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CAPES

Volume 17, Número 1, Jan/Mar - 2013

PESQUISA

Óbitos perinatais investigados e falhas na assistência hospitalar ao partoa

Eunice Francisca Martins1
Edna Maria Rezende2
Francisco Carlos Félix Lana3
Kleyde Ventura de Souza4

1. Enfermeira, Doutora e Professora Adjunta do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Saúde Pública - Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte-MG. Brasil. E-mail: eufram@enf.ufmg.br.
2. Enfermeira, Doutora e Professora Associada do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Saúde Pública - Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte-MG. Brasil. E-mail: ednarez@enf.ufmg.br.
3. Enfermeiro, Doutor e Professor Associado do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Saúde Pública - Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte - MG. Brasil. E-mail: xicolana@enf.ufmg.br.
4. Enfermeira Obstetra, Doutora e Professora Adjunta do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Saúde Pública - Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte - MG. Brasil. E-mail: kleydeventura@uol.com.br.

Recebido em 16/01/2012
Reapresentado em 27/06/2012
Aprovado em 24/07/2012

RESUMO

Objetivou-se analisar as falhas na assistência hospitalar ao parto, o perfil materno e as características do feto e do recém-nascido que evoluíram para óbito perinatal, em Belo Horizonte.
MÉTODOS: Estudo transversal, dos óbitos perinatais investigados pelo Comitê de Prevenção de Óbitos de Belo Horizonte, ocorridos entre 2003 e 2007. A fonte dos dados foram as fichas de investigação do Comitê. Os dados foram analisados pela distribuição de frequência das variáveis e análise bivariada utilizando-se o teste de Qui-quadrado de Pearson, considerando o nível de significância de 5% (p<0,05).
RESULTADOS: Foram estudados 253 óbitos, a maioria de nascidos a termo, com peso adequado ao nascer. Em 65,6% dos casos houve falhas na assistência, principalmente relacionadas ao acompanhamento da gestante durante o trabalho de parto e parto.
CONCLUSÕES: Foram identificados um alto percentual de falhas assistenciais no processo do parto e um grande potencial de evitabilidade dos óbitos perinatais.

Palavras-chave: Mortalidade perinatal. Parto. Assistência hospitalar. Sistemas de informação. Enfermagem;

INTRODUÇÃO

A mortalidade perinatal é um evento raro nos países desenvolvidos, mas comum e ainda pouco valorizado nos países menos desenvolvidos, nos quais se concentra a quase totalidade dessas mortes1. Atualmente esses óbitos têm adquirido destaque devido a maior participação do componente neonatal precoce na mortalidade infantil1, como também pela disponibilidade de intervenções efetivas de custo benefício comprovadas e capazes de impactar positivamente na redução dessas mortes2.

A taxa de mortalidade perinatal tem sido apontada como um indicador sensível da saúde materno-infantil por refletir aspectos relativos à saúde reprodutiva, ao acesso e à qualidade de recursos disponíveis para assistência ao pré-natal, ao parto e ao neonato 1,3. No Brasil, a situação da mortalidade perinatal não é conhecida de forma sistemática para todo o país, devido à elevada subnotificação de óbitos fetais e à qualidade insatisfatória da informação disponível sobre a duração da gestação na Declaração de Óbito4.

No entanto, experiências pioneiras para o enfrentamento desse problema têm sido implementadas em Belo Horizonte, Minas Gerais, desde o final da década de 1990. Na análise da mortalidade e da assistência perinatal foram identificadas deficiências na estrutura, no processo de atendimento e na organização da rede assistencial as quais se relacionaram às mortes perinatais potencialmente evitáveis. Diante dessa realidade, houve a recomendação de se avançar na qualidade e na responsabilização dos serviços e do sistema de saúde5.

Uma das estratégias adotada foi, no ano de 1999, a estruturação da Comissão Perinatal no município, um fórum interinstitucional responsável pela gestão das políticas de atenção à gestante e ao recém-nascido na cidade. Vinculado a esta Comissão foi implantado, em 2002, o Comitê de Prevenção do Óbito Fetal e Infantil, com a função de investigar os óbitos, avaliar as circunstâncias de sua ocorrência e apontar diretrizes para intervenções3. As investigações realizadas pelo Comitê apresentam informações com potencial para elucidar os níveis ainda elevados da mortalidade perinatal no município, considerando a capacidade instalada de sua rede de serviços de saúde para o atendimento à gestante e ao recém-nascido.

Para a melhoria dos indicadores perinatais, as ações dos serviços de saúde devem desenvolver-se de forma integrada e contínua durante a gestação, parto e pós-parto. Particularmente, no processo de assistência ao parto e nascimento, é essencial o cuidado qualificado para o reconhecimento de complicações e adoção de condutas adequadas, além da atenção de qualidade ao recém-nascido, logo após o parto2.

Diante do contexto apresentado, conhecer os problemas relacionados à assistência dispensada pelas maternidades às parturientes e neonatos poderá contribuir para a elaboração de medidas preventivas, visando a redução dos óbitos potencialmente evitáveis. Assim, o objetivo deste estudo foi analisar as falhas na assistência hospitalar ao parto, o perfil materno e as características do feto e do recém-nascido que evoluíram para óbito perinatal, em Belo Horizonte.


MÉTODO

Estudo transversal sobre óbitos perinatais investigados pelo Comitê de Prevenção de Óbitos da Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte, Minas Gerais, ocorridos no período de 2003 a 2007. Foram excluídos do estudo os óbitos perinatais domiciliares e os hospitalares de fetos com batimento cardíaco negativo à admissão na maternidade.

Utilizaram-se dados secundários provenientes do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) e das investigações realizadas pelo Comitê. A investigação consistiu em uma avaliação detalhada da assistência ao pré-natal, ao parto e ao recém-nascido, com base nos prontuários dos serviços de saúde nos quais a gestante foi atendida e na entrevista domiciliar, com a puérpera ou familiar. Foram critérios para a investigação o óbito de fetos e recém-nascidos filhos de mães residentes em Belo Horizonte, com peso ao nascer igual ou superior a 1.500g e ausência de malformação congênita grave ou letal.

Para este estudo, foi elaborado um instrumento específico para a coleta dos dados nos formulários de investigação do Comitê e construído um banco de dados no software Epi Info 10.0. Posteriormente esse banco de dados foi concatenado ao banco do SIM para acrescentar a variável causa básica da morte. As variáveis incluídas foram relativas ao óbito (tipo de óbito, causa básica da morte e classificação de evitabilidade), ao feto e ao recém-nascido (peso ao nascer, idade gestacional, tipo de parto), à gestante (idade, escolaridade e condição materna na gestação) e às falhas na assistência hospitalar ao processo de parto e nascimento. A condição materna foi considerada desfavorável quando presente alguma patologia ou vulnerabilidade social.

As falhas na assistência foram identificadas na conclusão da investigação do caso pelo Comitê, baseando-se em evidências científicas preconizadas nos protocolos do município e Ministério da Saúde6. Foram identificadas quatro categorias de falhas assistenciais, relativas à admissão da gestante na maternidade (avaliação incompleta e demora no atendimento); ao acompanhamento da gestante durante o trabalho de parto e parto (intervalo dos controles materno-fetal superior ao recomendado, diagnóstico tardio das distocias do trabalho de parto e demora no manejo das complicações do trabalho de parto e parto); à relação profissional-cliente insatisfatória (atendimento desumanizado e falta de informação); e à assistência imediata ao recém-nascido na sala de parto (falta de profissional para assistir o RN e demora em iniciar a reanimação neonatal). O acesso da gestante à maternidade, apesar de não se constituir uma falha hospitalar, foi também identificada.

A classificação de análise de evitabilidade de óbitos adotada foi a de Wigglesworth7, por sua correlação com a qualidade da atenção perinatal. Esta classificação estratifica os óbitos por peso ao nascer e os classifica em cinco subgrupos de causas: morte anteparto, malformação congênita, imaturidade, asfixia e outras causas específicas7. As causas básicas de morte foram agrupadas segundo a lista reduzida de tabulação das causas de óbitos neonatais, proposta por França e Lansky (2009)8, a qual agrupa as causas de morte de forma a direcionar as ações preventivas de saúde.

Os dados foram analisados pela distribuição de frequências das variáveis, e foi realizada a análise bivariada para estimar a associação entre a existência de falhas na assistência hospitalar ao parto e as variáveis relativas à parturiente, ao feto e ao recém-nascido. Utilizou-se o teste de Qui-quadrado de Pearson, e foi considerado o nível de significância de 5% (p<0,05). Foi utilizado o software Epi info versão 10.0 para esta análise.

Este estudo foi aprovado nos Comitês de Ética da Universidade Federal de Minas Gerais, parecer No. 242/08, e da Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte, parecer No. 042/2008. Foram respeitados os aspectos éticos de acordo com a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde.


RESULTADOS

No período foram registrados 2.710 óbitos perinatais no município. A população desse estudo foi constituída pelos 253 casos investigados, ocorridos após a admissão da gestante no hospital. As falhas na assistência ocorreram em mais da metade desses óbitos (Figura1).


Figura 1. Óbitos perinatais investigados. Belo Horizonte, 2003 a 2007.



As categorias de falhas identificadas no processo de assistência ao par to e nascimento na maternidade são apresentadas na Tabela 1. Na admissão da gestante à maternidade houve falhas em 22,3% dos casos, com destaque para a avaliação incompleta. O acompanhamento da gestante durante o trabalho de parto e parto foi a categoria com mais falhas registradas (91,6%), destacando-se a frequência do intervalo de avaliação materno-fetal superior ao recomendado e a demora no manejo das complicações do trabalho de parto e parto. A relação profissional/cliente insatisfatória, com queixas de atendimento desumanizado e falta de informação, foi identificada em 11,5% dos casos. As falhas relativas à assistência imediata ao recém-nascido na sala de parto foram identificadas em menor escala, com destaque para a demora em iniciar a reanimação neonatal. Em cerca de 15,0% dos casos, além das falhas assistências, houve dificuldade de acesso da gestante à maternidade.




A Tabela 2 apresenta as falhas na assistência em relação às características do óbito, do feto, do neonato e das gestantes. Prevaleceram os óbitos de fetos e recém-nascidos com peso ao nascer superior a 2.500 g, nascidos após 36 semanas de idade gestacional, de parto vaginal, de mães de 20 a 34 anos de idade e escolaridade de oito anos e mais. Na maioria dos casos foi detectada condição materna desfavorável na gestação, pela presença de doenças hipertensivas, infecções do trato urinário e vulnerabilidades sociais. O maior percentual de falhas na assistência ao parto e nascimento ocorreu para o óbito fetal, nas gestações com duração igual ou superior a 37 semanas e diante de condição materna favorável. As variáveis tipo de óbito, duração da gestação e condição materna associaram-se de forma significativa às falhas na assistência (p < 0,05).




Nos casos com falhas na assistência hospitalar, a principal causa básica de morte, segundo a CID-10, foi a asfixia/hipóxia, seguida das demais causas, destacando-se, nesse grupo, as mortes fetais de causa indeterminada (Figura 2). A classificação de evitabilidade de Wigglesworth apontou que mais da metade dos óbitos foram por asfixia e 13,0%, por morte anteparto (Figura 3).


Figura 2. Distribuição dos óbitos perinatais investigados com falhas na assistência segundo agrupamentos de causas básicas de morte. Belo Horizonte, 2003 a 2007.


Figura 3. Distribuição dos óbitos perinatais investigados com falhas na atenção hospitalar segundo Classifficação de Evitabilidade de Wingglesworth. Belo Horizonte, 2003 a 2007.



DISCUSSÃO

A predominância neste estudo de óbitos de fetos e neonatos a termo e com peso adequado ao nascer difere do perfil clássico de mortalidade perinatal descrito na literatura1, em que prevalece o baixo peso ao nascer e a prematuridade, principais determinantes da mortalidade perinatal1. Essa diferença ocorreu por se tratar de óbitos com critérios de investigação previamente definidos. Esses óbitos, em fetos e crianças viáveis, são aparentemente de mais fácil prevenção, e sua redução deve ser alvo de intervenções para o alcance de melhores indicadores perinatais no município.

O elevado percentual de falhas identificado no processo de assistência hospitalar ao parto e nascimento em Belo Horizonte aponta que melhorias devem ser implantadas nestes serviços, desde a admissão da gestante na maternidade até o atendimento ao recém-nascido na sala de parto. A presença de falhas na admissão da gestante na maternidade, como constatado em Belo Horizonte, também foi identificada em um estudo realizado em São Paulo, e culminou em parto domiciliar não planejado com perdas perinatais9. Para melhorar o atendimento na chegada da gestante às maternidades foi elaborado, pela Comissão Perinatal da SMSA/PBH, em conjunto com todas as maternidades da rede SUS do município, um protocolo para o Acolhimento com Classificação de Risco em Obstetrícia. Esse protocolo prioriza os atendimentos segundo a gravidade, o risco e a vulnerabilidade de cada usuária10. Espera-se que essa modalidade de atendimento contribua para estabelecer uma escuta mais efetiva desde a admissão, com a valorização das queixas da mulher e o entendimento de suas vulnerabilidades, visando condutas específicas de acordo com as necessidades identificadas.

Na assistência durante o trabalho de parto e parto observou-se, em relação a outro estudo realizado em Belo Horizonte na década anterior5, redução da frequência do intervalo de avaliação materno-fetal superior ao recomendado. Entretanto, esta falha não devia existir, visto que o adequado acompanhamento da gestante e do feto, durante o trabalho de parto e parto, é uma função básica dos serviços de atenção obstétrica11. O adequado controle materno e fetal durante o trabalho de parto permite identificar situações de complicações e adotar as condutas apropriadas em tempo oportuno. Assim sendo, é importante avaliar os fatores que dificultam a adoção de práticas assistenciais benéficas e eficazes na prevenção de resultados perinatais adversos. Podem ser necessárias mudanças no processo de trabalho, capacitação da equipe e assistência multidisciplinar na perspectiva de trabalho colaborativo.

A presença de falhas assistenciais nas maternidades pode ser também decorrente do modelo predominante de atenção obstétrica no país, modelo hospitalocêntrico e com excesso de intervenções que podem levar a danos iatrogênicos. A discussão de mudanças desse modelo tem sido foco das políticas públicas atuais no país, com destaque para a recente criação da Rede Cegonha que, no âmbito do Sistema Único da Saúde (SUS), propõe uma rede de cuidados voltada à assistência de qualidade e humanizada à mulher e à criança12. Outro aspecto importante para superar os problemas na assistência perinatal é o cumprimento da regulação vigente, que prevê acolhimento, ambiência, humanização da atenção e da gestão, além de infraestrutura física, recursos humanos, equipamentos e materiais necessários à operacionalização do serviço, de acordo com a demanda e modalidade de assistência prestada11.

As queixas de atendimento desumanizado e falta de informação foram falhas constatadas em menor escala nesse estudo. Isso possivelmente reflete o desconhecimento das mulheres sobre seus direitos, como também o fato de esse aspecto não ter sido foco específico das investigações, embora relevante para a qualidade do atendimento. Um estudo realizado no Sul do Brasil, com mulheres que tiveram um filho com asfixia perinatal grave, também apontou aspectos negativos vivenciados na assistência recebida no processo de parturição. Foram destacados a exposição a situações desumanas, o não respeito ao direito de ter um acompanhante durante o processo e o despreparo do profissional para assistir as intercorrências13.

A presença de falhas na assistência ao recém-nascido na sala de parto, especialmente a demora para iniciar a reanimação neonatal, foi uma situação identificada em alguns casos estudados, o que pode acarretar em graves danos ao recém-nascido. Essa situação, provavelmente, está mais relacionada com a atuação dos recursos humanos do que com a falta de equipamentos, conforme resultados de um estudo14 realizado em salas de parto de hospitais públicos das capitais brasileiras, incluindo Belo Horizonte. Na ocasião foi identificado que, em sua maioria, as maternidades tinham infraestrutura adequada para a reanimação neonatal, entretanto, havia a necessidade de treinamento dos profissionais para realizarem efetivamente o procedimento. Esta conduta realizada de forma efetiva, quando necessária, contribui para reduzir a morbimortalidade neonatal, sobretudo por asfixia, ainda elevada no Brasil14.

O tipo de parto não se associou à ocorrência de falhas na assistência hospitalar entre os óbitos investigados de Belo Horizonte. Esse resultado foi similar ao de outro estudo que evidenciou que a mortalidade perinatal está mais relacionada com a qualidade da assistência obstétrica e neonatal do que com a via de parto15. Em relação às variáveis que se associaram às falhas na assistência obstétrica hospitalar (tipo de óbito, idade gestacional e condição materna desfavorável), faz-se necessário aprofundar esta análise, com a avaliação de outros fatores mais diretamente relacionados ao processo da assistência. A maior incidência de falhas entre os óbitos fetais pode ser explicada pelo diagnóstico e manejo tardios das distocias do trabalho de parto e parto. O trabalho de parto de fetos prematuros pode ter sido um fator protetor para as falhas assistenciais, em virtude de essa situação ser considerada de alto risco, o que alerta para uma atenção mais rigorosa.

A condição materna desfavorável na gestação foi muito frequente entre os óbitos investigados em Belo Horizonte, situação também encontrada em um estudo realizado no estado do Paraná com óbitos infantis investigados16. Em ambos os estudos, os agravos maternos mais comuns foram as doenças hipertensivas e a infecção do trato urinário. Essas complicações na gravidez associam-se ao aumento da morbidade e mortalidade fetal e neonatal5, mas podem ser prevenidos com uma assistência pré-natal de qualidade, em que se realizam o diagnóstico precoce e o tratamento adequado.

O percentual mais elevado de mortes relacionadas à hipóxia intrauterina e à asfixia ao nascer, em relação ao encontrado em outros estudos17-18, justifica-se por se referir a óbitos cujos critérios para investigação excluem outras causas, como a prematuridade extrema e as malformações congênitas graves. As mortes por hipóxia e asfixia devem ser vistas como um problema no município, especialmente porque os nascimentos ocorrem em maternidades, diferentemente dos países menos desenvolvidos onde a maioria dessas mortes é decorrente de partos domiciliares, por falta de acesso ao serviço18. As mortes intraparto decorrentes da asfixia é um indicador sensível da qualidade da assistência durante o trabalho de parto e nascimento1. Portanto, esforços devem ser envidados para avanços na assistência obstétrica em Belo Horizonte, com vistas a reduzir a mortalidade e também as sequelas decorrentes da asfixia intraparto.

A classificação de evitabilidade de Wigglesworth destacou, além da asfixia, o agrupamento das mortes anteparto. Esses óbitos geralmente se relacionam com as complicações da gravidez e doenças maternas de mais difícil prevenção, além de falhas na atenção pré-natal e de muitos casos de morte inexplicada1. A morte fetal de causa não especificada também foi relevante no estudo. Pode ser resultante de má nutrição fetal, aberrações cromossômicas e infecções não diagnosticadas no pré-natal, e mais de uma condição pode contribuir para esses óbitos17. Assim sendo, é importante recorrer às investigações desses óbitos para o esclarecimento de suas circunstâncias, o que possibilita, em alguns casos, esclarecer a causa da morte e corrigir a causa básica no SIM.

A inclusão no estudo de apenas óbitos investigados traz algumas limitações, como a identificação de um maior potencial de evitabilidade e de falhas assistenciais na população estudada. Aponta, entretanto, que o foco das ações dos serviços de saúde deve ser direcionado para a redução dos óbitos mais preveníveis. A coleta dos dados em fonte secundária e de forma retrospectiva limitou a abordagem de alguns aspectos relativos à assistência, como a adoção de práticas que favorecem a fisiologia do nascimento nos serviços e uso do partograma, pela incompletude dos dados e inexistência da variável durante todo o período das investigações. Porém teve como vantagens a agilidade e o baixo custo, pelo uso da informação já disponível no Comitê de Prevenção de Óbitos.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo aponta um perfil de óbitos perinatais com alto potencial de evitabilidade, em sua maioria, de fetos e recém-nascidos a termo e peso adequado ao nascer, condições favoráveis à viabilidade fetal e neonatal. Predominam as mortes por asfixia evidenciadas tanto pela classificação de evitabilidade de Wigglesworth quanto pela causa básica de morte. Identifica-se alto percentual de falhas assistenciais, especialmente relacionadas à admissão da gestante na maternidade e ao seu acompanhamento durante o trabalho de parto e parto.

O estudo a partir da investigação de óbitos considerados eventos sentinelas permite identificar aspectos que devem ser enfrentados pelos serviços de saúde, para a promoção de um nascimento seguro e a prevenção de mortes evitáveis.Nesse sentido, a Comissão Perinatal de Belo Horizonte vem desenvolvendo ações para a qualificação da assistência nas maternidades e o trabalho em rede. Estas ações posteriormente devem ser avaliadas quanto ao possível impacto na melhoria da atenção nas maternidades e na redução da mortalidade perinatal no município.

Enfim, para melhorar a assistência e os indicadores perinatais, é preciso haver investimentos direcionados para os serviços de saúde, a formação profissional e a informação das mulheres e da sociedade como um todo, sobre a existência de tecnologia e de direitos que favorecem um nascimento mais seguro e humanizado. O trabalho deve ser desenvolvido de forma integrada e contínua, incluindo planejamento e ações do setor saúde e intersetoriais.


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