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Escola Anna Nery Revista de Enfermagem Escola Anna Nery Revista de Enfermagem
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Ministério da Educação
CAPES

Volume 16, Número 3, Jul/Set - 2012

PESQUISA

Reinventando práticas de enfermagem na educação em saúde: teatro com idosos

Cássia Noele Arruda Campos1
Ludmila Capistrano dos Santos 2
Milena Ribeiro de Moura3
Jael Maria de Aquino4
Estela Maria Leite Meirelles Monteiro5

1. Acadêmica da Faculdade de Enfermagem Nossa Senhora das Graças da Universidade de Pernambuco FENSG/UPE. Bolsista de Extensão e Cultura da UPE. Recife-PE. Brasil. E-mail: cassia_noele@hotmail.com.
2. Acadêmica da Faculdade de Enfermagem Nossa Senhora das Graças da Universidade de Pernambuco FENSG/UPE. Olinda-PE. Brasil. E-mail: ludycs@hotmail.com.
3. Acadêmica da Faculdade de Enfermagem Nossa Senhora das Graças da Universidade de Pernambuco FENSG/UPE. Olinda-PE. Brasil. E-mail: milena_ribeiromoura@hotmail.com.
4. Enfermeira. Professora Adjunto da Faculdade de Enfermagem Nossa Senhora das Graças da Universidade de Pernambuco (FENSG-UPE). Doutora em Enfermagem pela EERP/USP. Recife-PE. Brasil. Email: jaelquino@ig.com.br.
5. Enfermeira. Professora Adjunto da FENSG/UPE. Doutora em Enfermagem pela UFC. Docente do Programa Associado de Enfermagem UPE/UEPB. Recife-PE. Brasil. E-mail: estelapf2003@yahoo.com.br.

Recebido em 12/09/2011
Reapresentado em 08/03/2012
Aprovado em 05/04/2012

RESUMO

O estudo apresenta como objetivo elaborar uma intervenção de enfermagem em educação em saúde, com enfoque na promoção à saúde de um grupo de idosos, utilizando como ferramenta as artes cênicas. Trata-se de uma pesquisa-ação, realizada a partir de encontros semanais, definidos previamente, em espaço reservado. Nos encontros, foram trabalhadas as seguintes temáticas: acolhimento; Construção das histórias de vida; Retirando máscaras; Viajando na imaginação/diversidade dos cenários; Trabalhando a emoção - comunicação não verbal; Trabalho corporal - movimentação no palco; Fazendo caras e bocas; Oficina de personagens; Ensaiando uma peça teatral - "O que a vida me ensinou e o que posso lhe adiantar". O teatro se mostrou um excelente instrumento de empoderamento da população idosa, a partir da valorização de suas experiências de vida.

Palavras-chave: Promoção da saúde. Educação em saúde. Idoso. Enfermagem. Arte.

INTRODUÇÃO

Durante muitos anos, pensar em construção de conhecimento era o mesmo que pensar em um modelo educacional onde havia uma dicotomia entre o sujeito e o objeto, ou seja, de um lado estava o objeto a ser estudado/ observado e do outro o sujeito que investiga, que questiona. 1 Atualmente, quando se fala em educação, se remete a autores como Paulo Freire 2, dentre outros, e ao que eles defendem: um método educativo em que os educadores articulam e valorizam as vivências do grupo participante para o processo de construção de conhecimento.

A educação em saúde encontrou na linguagem teatral um meio de aprimorar as relações humanas e a comunicação, permitindo ao profissional de enfermagem uma visão integral do indivíduo. Isso, por que "a linguagem teatral é a linguagem humana por excelência, e a mais essencial. Sobre o palco, os atores fazem exatamente aquilo que fazemos na vida cotidiana, a toda hora e em todo lugar".3

A humanidade está passando por um processo de mudança populacional conhecido por "transição demográfica", em que as diferentes sociedades humanas estão deixando, por condições diferentes (redução da fecundidade, da mortalidade infantil e também da mortalidade em idades mais avançadas), de serem predominantemente jovens e maduras para se transformarem em populações cada vez mais envelhecidas.4

Em uma época em que a expectativa de vida é maior, são necessárias a implementação de políticas públicas que assegurem serviços de qualidade para os idosos, recursos humanos de excelência e conhecimentos específicos para lidar com o grupo etário que mais cresce no Brasil.5

A população idosa, ainda, tem que lidar com a invisibilidade das suas demandas sociais, decorrentes do modelo capitalista vigente em que as pessoas valem pelo que produzem. Neste contexto, ocorrem os processos de exclusão, que são produtos das iniquidades sociais e em saúde, desencadeados pelas dificuldades nas relações familiares e sociais, trazendo a desvalorização dos seus saberes e experiências, quer pelas limitações físicas, econômicas e/ou sociais dos idosos, que passam a sofrer situações de vulnerabilidade.

Como salientado em estudo 6 na cidade de Curitiba, que constatou que os integrantes da equipe da Estratégia Saúde da Família, por meio da visita domiciliar, percebem a violência intrafamiliar contra os idosos, principalmente na forma de abandono/ negligência.

A partir das especificidades dos idosos e da necessidade de aprofundar os conhecimentos da enfermagem ao assistir este grupo etário, esta pesquisa foi realizada com base na seguinte questão norteadora: como articular os conhecimentos em artes cênicas para instrumentalizar os enfermeiros na realização de ações de educação em saúde com grupo de idosos?

Nesta pesquisa, numa perspectiva de inclusão social, optou-se por selecionar idosos para a formação de um grupo, com a pretensão de aprimorar as formas de se trabalhar com esses indivíduos, no intuito de despertar uma maior sensibilidade junto a este público, buscando, através de atividades lúdicas, que a pessoa idosa revele sua criatividade, experiência, sabedoria.

A arte cênica proporciona a valorização dos saberes do indivíduo, em busca da superação de um papel de passividade, como meros receptores de informações, para uma atitude participativa e compartilhada coletivamente, com a valorização de suas histórias de vida, seus conhecimentos, suas vivências.

Diante do exposto, este estudo tem por objetivo elaborar uma intervenção de enfermagem em educação em saúde, com enfoque na promoção à saúde de um grupo de idosos, utilizando as artes cênicas como ferramenta.


MÉTODO

Trata-se de uma pesquisa-ação 7 oriunda da realização de ações de educação em saúde, tendo como ferramenta as artes cênicas, subsidiando o desenvolvimento de encontros semanais com o grupo de idosos.

Participaram 12 integrantes, residentes na comunidade de Santo Amaro, circunvizinha ao campus de saúde da Universidade de Pernambuco - UPE. O desenvolvimento do estudo ocorreu em consonância com a Resolução 196/96 8, com o protocolo nº 301/10 do Comitê de Ética da UPE e aprovação com CAAE- 0295.0.097.000-10. Para assegurar o anonimato dos participantes do estudo, eles foram identificados por nome de flores.

O teatro constitui um recurso metodológico para a formação de um plano de educação, voltado para a promoção da saúde de um grupo de idosos. A arte cênica não foi desenvolvida para eles, mas com eles, pois os idosos compuseram um grupo iniciante no teatro, eles vivenciaram os conhecimentos teórico-práticos, considerando e valorizando suas principais características bio-psico-sócio-culturais.

Previamente aos encontros semanais, foi elaborada uma proposta de ensino com enfoque na educação para a promoção da saúde da população alvo. Esta proposta, norte da pesquisa, foi planejada a partir da identificação de ideias centrais, interrelacionadas e evolutivas, que subsidiaram o estabelecimento das atividades e dos conteúdos teóricopráticos desenvolvidos em cada encontro.

Para fundamentar as ações educativas com a teatralização junto aos idosos, foram planejadas as seguintes temáticas cênicas: Acolhimento; Fazendo caras e bocas (comunicação não verbal); Construção das histórias de vida; Retirando máscaras; Viajando na imaginação/ diversidade dos cenários (movimentação no palco); Oficina de personagens; Construção da peça teatral: "O que a vida me ensinou e o que posso adiantar"; Avaliação teatral.

Com vistas a assegurar a confiabilidade e a validação dos resultados, de modo a atender com rigor os objetivos da pesquisa, na etapa de coleta de dados foi realizada a triangulação de métodos 7, sendo empregados a gravação de voz, o registro fotográfico e a filmagem das posturas e atitudes, possibilitando o acompanhamento da desenvoltura dos participantes do estudo, como protagonistas das histórias de vida por eles construídas e apresentadas, como também o caderno de campo com registro de situações e reflexões que foram evidenciadas durante a realização dos encontros cênicos. A análise desse material, confrontado e enriquecido transversalmente, concorreu para o delineamento de uma transcrição única, compilada e correlacionada em diálogo com a literatura.


RESULTADOS E DISCUSSÃO

1ª Temática - Acolhimento


O acolhimento consistiu no estabelecimento de recepção harmoniosa, valorativa e respeitosa das vivências, experiências e expectativas do grupo de idosos, associado à formação de um ambiente descontraído e propício para iniciar o entrosamento entre os membros do grupo e destes com os educadores(as)/pesquisadores(as).

No primeiro momento, para efetivação da integração do grupo, foi proposta uma dinâmica, na qual os sujeitos formaram um circulo no centro da sala e foi entregue uma bola para ser passada pelos idosos para a pessoa a sua esquerda, ao som de uma música. Quando o som era pausado, o idoso que estivesse com a bola passava a compor um novo círculo, no centro, junto com as educadoras/pesquisadoras. Em seguida, os idosos se apresentavam e expressavam as suas expectativas em relação à ação de educação em saúde com enfoque nas artes cênicas.

A observação do grupo possibilitou verificar a timidez e limitação dos idosos quanto à verbalização, a expressão de seus pensamentos e a realização de atividades como dançar, cantar músicas "do mundo", ou representar temas considerados tabus (que iam contra a religião que pregavam). Discursos como "eu não sei fazer" ou "eu tenho vergonha" também foram comuns, neste momento inicial.

Na segunda etapa do dia, foi exibido, em forma de slides, um texto intitulado "Filosofia para velhice", de George Carlin, que propõe, como regra para uma vida melhor, aprender mais e sempre. O conceito subjacente é que aprender a fazer teatro, e fazê-lo, é uma forma de contribuir para uma vida mais saudável. Durante a exibição da mensagem, uma das mediadoras do grupo lia as frases presentes em cada slide, de modo a permitir que todos, inclusive os idosos com problemas visuais e analfabetos, pudessem entender e participar do momento.

À medida que o texto era lido e as imagens apresentadas, foram observadas expressões de contentamento, risos, algumas lágrimas e concordâncias com o que era falado. Ao final deste segundo momento, foi entregue a cada um deles uma rosa, como ato de boas vindas e demonstração de respeito e carinho por sua presença e por sua contribuição no grupo.

Para encerramento do dia e auxilio na elaboração das atividades a serem desenvolvidas no decorrer do estudo, foi identificado, através de questionário estruturado, o perfil do grupo trabalhado. Desta forma, configurou-se um grupo de 12 integrantes, entre os quais, dois homens e dez mulheres, na faixa etária de 60 a 85 anos, cinco não alfabetizados, seis com ensino fundamental I e apenas um com ensino médio completo. Em relação à situação de saúde, dez idosos sofriam de hipertensão, um era portador de diabetes e três relataram "estresse".

Convém ressaltar que o idoso traz consigo transformações biopsicossociais que incitam mudanças em sua vida. Estas modificações estão, muitas vezes, relacionadas ao desgaste fisiológico, psíquico e emocional.

2ª Temática - Fazendo caras e bocas

O teatro, assim como a dança, música e outros trabalhos corporais são utilizados como recurso para a compreensão do sujeito em um olhar que privilegia o corpo e suas potencialidades, possibilitando atos criativos, expressivos, mediadores da comunicação entre as pessoas, redescoberta de habilidades e de novos jeitos de viver.9

A comunicação não verbal envolve todas as manifestações de comportamento que não são expressas por palavras, como gestos, expressões faciais, orientações do corpo, posturas, relação de distância entre os indivíduos e, ainda, organização dos objetos no espaço, podendo ser observada nas diversas formas de expressão humana. 10 Dentro desse contexto, a linguagem corporal nada mais é que uma das categorias da comunicação não verbal, e um dos temas mais importantes dessa linguagem são os das expressões faciais.

A dinâmica "Fazendo Caras e Bocas" apresentou como objetivo primordial inserir os idosos na arte do teatro ao mesmo tempo em que eram promovidas ações que lhes possibilitassem novas formas de ser e estar no mundo constituindo um laboratório teatral.

Ao iniciar a atividade, foi explicado que cada vez que uma situação fosse descrita eles teriam de interpretá-la. Um educador/pesquisador guiou à dinâmica, sugerindo que o grupo utilizasse de expressões faciais e da linguagem corporal para caracterizar sentimentos e emoções, como atividade lúdica para estabelecer uma aproximação do grupo com a arte de interpretar papéis diversos.

A atividade foi iniciada com o sentimento "tristeza": todos fizeram um semblante triste, alguns levaram as mãos aos olhos. Em seguida, lançou-se o oposto, a sensação de "felicidade", e obteve-se por resposta um ambiente de sorrisos, palmas e gritos eufóricos. Posteriormente, foram induzidos a demonstrar "nervosismo" e, em uma primeira atitude, eles colocaram as mãos nos cabelos, como se quisessem arrancá-los.

Dando sequência, pediu-se que representassem o "medo": neste momento, olhares desconfiados e aflitos surgiram na sala. Em seguida, lhes foi solicitado que se imaginassem numa montanha russa e, apesar de nunca terem vivenciado esta situação, os idosos se utilizaram de imagens captadas na mídia, respondendo com gritarias e gargalhadas.

E como a proposta educativa foi pautada na autonomia do grupo envolvido, os convidamos que propusessem um sentimento e/ou emoção a serem interpretados. Eles sugeriram "cansaço", através da face e da postura. Imediatamente foram observados ombros caídos, braços soltos, expressões ofegantes e olhares baixos. A atividade foi finalizada com a solicitação aos idosos de que sentassem em posição confortável e respirassem calmamente.

A linguagem corporal, aqui trabalhada, busca demonstrar e interpretar ações, sentimentos, emoções, de uma forma integralizada. Seja no palco do teatro ou no palco da vida.


3ª Temática - Construção das histórias de vida

As histórias de vida são importantes para que se possa trabalhar a imaginação, uma vez que os personagens fictícios são inventados a partir de uma verdade. Desse modo, as vivências e experiências dos participantes - expressas por preocupações, medos, certezas, seguranças - são traçadas ao compartilharem suas histórias. No teatro, trabalha-se com a reflexão, com a comunicação, e, no desenvolvimento da temática, o idoso foi estimulado a comunicar-se, fortalecendo suas relações interpessoais.

A interação e as atividades em grupos, com pessoas da própria geração e com experiências semelhantes, favorecem o bem-estar do indivíduo, trazendo, como consequência, a construção de significados comuns, uma troca maior de experiências e contatos sociais.11

Iniciando a atividade referente a este encontro, foi solicitado aos atores-idosos que relatassem uma situação vivida que exemplificasse cada um dos sentimentos aflorados na temática "Fazendo caras e bocas", do encontro anterior. Atentase sobre a importância de se falar para o grupo, para que todos possam compartilhar, entender e respeitar o sentimento do outro, abrindo uma possibilidade para ajuda e diálogo:

"Eu tenho um filho que me dá muita dor de cabeça. Ele, às vezes, chega em casa, fica quebrando as coisas..." - À medida que ela vai verbalizando, observa-se uma mudança na expressão facial e entonação vocal. - "Mas como eu sou uma mãe que não acoito, que sou brabona, eu disse a ele: eu vou buscar os 'home', só para fazer o medo. Ele foge com medo". (Hortência)

"Eu queria ter mais contato com a minha filha. Perdi o contato com ela quando ela ficou noiva de um rapaz. Ele trabalhava na secretaria de educação. A mãe dele não queria não, porque dizia que ela era filha de empregada. Hoje em dia ela não liga pra mim". (Tulipa)

"Meu problema é que eu moro com 4 pessoas e só vivo na solidão. Quando eu chego em casa de noite, ninguém olha para minha cara, eu já tomei banho, já jantei e vou para cama, orar para Jesus para minha saúde, o pouco que eu tenho". (Orquídia)


Durante esta atividade, foi observada, nos participantes do grupo, uma maior confiança em expressarem relatos marcantes de suas vidas. A timidez e postura passiva iniciais estavam sendo transformadas em atitudes participativas, ocupando os espaços de diálogo e de trabalho corporal.

A oportunidade de expressarem seus sentimentos e vivências, mesmo que dolorosos e tristes, proporcionou aos atores-idosos uma sensação de leveza pelo momento de escuta e acolhimento, expresso nas falas:

"...foi bom ter vindo, estar aqui, ter aprendido bastante"(Cravo);

"Ótimo! Tô muito feliz... se Deus quiser, toda quinta eu tô aqui"(Gérbera).


4ª Temática: Retirando máscaras

A velhice é caracterizada por uma redução da adaptabilidade social, ocasionada pela aposentadoria e pela diminuição do poder aquisitivo, havendo, ainda, uma redução do suporte social 12, decorrente da perda de familiares e amigos, com um consequente isolamento social. Além disso, o idoso tem de lidar com estigmas, estereótipos e preconceitos gerados e cultuados na sociedade para com este segmento da população.13

As dificuldades de relacionamentos e de comunicação na terceira idade são norteadores de um sentimento de autodesvalorização. É de fundamental importância, portanto, que essas relações sejam incitadas e cultivadas, mas que sejam pautadas, primordialmente, pela afetividade. Pois, o afeto, ainda, é o princípio norteador da autoestima.14

A proposta deste encontro foi incentivar o grupo a despojar-se de suas máscaras, de mostrar-se, de descortinar seus pensamentos, atitudes, gostos, preconceitos e desejos, sem medo de ser rejeitado e/ou descriminado. A possibilidade de mudanças na autoimagem contribui para o sentimento de autoestima e como motivação para o autocuidado.

Através de uma caixinha de madeira com tampa contendo na parte interna um espelho inserido, os participantes foram orientados a abrir a caixa e falar das principais características da pessoa que estavam vendo, sem revelar os nomes. A dinâmica propiciou a construção da autoimagem, estimulando a comunicação e a interação do grupo:

"Nem é ciumenta. É boa, tem um bom coração, não faz maldade com ninguém. Faz caridade, dentro das minhas condições. Trabalhadeira. Gosta de passear. É tudo de bom". (Gérbera)

"Sempre de coração limpo. Amoroso. Trabalhador. Livre e gosta de viver." (Cravo)


Um riso tímido marca o semblante da participante seguinte ao perceber sua imagem refletida e que deve falar de si:

"Tem pena de quem está sofrendo. Gosta de ajudar. É um pouco brava quando pisa no "calo"dela. Mas, ela é muito boa mesmo. Gosta de fazer carinho nas pessoas".(Jasmim)


Ao fixarem a atenção em si, com interesse em expressar suas características e sua autopercepção, foi vivenciado um movimento valorativo do idoso em sua completude: seu modo de perceber o mundo, de estabelecer relação interpessoal, de suas necessidades, de expressar e receber carinho.

5ª Temática - Viajando na imaginação/diversidade dos cenários

A próxima etapa da pesquisa tem como proposta trabalhar o imaginário do grupo de idosos, estimulando a exposição de ideias e a criatividade na apresentação de propostas de cenas teatrais oriundas de suas vivências, de seus aprendizados, contextualizadas com sua realidade e com seus valores morais, religiosos e culturais.

Para cada dupla de atores idosos havia um educador/ pesquisador auxiliando a produção da cena. Os temas dispostos foram elaborados a partir das vivências entre o grupo. Foram escolhidos:

-Educação é importante

-Violência não!


Foi, então, pedido para que cada dupla simulasse uma situação que vivenciaram ou que gostariam de vivenciar, tendo como foco os temas escolhidos. Neste momento, os idosos receberam orientações mais específicas quanto à postura em cena: o posicionamento no palco, a entonação vocal, a gesticulação e a interação com os demais participantes.

Ao anunciar a atividade, observou-se, através de gestos e expressões faciais, o receio do "fazer errado", do "não saber fazer", e justificaram (verbalmente) com o fato de que não tiveram a oportunidade de estudar e, por isso, não saberiam fazer o que se propunha. Os educadores(as)/pesquisadores(as) afirmaram que o objetivo era trabalhar os conhecimentos próprios e que, sendo assim, não havia melhor pessoa para falar sobre o tema do que cada integrante.

Estabeleceu-se um tempo aproximado de 15 minutos para o desenvolvimento da atividade: cada dupla discutiu, junto com o(a) educador(a)/pesquisador(a), os fatos vivenciados e a melhor forma de apresentar para o grande grupo.

Trecho da cena

Esta cena retrata a violência em uma determinada localidade. Trata-se de um diálogo, em que avó e neto relatam a prisão de um jovem infrator. Há também a participação de uma vizinha, que reforça a questão da luta contra a violência.

Júnior: Vó, eu não tô acreditando! Prenderam o filho de D. Lúcia, que estava assaltando com uma arma aí na esquina, vó.

Lúcia: Jesus tende misericórdia desse moço, meu Deus! E você tá bem, meu filho? (Hortência)

Júnior: Estou, minha vó. O mundo está perdido.O que se pode fazer? O que a gente pode fazer para mudar esta situação?

Nora: O caminho é pela educação em casa, pois tem muita família por aí que é desestruturada, às vezes porque não tem muitas condições. (Gérbera)

Lúcia: E ainda tem a escola, né? Que hoje em dia tão mais fraquinhas para ensinar. Tão desvalorizadas. (Hortência)

Nora: A violência tá demais. Tá demais! Tem que acabar. (Gérbera)


A possibilidade de se adaptar a novos papéis, a capacidade para interpretar situações do cotidiano, possibilita reflexões e conscientização no modo dos idosos realizarem a leitura de mundo. Portanto, empregar a teatralização como ferramenta de educação popular em saúde, para um público que está à margem da sociedade, se constitui um desafio singular à enfermagem.

6ª Temática - Oficina de Personagens

A oficina de personagens experimentou as bases para a interpretação pelos participantes. Com o objetivo de revelar a desenvoltura em cena, a construção da imagem corporal e expressão vocal foram desenvolvidas para a criação autoral dos personagens pelos idosos, com o apoio dos educadores(as)/pesquisadores(as).

O ator precisa viver o papel, construir o seu personagem, empenhando a própria vida na vida suposta do papel representado, experimentando intensamente os sentimentos que dão sustentabilidade ao papel.15

A atividade realizada consistiu na composição de alguns personagens para o primeiro ato da peça "O que a vida me ensinou e o que posso lhe adiantar".

O princípio do processo da dramatização se deu através de um roteiro construído pelos educadores(as)/ pesquisadores(as). A composição do texto foi embasada nas histórias de vida relatadas nos encontros, numa linguagem objetiva, pertinente com a compreensão dos participantes.

A história focou a percepção das relações amorosas entre diferentes gerações, elegendo como protagonistas um casal de idosos e seu neto (personagem interpretado por um educador/pesquisador). As falas textuais permitiram a liberdade e a criatividade dos idosos, privilegiando a improvisação de cada um. A indumentária proposta para os personagens respeitou a personalidade de cada idoso. O cenário foi estruturado a reproduzir um ambiente interno de uma residência, destacando a ambientação de uma sala de estar.

Os educadores/pesquisadores optaram por fazer uma breve leitura do 1º ato da peça com o grupo e voluntariamente apareceram os primeiros candidatos. A peça inicia-se pelo personagem do neto discutindo o relacionamento com a namorada pelo celular por motivos de ciúme. Exaltado, passa pelos avôs que estão na sala de estar que, ao ouvir a discussão, querem saber o motivo, mas ficam sem resposta. Esta situação faz o casal se remeter aos tempos de juventude, abrindo um parêntese nostálgico na cena.

Vó Nane: Nada é mais como antigamente.

Vô Chico: Lembra quando a gente namorava? Tínhamos o respeito de pegar na mão, eu ia visitar você em casa e só podia namorar com alguém junto. E quando a luz do candeeiro apagava era hora de ir embora.

"A memória é o momento de desempenhar a alta função da lembrança. Não porque as sensações enfraquecem, mas porque o interesse se desloca, as reflexões seguem outra linha e dobram-se sobre a quintessência do vivido. Cresce a nitidez e o número das imagens de outrora e esta faculdade de relembrar exige um espírito desperto, a capacidade de não confundir a vida atual com a que passou, de reconhecer as lembranças e opô-las às imagens de agora". 16:413


Através da auto-observação nasce o teatro, sendo a primeira invenção humana, a que possibilitou todas as outras invenções e descobertas. O autoconhecimento permite ser sujeito de outro sujeito, possibilitando imaginar variantes ao agir, descobrindo alternativas.17

7ª Temática - Construção da Peça Teatral "O que a vida me ensinou e o que eu posso lhe adiantar"

A justificativa principal de se trabalhar as histórias de vida dos idosos foi para utilizar essas vivências e experiências na construção da peça de teatro. É de conhecimento geral que uma das características marcantes do avanço da idade é a diminuição/perda da memória. Por isso, produzir uma peça teatral a partir dos conhecimentos individuais adquiridos ao longo dos anos teve o objetivo de minimizar a necessidade de memorização de textos.

A peça intitulada "O que a vida me ensinou e o que eu posso lhe adiantar" contou com um elenco de 12 idosos e 3 educador(as)/pesquisador(as), que distribuídos em diferentes cenas, contribuíram para somar e auxiliar os idosos em caso de insegurança.

Após o ato teatral inicial, descrito anteriormente, entraram em cena três idosas, sendo que uma representando a empregada da casa e as outras, as convidadas para a festa. Elas relatavam a dificuldade de namorar já que, naquela época, pegar na mão poderia soar como um desrespeito aos familiares da moça, e o namoro era realizado na sala, na presença dos pais ou irmãos.

No final deste momento de troca de experiências, houve o momento de aconselhamento ao neto: de como um relacionamento deve se comportar para que perdure o amor e o companheirismo entre o casal, adotando atitudes delicadas, pautadas no respeito, na fidelidade e no carinho para com o outro.

O segundo ato correspondeu à festa em comemoração aos 50 anos de casamento. Para marcar a mudança de cenário, tem-se a presença de quatro cantoras de rádio, que interpretam a música "Biquíni de bolinha amarelinha". Em meio à música, os convidados vão chegando e, entre eles, chega uma mãe adolescente com uma criança de colo chorando, sem conseguir acalmá-la. Imediatamente, uma idosa, que na sua vida real trabalhou como parteira, pede para segurar a criança que, de imediato, pára de chorar. Neste momento, são abordados assuntos como gravidez na adolescência, e cuidados na alimentação e no manuseio dos recém-nascidos.

Ao final desta cena, tem-se a apresentação e fechamento da peça com as cantoras de rádio interpretando "Como é grande o meu amor por você", composição de Roberto Carlos. Cada idoso recebe uma rosa das educadoras/ pesquisadoras para que seja jogada para a plateia no final da música.

A peça ensaiada foi inscrita no 1º Festival de Arte e Cultura da UPE e sua apresentação foi envolvida por expectativas. As educadoras/pesquisadoras tiveram a preocupação de aferir a pressão arterial de todos os idosos integrantes do grupo de teatro, considerando que a maioria deles são hipertensos. Foi verificado que todos estavam normotensos e, aparentemente, tranquilos e seguros, no momento anterior a serem conduzidas ao teatro.

O grupo de idosos foi capaz de transmitir através desta peça as suas vivências e experiências ao público, numa forma de mostrar a sua capacidade de produzir e de interpretar, enquanto protagonistas de suas histórias de vida.

8ª Temática - Avaliação Teatral

Ao se estabelecer uma estratégia de educação em saúde, em ar tes cênicas, articulando uma diversidade de saberes e conhecimentos, sobre o objeto saúde, pode-se constatar a ligação estabelecida entre saúde e qualidade de vida, com ênfase na criação de ambientes favoráveis ao desenvolvimento de habilidades pessoais.

As ações de promoção da saúde ao idoso emergem no contexto de intervenções inovadoras, com propostas de apreensão integral dos idosos, enquanto sujeitos autônomos. Os idosos estão potencialmente sob risco não apenas porque envelheceram, mas, em virtude do processo de envelhecimento torná-los mais vulneráveis à incapacidade, em grande medida, decorrente de condições adversas do meio físico, social, ou de questões afetivas. Portanto, o apoio adequado é necessário tanto para os idosos quanto para os que deles cuidam.18

Em um último encontro, realizado após a apresentação de teatro, foi solicitado que os idosos respondessem ao seguinte questionamento: "como você avalia sua participação no Grupo de Teatro para Idosos?"

Através dos depoimentos relatados a seguir, pôde-se comprovar que a experiência em arte cênica se mostrou um excelente instrumento facilitador e acolhedor, no que concerne ao trabalho com a população idosa, por contribuir para o envolvimento e participação ativa dos sujeitos, ao assumirem uma atitude de autoconfiança e crescimento pessoal e um sentimento de liberdade e encantamento diante da vivência de situações que rompem com a rotina de problemas e a carência de atividades de socialização, constituindo uma arena expressiva de sentimentos e emoções.

"Fiquei acanhada no começo, eu era matuta e depois fui me soltando, comecei a gostar de ter os encontros. Antes de eu vir para cá, não tinha o que fazer. Me sentia desocupada. Quando comecei a vir para cá, sentia como se fosse um passeio, aprendia as coisas do teatro e me sentia feliz por aprender algo diferente. Eu nunca pensei em fazer teatro na vida. Na hora da apresentação no Festival achei que não ia conseguir falar, mas ai a gente entrou no palco, e parecia que eu tava em casa. E nem na minha casa eu me solto assim". (Margarida)

"Foi uma maravilha. A gente se sente muito feliz, esfria a cabeça, todos os problemas saem. E eu não vou perder não, próximo ano estarei aqui de novo!". (Gérbera)

"Antes me sentia triste, mas me animei para frequentar os encontros porque os membros me tratavam bem, com alegria, com amor. Hoje me sinto mais feliz. Gostei muito de conhecer os membros do grupo e dos companheiros idosos, e hoje não tenho mais vergonha dos amigos, e tenho mais facilidade para interagir com os outros. Quando subi no palco pensei que as pessoas iriam sorrir de mim, mas depois fiquei emocionada". (Tulipa)


As falas apontam que a atividade de educação em saúde estruturada nos princípios da arte cênica, adaptado as características e peculiaridades do ser idoso contribuiu para ampliação da rede social, da autodeterminação, na melhoria do nível de humor, no preenchimento do tempo ocioso e a descoberta de novas possibilidades de viver/ envelhecer.

O teatro foi o meio escolhido para dar voz a esta população. As estratégias previamente elaboradas permitiram a criação de um ambiente libertário, no qual os indivíduos puderam retratar seus sentimentos, seus pensamentos, suas histórias de vida, seus desejos e sonhos. A todo o momento, houve a preocupação em respeitar os limites dos idosos e valorizar suas peculiaridades. O contexto teatral transpôs o lúdico e revelou-se como estratégia científica para a implantação da saúde popular, viabilizando, ao profissional de enfermagem, a humanização no processo do cuidar.


CONCLUSÃO

O teatro constituiu uma ferramenta de inovação e renovação da prática da enfermagem nas ações de educação em saúde junto a um grupo de idosos. A intervenção de educação em saúde por intermédio da arte cênica veio despertar o desejo de extrapolar as bases tradicionais do pensar, do fazer e do ser em enfermagem, com o compromisso de articular novos saberes e desafios para atuar na promoção em saúde da pessoa idosa.

O idoso constituiu o protagonista central deste estudo e a arte foi pensada e adaptada para atender aos limites e possibilidades deste grupo etário populacional, valorizando seus sonhos, suas crenças, sua cultura, suas habilidades e seus gostos, concomitante com a busca de processos de empoderamento e inclusão social desses idosos.

O processo de educação em saúde, formalizado em ar tes cênicas junto aos idosos, teve como alicerce a construção de uma relação de respeito e parceria, gerando e criando uma ambiência de acolhimento e de aprendizado mútuo, na superação de medos, resistências, mágoas, desesperanças.

Um desafio singular foi estabelecer a confiança dos idosos nos profissionais de saúde (para superar o medo a crítica e a repulsa) e dos profissionais (para superar a visão biologicista, tecnicista e a centralizadora do poder), permitindo-se um conhecimento autentico do sujeito do cuidado, em sua essência humana, dotado de autonomia e de possibilidades.

Foi evidenciado um rompimento do modo de perceber e conviver com o idoso, para além do pensamento superficial propagado no seio de uma sociedade mercantilista e consumista, onde as pessoas são valorativas de aspectos efêmeros, como a beleza, a juventude e o ter, no sentido de acesso financeiro.

O processo educativo em saúde experienciado a partir do método pesquisa-ação restabelece um aprendizado de valores humanos, construídos no convívio com os idosos, nas oportunidades de troca de saberes, nos momentos de pura emoção e sensibilidade, na experiência do encantamento pelas lembranças do passado e pelas descobertas do novo. As falas dos idosos apreendidas na pesquisa-ação evidenciaram que a vivência de educação em saúde estruturada nos fundamentos da arte cênicas contribuiu para ampliação da rede social, da autodeterminação, na melhoria do nível de humor, no preenchimento do tempo ocioso e na descoberta de novas possibilidades de viver/envelhecer.

O estudo desenvolvido foi capaz de aproximar o teatro, muitas vezes tido como movimento cultural elitizado, a um grupo de idosos oriundos de uma comunidade de periferia e teve o propósito de construir um método de intervenção de enfermagem de educação em saúde que facilitasse uma atuação participativa deste grupo através dos encontros cênicos, denominação dada aos momentos educativos.

O teatro constituiu um instrumento de libertação nas falas, nos gestos, nas caras e bocas que os idosos criaram e recriaram em seus personagens, tão significativos e tão importantes como parte de um todo, capaz de fazer o diferente e o diferencial.

Os idosos ousaram, subiram no palco do teatro, acreditando neles próprios, conscientes que eram capazes, encarando a plateia e, mais, deixando seu recado, sua mensagem, seus ensinamentos.

Trabalhar com os idosos na dramatização requereu uma ação continuada, com encontros planejados e discutidos previamente, porém, não inflexíveis, pois os temas constituíam um norte condutor de muita criatividade e sensibilidade.

A educação em saúde, através da arte cênica, congregou conhecimentos teóricos práticos, que propiciaram a participação e empoderamento dos sujeitos participantes do estudo. A atividade educativa também foi estruturada no princípio de acessibilidade, pelo direito de exercer e conhecer a ar te, e no principio da integralidade, pela necessidade da concepção, pelos profissionais de saúde, do ser idoso em seus aspectos bio-psíco-sócio-culturais.

A experiência de permitir-se ir além, fazer diferente, assumir papeis, aprender e ensinar, receber atenção e aplausos, contribuiu para um crescimento humano, individual e coletivo, elevando a auto-imagem e auto-estima dos idosos, e podendo estabelecer novos padrões de relações e convívio com os familiares e com os seus pares.

Participar e compartilhar da intervenção educativa de enfermagem com idosos acrescentou, aos profissionais, a crença de que o caminho está em construção, quando cada um de nós acreditou no outro, possibilitando novos modos de agir e pesquisar em saúde da pessoa idosa com responsabilidade social.


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