ISSN (on-line): 2177-9465
ISSN (impressa): 1414-8145
Escola Anna Nery Revista de Enfermagem Escola Anna Nery Revista de Enfermagem
COPE
ABEC
BVS
CNPQ
FAPERJ
SCIELO
REDALYC
MCTI
Ministério da Educação
CAPES

Volume 16, Número 3, Jul/Set - 2012

PESQUISA

Aspectos epidemiológicos da aids em Florianópolis/SC, Brasil

Janelice de Azevedo Neves Bastiani1
Maria Itayra Coelho de Souza Padilha2

1. Mestre em Enfermagem pela Universidade Federal de Santa Catarina. Enfermeira da Vigilância Epidemiológica da Secretaria Municipal de Saúde de Florianópolis. Professora da Universidade do Vale do Itajaí /Campus Biguaçu. Membro do Grupo de Estudos da História da Enfermagem e Saúde da Universidade Federal de Santa Catarina. São José - SC. Brasil. E-mail: bastiani@ibest.com.br.
2. Professora do Departamento de Enfermagem da UFSC. Doutora em Enfermagem pela Escola Anna Nery da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Pós-Doutora pela Lawrence Bloomberg Faculty of Nursing at University of Toronto/Canada. Coordenadora do Grupo de Estudos da História da Enfermagem e Saúde da Universidade Federal de Santa Catarina. Brasil. Pesquisadora do CNPq. Florianópolis - SC. Brasil. E-mail: padilha@ccs.ufsc.br.

Recebido em 11/07/2011
Reapresentado em 04/01/2012
Aprovado em 05/03/2012

RESUMO

O estudo teve como objetivo descrever os aspectos epidemiológicos das pessoas com 13 anos e mais, com AIDS, residentes em Florianópolis/SC entre 1986 e 2006. Estudo descritivo, transversal, com coleta das variáveis: ano de diagnóstico, sexo, idade, categoria de exposição, escolaridade, cor da pele e Regional de Saúde de residência, no Sistema Nacional de Agravos de Notificação e Sistema de Informação sobre Mortalidade. Constata-se a magnitude da AIDS em homens, com ensino fundamental, de cor da pele branca, idade entre 20 e 49 anos e heterossexuais. Observou-se a vulnerabilidade feminina na redução da razão entre os sexos masculino/feminino no período avaliado. Apresentam-se a base social e a especificidade dos doentes de AIDS em Florianópolis/SC, e sugerem-se investimentos no diagnóstico territorial na Estratégia de Saúde da Família e acompanhamento dos sistemas de informação pelas Regionais de Saúde, para avaliar a eficiência e a efetividade das estratégias de prevenção à AIDS em Florianópolis/SC.

Palavras-chave: Síndrome de imunodeficiência adquirida. Epidemiologia descritiva. Morbidade.

INTRODUÇÃO

A Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS) tornou-se a pior epidemia enfrentada pela humanidade, trazendo sofrimento humano, impactos demográficos, econômicos, culturais e políticos, difundindo-se por diversos países, provocando despovoamento e diminuição da fertilidade, tornando inacessível para muitos doentes o acesso ao tratamento com antirretrovirais.1-2

No Brasil, desde o ano de 1998, duas capitais localizadas na região sul têm alternado os primeiros lugares em incidência de AIDS, são elas Porto Alegre, no Rio Grande do Sul (RS), e Florianópolis, em Santa Catarina (SC). Em 2010, o coeficiente de incidência em Porto Alegre foi 99,8 por 100.000 habitantes e Florianópolis 57,9 por 100.000 habitantes.3-4

Em Santa Catarina(SC), entre 1984 a 2010, foram notificados 30.284 casos de AIDS, desses 23.887 foram em pessoas com 13 anos ou mais de idade; respectivamente, 15.061 casos em homens e 8.827 casos em mulheres, com magnitude na faixa etária entre 30 e 49 anos e categoria de exposição heterossexual.5 A concentração dos casos de AIDS em Santa Catarina estava na região litorânea, com intensa interiorização da doença ao longo dos anos.5

Florianópolis, por sua localização litorânea e potencial turístico, recebeu, a partir da década de 80, investimentos econômicos que resultaram em indicadores socioeconômicos, sanitários, educativos e de saúde que transformaram a cidade em referência quanto à qualidade de vida no Brasil. Pessoas e famílias de vários estratos sociais escolheram fixar e viver na cidade, formando um aglomerado urbano na área insular com 85 comunidades e na área continental com 9 comunidades,5 criando desigualdades sociais e econômicas, que resultaram na concentração da população de baixa renda em encosta e subida de morros, fixação em sub-residência, subemprego, pauperização, dificuldade de deslocamento e acessibilidade às condições básicas de vida.5

O desenho da cidade torna-se preocupante, sob o ponto de vista epidemiológico e de investimento na área de promoção e prevenção a AIDS, necessitando de investimentos em recursos humanos e materiais para atendimento, acompanhamento e tratamento aos doentes.

Reconhecendo as intensas mudanças que Florianópolis viveu a partir da década de 80, escolhemos conhecer a epidemia da AIDS, entre 1986 e 2006, entre as pessoas de 13 anos e mais residentes em Florianópolis/SC. A escolha do recorte temporal justifica-se com a notificação do primeiro caso de AIDS no ano de 1986 e o desmembramento do serviço de prevenção e tratamento a AIDS da região insular de Florianópolis no ano de 2006.

Conhecer e analisar aspectos epidemiológicos dos doentes de AIDS em pessoas com 13 anos ou mais busca auxiliar os gestores e profissionais da saúde no reconhecimento dos segmentos populacionais afetados pela doença, no desenvolvimento de estratégias de enfrentamento e monitoramento das práticas de risco ligadas à infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) e subsidiar os programas governamentais.

A partir dessas reflexões, este estudo tem como objetivo descrever as características epidemiológicas das pessoas com 13 anos e mais doentes de AIDS, residentes em Florianópolis/ SC entre 1986 e 2006.

Dessa forma, é possível entender a trajetória da AIDS em um centro urbano localizado na área litorânea, capital de um estado cuja população, a partir da década de 80, tem perfil social e econômico diferenciado.


MÉTODO

Trata-se de um estudo descritivo, com delineamento transversal. A população do estudo constituiu-se de pessoas com 13 anos e mais que vivem com AIDS em Florianópolis/SC, notificadas entre 1986 e 2006 no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN-AIDS) e Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM).

Até o ano de 2006, Florianópolis possuía um ambulatório de doenças sexualmente transmissíveis (DST) e AIDS localizado na área insular do município. O ambulatório oferecia orientações sobre prevenção e tratamento das DST, aconselhamento em HIV/AIDS, acompanhamento das pessoas com HIV/AIDS, assistência de enfermagem, psicológica e psiquiátrica, entre outros serviços na área de saúde da mulher.6

A Secretaria Municipal de Saúde de Florianópolis estruturou, no final de 2006, as Policlínicas Centro (área insular) e Estreito (área continental), e respectivamente, em cada policlínica, um Serviço de Atendimento Especializado (SAE) e um Centro de Tratamento e Aconselhamento (CTA), além de contar no município com o Projeto de Redução de Danos e a Farmácia Escola (na área insular) para distribuição dos antiretrovirais.6

Os critérios de inclusão dos casos de AIDS foram constar no SINAN-AIDS e atender aos critérios de confirmação de AIDS: CDC + Laboratório, CDC modificado, CDC + Rio de Janeiro/ Caracas, critério Rio de Janeiro/Caracas, critério excepcional CDC, ARC + óbito, critério excepcional de óbito e/ou Critério excepcional ARC (Complexo Relacionado a AIDS ).7

Outro critério de inclusão foram os casos de AIDS notificados no SIM, cuja Declaração de Óbito (DO) consta-se como causa básica/primária ou causa contribuinte/secundária de AIDS, que investigadas pela Vigilância Epidemiológica confirmassem AIDS e que constavam do SINAN-AIDS.

Os critérios de exclusão foram os casos de AIDS em menores de 13 anos, casos que não atendem aos critérios confirmatórios e os casos em duplicidade no SINAN- AIDS e no SIM.

As variáveis de estudo foram o ano de diagnóstico (apresentados nos resultados em dois períodos de diagnóstico 1986 - 1995 e 1996 - 2006), sexo (masculino, feminino e ignorado), 571 faixa etária (< 20 anos, 20 a 29, 30 a 39, 40 a 49, 50 a 59, 60 a mais), cor da pele (branca, outras e ignorada), escolaridade (nenhuma, fundamental, médio, superior, ignorada) e categoria de exposição (acidente de trabalho, bissexual, bissexual/drogas, drogas, hemofílico, hemofílico/drogas, heterossexual, heterossexual com parceiro de risco, heterossexual/drogas, heterossexual/hemofílico, homossexual, homossexual/drogas, ignorada).

Os dados foram captados nos programas SINAN-AIDS e SIM na Vigilância Epidemiológica da Secretaria Municipal de Saúde de Florianópolis entre os meses de março e abril de 2010. Utilizou-se formulário padronizado no registro dos dados, digitados em planilhas do programa Excell, procedendo-se cruzamento das informações, sendo mantidos 3.209 registros de casos de AIDS de pessoas de 13 anos e mais que atendiam aos critérios de inclusão do estudo.

Os dados foram importados para o programa Epi Info 3.5.1 do Centers for Disease Control e analisados com estatística descritiva (frequência e percentagem).


CUIDADOS ÉTICOS

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Santa Catarina em 05 de novembro de 2009, processo 331, Folha de Rosto 290589; com registro no Comitê de Ética em Pesquisa sob o nº 3813.0.000.242-09.


RESULTADOS

Analisando-se os dados das 3.209 pessoas de 13 anos e mais que viveram com AIDS em Florianópolis entre 1986 e 2006, verifica-se que 2.160(67,3%) eram do sexo masculino e 1.049(32,7%) do sexo feminino. Em comparação ao número de casos de AIDS em pessoas com 13 anos e mais e sexo, foi possível constatar o expressivo número de homens com AIDS entre 1986 e 2006, com aumento de casos de AIDS em mulheres entre 1996 e 2006 (Tabela 1).




Considerando-se o aumento de casos de AIDS em mulheres com 13 anos e mais que vivem em Florianópolis entre 1986 e 2006, calculou-se a razão entre o sexo masculino e o sexo feminino. Entre 1986 e 1995, a razão encontrada entre os sexos masculino/feminino foi de 2,9:1 e entre 1996 e 2006 a razão foi de 1,7:1. Houve diminuição da razão entre os sexos masculino e feminino, averiguando-se a vulnerabilidade feminina no período de estudo.

Observaram-se na análise dos dados dos sujeitos do estudo a predominância da cor de pele branca, idade entre 30 e 39 anos, escolaridade fundamental e residência na área da Regional de Saúde Continente (área continental) (Tabela 1). Considerando-se a faixa etária, destaca-se o aumento da incidência de AIDS entre a faixa etária de 30 a 39 anos e o aumento de pessoas residentes na área da Regional de Saúde Centro (área insular) (Tabela 1).

Quanto às notificações de ambos os sexos por ano de diagnóstico, a incidência diminui no sexo masculino a partir de 1986, e, no sexo feminino, a incidência, com algumas variações, cresceu até o ano de 2003 (Gráfico 1).Em relação à categoria de exposição, destaca-se a heterossexual (26,2%), seguida pela categoria de exposição às drogas (26,0%). Entre 1996 e 2006, a categoria de exposição das pessoas com 13 ou mais doentes de AIDS em Florianópolis manteve-se a heterossexual (39,8%), seguida da heterossexual com parceiro de risco (21,4%) (Tabela 2).


Gráfico 1 - Distribuição das pessoas com 13 anos e mais que vivem com HIV/AIDS, segundo sexo e ano de diagnóstico. Florianópolis/SC, Brasil. 1986 - 1995 (n= 3209)




DISCUSSÃO

As características dos sujeitos do presente estudo estão em concordância com aquelas descritas em estudo na população brasileira.8 Em Florianópolis, a epidemia afetou a população masculina adulta jovem, com crescimento dos casos no sexo feminino. Os resultados apontam como fator de risco, no sexo feminino, as relações sexuais sem proteção com parceiros infectados pelo HIV, otimizada pelo crescente aumento de doentes expostos pela categoria de exposição heterossexual, quadro que determina o diagnóstico tardio e o prognóstico incerto entre as mulheres.9

É importante ressaltar que as mulheres casadas acreditavam que estavam invulneráveis a AIDS por terem parceiros sexuais fixos, dispensando o uso de preservativos nas relações sexuais. Tinham dificuldade de negociação quanto ao uso do preservativo, seja pelo modelo educacional recebido quanto à submissão aos desmandos do marido, pela falta de habilidade no uso do diálogo para negociar e/ou pelo medo do estigma e do preconceito social.10-11

Corroborando os dados deste estudo, em outro estudo realizado na Região Metropolitana de Recife, no Estado de Pernambuco, as mulheres casadas reconheceram o casamento como fator de proteção e outras não conheciam a doença, colocando a AIDS como doença "dos outros".10 A colonização de Florianópolis por imigrantes das Ilhas dos Açores, em Portugal, formou uma sociedade de cultura patriarcal, com mulheres silenciosas e introspectivas nos processos de negociação familiar e conjugal.10

O processo de colonização de Florianópolis por imigrantes açorianos pode estar associado ao predomínio da cor de pele branca nos resultados entre as pessoas de 13 anos e mais que viveram com AIDS entre 1986 e 2006; destaca-se o aumento de outras cores de pele, entretanto a variável ignorado se mantém elevada no período do estudo. Durante o processo de imigração, Florianópolis recebeu índios domesticados e, eventualmente escravos negros, já que a cidade servia de entreposto para navegadores e não havia atividade regular para o uso da mão de obra escrava.12 A prevalência da cor de pele branca pode também estar relacionada à vinda de outros imigrantes europeus de outras etnias e à negação do processo de miscigenação pela população de Florianópolis.12

O preenchimento da cor da pele dos pacientes nos formulários de saúde realiza-se de forma dúbia e com dificuldade de classificação pelos profissionais de saúde, desvalorizando a variável epidemiológica e dificultando a fidedignidade das características epidemiológicas dos pacientes. Outro complicador é a junção da cor de pele parda e preta na raça negra, fato que homogeneíza um conjunto com partes heterogêneas quanto à miscigenação racial da população.8

Florianópolis, entretanto, sofreu transformações significativas na estrutura e dinâmica populacional a partir da década de 80, com o incremento do turismo e das atividades produtivas (comércio, construção civil e polo de informática), que trouxe pessoas e famílias oriundas de outras partes do Brasil com destaque para os migrantes dos Estados do Rio Grande do Sul e do Paraná.12-13

A escolaridade predominante entre as pessoas com 13 anos e mais, doentes de AIDS, residentes em Florianópolis entre 1986 e 2006, foi o ensino fundamental. Esse resultado ratifica-se em estudos que relacionam baixa escolaridade e baixo nível socioeconômico e, consequentemente, menos chances de acessibilidade à educação e às orientações de proteção à saúde.14 A escolaridade, que no Brasil identifica a condição socioeconômica da população, entre 1986 e 2006, caracterizou o país em um dos mais desiguais em distribuição de renda.15,16 Entretanto, questionamos quanto a uma superestimativa do resultado, descaracterizando a real evolução da doença quanto à escolaridade e as transformações socioeconômicas da população a partir da década de 80.

Entre 1986 e 2006, a AIDS, comprometeu adultos jovens entre 30 e 39 anos residentes em Florianópolis. Destaca-se o aumento de casos entre adultos jovens com idade entre 20 e 29 anos e 40 e 49 anos. A doença compromete pessoas economicamente e sexualmente ativas, e possivelmente, experienciadores/usuários de drogas lícitas e ilícitas.

A localização de Florianópolis na área litorânea de Santa Catarina intensifica a concentração e o fluxo de pessoas, possibilitando relações sociais e práticas individuais em relação ao sexo e às drogas, que expõem as pessoas ao HIV.15 As relações com o tráfico de drogas e seu consumo no final da década de 80 até meados da década de 90, especialmente a cocaína, evidenciaram a exposição dos usuários de drogas ao HIV/AIDS na Região Sul, afetando, consequentemente, suas parceiras sexuais, resultando em epidemias pontuais em Santa Catarina.2

A mudança no modo de consumo de drogas de injetáveis para inalatórias (crack, ecstasy, cristal, entre outras) e o esgotamento de suscetíveis nas faixas etárias expostas, influenciaram na migração no modo de exposição ao HIV no Brasil. Entretanto, Florianópolis continua contribuindo no aumento de casos de AIDS entre usuários de drogas influenciado pela rota do comércio ilegal das drogas na cidade.14

No Brasil, entre 1986 a 1995, as pessoas afetadas pela AIDS eram do sexo masculino, com idade entre 20 e 49 anos, bom nível escolar e econômico, homossexuais e/ou bissexuais. Entre 1996 e 2006, a AIDS atingiu indivíduos dos sexos masculino e feminino, com baixo nível escolar e econômico, e heterossexuais. Nesses períodos a epidemia concentrava-se nas regiões sul e sudeste.4-5

Os atributos pessoais como sexo, raça/cor da pele, idade e escolaridade da população brasileira recebem codificações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, que são utilizadas pelos profissionais da saúde no preenchimento das notificações dos casos de AIDS. 16,17 Os técnicos da Vigilância Epidemiológica utilizam como fonte dos dados para o preenchimento das fichas de investigações as anotações em prontuários, declarações de óbitos, exames laboratoriais, entre outros, onde devem constar dados preenchidos de forma adequada e fidedigna.17

Os dados coletados pelos técnicos abastecem os sistemas de informações, que analisados geram informações que auxiliam no planejamento das estratégias de promoção, prevenção e tratamento da AIDS. Entretanto, destaca-se a elevada frequência de "ignorado" como resposta das variáveis em Florianópolis, e infere-se que esse resultado seja decorrente da prerrogativa que para o fechamento dos casos de AIDS, as fichas de investigação devem estar totalmente preenchidas ao serem lançadas nos sistemas de informação.

Em 1994, Florianópolis implantou o Programa dos Agentes Comunitários de Saúde (PACS) e, em 1999, o Programa de Saúde da Família (PSF), atual Estratégia de Saúde da Família (ESF). O objetivo é promover o estado de saúde das famílias, prevenir doenças e agravos, oferecer tratamento para recuperação da saúde ou controle das doenças13,17.

Em 1997, Florianópolis possuía 29 Áreas de Indicadores Sociais com população de 21.391 habitantes, em 2007 eram 58 Áreas de Indicadores Sociais com 61.445 habitantes13. As Áreas de Indicadores Sociais (AIS), denominadas bolsões de pobreza (favelas), apresentavam indicadores sociais preocupantes quanto ao acesso a educação, saúde, trabalho, rendimento e moradia/domicílio, com famílias desprovidas de serviços e equipamentos públicos (postos policiais, centros de saúde, escolas, creches, entre outros), o que dificulta a qualidade de vida dos moradores8,18.

Um estudo realizado entre 1991 e 2001 nas AIS em Florianópolis, com intuito de levantar informações que auxiliassem na formulação dos planos de gestão da cidade, identificou que os moradores das AIS residiam na cidade entre 5 e 10 anos; eram adultos jovens, 47% vinham do interior do estado e 10% de outros estados; compunham famílias com 4,3 pessoas, geralmente com uma companheira e de um a dois filhos; 60% não tinham nenhuma escolaridade ou apenas o ensino fundamental; 48% trabalhavam como autônomos e ganhavam, em média, dois salários mínimos por mês. Os adultos jovens eram oriundos de áreas rurais predominantemente do meio oeste e oeste catarinense, sem qualificação profissional e com dificuldade de inserção no mercado de trabalho da cidade.8,13

O Plano de Saúde Municipal da Gestão 2002 a 2005 ressalta a necessidade de investimento nos sistemas de informação quanto ao diagnóstico do território e dos problemas, identificando a AIDS como um problema de saúde pública, assim como da necessidade de organização da Vigilância em Saúde em Florianópolis.13

Florianópolis, entre 1985 a 1987, era composta de seis regiões; e de 1994 aos dias atuais, de cinco regiões. Essas regiões geodemográficas foram denominadas Regional de Saúde Norte, Regional de Saúde Sul, Regional de Saúde Centro, Regional de Saúde Continente e Regional de Saúde Leste13.

As regionais de saúde tinham certo grau de controle dos centros de saúde de sua área de abrangência, estando em dependência do nível municipal quando compunha as equipes de saúde da família, o que ocasionava déficit no número de membros das equipes em relação ao quantitativo populacional. Dessa forma, procedeu-se à descentralização da Vigilância Epidemiológica em cinco núcleos regionais, localizados nas regionais de saúde para agilizar o atendimento, processamento, análise, interpretação de dados e coordenação das ações em DST/AIDS13.

Talvez, a principal limitação do presente estudo esteja na morosidade da notificação e do fechamento das fichas de investigação de AIDS, comprometendo a acessibilidade e atualização do SINAN-AIDS e SIM, que ocorre de forma morosa e atemporal, impossibilitando a coleta de dados acima do recorte de tempo8. Acredita-se que os profissionais de saúde, em todos os níveis da atenção em saúde, capacitados e atualizados em Vigilância Epidemiológica, incidiram notificações e investigações fidedignas em tempo hábil.

Os resultados do estudo trazem subsídios à tomada de decisão na política municipal de prevenção e tratamento da AIDS. A identificação das características epidemiológicas das pessoas com 13 anos e mais, doentes de AIDS, residentes em Florianópolis entre 1986 e 2006, auxilia na identificação dos grupos de risco para os quais devem ser investidas estratégias de prevenção às situações de risco e exposição ao HIV.


CONCLUSÃO

A utilização de fontes de dados secundários como o SINAN-AIDS e o SIM apresenta limitações quanto ao preenchimento de dados; entretanto esse estudo possibilita conhecer características epidemiológicas das pessoas com 13 anos e mais que vivem com AIDS em Florianópolis, cidade que no ano de 2011 apresentou a maior incidência de AIDS em Santa Catarina e a segunda capital da Região sul do Brasil. Os resultados apresentados representam a base social da epidemia da AIDS no município e a especificidade da população atingida.

As características epidemiológicas das pessoas com 13 anos e mais que viveram com AIDS em Florianópolis entre 1986 e 2006 apontam para adultos jovens, do sexo masculino, com idade entre 20 e 49 anos, de cor da pele branca, com ensino fundamental, residentes nas Regionais de Saúde Continente e Regional de Saúde Centro. Essas regionais tinham como característica o adensamento populacional que resultava em inúmeras Áreas de Indicadores Sociais com precariedade no acesso à qualidade de vida e informações em saúde.

É importante ressaltar que vários fatores contribuem para o crescimento da AIDS em Florianópolis, como o crescimento desordenado da cidade que ocasiona adensamento populacional, formando as áreas de indicadores sociais e a facilidade do tráfico de drogas, que resulta no uso e abuso das drogas de pessoas cada vez mais jovens. Esses fatores foram contribuintes para a alta incidência da AIDS em homens e a vulnerabilidade entre as mulheres.

Sugerem-se investimentos nas Equipes de Saúde da Família para o levantamento das características epidemiológicas dos doentes de AIDS em seus territórios e a identificação dos grupos de risco expostos ao HIV, atividade que contribuiria no planejamento local das estratégias de prevenção das populações em situação de risco. Os profissionais de saúde assumem, assim, a postura de interagir com o indivíduo, famílias e coletividade, pois a AIDS atinge pessoas que vivem em qualquer lugar, sejam pobres ou ricos.

Propõe-se, ainda, o acompanhamento dos sistemas de informação SINAN-AIDS e SIM pela Vigilância Epidemiológica das Regionais de Saúde de Florianópolis, além da continuidade do estudo com intuito de avaliar a eficiência e a efetividade das estratégias de prevenção à AIDS em Florianópolis.


REFERÊNCIAS

1. Szwarcwald CL, et al. HIV testing during pregnancy: use of secondary data to estimate 2006 test coverage and prevalence in Brazil. BJID. 2008 jun;12(3):167-72.

2. Barbosa A Jr, Szwarcwald LC, Pascom PAR, Souza PB jr. Tendências da epidemia de AIDS entre subgrupos sob maior risco no Brasil, 1980- 2004. Cad Saude Publica. 2009 abr;25(4):727-37.

3. Secretaria de Estado da Saúde(SC). Diretoria de Vigilância Epidemiológica. A epidemia de AIDS em Santa Catarina: tendências e desafios. 2009. [citado 2009 dez]. Disponível em: http://www.dive.sc.gov.br

4. Ministério da Saúde (BR). Bol Epidemiol DST/AIDS. 2011:8(1) Versão preliminar. [citado 2011 dez]. Disponível em: http://www.aids.gov.br/sites/default/files/anexos/publicacao/2011/50652/vers_o_preliminar_69324.pdf

5. Nascimento KS. A região central de Florianópolis: um abrigo especializado da vida cotidiana: formação histórica, delimitações e problemática nela existente. [citado 2011 dez] Disponível em: http://www.arq.ufsc.br/urbanismo1/2005-1/inicial/inicial_kn.pdf

6. Prefeitura Municipal de Florianópolis. Plano Municipal de Saúde 2007. [citado 2009 dez]. Disponível em: http://www.pmf.sc.gov.br

7. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância Epidemiológica. Guia de vigilância epidemiológica. 7ª ed. Brasília (DF); 2009.

8. Fonseca MGP, Bastos FI. Twenty-five years of the AIDS epidemic in Brazil: principal epidemiological findings 1980-2005. Cad Saude Publica. 2007;23(supl.3):333-43.

9. Fonseca MGP, Lucena FFA, Sousa A, Bastos FI. Aids mortality, "race or color", and social inequality in a context of universal access to highly active antiretroviral therapy (HAART) in Brazil, 1999-2004. Cad Saude Publica. 2007;23(3):445-55.

10. Santos NJS, Barbosa RM, Pinho AA, Vilella WV, Aidar T, Filipe EMV. Contextos de vulnerabilidade para o HIV entre mulheres brasileiras. Cad Saude Publica.2009;25(supl.2):321-33.

11. Tomazelli, et al. Distribuição dos casos de AIDS em mulheres no Rio de Janeiro de 1982 a 1997: uma análise espacial. Cad Saude Publica. 2003 jul/ago;19(4):1049-61.

12. Cardoso FH. A mão-de-obra escrava no povoamento da ilha de Santa Catarina. (citado 2011 jul). Disponível em: http://www.manezinhodailha.com.br/Colonizacao.htm

13. Prefeitura Municipal de Florianópolis. Plano Municipal de Saúde. Gestão 2002 a 2005. [citado 2009 dez]. Disponível em: http://www.pmf.sc.gov.br

14. Bastos FI, Szwarcwald CL. AIDS and pauperization: principal concepts and empirical evidence. Cad Saude Publica. 2000;16(supl 1):565-76.

15. Hacker MA, Kaida A, Hogg RS, Bastos FI. The first ten years: achievements and challenges of the Brazilian program of universal access to HIV/AIDS comprehensive management and care, 1996-2006. Cad Saude Publica. 2007;23(supl 3):345-59.

16. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. Indicadores sociais 2010. [citado 2011 jul]. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/condicaodevida/indicadoresminimos/sinteseindicsociais2010/default.shtm

17. Caiaffa WT, et al. The contribution of two Brazilian multi-center studies to the assessment of HIV and HCV infection and prevention strategies among injecting drug users: the AJUDE-Brasil I and II Projects. Cad Saude Publica. 2006 abr;22:771-82.

18. Andrade HAS, Silva SK, Santos MIPO. Aids in elderly: reports of patients. Esc Anna Nery. 2010 out/dez;14(4):712-19.

 

© Copyright 2024 - Escola Anna Nery Revista de Enfermagem - Todos os Direitos Reservados
GN1