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Escola Anna Nery Revista de Enfermagem Escola Anna Nery Revista de Enfermagem
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CAPES

Volume 17, Número 1, Jan/Mar - 2013

PESQUISA

Biossegurança: conhecimento e adesão pelos profissionais do corpo de bombeiros militar de Minas

Adriana Cristina de Oliveira1
Bruno César Amorim Machado2
Camila Sarmento Gama3
Juliana Ladeira Garbaccio4
Quésia Souza Damasceno5

1. Enfermeira. Pós-doutora pela New York University, Estados Unidos. Professora Associada da Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais. Orientador. Líder do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Infecção Relacionada ao Cuidar em Saúde (NEPIRCS)/CNPq. Belo Horizonte-MG. Brasil. E-mail: adrianacoliveira@gmail.com.
2. Enfermeiro graduado pela Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais. Voluntário. Membro do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Infecção Relacionada ao Cuidar em Saúde. Belo Horizonte-MG. Brasil. E-mail: brunochedidsports@yahoo.com.br.
3. Enfermeira graduada pela Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais. Membro do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Infecção Relacionada ao Cuidar em Saúde. Belo Horizonte-MG. Brasil. E-mail: camilasarmento@ig.com.br.
4. Doutoranda em Enfermagem pela Universidade Federal de Minas Gerais, Professora da PUC-MG. Membro do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Infecção Relacionada ao Cuidar em Saúde. Belo Horizonte-MG. Brasil. E-mail: julade@gmail.com.
5. Doutoranda em Enfermagem pela Universidade Federal de Minas Gerais. Membro do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Infecção Relacionada ao Cuidar em Saúde. Belo Horizonte-MG. Brasil. E-mail: qdamasceno@yahoo.com.br

Recebido em 28/02/2012
Reapresentado em 06/07/2012
Aprovado em 30/08/2012

RESUMO

Objetivou-se identificar o conhecimento e a adesão às recomendações de biossegurança entre profissionais do Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais de um município da Região Metropolitana de Belo Horizonte, Minas Gerais. Realizou-se um estudo transversal de abordagem quantitativa. Na coleta de dados foi utilizado um questionário estruturado composto de questões sobre conhecimento e atitudes relativos à biossegurança, fatores dificultadores ao uso de equipamentos de proteção individual e ocorrência de acidentes com material biológico. O conhecimento sobre a higienização das mãos foi verificado em 84,8% dos profissionais; 69,7% desconheciam a ação do álcool a 70%. O capote foi o equipamento de proteção individual mais difícil de ser utilizado. Os militares não sofreram acidente com material biológico, dado semelhante aos demais da literatura. Pretende-se provocar a reflexão dos profissionais da área e instituições responsáveis quanto à reavaliação da proposta relacionada à formação desses trabalhadores em biossegurança e saúde ocupacional.

Palavras-chave: Exposição a agentes biológicos. Assistência pré-hospitalar. Precauções universais. Riscos ocupacionais.

INTRODUÇÃO

O Atendimento Pré-hospitalar (APH) refere-se ao serviço prestado a vítimas clínicas ou traumáticas antes da chegada ao estabelecimento de saúde de referência mais próximo, podendo ser realizado por profissionais treinados, sejam médicos ou não1. A finalidade deste tipo de atendimento é agilizar a assistência no intuito de manter a vida e/ou minimizar as possíveis sequelas à saúde da vítima1.

Os socorristas que atuam nas viaturas de resgate do Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais (CBMMG), embora sejam profissionais não médicos, recebem o treinamento de salvamento e suporte básico de vida (SBV), capacitando-se a prestar primeiros socorros às vítimas em diversas situações, mas não se habilitando para a realização de procedimentos invasivos. Entretanto, ainda que não realizem tais procedimentos no desempenho de suas atividades, esses profissionais se expõem com grande frequência a materiais biológicos das vítimas, constituíndo-se, assim, elevado risco ocupacional1-2.

Os acidentes ocupacionais podem decorrer das características do serviço de APH móvel como: espaço limitado dentro das viaturas, com ventilação restrita que dificulta a recirculação do ar; e movimento do tráfego com trepidações, solavancos, propulsão dos corpos pela energia cinética decorrente das acelerações ou desacelerações dos veículos e curvas em alta velocidade1. Além disso, o atendimento de emergência prestado exige destreza, habilidade e agilidade, fatores desencadeadores de um elevado nível de estresse que, consequentemente, podem favorecer a ocorrência de acidentes ocupacionais. Dentre esses acidentes, destaca-se o acidente com o Material Biológico Potencialmente Contaminado (MBPC)1.

Os riscos ocupacionais relacionados aos acidentes por MBPC, nos serviços do APH móvel, podem estar relacionados ao contato direto com sangue, secreções, excreções e outros fluidos corpóreos infectados ou não; ao contato indireto por meio de respingos de sangue, secreções, excreções e outros fluidos corpóreos na pele e/ou mucosa; e à transferência de patógenos por meio de materiais e equipamentos contaminados, aerossóis e fômites3.

Com o intuito de minimizar o contato com o material biológico e proteger os profissionais expostos a eles, em 1996, o Centers for Disease Control and Prevention (CDC), nos Estados Unidos, editou o Guia de Precaução e Isolamento com as denominadas precauçõespadrão, recomendações a serem adotadas no atendimento de todo e qualquer paciente, independente de seu diagnóstico, que foram mantidas e reforçadas na revisão deste guia em 2007. Dentre as medidas preconizadas incluem-se a higienização das mãos, o uso de equipamento de proteção individual (EPI), a vacinação contra a hepatite B e o descarte adequado de materiais perfurocortantes4.

Dessa forma, a não adesão a essas precauçõespadrão pode configurar uma maior exposição do profissional, favorecendo a ocorrência do acidente e podendo acarretar ausências ao trabalho, temporárias ou permanentes, como licenças médicas e até casos de invalidez.

No entanto, a adesão a essas medidas depende, sobremaneira, do conhecimento sobre tais medidas, por parte dos trabalhadores de saúde em todos os níveis de atenção, inclusive no atendimento pré-hospitalar.

Nesse contexto, ainda são escassos os estudos acerca do risco para acidentes de trabalho envolvendo profissionais do corpo de bombeiros no APH, no que se refere à determinação do seu conhecimento e atitudes relacionados à biossegurança, comparativamente aos outros serviços móveis de urgência.

Assim, pelas características do trabalhador do resgate do CBMMG e considerando a ausência de pesquisas neste segmento, torna-se de grande relevância uma avaliação do conhecimento desses profissionais em relação à biossegurança e adesão às medidas de precaução, a fim de aprimorar as políticas de formação e capacitação destes profissionais, enfocando a saúde deste trabalhador e a qualidade da assistência por eles prestada1,5.

Nesse sentido, o objetivo deste trabalho foi identificar o conhecimento e adesão dos profissionais do APH do corpo de bombeiros, acerca das recomendações de biossegurança, dentre elas as precauções-padrão e o uso de EPI, além de identificar a incidência de acidente com material biológico entre estes profissionais.


MÉTODO

Realizou-se uma pesquisa de corte transversal e de abordagem quantitativa com os profissionais militares atuantes no Corpo de Bombeiros Militar de em um município da Região Metropolitana de Belo Horizonte durante três dias consecutivos do mês de novembro de 2010. A amostra deste estudo foi composta por trinta e três profissionais.

Para a para coleta de dados utilizou-se um questionário anônimo, estruturado, autoaplicável. Abordaram-se aspectos referentes a dados demográficos, questões sobre conhecimento e adesão às recomendações de biossegurança, fatores dificultadores para a baixa ou não adesão ao uso dos EPI, além de determinação da incidência de acidentes com material biológico ocorridos no ano de 2009, por meio do questionamento ao militar se nos últimos doze meses sofreu algum acidente ocupacional envolvendo material biológico (sangue, saliva, sêmen, secreção vaginal ou do ânus, líquido amniótico) durante o APH. O instrumento foi avaliado por especialistas na área de infecções relacionadas ao cuidar em saúde quanto a pertinência e abrangência do conteúdo das questões com a finalidade de avaliar a coerência do instrumento de coleta de dados com a proposta do estudo.Após a assinatura do TCLE, o instrumento de coleta de dados foi, então, apresentado por um dos pesquisadores aos participantes do estudo durante o seu período de trabalho, com as devidas orientações para o preenchimento completo do mesmo. Após esta etapa, os dados obtidos foram digitados e analisados com o auxílio do software estatístico Statistical Package for the Social Sciences (SPSS®) Versão13.0.

Para o tratamento dos dados realizaram-se análise descritiva, distribuição absoluta e relativa e análise univariada.

Os sujeitos convidados a participar desta pesquisa assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), atendendo a Resolução do Conselho Nacional de Pesquisa 196/96 para pesquisa envolvendo seres humanos. O presente projeto é parte de um projeto maior intitulado Atendimento pré-hospitalar público de Belo Horizonte: Uma análise da adoção às medidas de precaução pela equipe multiprofissional, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais Parecer nº ETIC 458/05 e pelo Comando Operacional de Bombeiros (COB) Nº 7262/09 - COB, responsável por todos os batalhões do Estado de Minas Gerais.


RESULTADOS

Faziam parte do quadro da unidade do corpo de bombeiros, campo deste estudo, 45 militares; entretanto, retirando aqueles que se encontravam de férias, folgas ou licenças médicas, 33 foram abordados durante o período de coleta de dados e todos consentiram na participação. Desses, 100% pertenciam ao sexo masculino, a média de idade foi de 29 anos (19 a 48 anos) e segundo a patente destes profissionais, 78,8%(26) se classificavam como cabo ou soldado e 18,2% (6), subtenente ou sargento.

O tempo de duração do Curso de Formação de Soldados para ingressar no CBMMG foi de seis meses para 69,2% (23) dos participantes. Quanto à formação regular, 84,8% (28) não tinham nenhum curso de graduação, 78,8% (26) realizaram o Curso de Formação de Soldados ou Curso Técnico em Segurança Pública. Em relação à experiência profissional, 54,5% (18) dos trabalhadores tinham tempo de serviço na instituição inferior a dois anos (amplitude = sete meses a vinte e cinco anos).

Ao serem questionados acerca do aprendizado, durante a formação profissional, em alguma disciplina ou palestra que abordasse os temas biossegurança ou segurança da vítima, 51,5% (17) afirmaram que receberam essas informações. Desses, 88,2% (15) obtiveram essa informação entre 2009 e 2010. Entretanto, 45,5% (15) declararam não ter recebido nenhuma informação sobre o assunto. O meio mais utilizado para atualização profissional referido foi a participação em treinamentos durante a jornada de trabalho (45,4% - 15), seguida da utilização do computador e pesquisas em sites eletrônicos por conta própria (42,4% - 14).

Ao analisar o conhecimento dos militares quanto à recomendação de higienização das mãos (HM) com água e sabão, 84,8% (28) responderam corretamente que esta deve ocorrer antes e após o contato com a vítima e antes e após remover luvas estéreis ou não estéreis. No entanto, no que diz respeito ao conhecimento da atividade antisséptica com álcool a 70%, 69,7% (23) deles responderam equivocadamente que o álcool é utilizado devido a sua capacidade de esterilização, seguidos de 18,7% (6) que afirmaram que sua utilização se deve por inibição do crescimento bacteriano. Ainda em relação à fricção das mãos com álcool a 70%, 54,5% (18) informaram corretamente que este é recomendado mesmo na ausência de sujidade visível nas mãos e 22,1% (7) não sabiam a sua recomendação.

No tocante ao descarte dos resíduos gerados após os atendimentos, a referência ao uso do saco plástico branco leitoso para o acondicionamento dos resíduos foi mencionado como recomendação adequada para 60,6% (20) dos participantes.

Quando questionados acerca da ocorrência de acidente com exposição a material biológico, verificouse que estes não aconteceram para 90,9% (30) dos entrevistados e a questão não foi respondida por 9,1% (3) dos demais participantes.

Em relação à realização de exames sorológicos após acidente de trabalho, 57,6% (19) informaram que devem ser feitos testes sorológicos para HIV, hepatite B e hepatite C no dia do ocorrido, três, seis meses e um ano após o acidente e 36,4% (12) afirmaram que esses mesmos testes deveriam ser realizados apenas uma semana após o ocorrido.

Quanto à utilização de luvas descartáveis durante procedimentos com risco de se exporem a líquidos corporais da vítima, 93,9% (31) relataram sempre utilizá-las, 3% (1), na maioria das vezes, e 3% (1) referiram não utilizá-las.

Ao serem questionados sobre a dificuldade de utilização de equipamentos de proteção individual, destacou-se que 42,4% (14) dos entrevistados não registraram nenhuma dificuldade na utilização de qualquer um dos EPI, 15,2% (5) apresentaram dificuldade de usar o capote/avental e 9,1% (3) dos militares relataram a dificuldade de usar máscara (Tabela 1).




Quanto ao uso de luva descartável, embora apenas um indivíduo tenha relatado a dificuldade de usá-la inicialmente, oito (24,2%) posteriormente informaram que o motivo da dificuldade de usá-las se deve à indisponibilidade de seu tamanho na viatura. Essa incoerência pode ser explicada pelo fato de que, no questionário, a pergunta acerca da dificuldade de utilização de algum EPI era seguida da pergunta dos motivos para a dificuldade de utilizá-los, sendo que muitos dos participantes só recordaram de algumas dificuldades ao ler a segunda pergunta e muitas vezes esqueciam-se de completar a primeira pergunta sobre qual seria esse EPI (anexo 1). De maneira semelhante, a dificuldade do uso da máscara facial foi mencionada por seis trabalhadores, e um número superior (13) afirmou ter dificuldade de usá-la devido à sensação de sufocamento, indisponibilidade na unidade, desconforto, esquecimento, dificuldade de comunicação com a vítima e embaçamento das lentes dos óculos. Quanto aos óculos de proteção, a dificuldade de sua utilização esteve relacionada principalmente ao fato de seu uso ser coletivo, isto é, os óculos não são entregues individualmente para cada um usar o seu, mas sim ficam disponibilizados para todos em um local específico por viatura, conforme observado no Figura 1.


Figura 1. Distribuição das causas de dificuldade do uso de óculos de proteção durante os atendimentos no CBMMG. Região Metropolitana de Belo Horizonte, 2010.



Dentre os motivos alegados como dificultadores para a utilização do capote/avental estão: indisponibilidade na viatura 27,3% (9), pouco tempo 6,1% (2), esquecimento 6,1% (2), crença de irrelevância do uso 3% (1).

Para o levantamento do estado sorológico dosmilitares do CBMMG, estes foram questionados quanto aonúmero de doses recebidas para hepatite B, sendo que doze (36,4%) não souberam responder a esta pergunta, Figura 2.


Figura 2. Relação do número de doses recebidas para hepatite B. Região Metropolitana de Belo Horizonte, 2010.



No que se refere ao conhecimento do risco de desenvolver uma infecção após o contato de fluidos corporais da vítima com a mucosa ocular do profissional, 75,8% (25) alegaram existir esse risco se a vítima for portadora de alguma doença infecciosa transmitida pelo sangue. Quanto às doenças possivelmente transmitidas devido à natureza do trabalho do APH, 93,9% (31) indicaram a AIDS, hepatites B e C. E essa mesma porcentagem também respondeu corretamente que as precauções-padrão consistiam na utilização de equipamentos de proteção individual (óculos, máscara, luvas, gorro, capote e sapatos impermeáveis e fechados), lavagem das mãos, vacinação contra hepatite B e descarte do material perfurocortante em recipiente de paredes rígidas.

Entre as soluções utilizadas para a limpeza das superfícies da viatura com presença de sujidade por material biológico, foram relacionados o uso de água oxigenada a 3% ou água e sabão (60,7%), água e sabão seguida de álcool a 70% (12,1%), uso de álcool a 70% ou hipoclorito de sódio a 1% (12,1%), e hipoclorito de sódio (9,1%).


DISCUSSÃO

O predomínio do sexo masculino no presente trabalho corrobora outros estudos envolvendo o atendimento préhospitalar em todo Brasil1,7. Esse resultado entre os bombeiros militares pode ser explicado pelo fato de que, historicamente, os ingressantes na carreira militar deveriam ser homens hígidos para melhor atender às demandas do serviço, que representavam riscos e exigiam muitos esforços físicos, trabalho esse inapropriado para mulheres. Assim, não existiam mulheres trabalhando entre os militares estaduais até 1981. Após essa data, elas passaram a corresponder a 20% do efetivo recrutado e, atualmente, 30%8.

A constatação de que quinze (45,5%) militares não receberam nenhuma informação sobre biossegurança durante os cursos de formação que os capacitaram é preocupante, visto que estão expostos com frequência a material biológico e, consequentemente, apresentam risco de aquisição de microorganismos causadores de infecções durante o atendimento da vítima e, por isso, precisam se prevenir.

Na análise do programa do curso de Técnico em Emergências Médicas ministrado em todos os cursos de formação do CBMMG9, a única menção à biossegurança se encontra em uma ementa com a seguinte descrição:

...aspectos emocionais do cuidado de emergência, combate o estresse, aborda a introdução aos questionamentos aos pacientes em ocorrências críticas, a segurança do cenário, isolamento de fluidos corporais, equipamento de proteção individual e precauções de segurança individual e precauções de segurança que possam assegurar o desempenho prático do socorrista9:3.


De acordo com a definição que se apresenta para os cursos de formação dos militares, especificamente voltados para o aspecto da biossegurança, constata-se a ausência do detalhamento de seus aspectos e nuances em relação ao risco desta clientela, bem como a exploração desta temática em profundidade, que envolve a complexidade do atendimento visando a valorização das recomendações de boas práticas e sua compreensão, impacto e relevância durante o atendimento, visando a assistência em saúde, em qualquer de suas esferas: prevenção de doenças e agravos, promoção e recuperação da saúde.

Outro ponto relevante se refere à contaminação frequente das ambulâncias ou viaturas por material biológico durante o transporte de vítimas, tornando imprescindível a realização da desinfecção das mesmas. O uso de água oxigenada, mencionado por vinte (60,6%) participantes visando à desinfecção das superfícies e equipamentos na presença de material biológico, não é recomendado. O peróxido de hidrogênio, popularmente conhecido como água oxigenada, decompõe-se rapidamente quando em contato com a enzima catalase encontrada no sangue e tecidos, liberando oxigênio. Este efeito pode ser reduzido na presença de matéria orgânica10. Dessa forma, sua utilização por meio da fricção, objetivando a desinfecção de equipamentos e superfícies na presença de material biológico, pode não apresentar o efeito desejado, justificando o abandono de sua prática nas instituições da saúde.

Recomenda-se, no entanto, para os equipamentos não críticos (termômetros, superfícies externas dos estetoscópios dentre outros), na ausência de instruções do fabricante, apenas limpeza, seguida de desinfecção intermediária, com a eliminação das formas bacterianas vegetativas, mas não dos esporos. Para estes equipamentos são usualmente utilizados o álcool etílico, ou isopropílico, na concentração entre 60% e 90% (v/v). E, para as superfícies como piso, paredes, bancadas, mesas e demais estruturas, é necessária a limpeza, sendo indicado o uso de desinfetantes apenas quando da presença de matéria orgânica10-11.

Para a lavagem das mãos, a maioria dos entrevistados demonstrou conhecimento acerca desta recomendação, consoante com outros estudos7. De acordo com o Manual de higiene das mãos (HM) na assistência à saúde da Organização Mundial de Saúde (OMS) de 2009, a HM deve ser feita com água e sabão antes e após o contato com o paciente e antes e após remover luvas estéreis e não estéreis entre outras situações12. Trata-se de um procedimento simples e altamente eficaz, que tem seu aspecto emocional e psicológico fortemente relacionado principalmente para profissionais do APH, que não possuem condições e infraestrutura adequadas durante a assistência prestada. Portanto, a valorização deste ato deve ser intensificada na chegada da viatura no local de espera para novos atendimentos, denominado prontidão de incêndio.

No que diz respeito à atividade antisséptica do álcool a 70%, chama atenção a compreensão equivocada de sua finalidade, demonstrada por 69,7% (23) dos participantes, seja por interpretação ou desconhecimento dos conceitos de esterilização, assepsia, desinfecção e antissepsia. De acordo com o CDC, a esterilização é um processo em que ocorre a destruição ou eliminação de todas as formas microbianas de vida por meio de métodos físicos ou químicos, ação não realizada pelo álcool a 70%. A desinfecção é o processo capaz de eliminar vários ou todos os micro-organismos patogênicos, exceto esporos bacterianos. Ela é realizada no ambiente e em objetos inanimados. A assepsia da pele é o termo utilizado para designar a prevenção do contato com o micro-organismo10.

Além disso, segundo o Manual de HM, a atividade antimicrobiana do álcool advém de sua habilidade de desnaturação das proteínas de alguns vírus, bactérias e fungos, por isso ele é recomendado para antissepsia, não devendo ser utilizado em mãos sujas ou visivelmente contaminadas com material proteico, por exemplo, o sangue12,devido ao risco de redução da sua eficácia.

No que se refere ao descarte dos resíduos gerados do APH, apesar de 60,6% (20) relatarem o uso de saco plástico branco leitoso devidamente identificado, essa porcentagem ainda é insatisfatória, pois o acondicionamento adequado do lixo é uma forma de prevenir e controlar possíveis contaminações. A prática incorreta tem sido apontada em uma amostra semelhante ao do presente estudo, de profissionais do Corpo de Bombeiros, em que se detectou a presença de luvas contaminadas com secreções corpóreas em lixo comum, em recipientes abertos expostos a insetos, evidenciando o desconhecimento dos profissionais ao risco a que estão expostos5.

Observa-se com frequência na literatura o relato de uso de luvas de procedimentos durante todos os atendimentos prestados pelos profissionais da saúde. Entretanto, os demais EPI têm apresentado baixa adesão se comparados às luvas5. Dentre os motivos alegados como dificultadores do uso desses equipamentos estão o fato de que alguns deles são de uso coletivo, esquecimento, dificuldade de comunicação com a vítima, indisponibilidade e embaçamento das lentes dos óculos.

Considera-se o relato de indisponibilidade de EPI um problema grave, e, por isso, buscou-se averiguar essa afirmativa. Dessa forma, verificou-se que a indisponibilidade é um fato que ocorre entre os meses de novembro e março, período em que se fecha o ano financeiro no Estado e todo o crédito é descentralizado para ser empenhando até final de novembro, abrindo o novo ano financeiro a partir de março, geralmente após o carnaval. Assim, o socorrista se encontra muitas vezes exposto ao material biológico, sem proteção devido às questões administrativas voltadas para a aquisição de material.

Esse fato também foi constatado em um trabalho semelhante realizado com os profissionais do Corpo de Bombeiros de Goiás, em que 36,3% (16) dos profissionais alegaram falta de material para proteção individual. Entretanto, a justificativa para a indisponibilidade foi uma ausência de planejamento da distribuição destes materiais, pois o profissional responsável em repô-los era um membro da equipe que nem sempre verificava o estoque na unidade de resgate5. Entretanto, no presente estudo infere-se que tal fato associado à questão financeira administrativa possa ser minimizado com uma possível previsão/planejamento de material antes do fechamento do ano fiscal que contemple um estoque até o próximo ano financeiro.

Quanto à cobertura vacinal, quando abordados sobre o número de doses de vacina, os dados obtidos resultam em grande preocupação tendo em vista que a hepatite B tem um alto poder de infectividade após exposição a material biológico: risco estimado entre 6% e 30%, podendo atingir até 40%, quando inexiste adoção de medidas profiláticas6. Assim, quando comparada à hepatite C e à síndrome da imunodeficiência adquirida (SIDA), cujos riscos de contaminação após acidente percutâneo são, respectivamente de 1,8% (podendo variar de 1 a 10%) e de 0,3 a 0,5%, a hepatite B apresenta maior probabilidade de ser adquirida e é a única passível de prevenção pela imunização6. Sua transmissão ocorre por meio do sangue e demais fluidos orgânicos, sendo a doença infecciosa mais comum entre profissionais da saúde do que na população geral, devido ao maior contato com material biológico em decorrência da profissão; por isso, sua imunização é uma exigência para o exercício da profissão7, 13-14.

O fato de 36,4% dos participantes afirmarem que a realização de exames sorológicos, após o acidente ocupacional, para HIV, hepatite B e hepatite C deve ser feita apenas uma semana após o ocorrido também é preocupante, na medida em que se faz necessário o conhecimento e acompanhamento sorológico com intuito de iniciar medidas profiláticas, capazes de reduzir ou eliminar o risco de desenvolvimento de uma doença.

Quanto aos acidentes, foi necessário incluir nesse item apenas aqueles decorrentes do resgate com envolvimento de fluidos corporais ou materiais cortantes ou perfurantes, uma vez que a quase totalidade dos militares relataram sofrer apenas acidentes por contaminação em águas poluídas.

Apesar de não ter sido averiguada no presente trabalho, a inexistência dos acidentes pode ser justificada pelo fato de que o serviço prestado pelo APH do CBMMG é de suporte básico de vida, o que pressupõe a não realização de procedimentos invasivos.

Todavia, não se descarta a possibilidade de acidentes com materiais perfurantes ou cortantes, visto que esses profissionais têm à disposição bisturis para os atendimentos e estão em risco de se cortarem em ferragens, latarias e vidrarias de veículos. Da mesma forma, a não ocorrência dos acidentes foi registrada entre os profissionais do Corpo de Bombeiros de Goiás, fortalecendo a inferência da subestimação destes, ou mesmo sua subnotificação5. Outro aspecto que merece destaque neste sentido se refere à possibilidade do desconhecimento dos riscos a que estão expostos os profissionais do corpo de bombeiros durante o APH, à negligência dos acidentes por esses profissionais, considerando desnecessária a notificação, por exemplo, de um corte ocorrido na lataria ou ferragens de um veículo.


CONCLUSÕES

Os profissionais do atendimento pré-hospitalar do corpo de bombeiros demonstraram conhecimento sobre precauções-padrão e noções sobre o risco de infecção após contato direto e indireto com material biológico, embora muitos deles tenham relatado ausência de uma disciplina e/ou palestra que trabalhasse a biossegurança ou segurança da vítima durante a formação profissional. Quanto à adesão às recomendações de biossegurança, evidenciou-se que, em alguns aspectos, os socorristas atendem ao preconizado pela literatura, como o descarte de resíduos e o uso de luvas descartáveis, apesar de não representarem a totalidade dos respondentes.

Entretanto, observa-se, como reflexo desse despreparo técnico-científico, a confusão de conceitos gerando atitudes equivocadas, como a crença da capacidade de esterilização das mãos com uso do álcool a 70%, utilização de água oxigenada nos processos de limpeza da viatura na presença de material biológico e desconhecimento de doses recebidas para hepatite B.

No aspecto da formação destes socorristas, inferese também que a abordagem de biossegurança adotada no curso ministrado em todos os níveis de formação da corporação, tem sido insuficiente, superficial e pouco incorporada pelos militares.

Diante dos resultados, espera-se a sensibilização dos profissionais e instituições responsáveis quanto à reavaliação da proposta relacionada à formação dos profissionais do APH, no corpo de bombeiros, na área de biossegurança e saúde ocupacional, à impor tância das parcerias com universidades e secretarias de saúde, no sentido de manter um programa de qualificação e atualização profissional voltado para a temática em questão, bem como à exigência de vacinação contra hepatite B, tétano e difteria conforme recomendação da NR32.


REFERÊNCIAS

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10. Healthcare Infection Control Practices Advisory Committee (HICPAC). Guideline for disinfection and sterilization in healthcare facilities, 2008 [citado em 2010 mar 09]. Chapel Hill(EUA): HICPAC, 2008. Disponível em: <http://www.cdc.gov/ncidod/dhqp/pdf/guidelines/Disinfection_Nov_2008.pdf>.

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ANEXO 1






 

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