17 do sexo feminino e 3 do sexo masculino, eram de faixa etária entre 18 e 46 anos. Após análise dos dados, os mesmos foram organizados em três categorias: Refletindo sobre o Programa PET-Saúde, Vivenciando o impacto do programa na formação acadêmica e na atuação comunitária e Aprendendo a atuar em uma equipe interdisciplinar de saúde.
Refletindo sobre o Programa PET-Saúde
O Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde - PET-Saúde é referido por alguns estudantes como um programa que proporciona de fato a reorientação da formação em saúde, na medida em que articula, por meio da integração ensino-serviço, as instituições formadoras e os serviços de saúde. As falas a seguir denotam este entendimento dos estudantes:
O PET-saúde é uma forma de o acadêmico estar vivenciando, na prática, o que aprende na teoria. O acadêmico deve ter perfil para compor este programa, ter força de vontade e interesse em aprender e contribuir para os futuros projetos. Estar sempre estudando sobre temas relevantes para o Programa e também para sua vida e formação. (P11)
O Pet consiste em um programa do Governo Federal em parceria com as universidades, composto por uma equipe multiprofissional, o que faz dele um excelente espaço de aprendizagem. Esta é a primeira vez que participo de um projeto. A tríade ensino-pesquisa-serviço é o que considero o diferencial, foi através do Pet que descobri minha paixão por pesquisa e sua importância. (P18)
Este entendimento por parte dos estudantes vai ao encontro da concepção do programa proposta pelos Ministérios da Educação e da Saúde, a qual tem como perspectiva a iniciação ao trabalho e vivências dos estudantes dos cursos de graduação da área da saúde, de acordo com as necessidades do SUS. Busca, portanto, a inserção do discente no campo da saúde, com a perspectivade identificar as necessidades dos serviços e de utilizá-lo como fonte de produção de conhecimento e pesquisa para as instituições de ensino, tendo como fio condutor a integração ensino-serviço-comunidade.6
Dessa forma, este programa sinaliza para o investimento em um processo formativo contextualizado e concreto, pautado nas dimensões sociais, econômicas e culturais da população, integrando o saber popular e o saber científico e a teoria à prática. Isso implica em estimular uma atuação interdisciplinar e multiprofissional destes futuros profissionais de saúde, respeitando os princípios do controle social e do SUS e atuando com responsabilidade juntamente à população em um determinado território.10
Além disso, ao considerar que os estudantes participantes do referido programa terão atuação direta ou indiretamente com o ser humano, ser complexo, singular e único; é imprescindível que sejam conhecedores da realidade da qual fazem parte ou que irão trabalhar, se apropriando dos conhecimentos das políticas públicas de saúde e desenvolvendo competências para um cuidado efetivo em todos os níveis de atenção.11
Da mesma forma, para os participantes do estudo, o PET-Saúde representa uma oportunidade de inserção na comunidade quando entendem que a aproximação do estudantes com o serviço de saúde traz benéficos mútuos para os diferentes atores, conforme expresso nas falas que seguem:
Foi minha primeira experiência na comunidade. O PET amplia a visão do processo saúde e doença, além de incrementar a pró-atividade de cada aluno e ensinar a trabalhar em equipe com seus pontos positivos e negativos. (P1)
[...]o PET significa unir estudo e trabalho e retorno que beneficie a comunidade e retorno de aprendizagem para o acadêmico. Um programa que dá ótima oportunidade de o aluno inserir-se na comunidade, para que possa ter seu primeiro contato nela. (P2)
Neste sentido, a vivência dos estudantes na comunidade é uma oportunidade de transferir para a prática o conhecimento adquirido na sua formação, propiciando uma ampliação da visão dos estudantes acerca do processo saúde-doença.12 As ações extensionistas na comunidade podem resultar em sentimento de utilidade, oportunidade de aprendizagem pessoal e profissional. Assim, é de suma importância a atuação de estudante e docentes na comunidade pois esta, além de ser de grande relevância acadêmica, possibilita a reflexão acerca da indissociabilidade do ensino-pesquisa-extensão e a vivência do trabalho interdisciplinar. As falas dos estudantes apresentadas a seguir reforçam estes argumentos:
É um espaço de crescimento que se dá através das trocas entre alunos, profissionais, usuários em diferentes áreas, pois o contato com a realidade nos torna capazes de visualizar nosso futuro e nos decidir pela área de maior interesse [...]. Além de ser uma forma de fazer os demais profissionais da Saúde, já formados, também trabalharem de forma multidisciplinar. (P8)
Significa uma oportunidade de contato e interação com colegas de outros núcleos de saúde, trabalhando juntos por ideias que possam favorecer a nossa realidade em Saúde Coletiva. Permite que o bolsista conheça a rotina de profissionais de sua área na atuação da Atenção Básica, podendo ganhar um vasto conhecimento prático. (P20)
As reflexões dos estudantes vão ao encontro dos achados de outro estudo desenvolvido com participantes de programas tutoriais na área da saúde, os quais referenciaram que a experiência vivenciada desperta valores, crenças e atitudes que sinalizam para a defesa do SUS, além de suscitar o potencial humano do estudante, o conteúdo teórico-prático da graduação e sua participação em movimentos sociais organizados. Acredita-se que vivências desse gênero contribuem, para a formação técnica, científica e política dos graduandos da área da saúde, na perspectiva interdisciplinar e intersetorial.13
Com isso, entende-se que o papel das instituições formadoras transcende a transferência de conhecimentos, tornando necessário investir em programas que proporcionem a integração do ensino, serviço, comunidade, pesquisa e extensão, no intuito de facilitar a formação do novo perfil profissional exigido na área saúde, ou seja, um profissional inserido na sociedade para desempenhar suas funções no complexo campo da saúde.
Vivenciando o impacto do programa na formação acadêmica e na atuação comunitária
Os participantes do estudo demonstraram em suas falas, que o referido programa possui uma relação social de impacto entre a instituição formadora e a comunidade, constituindo um instrumento de mudança e transformação na formação em saúde, além de buscar a qualidade de vida da população.
No que diz respeito ao impacto na formação acadêmica, os estudantes apontaram que a participação no PET-Saúde promove a articulação ao SUS e, consequentemente, o conhecimento do trabalho em equipe e das necessidades de saúde dos usuários, conforme relatado nas falas a seguir:
Observando as potencialidades e deficiências do programa, acho que ele facilita a compreensão da saúde da comunidade, e humanizando a formação acadêmica. Acho o impacto positivo, porque o nosso objetivo é melhorar o serviço para que a comunidade possa ter mais qualidade. Através do PET, a comunidade se beneficia com as ações transformadoras, apoiando as equipes de trabalho na comunidade e contribuindo para mudança de algumas realidades. Através das nossas pesquisas também é gerado esse impacto, denunciando a situação da saúde do nosso Município, apontando mudanças e ajudando a concretizá-las. (P20)
Eu consegui aprender a encontrar o lugar do profissional de saúde no SUS e aprendi a ser sensível aos problemas alheios. Foi muito bom e produtivo, porque aprendi a ver as pessoas com um olhar mais humano. (P1)
Inserida no PET eu pude ter conhecimento real em saúde, da realidade das UBS, desde a parte física até organização do trabalho, conhecimento nas áreas de outros cursos envolvidos, aprendizagem na minha área através da prática, pesquisa e supervisão. (P18)
Para transformação da organização dos serviços e dos processos formativos, torna-se necessário o trabalho articulado entre o sistema de saúde e as instituições formadoras, visto que a integralidade da atenção envolve a compreensão da ampliação da clínica, o conhecimento sobre a realidade, o trabalho em equipe, a ação intersetorial e a humanização. Dessa forma, o estudante amplia e enriquece a sua visão sobre a realidade sociopolítica local, interagindo com a sociedade e desenvolvendo o pensamento social sobre o seu futuro exercício profissional.14
Os estudantes mencionaram ainda que a vivência no contexto do PET-Saúde promove o fortalecimento de conhecimentos ampliados acerca da atenção básica e da saúde coletiva, à medida que possibilita a inserção dos estudantes nas ações desenvolvidas juntamente à comunidade. Na visão dos estudantes, o programa transcende as barreiras da formação tradicional em saúde, na qual os futuros profissionais, de um modo geral, não são preparados para atuar no campo da promoção da saúde. Isso ocorre devido ao enfoque biologicista, curativo, médico-centrado e desarticulado das práticas e políticas de saúde ainda predominante em muitas instituições formadoras. Estes argumentos vão ao encontro das percepções a seguir:
[...]traz uma experiência diferenciada da que temos na faculdade, onde a visão é muito mais clínica do que da saúde coletiva, mesmo que a saúde coletiva seja uma das áreas de atuação da Fono. (P14)
Para mim, participar deste projeto significa conhecer o SUS, podendo com as experiências vividas melhorar a qualidade e a necessidade do serviço prestado para a comunidade. O programa nos trás um retorno muito grande, pois temos a oportunidade de estar em um campo prático dentro do sistema e é somente desta forma que aprendemos fazer.(P7)
[...]permite um contato maior com o Sistema e com o trabalho na Atenção Básica e além de estimular o trabalho multiprofissional e em equipe. No currículo acadêmico na faculdade são poucos os momentos de discussão sobre o SUS e ações na Atenção Básica, a maioria ainda é na área hospitalar. (P12)
Nesta perspectiva, a formação de um profissional de saúde não se esgota no aprendizado de competências e habilidades de ordem técnica, mas inclui também o manejo de situações de ordem intersubjetiva. A formação requer que se estimule a reflexão crítica dos docentes, dos profissionais das redes de serviço e dos estudantes inseridos nos diversos cenários de aprendizagem. Assim, considera-se importante, além de conhecer a realidade, refletir criticamente sobre as situações vivenciadas, saber questionar, criar e agregar conhecimentos e experiências.8
Alguns estudantes, ao refletirem acerca do impacto deste programa em seu processo formativo, evidenciaram algumas dificuldades devido ao fato de não terem sua categoria profissional representada no serviço de saúde, ou ainda, pelo próprio desconhecimento da equipe no que se refere às competências do núcleo de atuação de suas profissões, conforme destacado nos depoimentos:
O curso de Nutrição fica um pouco prejudicado devido a inexistência desse profissional nas UBS, mas estamos tentando reconhecer o local de atuação, os profissionais, para podermos contribuir com o conhecimento acadêmico e incorporar as vivências e experiências dos profissionais e população. (P13)
Como as áreas da Fonoaudiologia ainda não são muito conhecidas, temos um pouco de dificuldade em pensar ações que favorecessem a comunidade, pois as pessoas do PSF não sabiam identificar demandas. (P14)
O curso ainda não incorporou esta proposta, principalmente por não ter Terapeuta Ocupacional na rede SUS. (P19)
Para que a inserção dos estudantes das diversas categorias profissionais seja efetiva, deve-se repensar as maneiras como se estruturam, organizam e operam os processos de formação e de trabalho dos profissionais de saúde, devendo ser incorporados como estratégias de mudanças pelas diferentes experiências, as quais influenciam na escolha de novos conteúdos, práticas pedagógicas e cenários de aprendizagem.15 Para tanto, é necessário investir na abordagem interdisciplinar, capaz de acolher e valorizar as especificidades de cada categoria profissional em saúde.
Com relação ao impacto comunitário, os estudantes demonstram em suas falas que o referido programa possibilita a potencialização da educação e da atenção em saúde na comunidade, o que facilita a troca de saberes e faz com que se sintam mais preparados para enfrentar os desafios da realidade quando profissionais:
[...]e para a comunidade, contribuir para a melhoria da saúde das pessoas que buscam atendimento. O impacto é para trazer educação em saúde para as pessoas. Para que melhore, é necessário implantar mais disciplinas de saúde pública e coletiva. (P2)
O impacto na comunidade foram as orientações para alguns aspectos importantes para a qualidade de vida, ajudando a comunidade a saber mais sobre saúde e seus direitos. (P14)
Dessa forma, para os estudantes, a ação educativa é entendida como eixo fundamental para a formação profissional em saúde. Nessa perspectiva, as experiências de extensão na comunidade, constituem-se em espaços de construção de conhecimentos, aproximação da realidade, desenvolvimento da sensibilidade e de experimentação de novas formas de cuidado. A extensão universitária vista como processo educativo, cultural e científico, articula o ensino e a pesquisa, viabilizando encontros e diálogos entre estudantes, docentes e com a sociedade, a partir do movimento de troca e construção entre os saberes, possibilitando inovações conceituais, novas formas de pensar, de saber e de fazer.16
Os estudantes mencionaram ainda que o impacto comunitário do referido programa se dará a longo prazo, por meio da inserção de profissionais com uma postura diferenciada, aproximados do contexto real; portanto, mais qualificados para uma atuação em saúde condizente com as necessidades da comunidade:
Hoje em dia,cada vez mais torna-se necessário aprender a trabalhar em grupos multidisciplinar visando a formação de futuros profissionais que saibam interagir e cooperar entre si, médicos com enfermeiros, farmacêutico, psicólogo, para que possamos tratar o paciente de forma completa, e não somente a doença dele. O curso está se inserindo nesta proposta, é processo lento, pois a maioria dos alunos de medicina despreza a Medicina Comunitária e preferem especialidades médicas. (P10)
Teoricamente, o impacto na comunidade se dará futuramente com a formação de profissionais que saibam trabalhar a partir das necessidades da população, capazes de articular estratégias em equipe que mobilizem os usuários para a participação efetiva na concretização do SUS e das políticas de Atenção a Saúde. (P17)
Desse modo, os estudantes percebem a importância de estarem inseridos nesses espaços de prática e discussão durante a graduação, visando ser um profissional com perfil diferenciado no mercado de trabalho.
Para que esta nova perspectiva se concretize, é fundamental que haja educadores motivados para articular teoria e prática, estimulando os estudantes a experienciarem novos contextos de aprendizagem, sem deslocá-los da investigação e dos questionamentos por meio das atividades de ensino e de pesquisa, da interdisciplinaridade e das metodologias participativas.12-17
Neste sentido, o PET-Saúde oferece oportunidade para que os estudantes tenham uma formação em que possam refletir e atuar em prol da atenção humanizada e de maior impacto para a comunidade, tornando-se sujeitos ativos e críticos no seu processo de aprendizado, contribuindo, assim, para a transformação da realidade da formação e da assistência em saúde.
Aprendendo a atuar em uma equipe interdisciplinar de saúde
Os estudantes participantes do estudo também realizaram uma avaliação da atuação das equipes em que se encontram inseridos, ou seja, os grupos de trabalho PET-Saúde. Para os participantes, o grupo tem uma boa interação, uma vez que os integrantes têm objetivos comuns, como a realização de estudos e ações de atenção em saúde nos serviços envolvidos no programa.
Programas como o PET-Saúde propiciam importantes cenários de aprendizagem nos quais a equipe multiprofissional trabalha as questões de estudo com os participantes da comunidade envolvidos nos projetos.16 No âmbito das ações de extensão, é imprescindível que seja possibilitada a vivência de experiências significativas, que deem ao estudante condições de refletir sobre as questões da atualidade e, a partir delas e dos conhecimentos produzidos, experienciar uma formação compromissada com a realidade da comunidade.
Os depoimentos que seguem evidenciam esta avaliação dos estudantes acerca da interação positiva existente entre os componentes do programa:
Acho que a interação é harmônica e de ajuda mútua, mesmo porque todos estão em processos de aprendizagem e partilha de conhecimentos e experiências que geram um crescimento mútuo. (P12)
Acredito que todos estão interessados e dispostos a trabalhar mutuamente para tentar diminuir as dificuldades da sociedade em geral. (P15)
A maioria dos tutores, preceptores e monitores são engajados no programa e preocupados com o posterior sucesso. (P16)
Os profissionais da área da saúde não vivenciam, ao longo de sua formação, estratégias que articulem suas atividades e saberes com as dos outros profissionais da equipe. Geralmente é referido como um dos momentos de dificuldade, após sua formação, o aprendizado, em que se torna necessário compartilhar saberes, espaços, com os de outros profissionais. O aprendizado gera, muitas vezes, situações extremamente conflituosas nas quais acabam prevalecendo as necessidades individuais em detrimento de um cuidado mais qualificado17.
Por outro lado, embora a maioria dos participantes tenha demonstrado em suas falas que a equipe PET-Saúde tem uma interação harmônica e de ajuda mútua, mostram que existem falhas na atuação individual de alguns membros da equipe. Na visão dos estudantes, os preceptores que são os profissionais da rede de atenção em saúde envolvidos no programa necessitam de um maior comprometimento com relação ao conhecimento dos projetos e com a efetivação das ações propostas pelo PET-Saúde:
Os tutores estão bastante interessados, são dedicados com relação as atividades do Pet, embora estejam sendo muito teóricos e pouco práticos. Alguns preceptores estão muito desinteressados com o Pet. Os monitores estão demonstrando interesse e preocupação com a execução do projeto, e a maioria tem dificuldade para criar um projeto. (P10)
Vejo muita disposição por parte dos tutores. A maioria dos monitores demonstra muito interesse pelo trabalho, porém não posso dizer o mesmo dos preceptores visto que alguns nem sabem direito o que fazem no Programa e não têm muito interesse em sair da sua rotina para fazer algo a mais pela saúde. (P20)
Analisando as falas dos estudantes, salienta-se que se torna fundamental, portanto, que estes preceptores sejam elementos ativos em todo o processo de implementação do programa, desde a concepção das propostas, sua execução e avaliação permanente, por meio do trabalho em equipe. O trabalho em equipe interdisciplinar possibilita que um complemente a prática do outro, ambos sendo transformados e preparados para a intervenção na realidade em que estão inseridos.18
É necessário identificar, nas equipes de trabalho de programas de aproximação do ensino e do serviço, os elementos que apontam uma nova lógica no agir e na produção de cuidado, visto que estudos têm evidenciado o distanciamento existente entre o ensino proposto pelas instituições formadoras e as necessidades de saúde da população, além do pouco envolvimento de alguns membros destas equipes.
Nessa mesma direção, os participantes também apontaram a atuação interdisciplinar como uma das dificuldades enfrentadas pelas equipes de trabalho nas quais, muitas vezes, os membros de categorias profissionais comuns agem isolados dos membros representantes dos demais cursos:
[...]as pessoas tem dificuldade em trabalhar em equipe multiprofissional porque sabemos que não é fácil, pois cada pessoa tem seus valores e maneira de pensar, dificultando assim o trabalho. (P19)
A principal dificuldade é a multidisciplinaridade, há ainda algumas resistências de alguns cursos para acolher outros. (P13)
Neste sentido, o trabalho interdisciplinar em saúde implica na interação constante e intensa de um conjunto de atores sociais, sendo necessária, principalmente, uma relação recíproca de comunicação e articulação entre seus integrantes para garantir a atenção integral as necessidades de saúde da comunidade.18 Contudo, para muitos integrantes das equipes Pet-Saúde, muitas vezes, não há facilidade para o "fazer juntos" cada um procurando fazer sua parte. Além disso, os estudantes avaliam que, em alguns casos, as equipes sofrem com competitividade, conflitos e hostilidade entre seus membros.
Portanto, reconhece-se o grande valor da diversidade de conhecimentos e habilidades entre os membros da equipe, sendo possível articular as ações desenvolvidas pelas diferentes categorias profissionais, no sentido de interagir entre si, ter compromisso ético, respeito com o outro e com a comunidade, possibilitando a construção de um projeto comum.7-15 Dessa forma, os programas de reorientação da formação devem considerar a diversidade das características e das necessidades dos estudantes, sendo fundamental o apoio e auxilio ao estudante na aplicação do conhecimento adquirido ou que está a construir, revelando uma relação de ajuda mútua e cooperação.7-10 Destaca-se a relevância das experiências adquiridas na prática profissional para a formação do acadêmico por proporcionar troca de experiências que contribuam com o aprendizado e tornem o discente mais fortalecido para enfrentar a complexidade da vida profissional. Por isso, torna-se de grande importância a articulação teórico-prática, a partir da interação do discente/docente, trabalhadores da saúde e usuários, ou seja, entre os diversos atores que interagem no cenário do processo ensino-aprendizagem.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com a discussão dos resultados proporcionados pelo estudo, foi possível observar que o Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde é um meio facilitador para a busca pela integração da teoria e da prática entre os estudantes, serviço de saúde e comunidade, o que é imprescindível para a reorientação da formação em saúde.
O Programa possibilita que os estudantes experimentem o que os profissionais vivenciam em sua realidade, instigando a um pensamento critico e reflexivo, para desenvolver atitudes críticas, pró-ativas, criativas e transformadoras.
Por ser um programa com pouco tempo de vigência, ainda não foram alcançados todos os resultados esperados tanto de impacto nos locais de atuação como de reorientação profissional, embora já se esteja obtendo resultados positivos, como demonstram os resultados deste estudo.
Apontam-se algumas limitações, como a dificuldade de implantação de um trabalho interdisciplinar não somente em campo teórico, mas também na realidade dos serviços de saúde e na construção dos projetos de pesquisa. Isso indicando que ainda há a necessidade de um maior conhecimento sobre políticas de saúde e princípios norteadores do SUS e do próprio Programa PET-Saúde por parte de todos os integrantes das equipes de trabalho.
Entende-se que integrar ensino e serviço ainda se constitui em um grande desafio para profissionais que, muitas vezes, encontram-se acomodados em suas rotinas de trabalho pautadas nos tradicionais paradigmas de formação.
No que tange aos estudantes, percebe-se que, em muitos casos, não estão habituados a encarar o cotidiano e as dificuldades encontradas nos serviços de atenção primária, o que os faz descobrir que promover saúde abrange um campo ampliado de saberes, posturas e práticas.
Para os avanços e consolidação do programa, torna-se necessário ampliar os locais de atuação atingindo outras comunidades que não fazem parte do programa, bem como ampliar o número de acadêmicos, cursos participantes, profissionais do serviço e gestores do Município, em busca de melhor resultados.
Busca-se também aumentar as relações com Programas Pet- Saúde de outros Municípios, realizando projetos multicêntricos, fortalecendo as ações de melhorias para o serviço e comunidade. Outro avanço necessário para o maior reconhecimento e visibilidade do Programa são as divulgações de pesquisas e ações exitosas realizadas por ele em eventos, periódicos e na comunidade.
Assim, estes são esforços para que o Programa continue possibilitando a inter-relação dos diferentes saberes, produzindo conhecimentos em articulação com o contexto sócio-político, econômico e cultural, obtendo melhores resultados, formando profissionais aptos a atender às necessidades do SUS.
REFERÊNCIAS