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CAPES

Volume 16, Número 4, Out/Dez - 2012

PESQUISA

Contribuição do cuidado clínico de enfermagem para o conforto psicoespiritual de mulheres com infarto agudo do miocárdio

Keila Maria de Azevedo Ponte1
Lúcia de Fátima da Silva2
Antonia Eliana de Araújo Aragão3
Maria Vilani Cavalcante Guedes4
Ivete Palmira Sanson Zagonel5

1. Enfermeira. Doutoranda do Programa de Pós-Graduação Cuidados Clínicos em Enfermagem e Saúde (PPCCLIS) pela Universidade Estadual do Ceará (UECE). Bolsista da Fundação Cearense de Apoio a Pesquisa (FUNCAP). Membro do Grupo de Pesquisa Enfermagem, Educação, Saúde e Sociedade (GRUPEESS), Sobral-CE. Brasil. Email: keilinhaponte@hotmail.com.
2. Enfermeira. Doutora em Enfermagem. Docente dos Cursos de Graduação e do PPCCLIS da UECE. Enfermeira do Hospital de Messejana Dr. Carlos Alberto Studart Gomes. Integrante do GRUPEESS da UECE, Fortaleza-CE. Brasil. Email: luthy2008@hotmail.com.
3. Enfermeira. Doutora em Enfermagem. Coordenadora do Curso de Graduação em Enfermagem do Instituto Superior de Teologia Aplicada (INTA), Sobral-CE. Brasil. Email: antoniaeliana@superig.com.br.
4. Enfermeira. Doutora em Enfermagem. Docente dos Cursos de Graduação e do PPCCLIS da UECE. Líder do GRUPEESS da UECE, Fortaleza-CE. Brasil. Email: vilani.guedes@globo.com.
5. Enfermeira. Doutora em Enfermagem. Docente do Programa de Pós-Graduação em Biotecnologia aplicada à Saúde da Criança e do Adolescente e do Curso de Graduação em Enfermagem das Faculdades Pequeno Príncipe, Curitiba-PR. Brasil. Email: ivetesanzag@yahoo.com.br.

Recebido em 14/03/2012
Reapresentado em 14/07/2012
Aprovado em 20/07/2012

RESUMO

Objetivou-se analisar a contribuição do cuidado clínico de enfermagem para o conforto psicoespiritual de mulheres com Infarto Agudo do Miocárdio (IAM), mediado pela pesquisa-cuidado com base na Teoria do Conforto. Os sujeitos foram nove mulheres admitidas com IAM no período de abril a junho de 2011 em um hospital de Cardiologia em Sobral - Ceará, Brasil. O primeiro encontro ocorreu na admissão e durou em média seis horas; depois ocorreram mais três encontros. Para coleta e análise das informações, foram empregados entrevista individual semiestruturada, diário de campo, observação participante e análise temática categorial de conteúdo. Os cuidados implementados no contexto psicoespiritual foram: fortalecer a espiritualidade, esclarecer sobre o adoecimento, ajudar no enfrentamento da nova condição de saúde e nas situações de confusão mental e desorientação. A percepção do conforto psicoespiritual ocorreu por meio da implementação de cuidados clínicos neste contexto, utilizando-se pesquisa-cuidado com base na Teoria do Conforto.

Palavras-chave: Cuidados de enfermagem. Terapia intensiva. Infarto do miocárdio

INTRODUÇÃO

O cuidado, percebido como uma relação entre profissional de enfermagem e pessoas, é um ato que envolve conhecimento científico e uso de habilidades técnicas para o alcance de uma meta de saúde. Neste artigo, buscou-se analisar a contribuição do cuidado clínico de enfermagem para proporcionar conforto psicoespiritual a mulheres com Infarto Agudo do Miocárdio (IAM).

Para programar cuidados clínicos nessas circunstâncias, o enfermeiro dispõe de tecnologias que favorecem e permeiam o processo de cuidar. Além desta compreensão de práticas de saúde, alguns autores exploram o processo de trabalho em saúde e as tecnologias utilizadas, as quais permitem a criação de práticas inovadoras de processos tecnológicos para enfrentar as necessidades de saúde1.

Por meio do embasamento e da associação da práxis de enfermagem, é possível fortalecer a relação dos envolvidos no processo de cuidar. Nesta perspectiva, o enfermeiro busca como sustentáculos para o cuidar a internalidade da profissão, a reflexão crítica do seu saberfazer, os referenciais teórico-filosóficos da pesquisa científica e as teorias de enfermagem, objetivando contribuir para o cuidar sensível, ético e estético2.

Dessa forma, percebe-se, no âmbito da profissão, a importância de operacionalizar o processo de enfermagem, embasado em teorias que facilitem e permeiem o cuidado. Para direcionar o presente estudo, escolheu-se como fundamento teórico-filosófico a Teoria do Conforto de Katherine Kolcaba, considerando os fatores da referida teoria que condicionam e possibilitam a apreciação investigativa sobre o fenômeno conforto, enquanto meta do cuidado de enfermagem, fornecendo inclusive suporte à coleta, análise e interpretação das informações recolhidas em pesquisas3.

Nessa perspectiva, o conforto é contemplado como uma experiência imediata e holística, que é reforçada por meio de satisfação das necessidades de alívio, tranquilidade e transcendência, presentes em quatro contextos da experiência humana: física, psicoespiritual, sociocultural e ambiental3. Neste artigo foi contemplado o conforto no contexto psicoespiritual.

No adoecimento cardiovascular, a pessoa apresenta comprometimento geral do seu estado de saúde devido à diminuição da força física e cardíaca. Neste sentido, a equipe de enfermagem assume função significativa por ter a missão de ajudar as pessoas a enfrentarem as dificuldades em torno da doença, e de cuidarem de suas necessidades4.

Assim, torna-se relevante a valorização de prevenção e cuidado de doenças coronarianas em mulheres, ajudando a enfrentar a nova condição de existência, conduzindo-as à busca pelo bem-estar possível, principalmente quando estas necessitam de assistência hospitalar. Destaca-se que a hospitalização da pessoa com doença coronariana geralmente ocorre de forma súbita e inesperada, podendo causar-lhe, assim como à sua família, sofrimento, insegurança e angústia pelo medo de morrer5.

Podem ocorrer também alterações capazes de refletir na qualidade de suas vidas e interferir no conforto psicoespiritual. Os enfermeiros podem identificar as causas de desconforto neste contexto e estabelecer um plano de cuidados voltados para as necessidades individuais, visando a obtenção do conforto psicoespiritual necessário ou possível.

O conforto psicoespiritual pertence à consciência interna de si mesmo, incluindo a autoestima, o autoconceito, a sexualidade, o significado na vida de alguém e a relação com o ser mais elevado (Deus). Trata-se da combinação do estado mental, emocional e espiritual3.

Portanto, este estudo teve como objetivo geral analisar a contribuição do cuidado clínico de enfermagem para proporcionar conforto psicoespiritual a mulheres com IAM, e objetivos específicos: identificar as necessidades de conforto psicoespiritual de mulheres com IAM e implementar cuidado clínico de enfermagem para o conforto psicoespiritual de mulheres com IAM, mediado pela pesquisa-cuidado com base no referencial da Teoria do Conforto de Kolcaba.

Justifica-se a realização desta investigação por meio da vivência profissional, acadêmica e familiar das pesquisadoras. Esta pesquisa é relevante por ser extensiva a toda a comunidade hospitalar, inclusive aos gestores, pois, para a implementação do cuidado clínico no ambiente hospitalar, faz-se necessário o rompimento de paradigmas do modelo biomédico por meio da aplicabilidade de cuidados direcionados aos pacientes, com vistas ao alcance de um cuidado de enfermagem inovador e eficaz de excelência.


REFERENCIAL TEÓRICO MÉTODOLÓGICO

Para fundamentação teórica e prática usou-se a Teoria do Conforto de Kolcaba e do desenho qualitativo caracterizado como pesquisa-cuidado. Assim, para viabilizar a pesquisacuidado, propõe-se o seguimento de cinco etapas que se sucedem e que foram seguidas neste estudo, quais sejam: (1) Aproximação com o objeto de estudo; (2) Encontro com o ser pesquisado-cuidado; (3) Estabelecimento das conexões da pesquisa, teoria e prática do cuidado; (4) Afastamento do ser pesquisadora-cuidadora e ser pesquisado-cuidado; (5) Análise do apreendido6.

A primeira etapa ocorreu pela aproximação da pesquisadora com o objeto de estudo na prática assistencial, quando foi realizada extensa revisão de literatura sobre os temas envolvidos. Nesta fase delineiam-se os detalhes da pesquisa6.

Para cumprir a segunda etapa, que corresponde ao encontro com as pesquisadas-cuidadas, é relevante informar que o período da coleta das informações foi de abril a junho de 2011 em um hospital de referência em Cardiologia em Sobral - Ceará, Brasil. Neste período foram admitidas dezoito mulheres com IAM; foram excluídas nove pelas seguintes causas: quatro tiveram óbito na admissão, quatro tiveram admissão entre meia-noite e cinco horas da manhã e uma por não ter sido a primeira internação. Deste modo, nove mulheres formaram o grupo de pesquisadas-cuidadas deste estudo.

O primeiro encontro ocorreu na admissão da pesquisada-cuidada na UCO e durou, em média, seis horas; depois ocorreram mais três encontros de pelo menos quatro horas nos dias seguintes. Para garantir a presença da pesquisadora-cuidadora na admissão da pesquisada-cuidada, um aparelho de celular foi deixado com as enfermeiras da UCO, com vistas a possibilitar sua convocatória imediata diante da chegada de uma mulher com IAM no hospital.

Este estudo foi apreciado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual do Ceará, na qualidade de unidade proponente, sendo aprovado sob o protocolo número 10727050-3 em 17 de fevereiro de 2011. A todas as pesquisadas-cuidadas foi entregue o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, assim como respeitados os princípios éticos da pesquisa com seres humanos.

Na terceira fase da pesquisa-cuidado ocorreu a interação com as pesquisas-cuidadas e a pesquisadora apreendeu o que se deseja pesquisar. Foi o momento de viabilizar a pesquisa e o cuidado6. Deste modo, como meio de aproximar a coleta de informações às premissas do referencial da Teoria do Conforto de Kolcaba, as pesquisadas-cuidadas foram avaliadas holisticamente com vistas a identificar suas necessidades de conforto no contexto psicoespiritual para que pudessem ser implementados os cuidados clínicos de conforto conforme as necessidades por elas apresentadas.

Para o alcance do objetivo da pesquisa, foi apreendido, no discurso das participantes, as referidas necessidades, por meio de uma entrevista semiestruturada, tendo como questão norteadora: O que posso fazer para proporcionar-lhe conforto nesse momento? A pergunta foi aplicada nas primeiras seis horas de interação e por ocasião dos encontros subsequentes, de acordo com a percepção do melhor momento para o questionamento. Realizou-se a escuta das falas sem interferência da pesquisadora-cuidadora, tendo sido registrada por um gravador digital.

Ainda, como meio de coletar informações para o estudo, lançou-se mão da técnica da observação participante e como instrumento de registro o diário de campo; na observação participante, ocorre interação da teoria com a prática para transformar ou implementar ações no meio pesquisado7.

O indivíduo pesquisado foi informado desde o primeiro momento que ocorreria o afastamento da pesquisadoracuidadora no terceiro dia de contato, quarta fase da pesquisacuidado, evitando a expectativa quanto à continuidade do cuidado pela pesquisadora. Naquele momento, foi informado que estaria à disposição, mas para os propósitos do estudo encerravam-se os encontros. Naquelas ocasiões, houve manifestações de gratidão de ambas as partes. As pesquisadascuidadas agradeciam pelos cuidados recebidos, enquanto pesquisadora-cuidadora agradecia pelo aceite em participar da pesquisa.

Atendendo à quinta e última etapa da pesquisa-cuidado, ocorreu a análise do material apreendido, as informações obtidas das entrevistas e do diário de campo foram analisadas por meio da análise temática categorial de conteúdo8.


RESULTADOS E DISCUSSÃO

A pré-análise do material buscou identificar, nos relatos das mulheres, pertinência em relação aos objetivos da pesquisa, homogeneidade do conteúdo abstraído e representatividade das informações. A segunda fase correspondeu à exploração do material, momento em que se realizou o agrupamento das informações similares em quatro temáticas. Ao apresentar as temáticas com a discussão dos resultados obtidos, inseriramse as formas de viabilizar o cuidado que a pesquisadoracuidadora utilizou durante a pesquisa, percorrendo as fases do método de pesquisa-cuidado.

As intervenções para contemplar o contexto psicoespiritual, foco deste artigo, foram implementadas em todos os encontros e ocorriam concomitante à atenção aos contextos físico, ambiental e sociocultural.

Fortalecer a espiritualidade: rezar e orar

A pesquisadora-cuidadora estimulava as mulheres a rezar e se colocava à disposição para partilhar orações. Buscava fortalecer a espiritualidade e a crença em um Ser superior, solicitando que confiassem em Deus, para assim se fortalecerem. Quanto à espiritualidade, buscou-se apreender o significado de um ser superior para elas:

Sou católica, gosto de rezar o terço da misericórdia, da divina providência [...] antes de vir pra cá me vali de Jesus Misericordioso [...] não troco minha religião por religião de ninguém (PC5).


Um dos meios de obter a satisfação do conforto no contexto psicoespiritual é a fé em Deus3. A pesquisadora informava sobre a relevância de se ter fé em Deus naquela situação, para que tudo ocorresse bem, e ainda orientava a orar e agradecer.

Noutra situação, a pesquisadora-cuidadora enfatizou a importância da fé e do crédito de que teria sua saúde novamente diante da revelação de religiosidade da pesquisada-cuidada 6, que dizia ser católica e gostar de rezar:

Confio muito em Deus e Nossa Senhora e sei que eles estão olhando por mim (PC6).

É relevante frisar a importância da manutenção dos hábitos cotidianos no ambiente da hospitalização. Neste estudo em particular, foi possível, por exemplo, manter o costume das pesquisadas-cuidadas de rezar o terço diariamente. É importante estimular a realização de atividades rotineiras de casa que podem ser viabilizadas também no ambiente hospitalar que permitem a sensação de conforto.

Em uma ocasião, a pesquisada-cuidada 5 disse que, apesar de gostar de rezar, não tinha feito suas orações. A pesquisadora-cuidadora ofereceu um terço e disponibilizou-se a rezar junto com ela. Ela contemplou uma imagem disposta na unidade e disse:

Está ali nossa mãe [...] não tinha visto ela ainda [...] sou devota de Nossa Senhora da Conceição [...] (PC5).


A pesquisada-cuidada passou a observar o ambiente em sua volta, sempre contemplando a imagem de Nossa Senhora. Quando a pesquisadora-cuidadora propôs que fizesse uma oração, ela aceitou, perguntando se a pesquisadoracuidadora conhecia a Oração do Poder, e recitou toda a oração. Ela falou também da oração da medalha milagrosa e rezou também o Salmo 91.

Os encontros subsequentes foram ocasiões de resgate dos momentos de aflição pelos quais passaram na admissão hospitalar. Elas se reportavam a um Ser superior (Deus), fornecendo suporte ao conforto espiritual:

[...] e fiquei pedindo a Deus que olhasse por mim [...] (PC1).


Em seu segundo encontro, também, a pesquisadacuidada 2 demonstrou interesse em propagar seu conforto psicoespiritual aos profissionais de saúde:

Vou mandar meus filhos trazer uns terços que tenho para você dar para as pessoas daqui que são católicas (PC2).


No último encontro, a pesquisada-cuidada 2, que fazia questão de testemunhar sua fé, revelou que os filhos haviam trazido os terços e que ela queria que fossem distribuídos aos profissionais de saúde da UCO. A pesquisadora-cuidadora distribuiu-os entre os presentes que agradeciam a paciente, que, por sua vez, demonstrava felicidade pela gratidão expressa por todos.

O conforto espiritual deve ser promovido a todos os pacientes, devendo o enfermeiro identificar a necessidade de cada um, sempre respeitando a religião e crença da pessoa, e, pelo menos em parte, tentar satisfazê-la.

Existe relação positiva entre religiosidade/espiritualidade e doenças cardiovasculares, entre as quais destacam-se menores taxas de depressão e ansiedade, maior sobrevida, menores níveis pressóricos e de complicações no pós-operatório. Assim, com abordagens espirituais, os pacientes podem ter influências positivas em seu tratamento, inclusive conforto9.

Por ocasião do último encontro, quando a pesquisadacuidada 6 foi questionada quanto ao que fazia para se sentir confortável naquele ambiente, ela disse:

Fico aqui deitada olhando o movimento, vendo as meninas (enfermeiras) passar [...] rezo à noite antes de dormir, agradeço a Deus [...] (PC6).


Neste mesmo encontro, a pesquisada-cuidada 9 estava triste, conversando e respondendo pouco às perguntas, estava preocupada com o filho que deixou em casa. A pesquisadoracuidadora procurou confortá-la, assim como perguntou se ela gostaria de rezar como forma de sentir-se mais confortável, e ela aceitou. Sob o prisma do conforto espiritual, por ocasião dos últimos encontros, observaram-se manifestações de gratidão a Deus pela recuperação da saúde.

Esclarecer acerca do adoecimento e da hospitalização: orientar e informar

A todas as mulheres era perguntado se sabiam o que lhes acontecia naquele momento. Tratava-se da demonstração de interesse da pesquisadora-cuidadora em facilitar a interação entre si e promover conforto.

A pesquisadora-cuidadora orientava as mulheres quanto à importância do repouso naquele momento, da necessidade de descansar, sempre enfatizando que estaria ao seu lado para apoiá-las, assim como estimulava o diálogo como meio de promover conforto psicoespiritual. Aproveitava-se a ocasião para orientar acerca dos equipamentos inerentes ao ambiente de terapia intensiva, orientações voltadas para satisfação de necessidades básicas, horários da visita, sobre o adoecimento, a internação e os procedimentos.

Ainda considerando este contexto, aproveitava-se a oportunidade para orientar quanto aos fatores de risco para adoecimento cardiovascular, importância do uso correto das medicações e da regularidade no comparecimento às consultas com os profissionais de saúde. Teve-se o cuidado de, sempre que necessário, retomar pontos de dúvidas e reforço de orientações.

Observou-se que as perspectivas do tempo que ficariam na unidade foi um questionamento presente entre as mulheres, emergindo a importância de mantê-las informadas sobre a média de permanência, como meio de reduzir suas expectativas de saída precoce ou mesmo tardia do setor. Para tanto, fornecer informações quanto ao que está ocorrendo com a pessoa é relevante para possibilitar o conforto. Manter o paciente bem informado lhes proporciona conforto no contexto psicoespiritual3.

Os encontros que sucederam ao primeiro, no segundo dia de internação, caracterizavam-se pelo reforço de esclarecimentos de dúvidas. A mobilidade no leito era questionada como fator de desconforto, a pesquisada-cuidada 2 perguntou:

Posso ficar debruçada (decúbito ventral)? Acho bom dormir debruçada [...] (PC2).


Diante do questionamento, buscou-se, com as mulheres, a melhor posição de conforto. Neste dia, a pesquisadoracuidadora forneceu informações acerca dos cuidados que deveria ter ao retornar para casa, esclareceu sobre o procedimento da alta hospitalar.

É importante ressaltar que a enfermagem deve garantir espaço ao cliente para questionar, retirar suas dúvidas, reduzir suas angústias no processo de cuidar em qualquer cenário ou contexto do processo saúde-doença. Com este fim, acredita-se que estabelecer relação com as pesquisadas-cuidadas fornecendo-lhes informações e esclarecendo suas dúvidas foi um aspecto de grande relevância.

As pesquisadas-cuidadas demonstraram que ser bem informadas e esclarecidas sobre o seu processo de adoecimento foi um fator relevante sobre seu conforto, em especial considerando o contexto psicoespiritual no ambiente hospitalar6.

Ajudar no enfrentamento da nova condição de saúde: escutar e respeitar

Como cuidado clínico de enfermagem que proporcionou conforto às mulheres deste estudo, tem-se a ajuda no enfrentamento das situações emergentes pelo adoecimento cardíaco, como o afastamento do contexto familiar, o medo e a ansiedade diante da hospitalização e a exposição do corpo diante da necessidade de realização dos procedimentos diagnósticos e terapêuticos.

Durante o estudo, identificou-se que a ausência da família nas primeiras horas da internação causou-lhes desconforto. Diante desta constatação, aventa-se que a presença da família nos primeiros momentos do IAM é essencial para adaptação da pessoa neste processo de adoecimento súbito.

Fatores como o confinamento a que o cliente se vê submetido, a distância de casa, a ausência de familiares, desconhecimento do ambiente, contato com pessoas estranhas e equipamentos complexos, são causas de ansiedade, preocupação e desconforto durante a hospitalização em uma unidade de terapia intensiva10.

Diante da demonstração de preocupação das mulheres com suas famílias, a pesquisadora-cuidadora tinha o cuidado de informar-lhes que havia contactado seus familiares, transmitia recados, favorecendo a manutenção de vínculo entre eles. O contato do paciente com o familiar faz lembrar o lar, que é o seu ambiente de conforto; deste modo, durante a hospitalização, o afeto, carinho e atenção recebido dos familiares são cuidados que resultam em sensação de conforto11.

Neste contexto, deve-se enfatizar a importância da participação da família no processo de hospitalização. Durante a visita de uma filha à pesquisada-cuidada 9, foi revelado, em seu diálogo, que esta filha assumia os cuidados com o lar e com o irmão com transtorno mental. Assim, torna-se relevante que a família transmita otimismo e tranquilidade para a pessoa internada.

Quanto ao envolvimento da família junto da pessoa com adoecimento em terapia intensiva, este favorece um cuidado mais humanizado. Contudo, é imprescindível que o enfermeiro dê apoio e orientações para os familiares, levando em consideração que muitos ficam ansiosos ao entrar em Unidade de Terapia Intensiva (UTI)12.

Os segundos encontros foram marcados por informações relativas às condições clínicas, reforçando os aspectos de melhora, como meio de levá-las a um maior conforto psicoespiritual. As pacientes, quando orientadas acerca de seu estado de saúde, ficavam mais tranquilas quanto ao processo de adoecimento vivenciado.

Outro fator que necessitou de cuidados para enfrentamento da nova condição de saúde foi o medo da morte, dos procedimentos, de retorno da dor e, até mesmo de almas. Mais uma vez, merece destaque a importância de manter o paciente esclarecido sobre procedimentos, assim como permanecer junto deles em todos os momentos para promover conforto.

A segunda visita com a pesquisada-cuidada 5 foi marcada por sua demonstração de medo de morrer, por considerar que as pessoas internadas em UTI não voltam mais para casa. Diante daquela situação, a pesquisadora cuidou de esclarecer que sua percepção era equivocada e UTI e UCO são ambientes de luta pela vida, com condições para o restabelecimento de pessoas em situação grave.

Com base neste aspecto, o paciente em UTI fica vulnerável nestes ambientes, por serem destinados a pacientes graves, com possibilidades de morte, e apresenta, com frequência, ansiedade, depressão, raiva, negação e dependência13.

Naquele ínterim, a pesquisada-cuidada 5 revelou sentir saudades de casa, deste modo, considerou-se que a ausência da família seria uma das causas da tristeza que se encontrava desviada para a queixa de medo. A pesquisadora-cuidadora conversou com aquela mulher até mudar o seu foco de medo, e logo ela estava mais tranquila. A implementação destes cuidados foram suficientes para manter a paciente aliviada de suas angústias e medo, deixando-a mais confortável.

Ressalte-se a importância da humanização nos ambientes de terapia intensiva e, para isto, torna-se essencial a existência de comunicação entre a equipe, o paciente e sua família de modo a diminuir as distâncias e fortalecer os laços, respeitando a individualidade13.

Ainda em um segundo encontro, a pesquisadacuidada 3 referiu desconforto por medo de outro paciente hospitalizado que se encontrava em processo de confusão mental. Ao cumprimentar a pesquisadora-cuidadora ela referiu:

A paciente encontrava-se tão assustada que, naquele dia, quando a pesquisadora-cuidadora perguntou o que poderia lhe promover conforto, ela de pronto respondeu que seria impedir que aquele homem lhe fizesse algum mal. Foi lhe garantido que sua segurança seria preservada e a situação estava sob controle da equipe profissional da UCO.

Os terceiros encontros foram marcados também pela percepção de insegurança manifestada pelas pessoas adoecidas. A pesquisada-cuidada 2, por ter apresentado sangramento no sítio de inserção do dispositivo intra-arterial, encontrava-se emocionalmente abalada e receosa de que acontecesse novos episódios. A paciente foi orientada de que a estabilização do resultado de seus exames laboratoriais relativos à coagulação do sangue lhe davam, naquele momento, a segurança de que novos episódios de sangramento não ocorreriam.

Ao referir-se ao temor de encontrar almas de pessoas falecidas, a pesquisada-cuidada 5 perguntou se a pesquisadoracuidadora já havia presenciado o aparecimento de "assombração" nos períodos noturnos. A pesquisadoracuidadora respondeu negativamente e, na ocasião, a paciente referiu ter visto:

Uma criança com gorrinho na cabeça, passando de um lado para o outro (PC5).


Na ocasião a pesquisadora-cuidadora tratou de conversar com a mulher sobre estes acontecimentos, tentando levá-la a crer que se trata de imaginação. Deste modo, é importante dissipar temores que surgem diante de situações estressantes como o adoecimento e hospitalização, e que seja criado um ambiente agradável nos hospitais, para afastar estes pensamentos.

Outro aspecto que merece destaque quanto à ajuda diante do enfrentamento da nova condição de saúde é o cuidado com o respeito ao pudor da clientela cuidada pela Enfermagem. O cuidado com a exposição do corpo foi expresso verbalmente por algumas pesquisadas-cuidadas. Noutras ocasiões, a despeito de não verbalizarem, deixavam subentendido.

Daí revela-se que a equipe de enfermagem deve manter-se atenta e providenciando meios de respeitar a exposição, tais como: uso de biombos de proteção, cuidados com uso de camisola e redução da exposição do corpo, seja para a realização de exame físico seja para execução de procedimentos:

Foi bom colocar a camisola, não fico exposta, tem homem ali e dá para ele me ver (PC2).


Apreende-se a preocupação quanto à exposição do corpo com o depoimento da pesquisada-cuidada 5, que relatou que nunca havia realizado exame de prevenção do colo uterino para não expor sua região genital e, naquele dia, devido ao IAM, teve que ser submetida a tal exposição:

Pra você ver, nunca fiz aquele exame de prevenção que é para não mostrar as partes e agora tive que mostrar [...] (PC5).


Assim, é válido refletir sobre o respeito com o corpo da mulher que está internada, e ressalta-se o cuidado que a pesquisadora-cuidadora teve com a mínima exposição do corpo de suas pesquisadas-cuidadas, o que favoreceu a adaptação à UCO.

Ajudar em situações de confusão mental e desorientação: observar e conversar

Como referido, é comum nos ambientes de terapia intensiva a desorientação relativa ao tempo e espaço:

A gente pensa que todo tempo é noite, vê como estou com a cabeça ruim (PC3).


Em UTI, pequenos detalhes fazem a diferença, como a iluminação natural, a qual confere aos pacientes uma melhor situação quanto ao turno do dia. Alguns leitos da UCO deste estudo dispõem de luz natural. Entretanto, outros serviços não dispõem luz natural, dificultando a orientação dos pacientes. A desorientação causa desconforto.

O último encontro foi marcado pela ocorrência de desorientação de três pesquisadas-cuidadas, coincidentemente as mais idosas. Cerca de 45% a 70% dos pacientes idosos internados em UTI podem apresentar pelo menos um episódio de delirium, caracterizado como um estado de confusão aguda com alterações na cognição e com possibilidades de ocorrer insônia, agitação e alucinações14.

A pesquisada-cuidada 4 foi uma das que apresentou tais manifestações; quando observada, estava ansiosa em companhia de uma nora. A presença e o comportamento afetuoso que a nora demonstrava ao ficar conversando com ela contribuíram para amenizar a sua desorientação naquele momento.

A pesquisada-cuidada 3 também apresentou episódios de desorientação, inclusive uma auxiliar de enfermagem relatou que, na noite anterior à entrevista, ela tinha levantado sozinha do leito. Ao encontrá-la, a pesquisadora-cuidadora investigou o que havia ocorrido:

Acordei desacelerada, me levantei foi sangue para todo o lado (desconectou acesso venoso) [...] estava acelerada, me levantei e fui bater onde os meninos (profissionais de enfermagem) estavam [...] não sabia onde estava, pensei que estava na casa do meu filho [...] (PC3).


Quanto aos cuidados de enfermagem para promover conforto nestas circunstâncias, incluem-se a observação do estado geral, contenção no leito quando necessário, controle da dor, transmitir calma, facilitar orientação no tempo e no espaço, facilitando a comunicação e a presença de pessoas significativas sempre que possível14.

A pesquisadora permaneceu com a paciente, conversou e buscou estratégias para proporcionar conforto: organização dos lençóis, uma posição mais confortável, conversa sobre assuntos diversos deixando-a mais calma. Aquela ocasião revelou a importância de incluir o acompanhante no processo de cuidar, inclusive para orientar quanto à possibilidade daquele tipo de ocorrência. A presença dos familiares permite a sensação de conforto no contexto psicoespiritual.

Como apresentado neste contexto psicoespiritual com base no referencial da Teoria do Conforto de Kolcaba, os cuidados clínicos de enfermagem para promover conforto foram proporcionados conforme se dava o bem-estar psíquico e espiritual.

Para contemplar a terceira fase da análise de conteúdo, o tratamento dos resultados e interpretação, apreendeu-se que a sensação de conforto pelas mulheres com IAM envolve atividades habituais do cotidiano, cuidados básicos e avançados de enfermagem. Contudo, é essencial que o profissional estabeleça vínculo, diálogo e confiança durante o cuidado de modo a possibilitar a identificação das necessidades individuais de conforto e, logo, a implementação dos cuidados de conforto.

Assim, destaca-se que as tecnologias leves são imprescindíveis para a prática de enfermagem no ambiente hospitalar, desde o acolhimento à alta hospitalar, como valorização do diálogo, do toque, da relação de ajuda, da demonstração de preocupação, expressão de afeto e saber ouvir15

A percepção de conforto psicoespiritual foi apresentada pelas pesquisadas-cuidadas e observada pela pesquisadoracuidadora, a partir de cuidados realizados pela pesquisadoracuidadora, profissionais de saúde do hospital e pelos familiares, durante a permanência das participantes do estudo.


CONCLUSÃO

Foi possível identificar as necessidades de conforto no contexto psicoespiritual, bem como implementar cuidados clínicos de enfermagem mediado pela pesquisa-cuidado com base na Teoria do Conforto. Por meio do método de pesquisacuidado, pôde-se observar a contribuição dos cuidados clínicos neste âmbito, pela maneira que se estabelecem a aproximação, o diálogo e as ações de cuidado dispensadas.

Considera-se que a percepção do conforto depende da escolha de cuidados clínicos apropriados em cada situação; assim, este estudo foi relevante por possibilitar maior conforto a partir das necessidades de cada mulher que vivenciou, simultaneamente, o adoecimento e hospitalização.

Nestas circunstâncias, torna-se imprescindível que os enfermeiros assistenciais, gerentes e docentes estejam atentos ao processo de formação e prática clínica profissional, sensibilizando os exercentes da enfermagem para atender às necessidades de conforto psicoespiritual dos pacientes sob seus cuidados.

Contudo, dentre as limitações deste estudo, citam-se: limitação na implementação de alguns cuidados diante das rotinas e/ou protocolos estabelecidos na unidade e a não permanência constante da pesquisadora junto às pesquisadascuidadas, levando a crer que houve certa perda no contato entre um encontro e outro.

Com base no exposto, recomenda-se a realização de pesquisas-cuidado que envolva o cuidado clínico de enfermagem, com vistas à produção de tecnologias leves que fortaleçam o agir cuidativo dos enfermeiros e ao reconhecimento da Enfermagem como ciência humana voltada para o bem-estar dos seres cuidados.


REFERÊNCIAS

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