INTRODUÇÃO
O trabalho, a saúde e o adoecimento estão relacionados com a vida das pessoas de tal forma que a atividade laboral repercute tanto na sua saúde física quanto mental. Nesse sentido, o trabalho, que é fonte de prazer, ao mesmo tempo implica sofrimento, em maior ou menor grau, e pode trazer prejuízos à saúde dos trabalhadores1-2. No trabalho na área da saúde, isso não é diferente.
O prazer no trabalho ocorre quando é permitido ao trabalhador desenvolver suas potencialidades, o que confere liberdade de criação e de expressão e favorece os laços cognitivos-técnicos com o resultado das atividades realizadas. Isso promove a satisfação do trabalhador por meio da conscientização de seu papel na organização em que trabalha e também para a sociedade em que está inserido2.
O sofrimento acontece quando há uma falha na intermediação entre as expectativas do trabalhador e a realidade imposta pela organização e gerência do trabalho. Dessa forma, por um lado, o sofrimento opera como um mobilizador dos investimentos para a transformação da realidade e essa possibilidade de modificar a realidade; por outro, proporciona prazer ao trabalhador3.
A relação prazer-sofrimento no trabalho do enfermeiro é uma questão explorada na literatura científica1, 3-5. No entanto, os estudos que têm focalizado exclusivamente os fatores de prazer e sofrimento no exercício gerencial do enfermeiro ainda são escassos.
Nesse contexto, pode-se citar que, desde os primórdios da instituição da Enfermagem Moderna por Florence Nightingale é enfatizada a importância da função gerencial do enfermeiro e do conhecimento de administração para a profissão. No cenário hospitalar, a dimensão gerencial é predominante na atuação do enfermeiro, pois é ele o responsável pela coordenação do trabalho dos demais profissionais de enfermagem, pelo planejamento e organização do trabalho, de forma a assegurar as condições adequadas à assistência prestada aos pacientes6.
No Brasil, as atividades gerenciais nos serviços de saúde foram legalmente atribuídas aos enfermeiros pela Lei do Exercício Profissional ao estabelecer que cabe privativamente ao enfermeiro a direção, a chefia, o planejamento, a organização, a coordenação e a avaliação dos serviços de enfermagem das instituições públicas e privadas em qualquer esfera6-7.
As atribuições gerenciais dos enfermeiros também foram reconhecidas pelas diretrizes curriculares que regulamentam o ensino da enfermagem. Essas diretrizes incluem a gerência entre as competências gerais do enfermeiro, ao se referirem à tomada de decisão, liderança, administração e gerenciamento e educação permanente, o que acena para a importância e concretude do trabalho gerencial exercido pelos enfermeiros6,8.
A partir do exposto, considerando que o trabalho da enfermagem é ao mesmo tempo fonte de prazer e de sofrimento, e que o gerenciamento é uma atividade essencial e predominante na atuação do enfermeiro, questiona-se: Quais são os fatores de prazer e sofrimento no exercício gerencial do enfermeiro no contexto hospitalar? Como os enfermeiros gerentes podem potencializar os fatores de prazer e minimizar o sofrimento no trabalho?
O objetivo deste estudo foi analisar os fatores de prazer e sofrimento no exercício gerencial do enfermeiro no contexto hospitalar.
METODOLOGIA
Trata-se de um estudo exploratório-descritivo, que percorreu a trajetória metodológica qualitativa. Esse método possibilita a busca da percepção dos fenômenos e seus significados para as pessoas, as quais estão em constante processo interativo no interior de grupos sociais dinâmicos9.
O cenário da pesquisa foi um hospital universitário localizado no interior do estado do Rio Grande do Sul. A estrutura dessa organização é composta por um órgão consultivo, o Conselho de Administração, e uma Diretoria Executiva, órgão normativo e deliberativo, integrado por uma Direção Geral, Diretoria Clínica, Diretoria Administrativa, Diretoria de Enfermagem e Direção de Ensino, Pesquisa e Extensão. A Diretoria de Enfermagem abrange cinco coordenações: materno-infantil, clínica médica, cirúrgica, enfermagem em ambulatório e enfermagem em psiquiatria. Cada uma dessas coordenações abrange serviços específicos da sua área, como unidades de internação, terapia intensiva, atendimento de emergência e ambulatorial.
Quando os dados foram coletados, entre os meses de setembro e outubro de 2007, a instituição contava com cinco coordenadores de área e vinte chefes de serviço. Os coordenadores de área são enfermeiros que realizam turnos de 8 horas diárias, complementadas por plantões, a fim de cumprir a carga horária semanal, exceto sábados e domingos, dias nos quais eles folgam. Os enfermeiros responsáveis por unidade de serviços - enfermeiros gerentes ou chefes de unidade - atuam na administração e na assistência direta, realizando as atividades correspondentes concomitantemente.
O número de participantes do estudo foi estabelecido de forma intencional entre os instituídos no cargo de chefe de serviço ou coordenador de área, com base no critério da saturação dos dados. Dessa forma, integraram a investigação 19 enfermeiros que exerciam o cargo de gerência do serviço de enfermagem da instituição e foram excluídos aqueles que estavam em férias ou licença de qualquer natureza.
A coleta de dados ocorreu por meio de entrevistas semiestruturadas com questões que enfocavam os fatores de prazer e sofrimento no exercício gerencial do enfermeiro no contexto hospitalar. Elas foram realizadas mediante agendamento do horário e local acordados com os participantes da pesquisa, gravadas em um dispositivo eletrônico de áudio, perfazendo entre 20 e 30 minutos de duração, e transcritas posteriormente.
A análise dos dados foi realizada por meio da técnica de análise de conteúdo temática, que se constitui de três etapas: ordenação, classificação dos dados e análise final. Na fase de ordenação, realizou-se a digitação dos dados coletados, releitura do material e ordenação dos relatos. Na classificação dos dados ocorreu a associação entre o material coletado e o referencial teórico, a partir de leitura exaustiva e repetitiva dos textos, visando à apreensão das estruturas de relevância. Na etapa de análise final, o material empírico e o teórico foram articulados de forma a obter uma interpretação e abstração do conteúdo subjacente ao que é manifestado10.
O Comitê de Ética da instituição de referência do estudo aprovou o projeto (Processo nº 23081.010121/2007-97). Os participantes assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido formalizando sua anuência em integrar a pesquisa, conforme determina a Resolução nº 196/96 do Conselho Nacional de Saúde. O sigilo dos informantes foi preservado por meio da adoção de códigos para identificação dos seus depoimentos (E1, E2,..., E19).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os relatos dos 19 enfermeiros que participaram deste estudo possibilitaram a formação de dois temas para análise: 1) A gerência de enfermagem no contexto hospitalar como fonte de prazer, constituído por meio de duas categorias: crescimento pessoal e profissional e reconhecimento dos colegas e satisfação do paciente; e 2) A gerência de enfermagem no contexto hospitalar como fonte de sofrimento, concebido também por meio de duas categorias: dificuldades no relacionamento com a equipe de trabalho e sobrecarga de trabalho. A seguir, apresentam-se cada um desses temas e suas respectivas categorias.
A gerência de enfermagem no contexto hospitalar como fonte de prazer
Crescimento pessoal e profissional
O crescimento pessoal e profissional foi mencionado pelos enfermeiros como fonte de prazer na medida em que o exercício gerencial representa para eles um desafio, cuja superação proporciona mais conhecimento tanto de si mesmos, quanto da estrutura organizacional da instituição hospitalar. Nesse sentido, a opção pela função gerencial aparece atrelada ao interesse individual dos enfermeiros e às características da sua personalidade, pois financeiramente ela é considerada desvantajosa. Alguns depoimentos ilustram o exposto:
[...] é um crescimento, porque, às vezes, tu tens medo de assumir um cargo administrativo, mas é um desafio e isso faz crescer porque eu estou aprendendo. E eu gosto de desafios [risos] (E11).
Acho que é um crescimento muito grande, principalmente pelo conhecimento do hospital quando tu estás numa chefia, tu adquires o conhecimento de como funciona o hospital, e isso é muito bom (E10).
[...] é muito mais pelo crescimento pessoal, porque pela parte financeira não tem retorno (E14).
Eu nunca procurei, sempre aconteceu. Financeiramente não compensa. É pela personalidade da gente(E4).
O exercício da gerência pode ser entendido, a partir dos depoimentos, como uma experiência diferencial de vida e como conquista da maturidade profissional, configurando-se como um desafio para os enfermeiros. O receio dos enfermeiros em assumir um cargo gerencial e o fato de considerarem desafiadora essa função podem estar associados à formação acadêmica da profissão, a qual é direcionada principalmente à assistência11. Além disso, a complexidade do cargo faz com que muitos enfermeiros relutem em assumi-lo12.
Possivelmente, as características pessoais dos enfermeiros influenciam na realização pessoal advinda da atividade gerencial, mesmo sem um retorno financeiro condizente. Nessa perspectiva, um estudo sobre a satisfação profissional dos enfermeiros evidenciou que a remuneração é um dos componentes que exerce menor influência sobre a satisfação com o trabalho13.
A experiência acumulada durante o exercício profissional e, principalmente, a partir da prática gerencial, possibilita ao enfermeiro realizar a atividade gerencial com segurança, o que pode relacionar-se com o prazer na medida em que favorece o processo de se relacionar com a equipe de trabalho, tomar decisões e assumir as responsabilidades inerentes à função desempenhada. A seguir, alguns fragmentos dos discursos dos entrevistados que são exemplos dessa constatação:
Se tu não tem segurança, não tem como se impor e se colocar. Depois de levar muito murro a gente aprende a ter mais traquejo(E2).
No início era mais medo, hoje me sinto bem(E 10).
Depois de 29 anos, a gente tem mais maturidade para conversar com a equipe, se comunicar. Tu colocas alguma coisa que causa ansiedade tu tens mais maturidade para trabalhar, aquele jogo de cintura [risos] (E14).
A representatividade do medo, principalmente no início da atividade gerencial, denota um esforço empreendido pelas enfermeiras, gerentes de superação de dificuldades, que repercute em prazer profissional decorrente da maturidade e segurança para trabalhar. Um estudo com enfermeiras gerentes de hospitais privados também evidenciou dificuldades vivenciadas no início da carreira profissional, bem como evolução e "amadurecimento" ao longo do tempo, percebido como decorrente da vivência profissional, como conquista pelo alcance de certa maturidade na assimilação de suas atividades. As experiências relacionais de poder configuram-se como reflexo do amadurecimento e aprendizado na área gerencial e do comprometimento do enfermeiro com seu papel profissional no contexto organizacional14.
Nesse sentido, o crescimento pessoal e profissional é vivenciado pela superação do medo e das dificuldades em gerenciar no contexto hospitalar, a partir do comprometimento com a instituição. Tal comprometimento traduz-se no contato pessoal do enfermeiro gerente com outros trabalhadores e outros setores da instituição, e na responsabilidade pela equipe de enfermagem, o que contribui para o conhecimento do funcionamento da instituição hospitalar. Assim, a atividade gerencial expande a visão da amplitude do campo de atuação do enfermeiro e do próprio funcionamento da organização hospitalar.
Reconhecimento dos colegas e satisfação do paciente
Os enfermeiros percebem o prazer no exercício gerencial quando recebem retorno positivo do seu trabalho, seja pelo reconhecimento por parte dos colegas, seja pela valorização e satisfação do paciente em relação à organização e efetivação da assistência prestada.
Eu consigo contribuir bastante, não só eu, mas a equipe junto comigo. Nós conseguimos recuperar muitos funcionários que para nós antes já estariam fora da unidade. Acho que mudou alguma coisa e eu estou super feliz. E isso me faz bem, ver que mudou alguma coisa. Tem sim os momentos de estresse. Mas no geral posso dizer que estou muito satisfeita(E10).
Ver a satisfação de uma pessoa que está saindo da unidade bem atendida, quando tu vê um funcionário fazer um elogio ou fazer as coisas de forma correta. Isso tudo é bom(E 8).
É fonte de prazer quando tu propõe coisas que dão certo (E 8).
Para mim é prazeroso, não vou dizer que 100%, eu trabalho com um grupo grande, com várias pessoas que pensam diferentes[...]. Existem algumas dificuldades, mas acho que é mais prazeroso. A comunicação traz prazer também(E9).
Traz prazer! [risos] mais prazer, sofrimento também, mas traz mais prazer, porque eu consigo criar alguma coisa [...](E14).
O prazer na atividade gerencial dos enfermeiros emerge, principalmente, como componente do trabalho exercido que qualifica o cuidado ao paciente no contexto hospitalar. De modo similar, pesquisa realizada com trabalhadores de enfermagem de um hospital universitário constatou que um dos principais fatores de prazer no cuidado aos idosos é a valorização do trabalho do profissional, manifestada por meio de conversa afetiva e postura motivada do idoso, e a possibilidade de interação durante os cuidados de enfermagem4.
Espera-se que o enfermeiro gerente esteja envolvido e comprometido com o trabalho, mas se sabe que essa situação requer atitudes e tomada de decisão diante das situações vivenciadas no contexto do trabalho. Dessa forma, a atuação desse profissional reforça meios para a otimização do trabalho, fomenta a construção de espaços e o estabelecimento de novos fluxos para o atendimento, o que possibilita maior satisfação ao enfermeiro gerente.
A gerência de enfermagem no contexto hospitalar como fonte de sofrimento
Dificuldades no relacionamento com a equipe de trabalho
O exercício gerencial no contexto hospitalar é uma responsabilidade exclusiva do enfermeiro. No entanto, a gerência é um processo coletivo cujo sucesso está diretamente relacionado à cooperação e articulação do enfermeiro com a equipe de enfermagem e saúde, os gerentes/gestores da instituição e os demais trabalhadores cujas ações profissionais estão relacionadas à assistência prestada no contexto hospitalar.
Os enfermeiros expressaram que a falta de comprometimento dos colegas associada às dificuldades no relacionamento interpessoal e as constantes exigências da equipe são fatores que dificultam a gerência.
É fonte de sofrimento quando tu espera alguma coisa e não acontece [...], quando tu vê que as coisas não dão certo por questões pessoais, falta vestir mais a camiseta como se diz (E8).
[...] tu lida com várias pessoas, e cada uma é diferente, cada uma com um jeito, tu sempre acha que está fazendo pelo certo, pelo melhor, mas não adianta tu nunca vai agradar a todos. E aí surgem as críticas e incomodações, e eu acho que isso é que mais me estressa, me incomoda. O lidar com as pessoas eu acho que é o mais complicado da chefia (E15).
A maior dificuldade que eu tenho é com relação à direção, muitas vezes as coisas são ditas de uma forma e depois são feitas de outra (E13).
E cada um tem um temperamento, tem que ter jogo de cintura. Eu não diria que tudo isso é desgastante diante da atual conjuntura. A falta de comunicação é desgastante (E18).
A comunicação é fator que promove o desgaste do enfermeiro na atividade gerencial. Embora os enfermeiros refiram que o relacionamento com as pessoas seja uma das maiores dificuldades do exercício gerencial, esse é um atributo inerente ao cargo gerencial, o que requer desenvolvimento e aprimoramento constante das habilidades interpessoais. Além disso, também é importante a compreensão de que as dificuldades de relacionamento e os conflitos são indissociáveis das relações interpessoais e que eles podem ser inclusive salutares para o amadurecimento do grupo.
O gerenciamento de conflitos, como parte do processo de trabalho gerencial do enfermeiro, exige que os espaços de tensão sejam mediados em prol do cuidado ao paciente e valorização da instituição15. Por meio da mediação de conflitos são estabelecidas relações informais e consolidados laços afetivos como forma de minimizar os problemas vivenciados no cotidiano dos diferentes profissionais14. Dessa forma, o gerente ocupa importante papel na coordenação dos enfrentamentos cotidianos, seja com os pacientes/familiares, seja com os integrantes da própria equipe de enfermagem, seja com os pares ou com a equipe multidisciplinar, além dos advindos dos demais setores do hospital12.
Estudo analítico sobre como os conflitos se manifestam nas relações interpessoais e a magnitude que assumem no exercício gerencial do enfermeiro no contexto hospitalar evidenciou que conflitos interpessoais, envolvendo relações de caráter emotivo, ou relacionado às mais distintas manifestações de incompatibilidades que perpassam a convivência entre pessoas, são considerados pelos enfermeiros como os mais difíceis de gerenciar. É preciso descortinar as atividades do enfermeiro gerente para que a equipe se sinta coparticipante dos processos, mesmo que, em alguns momentos, como espectadora apenas; só assim ela poderá prestar solidariedade e sustentar a atuação do gerente16.
A gerência voltada para as ações de integração de cuidados e coordenação compartilhada com a equipe é imprescindível para a efetividade da administração/gerência do serviço e cuidado, bem como o envolvimento de todos os enfermeiros com os gerentes. Porém, a gerência se caracteriza como solitária, quando não é percebido o envolvimento dos enfermeiros com o enfermeiro gerente, como expressa esta depoente:
Quando eu não estava na chefia, eu vinha, fazia meu trabalho e tchau. E hoje eu vejo como os enfermeiros ainda são assim e como seria bom se todos se envolvessem, eu acho que teria que ter alguma coisa que fizesse com que todo o enfermeiro se envolvesse um pouquinho como chefe (E10).
A falta de envolvimento do enfermeiro com o trabalho do enfermeiro gerente pode influenciar no comprometimento para a efetividade de ações esperadas, o que faz com que sejam intensificadas medidas e alternativas por meio da comunicação, porém é referido que essa, quando não satisfatória, torna-se repetitiva e sem resultados. Além disso, o processo comunicativo por vezes é bloqueado, como pode ser observado no relato a seguir:
Eu acho a coisa mais difícil que se tem, porque saber se comunicar, se fazer entender e entender o outro é muito complicado (E19).
Desse modo, para o enfermeiro gerente, "fazer-se entender" é fazer com que a sua equipe realize as atividades propostas, em vez de se aproximar dela e compartilhar a necessidade de tal ação para o gerenciamento do cuidado, ou seja, a integração do cuidado, relações interpessoais e com os serviços. Além disso, ele não deve se ater apenas a transmitir informações relativas aos assuntos ligados à administração do serviço. Dessa forma, vale mencionar que o enfermeiro, na qualidade de emissor, deve buscar uma relação próxima com os integrantes da sua equipe, pois ao se comunicar, ele favorece o processo de interação social, podendo mobilizar e aproximar as pessoas visando à cooperação e integração no cotidiano de trabalho17.
Infere-se ainda que a mobilização da equipe de trabalho, conquistada com a boa comunicação, pode favorecer a diminuição da sobrecarga de trabalho, a qual é apontada com fator de sofrimento no trabalho gerencial do enfermeiro no contexto hospitalar.
Sobrecarga de trabalho
A sobrecarga de trabalho, expressa pela abrangência das atividades, pela responsabilidade em tomar decisões e pela necessidade de conciliar o cuidado direto ao paciente com atividades gerenciais, foi um fator de sofrimento citados pelos enfermeiros.
[...] eu acho desgastante, como são várias coisas que a gente acaba vendo juntas, tem assistência, tem administração, tem escala, tem os problemas do paciente, e, às vezes, a gente não consegue fazer o verdadeiro papel desse gerenciamento, talvez a gente faça um pouquinho de tudo e não faça bem feito. [No fim ela diz, referindo-se a questão de ser chefe de unidade] dá vontade de desistir toda a hora, e, no entanto, deveria ter competitividade para isso (E3).
E o gerenciamento aqui é sofrimento, porque tenho que fazer toda a escala geral, mais todo o gerenciamento. Abrange muita coisa e fica uma sobrecarga muito grande, e você não consegue fazer direito. Tem uma demanda muito grande de reuniões, de participar disso e daquilo, e o paciente fica de lado. Você vai a uma reunião das chefias e volta ao meio-dia e tem que evoluir todos os teus pacientes e ainda vê tudo o que está acontecendo. E antes de ir, tu que fazer tudo o que tu pode para deixar meio pronto e implementar isso tudo, é uma sobrecarga sobre-humana (E13).
Não me traz satisfação, eu estou nesse cargo porque não tem quem assuma o lugar. Muitas vezes traz muito sofrimento, devido à sensação de impotência, de não poder fazer as coisas. Isso traz incômodo, ansiedade, porque as pessoas acham que o chefe é o responsável por tudo, inclusive pelas ações individuais dos outros profissionais (E6).
A sobrecarga de atividades realizadas pelo enfermeiro gerente gera a sensação de que suas ações ocorrem com a menor qualidade do que realmente desejariam, o que implica cobranças pessoais, esgotamento físico e mental, repercutindo na saúde do trabalhador. A sobrecarga de trabalho foi descrita em um estudo como variável com maior predominância para o estresse nas práticas gerenciais do enfermeiro hospitalar18.
Em decorrência do esforço excessivo e da sobrecarga para o exercício da gerência, identifica-se a postura de doação, a qual somente é possível com a existência da estrutura de apoio no espaço privado. No entanto, encontra-se sentimento de orgulho, satisfação e de realização profissional quando há comprometimento com o trabalho. O comprometimento e o envolvimento das gerentes podem ser observados por meio da ampliação das suas responsabilidades e, por conseguinte, da necessidade de se dedicarem mais intensamente às questões organizacionais. Ainda, há o destaque da gerência na vida do enfermeiro gerente, o trabalho é priorizado em relação às demais necessidades cotidianas14.
Para amenizar o sentimento de sobrecarga de trabalho e, consequentemente, o desgaste com o trabalho gerencial, é importante que os enfermeiros estejam cientes do escopo sobre o qual recai a sua prática. No seu exercício gerencial, é comum os enfermeiros assumirem para si ou serem cobrados pela equipe de enfermagem/saúde por todas as responsabilidades sobre a gerência do cuidado e da unidade. No entanto, a gestão/gerência de enfermagem é um processo interdisciplinar, que requer a colaboração de outros profissionais de saúde e a própria participação de outras esferas de gestão/gerência da organizacional.
O enfermeiro é o gerente do cuidado por essência. Conciliar a gerência do cuidado com a gerência organizacional é fator que pode sobrecarregar esse profissional. Essa situação foi expressa por um enfermeiro que prefere o envolvimento com o cuidado à gerencia do seu setor.
Olha, se eu for te falar bem a verdade, é mais sofrimento do que prazer. Porque eu estou gerente agora, o meu chão mesmo é gerenciar o cuidado, estar do lado do paciente mesmo, eu nasci para ser enfermeira assistencial (E17).
A fala apresentada remete a noção de gerência como algo distante e diferente do cuidado e da assistência no exercício profissional do enfermeiro. No entanto, é importante frisar que gerência e assistência são atividades complementares, pois o enfermeiro, ao gerenciar a assistência de enfermagem, está prevendo e provendo os recursos necessários para que o cuidado aconteça15. O gerenciamento na enfermagem abrange o cuidado de enfermagem para que ele seja pautado nas melhores práticas e de modo seguro.
O gerenciamento do cuidado é entendido como uma ideia reguladora que pode compor o projeto de trabalho da enfermagem, à medida que permite articular as dimensões gerencial e assistencial do trabalho com foco nas necessidades de saúde do paciente e de integração do serviço, o que pode, por sua vez, promover o cuidado integral de enfermagem e a integralidade da atenção em saúde15.
Desse modo, para exercer a atividade gerencial de tal forma que ela seja fonte de prazer e saúde, é necessário que o enfermeiro receba o reconhecimento pelo trabalho realizado e que a instituição mobilize esforços para incentivar a correponsabilidade nas atividades gerenciais.
CONCLUSÃO
No exercício gerencial do enfermeiro, prazer e sofrimento não podem ser considerados polos diametralmente opostos, tampouco é possível estabelecer uma relação de equilíbrio entre esses dois sentimentos, pois todo e qualquer trabalho humano, por mais prazeroso que seja, exigirá, em algum momento, embates e enfrentamentos, os quais podem se configurar como fonte de sofrimento. Portanto, é necessário que os enfermeiros aprendam a conviver e aceitar essa dualidade, ambiguidade e complementaridade, que é inerente à prática gerencial.
Seguindo essa linha de pensamento, este estudo sinaliza que a gerência é para o enfermeiro ora fonte de prazer, ora fonte de sofrimento. Ela é considerada fonte de prazer quando há
crescimento pessoal e profissional, e quando há o reconhecimento e satisfação; e fonte de sofrimento em função das
dificuldades no relacionamento com a equipe de trabalho e da sobrecarga de trabalho.
Ressalta-se a necessidade dos enfermeiros gerentes visualizarem e compreenderem a dualidade e complementaridade sofrimento e prazer em sua jornada laboral na busca de um trabalho mais construtivo e realizador, e de uma maior articulação da atividade gerencial, com a experiência de vida, além do respaldo institucional e apoio dos colegas de trabalho. Outro aspecto importante é uma delimitação mais clara das margens de atuação profissional, pois muitas vezes os enfermeiros assumem atribuições que extrapolam sua alçada e não delegam responsabilidades e atividades que poderiam ser realizadas por outros profissionais de saúde.
Sugere-se uma maior atenção dos cursos de graduação em enfermagem para a qualificação de seus egressos para o desenvolvimento das atividades gerenciais, principalmente relacionadas ao gerenciamento de conflitos e trabalho em equipe. Depois de inseridos no trabalho, para os enfermeiros trabalhadores de instituições hospitalares, faz-se importante a abertura de espaços para a discussão de questões do cotidiano laboral da equipe de enfermagem, bem como a articulação com os demais profissionais da saúde.
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