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CAPES

Volume 17, Número 2, Abr/Jun - 2013

PESQUISA

Representação social de enfermeiros de centros de atenção psicossocial em álcool e drogas (CAPS AD) sobre o dependente químico

Divane de Vargas1
Marina Nolli Bitten2
Fernanda Mota Rocha3
Márcia Aparecida Ferreira de Oliveira4

1. Professor Doutor da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Psiquiátrica. São Paulo-SP. Brasil. E-mail: vargas@usp.br
2. Enfermeira Mestre. Aluna de Doutorado da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Psiquiátrica. São Paulo - SP. Brasil. E-mail: marinanolli@usp.br
3. Enfermeira. Aluna de Mestrado da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Psiquiátrica. São Paulo-SP. Brasil. E-mail: fernanda.rocha@usp.br
4. Professora Doutora da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Psiquiátrica. São Paulo-SP. Brasil. E-mail: marciaap@usp.br

Recebido em 02/05/2012
Reapresentado em 23/08/2012
Aprovado em 10/09/2012

RESUMO

Estudo exploratório de abordagem qualitativa que objetivou identificar as representações sociais de enfermeiros de serviços especializados em álcool e outras drogas sobre o dependente químico. Os sujeitos foram 16 enfermeiros de 13 serviços localizados na cidade de São Paulo-SP. Os dados foram coletados por meio de entrevistas as quais foram gravadas e analisadas de acordo com o referencial da Teoria de Representações Sociais. Os resultados evidenciaram que, na representação dos enfermeiros, os dependentes químicos são indivíduos acometidos por uma doença, que têm dificuldade de limites, são manipuladores e responsáveis pelo desenvolvimento da dependência. Conclui-se que as representações desses profissionais são calcadas no senso comum, e apontam-se estratégias para o enfrentamento dessa problemática e a mudança dessas representações.

Palavras-chave: Serviços comunitários de saúde mental. Enfermagem. Drogas ilícitas. Alcoolismo.

INTRODUÇÃO

As substâncias psicoativas estão presentes em todas as culturas e são consumidas desde os primórdios da humanidade nos contextos mais variados. Foram utilizadas nas guerras, em rituais místicos, passagens religiosas e em comemorações culturais. Atualmente, o consumo de substâncias psicoativas ocorre por diversos fatores que estão ligados ao cotidiano do indivíduo, ao estresse social, às condições socioeconômicas, à cultura, à hereditariedade, aos fatores psicológicos, entre outros.1

De acordo com a Organização Mundial de Saúde,2 cerca de 10% da população dos centros urbanos de todo o mundo fazem uso abusivo de alguma substância psicoativa independente de sexo, idade, nível social e de instrução. No entanto, por serem considerados drogas lícitas, o emprego de álcool e tabaco é mais frequente, , sendo assim permitido pela sociedade e, muitas vezes, incentivado pela mídia.

Em 2005 no Brasil, foi realizado o II Levantamento Domiciliar sobre o uso de drogas psicotrópicas,3 envolvendo pessoas de 12 a 65 anos, de 108 cidades brasileiras com mais de 200 mil habitantes. Conforme esse levantamento, o álcool, o tabaco e a maconha foram as substâncias com maior prevalência de dependentes na população brasileira, 12%, 10,1%, 1,2%, respectivamente. Em relação à cocaína, 2,9% dos entrevistados relataram ter feito uso, pelo menos, uma vez na vida. Além disso, 2,9% da população da amostra demonstraram já ter realizado algum tipo de tratamento pelo uso de álcool/outras drogas.

De acordo com o Global Status Report on Alcohol and Health4 publicado em 2011, o consumo de bebidas alcoólicas, entre 2001 e 2005, mostrou-se estável em grande parte dos países sul-americanos, incluindo o Brasil, que apresentou nesse período um aumento de 5,3% de consumo de álcool per capita;. entretanto, os episódios de consumo pesado no País foram altos, mais de 30% nos homens e entre 10% e 20% nas mulheres, sendo esses percentuais os mais altos entre os países do continente americano. Alie-se a isso, o fato de que entre 5% e 10% das mortes no Brasil são atribuíveis ao uso de álcool. Tais percentuais demonstram que o consumo pesado de álcool no Brasil ainda é bastante alto, o que faz com que esses consumidores se tornem presença constante nos serviços de saúde em busca das emergências advindas da própria dependência ou de suas complicações.

No que se refere ao tratamento das pessoas que fazem uso abusivo de substâncias psicoativas, dentre elas o álcool, observou-se, ao longo da história, que os usuários de substâncias psicoativas sempre foram tratados em instituições psiquiátricas fechadas de cunho segregatório e excludente, especializadas em saúde mental, onde a principal meta era o alcance da abstinência. Isso ocorreu, sobretudo, pela falta de uma política clara voltada para a assistência a essa população.

Sob influência da Reforma Psiquiátrica no Brasil, o Ministério da Saúde (1992), pela da portaria nº 224/1992 5 passou a financiar e normatizar novos serviços de saúde mental, priorizando o tratamento ambulatorial de caráter interdisciplinar. Esta portaria regulamentou as diretrizes e normas a serem obedecidas para implementação de Núcleos/Centros de Atenção Psicossocial (NAPS/CAPS). Em 2002, os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) foram redefinidos, no âmbito federal, pela Portaria GM/MS Nº 3366, dentre eles os Centros de Atenção Psicossocial Álcool e outras Drogas, na modalidade II (CAPS AD II), caracterizados como um novo serviço de Atenção para atendimento de pacientes com transtornos decorrentes do uso e dependência de substâncias psicoativas.

No que diz respeito à atenção ao usuário de álcool e outras drogas, os novos serviços trouxeram formas distintas de tratamento e abordagens específicas para essa população, sendo considerados serviços inovadores no que diz respeito à atenção ao dependente químico. Esses espaços têm possibilitado a participação ativa do enfermeiro que, em conjunto com a equipe de enfermagem, atua em diversas vertentes do cuidado ao dependente químico. A participação é assegurada por lei7 que estabelece a inserção dos profissionais de enfermagem de nível médio e superior na equipe multidisciplinar dos CAPS AD, atribuindo-lhes, inclusive, o atendimento em oficinas terapêuticas e outras modalidades de assistência aos usuários do serviço, o que possibilita à equipe de enfermagem e ao enfermeiro manterem contato contínuo com os usuários nas mais diferentes atividades desenvolvidas nesses serviços.

Discorrendo sobre as práticas dos trabalhadores dos serviços de saúde diante dos problemas decorrentes da dependência química, o Ministério da Saúde8 aponta que muitas vezes a assistência oferecida nesses serviços pode ser ineficiente, em razão da má formação dos profissionais, pois estes desconhecem todos os sintomas gerados pelo uso abusivo de álcool e drogas e ainda apresentam uma visão negativa dos usuários e de suas perspectivas evolutivas perante o problema. Considerando esses apontamentos do próprio Ministério da Saúde, torna-se importante estudar essa problemática, inclusive no que tange à identificação das representações sociais, sobre o dependente químico, dos trabalhadores que atuam em serviços especializados no atendimento a essa clientela, uma vez que se pressupõe que tais representações possam influir diretamente no seu cuidado.

Como os CAPS AD são serviços novos, ou seja, foram inseridos recentemente na rede pública e, consequentemente, constituem-se espaços também recentes de atuação do enfermeiro, não estão disponíveis estudos que se propuseram a investigar as representações sociais dos enfermeiros desses serviços sobre o dependente químico, e os poucos estudos que se propuseram a investigar tais representações foram realizados em outros serviços. Um estudo9 da década de 1990, que objetivou avaliar as representações sociais de enfermeiros de emergência sobre o alcoolista, evidenciou que estes profissionais consideravam o alcoolista uma pessoa agressiva, e "alguém que ocupa o atendimento de outros doentes que realmente necessitam", apresentando uma postura julgadora.

Apesar da escassez de estudos que abordem as representações sociais de enfermeiros sobre o dependente químico, há um número considerável de estudos que abordam as atitudes e opiniões de enfermeiros diante do dependente químico10-12. As evidências desses estudos demonstram que o enfermeiro reconhece o dependente químico como doente10-12, responsável pela sua condição,10,12 ou como vítima das condições sociais;10 e que predominam as atitudes moralistas com relação ao dependente10-12, o que, em última análise, revela a influência do modelo moral nas concepções e atitudes desses profissionais diante do dependente químico.12

Há um número considerável de dependentes de álcool e outras drogas no Brasil, e, como consequência disso, a procura por espaços que visem ao tratamento dessas dependências tende a ser cada vez maior. Diante disso, os CAPS AD são um novo dispositivo de tratamento ao dependente químico, mas ainda pouco se tem estudado a respeito do papel dos enfermeiros que atuam nesses serviços e suas representações a respeito do usuário; ainda, a maioria dos estudos disponíveis foi realizado em serviços gerais de atendimento à saúde, revelando que esses enfermeiros possuem percepções e atitudes negativas diante do paciente com dependência química. Este estudo objetivou identificar as representações sociais dos enfermeiros de Centros de Atenção Psicossocial Álcool e outras Drogas do Município de São Paulo a respeito do dependente químico.


MÉTODO

Pesquisa descritiva com abordagem qualitativa exploratória, com referencial teórico-metodológico da Teoria das Representações Sociais (TRS)13. As representações sociais (RS) têm função constitutiva da realidade, da única realidade que conhecíamos por experiência e na qual a maioria das pessoas se movimenta13.

Por isso, as representações sociais orientam e organizam as condutas e comunicações sociais e intervêm em processos variados, tais como a difusão e assimilação dos conhecimentos, o desenvolvimento individual e coletivo, a definição das identidades pessoais e sociais, a expressão dos grupos e as transformações sociais. São, ainda, definidas como "uma forma de conhecimento, socialmente elaborada e partilhada, tendo uma visão prática e concorrendo para a construção de uma realidade comum a um conjunto social"14. Desta forma, as representações sociais são constituídas por uma forma de conhecimento prático que leva em consideração o saber do senso comum, e é uma orientação para a ação que, por sua vez, engloba uma rede de representações que ligam o objeto ao contexto.15

Nas representações sociais, o objeto de pesquisa deve ter requisitos conceituais adequados à teoria para instruí-lo; além disso, deve ser algo que possua relevância social e acadêmica. Assim, as representações sociais de enfermeiros de um Centro de Atenção Psicossocial em Álcool e outras Drogas acerca do dependente químico compõem o corpo de conhecimento da enfermagem, e importam não só aos enfermeiros, mas também à população que é atendida por eles.

A fim de apreender a percepção subjetiva dos atores sociais, foi utilizada uma abordagem compreensiva qualitativa, que possibilita acessar a elaboração das representações sociais dos enfermeiros, de acordo com sua percepção e vivências. Deste modo, os dados foram coletados, entre outubro de 2007 e fevereiro de 2008, por meio de entrevistas semiestruturadas e gravadas compostas pela seguinte pergunta norteadora: "Qual é seu trabalho aqui no CAPS AD com o dependente químico?".

O cenário constituiu-se de 11 CAPS AD do Município de São Paulo localizados nas diversas regiões do Município de São Paulo (regiões norte, sul, centro-oeste, leste e oeste). Participaram do estudo 16 enfermeiros que atuavam nesses serviços no momento da coleta de dados e que aceitaram participar do estudo. O fechamento da amostra se deu pela saturação teórica dos dados, suspendendo-se a participação de novos sujeitos quando os dados passaram a apresentar redundância ou repetição.

As entrevistas gravadas foram transcritas em sua íntegra e mais tarde lidas de modo exaustivo. Desta forma, foram extraídos dos depoimentos os temas que emergiram do discurso dos entrevistados, que foram agrupados, originando a temática compatível com o referencial teórico utilizado: "As Representações sobre o Dependente químico", da qual foram extraídas cinco categorias para análise: 1) O dependente químico é um paciente como o de qualquer outra clínica; 2) O dependente químico é uma pessoa doente; 3) O dependente químico é responsável por sua doença; 4) O dependente químico é um usuário com dificuldades emocionais; 5) O dependente químico é manipulador e sem limites.

Procedimentos éticos

O projeto do estudo foi aprovado pelo Comitê de ética sobre pesquisas com seres humanos da Secretaria Municipal de Saúde do Município de São Paulo, sob nº144/07 pela assinatura do Termo de Consentimento Livre Esclarecido pelos sujeitos que aceitaram participar da pesquisa.


RESULTADOS

Caracterização sociodemográfica dos sujeitos


Os sujeitos do estudo caracterizaram-se por serem predominantemente do sexo feminino (68,8%), de faixa etária mais frequente de 51 e 60 anos (37,5%), formados há mais de 25 anos (43,8%), oriundos de escolas privadas (68,8%). Em relação à atuação no CAPS AD, 68,8% trabalhavam nesse serviço há menos de 4 anos, e 50% já haviam trabalhado em outro serviço de saúde mental antes da atuação no CAPS AD. Em relação ao vínculo empregatício, 56,3% afirmaram manter outro vínculo além do CAPS AD e, em relação à formação desses enfermeiros, 68,8% relataram não possuir formação específica em álcool e outras drogas.

As Representações sobre o Dependente Químico

A temática "Representações sobre o dependente químico" refere-se à forma, como o enfermeiro que atua no CAPS AD concebe o "dependente químico", cuja análise, oriunda do conteúdo das entrevistas, originou cinco categorias: I: O dependente químico é um paciente como o de qualquer outra clínica; II: O dependente químico é uma pessoa doente; III: O dependente químico é responsável por sua doença; IV: O dependente químico é um usuário com dificuldades emocionais; V: O dependente químico é manipulador e sem limites,que serão apresentadas a seguir.

Categoria I - O dependente químico é um paciente como o de qualquer outra clínica

Esta categoria apresenta as representações dos sujeitos sobre o dependente químico considerando-o como um paciente que não difere dos pacientes de outras clínicas e, por isso, o tratamento deve ser o mesmo. Nas falas a seguir, os enfermeiros consideram o dependente químico um paciente como qualquer outro:

O dependente químico é como qualquer outro paciente, não tem diferença nenhuma, é a mesma coisa que um cardiopata, um hepatopata, a mesma coisa, que, na maioria das vezes, apresenta comorbidades biológicas. (E.1)

A maioria deles tem muitas, muitas, comorbidades [...]. (E.9)

Ao representarem o alcoolista como qualquer outro doente, os sujeitos do estudo são favoráveis a ideia de que o dependente químico deve ser tratado do mesmo modo que qualquer outro paciente dentro do serviço hospitalar, pois não se diferencia dos demais doentes:

Eu assisto os pacientes aqui como se eu tivesse trabalhando no pronto-socorro com qualquer outra situação, independente se fosse ou não dependente químico. (E.2)

Categoria II - O dependente químico é uma pessoa doente

A categoria II refere-se à representação que os enfermeiros têm dos dependentes químicos considerando-os como pessoas doentes e que precisam de tratamento, sendo o enfermeiro uma peça-chave nesse tratamento. Em umas das falas, o enfermeiro considera o dependente químico um doente que, por conta própria, não é capaz de vencer a doença, considerando também a dependência uma doença mental:

Eu vejo o dependente químico como uma pessoa doente, que tem um distúrbio e que sozinho não vai conseguir (E.8),

O dependente químico é um paciente que tem uma doença. Não é uma doença física, mas é mental. Ele pode ter uma doença física associada, mas é de base mental (E.10).

Nas falas apresentadas a seguir, o profissional percebe que o dependente precisa de tratamento, e que durante esse tratamento a ajuda do enfermeiro do CAPS AD é muito importante, pois sozinho ele não consegue deixar as drogas.

Ele necessita do tratamento pra ele poder estar se inserindo, fazer outras escolhas na vida dele que não a droga, e poder se fortalecer pra se reestruturar de uma maneira mais digna, recuperando tanto direito [...] a sua reinserção social, poder exercer seus direitos de cidadão (E.7),

A dependência química é uma coisa que necessita de tratamento (E.6)

O alcoolismo é um transtorno, que tem que ter tratamento (E.8)

Sob esse ponto de vista, o enfermeiro é visto como um profissional que colabora para o sucesso do tratamento, como evidenciado pela seguinte fala:

Uma pessoa muito necessitada de ajuda, por que ele sozinho não consegue driblar as drogas, nem o álcool. Então, eu acho que nós, enfermeiros, podemos ajudar muito essas pessoas, colaborando para o sucesso desse tratamento (E.4).

Categoria III - O dependente químico é responsável por sua doença

A temática III evidencia que os sujeitos da pesquisa compreendem o dependente químico como uma pessoa doente, porém o consideram como o principal responsável pela sua doença. Dessa forma, esses profissionais atribuem uma carga de responsabilidade ao dependente químico, sugerindo que a dependência química, que embora seja concebida como uma doença, conforme evidenciado em categoria anterior, trata-se de uma doença diferente das outras, pois o usuário é diretamente responsável pelo seu acometimento:

Eu acho que a minha vida pra cá mudou um pouco, minha visão. Antes, eu achava um cara doente. Mas hoje eu consigo perceber essa diferença de você ser responsável pela sua doença. É diferente de você ter um câncer. Então, é meio que é uma doença, mas é uma coisa que ele mesmo foi construindo essa doença (E.3).

É uma doença sim, e ele acaba sendo um pouco responsável por ela[...](E.1)

Categoria IV - O dependente químico é um usuário com dificuldades emocionais

Essa categoria demonstra que os enfermeiros veem o dependente químico como uma pessoa que apresenta dificuldades em lidar com suas próprias emoções, deixando-se levar pela substância psicoativa como forma de suprir suas fragilidades. Alguns sujeitos da pesquisa demonstraram em suas falas que o dependente químico é alguém que não sabe como administrar suas emoções e acaba utilizando-se de substâncias psicoativas para extravasar seus sentimentos e angústias:

É uma pessoa que tem um problema, talvez uma dificuldade maior de lidar com as emoções, e aí ele extravasa isso no uso de droga (E.1).

Enxergam o dependente químico como alguém fragilizado emocionalmente, incapaz de cuidar dos próprios sentimentos:

Vejo o dependente químico como uma pessoa fragilizada, normalmente são pessoas muito frágeis [...](E.7).

Concebendo esses pacientes como pessoas frágeis, os enfermeiros acreditam que eles utilizam as drogas como uma forma de suprir essa fragilidade, além de serem pessoas carentes afetivamente

Eu vejo o dependente como uma pessoa com uma fragilidade emocional muito grande que utiliza a droga para ocupar um lugar grande na vida dele (E.5).

Vejo como a pessoa é extremamente carente, qualquer um, e, assim, extremamente problemática (E.6).

Categoria V - O dependente químico é manipulador e sem limites

A análise das falas nesta categoria permite inferir que os profissionais participantes do estudo concebem o usuário como um indivíduo manipulador e sem limites, mas que muitas vezes tem uma carência afetiva. Na fala a seguir, observa-se que o enfermeiro entrevistado sugere que ser manipulador se trata de uma característica da própria dependência química:

Ele também é manipulador, cada doença tem a sua característica, eles são mais manipuladores, não têm muitos limites (E.5).

Por outro lado, outro profissional afirma que, apesar do receio inicial de lidar com pacientes com dependência química por medo de ser manipulado, essa característica não pode ser generalizada, e a manipulação atribuída a esse paciente como uma característica própria passa a ser concebida como carência:

Você chega cheia de dedos pra tratar o dependente com medo de que ele vá te manipular, porque alguns são, sim, muito manipuladores, mas você logo percebe que outros não são manipuladores, e sim bastante carentes[...] (E.3).


DISCUSSÃO

Conforme os resultados do estudo, que teve como objetivo identificar as representações sociais dos enfermeiros dos CAPS AD do Município de São Paulo sobre o dependente químico, observou-se que esses profissionais percebem o dependente químico como portador de uma doença que precisa de tratamento como qualquer outra, vendo-os, ainda, como manipuladores, sem limites e responsáveis por sua doença. Este resultado preocupa, pois, por se tratarem de enfermeiros de serviços especializados no cuidado de dependentes químicos, esperava-se que suas representações fossem mais positivas em relação a esse indivíduo, o que não foi observado, pois suas representações não diferiram de forma significativa das atitudes e concepções dos enfermeiros de outros serviços 10-12.

Há a evidência de que os sujeitos da pesquisa consideram o dependente químico um paciente que deve ser tratado como qualquer outro paciente, o que é convergente com o fato de os enfermeiros considerarem a dependência química uma doença com características específicas, que necessita de um tratamento adequado e objetivo para cuidar do aspecto compulsivo da dependência; a esse respeito, os resultados corroboram os achados de estudos prévios.10,12 Embora considerem o alcoolismo uma doença, os profissionais demonstraram ambivalência quando responsabilizam o usuário pela sua doença, uma vez que percebem que o dependente químico não controla o uso indiscriminado de substâncias. Essa concepção que culpa e responsabiliza o dependente químico pela doença, ou pelas consequências do uso/abuso de substâncias psicoativas, demonstra a influência do modelo moral de explicação para a dependência química, fortemente exercida nas atitudes, percepções e representações dos enfermeiros diante do dependente químico.13

Outro fato importante é que os enfermeiros do presente estudo consideraram a dependência química uma doença mental, fato também observado em estudo prévio10 em que enfermeiros de hospitais gerais acreditavam que o alcoolismo tratava-se de uma doença mental. Os autores do estudo prévio consideraram que a pouca clareza sobre o quadro do alcoolismo estava associada ao fato de que os enfermeiros têm recebido pouca informação e treinamento específico sobre a temática, o que contribui para o pouco conhecimento10, além de poder estar relacionada também à dificuldade que os próprios pesquisadores têm para explicar o fenômeno das drogas, uma vez que considerar o alcoolismo um problema psiquiátrico ou de saúde mental faz parte da visão de um dos modelos teóricos sobre o fenômeno das drogas, o Modelo médico-sanitário e psicossocial.11

Na representação desses enfermeiros, a dependência química está associada a outras comorbidades que podem ser decorrentes do complexo processo saúde-doença que envolve a dependência química, estando essas comorbidades diretamente ligadas à dependência. A esse respeito, a literatura11 é clara sobre o fato de os problemas relacionados ao uso de álcool e outras drogas estarem associados a transtornos psiquiátricos e clínicos.

Os enfermeiros do estudo percebem o usuário como alguém que possui uma fragilidade emocional, que não é capaz de lidar com seus sentimentos, tímido e que usa drogas como fuga de suas dificuldades emocionais. Este resultado foi condizente com evidências de estudo prévio16 que evidenciou que a equipe de enfermagem de uma instituição psiquiátrica percebia o usuário como uma pessoa instável emocionalmente e sem força de vontade; isso nos faz observar o fato de que, embora esta pesquisa tenha sido realizada com enfermeiros de CAPS AD (serviço especializado na atenção ao dependente químico e substitutivo à internação, que tem como foco a atenção psicossocial, a representação social dos enfermeiros sobre o dependente químico), não difere daquela dos enfermeiros de hospitais psiquiátricos.

Os sujeitos da pesquisa acreditam que o dependente químico é manipulador, achado que é convergente com resultados de um estudo17 realizado em Portugal em que os médicos concebiam o dependente químico como manipulador e mentiroso. Considerar o dependente químico como manipulador e sem limites demonstra uma concepção negativa dos profissionais sobre esse usuário. Tal achado pode estar relacionado à carência do conhecimento sobre o tema álcool e outras drogas, já que a maioria dos sujeitos dessa pesquisa relatou não possuir formação específica em álcool e outras drogas e não ter recebido preparo em relação à temática durante a graduação em enfermagem, fato que é encontrado na literatura e que pode prejudicar o atendimento ao cliente.18

Este estudo possui limitações, que podem ser representadas pelo fato de ter envolvido somente os CAPS AD da cidade de São Paulo, impossibilitando a generalização dos resultados. No entanto, contribuiu para o conhecimento da temática, sobretudo diante da constatação de que investigações sobre esse tema são escassos no País. Além disso, esta pesquisa pode subsidiar a proposição de novos estudos que visem a explorar mais as questões relacionadas às representações sociais de enfermeiros sobre o dependente químico, especialmente quando se sabe que a atuação do profissional de saúde nos serviços substitutivos para atenção em álcool e outras drogas ainda é recente, necessitando de estudos que se ocupem de identificar seus limites e potencialidades nesses serviços, inclusive identificando quais são as representações dos enfermeiros que trabalham nos CAPS AD sobre aqueles que são seu objeto de trabalho, os dependentes químicos.


CONCLUSÃO

A representação social dos enfermeiros dos CAPS AD do Município de São Paulo sobre o dependente químico é de que esses indivíduos são pessoas acometidas por uma doença, que deve ser tratada como qualquer outro tipo de patologia, além disso, na representação desses enfermeiros, os dependentes químicos são indivíduos sem limite e manipuladores, responsáveis pela sua doença. Apesar de tratar-se de enfermeiros que desempenham suas funções em serviços especializados na atenção e no tratamento de dependentes químicos, conclui-se que suas representações sociais não diferiram significativamente das representações, concepções e atitudes dos enfermeiros de outros serviços, o que causa preocupação, pois o enfermeiro nos CAPS AD é um profissional que, dada a ampliação de seu papel nesses serviços, constitui-se em um agente terapêutico importante no tratamento e reabilitação do dependente químico, e as representações que esse profissional tem dos usuários, inevitavelmente, acabam por repercutir na qualidade de sua assistência.

É preciso que medidas sejam tomadas no sentido de garantir a formação desses trabalhadores para atuação nesses espaços, e que exista a preocupação das instituições formadoras, bem como daquelas que empregam o enfermeiro para atuação nos serviços de álcool e outras drogas com a capacitação desse profissional, garantindo, em última análise, o preparo específico do enfermeiro em relação à problemática das dependências químicas que pode favorecer a mudança de visão e, consequentemente, a assistência que vem sendo oferecida a essa clientela.


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