INTRODUÇÃO
O interesse em compartilhar saberes e práticas com os acompanhantes de idosos no âmbito da visita pré-operatória (VPO) está focado especialmente na prevenção ou minimização das complicações pós-operatórias. Este interesse se justifica pela fragilidade das ações educativas voltadas para o cliente cirúrgico, principalmente em se tratando do idoso e seus acompanhantes. Isso porque as pessoas idosas são as mais propensas às complicações pós-operatórias, sendo as respiratórias responsáveis por aproximadamente 40% dos óbitos nesta clientela, relacionados aos possíveis comprometimentos oriundos dos procedimentos cirúrgicos e da anestesia.1 Estas complicações são definidas como uma segunda doença, imprevista, que acontece até trinta dias após o procedimento cirúrgico, ou a exacerbação de uma mesma doença preexistente em decorrência da cirurgia. Embora haja possibilidade de outras complicações, as respiratórias são as mais frequentes e de altos riscos cirúrgicos, contribuindo, assim, para a morbidade e mortalidade perioperatória.2,3.
Apesar de no momento da VPO serem dadas orientações sobre os cuidados relacionados à rotina pré e pósoperatória, observamos que não fazem parte destes cuidados orientações voltadas à prevenção ou minimização de complicações pós-operatórias, especialmente as do tipo respiratório, considerando principalmente sua importância para a pessoa idosa. Sabe-se que o envelhecimento é acompanhado de alterações no sistema respiratório que constituem fator de risco para complicações dele derivadas no pós-operatório, assertiva confirmada por diversos estudos.1,2,4 Isso se faz importante porque é fato que, com o avançar da idade, ocorre significante diminuição da reserva funcional do sistema respiratório, e um número crescente de pacientes idosos está sendo submetido a procedimentos cada vez mais complexos.1
As alterações que ocorrem no sistema respiratório relacionadas à idade afetam a capacidade e a função pulmonares, culminando em: calcificação das cartilagens costais e redução da mobilidade das costelas, diminuição da eficiência dos músculos respiratórios, aumento da rigidez pulmonar e diminuição da área alveolar, dentre outras. A capacidade vital do pulmão diminui, afetando a troca gasosa e a capacidade de difusão, processo pelo qual o oxigênio e o dióxido de carbono são permutados na interface ar-sangue. A diminuição da eficiência da tosse, a menor atividade ciliar e o aumento do espaço morto pulmonar tornam a pessoa idosa mais vulnerável às infecções respiratórias.5 "A presença da dor no pós-operatório dificulta a mobilização ativa, restringe o esforço para a tosse produtiva, leva à hipoventilação e compromete o estado geral do paciente".6:465
A imobilidade no pós-operatório é outro fator considerado importante quando se trata de complicações respiratórias, uma vez que provoca distúrbios na mecânica pulmonar, podendo ocasionar doenças graves, tais como atelectasia e pneumonia hipostática. "A posição deitada gera um acúmulo de líquido na base dos pulmões, que serve de cultura para a proliferação de bactérias".7:154
Os progressos nas técnicas de avaliação e de anestesia e as habilidades de monitorização nos procedimentos cirúrgicos permitem que o cliente idoso tolere bem uma cirurgia eletiva. Porém, ele tem menos reserva fisiológica, ou seja, menos capacidade de um determinado órgão retornar ao normal após um distúrbio em seu equilíbrio do que o paciente jovem, para reagir a um trauma cirúrgico.8 Entre os critérios para ótimos resultados após uma cirurgia em um cliente idoso encontramse o histórico e o tratamento pré-operatório e cuidados pósoperatórios meticulosos e competentes.5
Entre as complicações respiratórias mais frequentes estão: a atelectasia, a pneumonia, a tromboembolia pulmonar e a falência respiratória.4 Faz-se necessário, portanto, investir em ações educativo-cuidativas no período pré-operatório, a fim de prevenir ou minimizar as complicações respiratórias póscirúrgicas que muitas vezes levam os idosos a grande sofrimento, como ventilação mecânica, longa permanência em unidade de terapia intensiva ou, até mesmo, à morte. Porém, muitas vezes os clientes idosos alegam dificuldades para apreender as orientações e por isso preferem que seus acompanhantes conversem com o enfermeiro durante a VPO. Estes, que em sua maioria são familiares e/ou têm envolvimento afetivo com o cliente, sentem o peso desta responsabilidade que, muitas vezes, lhes é imposta, estejam os acompanhantes preparados ou não para tal missão.
Considerar que a família é coparticipante do processo de cuidar é fundamental, pois, diante da necessidade de uma internação hospitalar, o profissional assume a responsabilidade na promoção e manutenção da saúde do cliente por um curto período, quando comparado ao tempo em que a família assume o cuidado junto ao familiar até a sua total recuperação.9
Vários estudos reforçam a importância da presença do acompanhante do idoso, não só pela companhia em si, mas também pela necessidade de que ele obtenha informações que possam melhor orientá-lo no desempenho do papel de cuidador leigo.10
No espaço educativo problematizador, pela crítica e reflexão das situações que se apresentarem mediante a troca dos saberes e práticas dos acompanhantes com os da enfermeira, é possível construir um cuidado compartilhado, pelo qual o conhecimento se dá a partir da experiência do sujeito em um processo de significação. Cabe, portanto, à enfermeira utilizar o período de hospitalização do idoso para desenvolver ações educativas, de natureza dialógica, que permitam esse encontro de saberes, no presente caso, especialmente ações voltadas à prevenção de complicações respiratórias pós-cirúrgicas.
Por isso, optamos por desenvolver um estudo que convirja uma proposta de pesquisa e cuidado destinada a acessar saberes e práticas de acompanhantes sobre a prevenção de complicações respiratórias pós-cirúrgicas no idoso. O objetivo do recorte da pesquisa-dissertação ora apresentada foi: analisar saberes e práticas de acompanhantes voltados à prevenção de complicações respiratórias pós-cirúrgicas no idoso, com vistas a traçar um plano de cuidados a ser implementado junto a esses clientes.
As bases teórico-conceituais do estudo pautaram-se na pedagogia problematizadora.11 De caráter autenticamente reflexivo, implica um constante ato de desvelamento da realidade. Apoia-se na valorização da experiência, na observação da realidade e no diálogo entre os sujeitos envolvidos no processo educativo. O processo ensinoaprendizagem, na abordagem da educação problematizadora, é participativo, permeado pela ação-reflexão, sem dar respostas prontas aos educandos. Propõe a construção conjunta do conhecimento, com participação ativa de todos os sujeitos envolvidos no processo educativo. Cabe ao educador o papel de facilitador desse processo, orientando a discussão de caráter dialógico e problematizador, propiciar aos educandos os meios para a construção do novo conhecimento.11
MÉTODOS
Pesquisa qualitativa, método convergente-assistencial, cuja característica principal consiste "na propriedade de articulação da pesquisa com a prática assistencial. Ela une o saber-pensar ao saber-fazer, ou seja, o profissional, pensa fazendo e faz pensando".12:159
O cenário da pesquisa constituiu-se de unidades de internação cirúrgica onde internam clientes de ambos os sexos que irão se submeter à cirurgia, dentro das especialidades de cirurgia geral e urologia. Os sujeitos foram 14 (quatorze) mulheres acompanhantes (consanguíneas ou não) de clientes idosos internados para se submeterem às seguintes cirurgias: colecistectomia convencional e laparoscópica; herniorrafia inguinal e umbilical; ressecção transuretral (RTU) de próstata e de bexiga. Essas mulheres tinham diferentes vínculos com os idosos: esposa, filha, irmã e neta. As idades das acompanhantes variaram de 23 a 73 anos. O critério de inclusão dos sujeitos na pesquisa foi ser os mesmos acompanhantes de clientes idosos nos períodos pré e pósoperatório, respeitadas as seguintes especificidades deste cliente: internado antes ou no mesmo dia previsto para a cirurgia; submetido à anestesia geral, raquianestesia ou anestesia peridural; e não ter sido encaminhado, como protocolo, ao Centro de Tratamento Intensivo no pósoperatório. Uma vez que a metodologia da Pesquisa Convergente-Assistencial (PCA) não se restringe à aplicação em grupos, podendo ser desenvolvida de forma individual junto aos sujeitos, optamos por essa forma de abordagem, por entendermos que a formação de grupos demandaria mais tempo e afastaria o acompanhante do cliente idoso. Isso poderia causar preocupação a ambos e interferir na qualidade da participação dos sujeitos na produção de dados da pesquisa, por sua vez, no cuidado.
As técnicas de produção de dados desenvolvidas na pesquisa-dissertação foram: a entrevista semiestruturada e a observação participante. Para atender aos objetivos deste recorte de pesquisa, utilizamos os dados oriundos da entrevista na qual se baseou em um roteiro com questões-chave para orientar a discussão e o processo crítico-reflexivo sobre o tema proposto, a saber: 1) Você sabe o que pode acontecer com o pulmão, se depois da cirurgia o idoso ficar muito tempo deitado, sem se movimentar na cama? Fale-me sobre isso. 2) O que você faria antes e depois da cirurgia para evitar que o idoso venha a ter problemas no pulmão depois da cirurgia? Fale-me sobre isso. 3) Onde aprendeu e com quem? 4) Por que você acha que isso faz efeito?
Como forma de aquecimento, as acompanhantes falaram sobre suas próprias experiências ou de familiares acerca de internações, acompanhamentos hospitalares, procedimentos cirúrgicos e de anestesia, a fim de permitir a definição de prioridades e de situações-problema a serem abordadas individualmente. As experiências relatadas foram utilizadas durante a problematização, estabelecendo-se relações com as atuais. Para efeito de facilitação da discussão e do processo educativo implementado, na convergência pesquisa e assistência, foram utilizadas fotos ilustrativas das alterações pulmonares, além de uma bola de soprar (bexiga) com seringa de 20 ml, de modo a simular os movimentos de expansão/retração pulmonar.
Os depoimentos foram gravados e transcritos na íntegra, mantidos os discursos originais dos sujeitos, com signos ortográficos que sinalizavam as pausas, os silêncios, as entonações, entre outras características do discurso verbal. Foram registradas, também, as emoções próprias aos discursos espontâneos, como risos, choros, entre outras. Todo este cuidado teve como propósito a constituição do
corpus qualitativo da pesquisa. Para análise do material discursivo, foi aplicada a técnica de análise de conteúdo temática, adotando-se o procedimento por "milha" na categorização temática. Assim, as categorias não foram determinadas a
priori, mas emergiram das falas dos sujeitos.13
Primeiramente foi feita a leitura flutuante de todo o material na busca do delineamento empírico da pesquisa. O segundo procedimento foi da pré-análise, com vistas à captação dos grandes temas de maior significância, presentes nas falas dos sujeitos. Após esta fase, ocorreu a classificação temática, com vistas à seleção dos temas de maior incidência e, ainda, foi buscada a confluência dos mesmos nos discursos dos sujeitos, ou seja, foram selecionados aqueles que tiveram maior frequência de aparição no conjunto das falas da maioria dos sujeitos da pesquisa. Por último, os temas formaram as categorias temáticas, e os conteúdos das mensagens foram analisados de acordo com o contexto no qual estas foram produzidas, à luz dos conceitos teóricos que serviram de alicerce conceitual para a pesquisa. Destes processos, para o que coube ao atendimento do objetivo do presente recorte de pesquisa, emergiu a categoria de análise "Principais causas de complicações respiratórias no pósoperatório do cliente idoso problematizadas no diálogo com os acompanhantes".
O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho/Universidade Federal do Rio de Janeiro, protocolo no186/10. Todos os sujeitos assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, após terem sido devidamente esclarecidos quanto aos aspectos éticos relacionados aos objetivos e rumos da pesquisa, bem como às formas de produção de dados e inserção no estudo, que também constaram no termo escrito. A identificação dos sujeitos e da pesquisadora foi feita por código alfanumérico. Assim sendo, os acompanhantes foram identificados pela letra 'A'. Após cada letra inserida no texto, foram agregados números arábicos sequenciais, de acordo com a ordem dos participantes na fase de produção dos dados. O cliente idoso foi identificado com as letras 'CI'; e a pesquisadora, com a letra 'P'.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Na busca por uma inter-relação sujeito-pesquisadora a partir do diálogo e da problematização, emergiram vivências e experiências desses acompanhantes sobre o tema em apreço. Neste processo, foi possível a fusão de saberes, técnicos e populares, a caminho da construção do plano compartilhado, no intuito de ofertar o cuidado ao idoso em pós-operatório que pudesse, ao tempo de promover-lhe bem-estar e conforto, prevenir ou minimizar possíveis problemas respiratórios. O diálogo com os acompanhantes a fim de acessar seus saberes e práticas sobre complicações respiratórias pós-cirúrgicas em idosos foi desenvolvido a partir de questões geradoras de debate. Para Freire, o diálogo é condição básica para o conhecimento. O ato de conhecer, segundo ele, "dá-se em um processo social, e o diálogo é, justamente, uma mediação deste processo".14:634 As questões geradoras de debate, em um espaço problematizador, propiciam o diálogo, e, das situações existenciais concretas dos sujeitos, emergem os temas codificados, que são descodificados no aprofundamento da discussão10.
Principais causas de complicações respiratórias no pós-operatório do cliente idoso problematizadas no diálogo com os acompanhantes
As questões enunciadas pela pesquisadora como geradoras de debate conduziram à discussão de quatro principais causas que podem levar a complicações respiratórias no pós-cirúrgico: fisiológicas; restrição à mobilização do idoso no leito; fatores de risco preexistentes e fatores de risco relacionados à localização da cirurgia.
- Fisiológicas: aspectos relacionados ao processo de envelhecimento
Os mais altos riscos cirúrgicos nos pacientes com mais de 60 anos têm associação com a evidência de complicações operatórias. Estas complicações, além de aumentarem a morbidade e a mortalidade no pós-operatório, são, também, responsáveis pelo aumento no custo do tratamento e no tempo de hospitalização.3 O sistema respiratório "sofre alterações inerentes ao envelhecimento, e o conhecimento dessas modificações contribui com a detecção e prevenção de disfunções respiratórias em idosos".15:629 Há dados indicativos de que este sistema orgânico seja o "que envelhece mais rapidamente devido à maior exposição a poluentes ambientais ao longo dos anos".15:631.
As fotos ilustrativas das alterações pulmonares utilizadas na produção de dados da pesquisa junto a acompanhantes facilitaram a discussão sobre as mudanças que ocorrem no pulmão do idoso em decorrência do processo de envelhecimento, relativas à cor e ao tamanho deste órgão. Discutir sobre tais mudanças com os sujeitos levou-os a refletir sobre a importância da prevenção de complicações respiratórias, como se observa no diálogo a seguir, sobre a alteração da cor do pulmão em função da idade:
Já tá baqueadinho [referindo-se ao pulmão do idoso]. (A7)
O que a gente respira hoje em dia, principalmente em cidade grande? (P)
Sujeira, poluição, sujeirada. (A7)
Ele [o pulmão] não dá conta de eliminar tudo isso (...). Então, ao longo do tempo, ele vai ficando escurinho, por causa dessas impurezas. (P)
Aqui [foto] nós temos fotos de um pulmão jovem e um pulmão idoso. Com relação à cor, tem alguma diferença? (P)
É (silêncio). Tem, né (risos). Totalmente, o vermelho e o cinza. O vermelho tá com toda potência (risos), o cinza já tá bem... bem cansadinho, né. (A9)
Com o tempo, com o passar dos anos ele vai mudando de cor. Por quê? Qual é a qualidade do ar que a gente respira hoje em dia? (P)
Ihhh, tudo poluído. Não tem nada saudável. Nós fumamos mais do que o próprio fumante. (A9)
Nossa! Fica assim! [foto] (A14)
Qual a cor [do pulmão] do jovem? (P).
Ah, tá bem mais... vivo, né (risos) (A14)
Ao tempo em que as acompanhantes constatavam a mudança de tonalidade dos pulmões idosos, eram conduzidas à reflexão sobre a importância da qualidade do ar que respiramos, fator que tem influência direta nesse processo. Emergiu de suas falas o seu conhecimento prévio sobre a poluição ambiental e sua relação com a diminuição da vitalidade pulmonar em decorrência do processo de envelhecimento. Os pulmões também sofrem mudanças com relação ao tamanho no decorrer dos anos. Ele fica menor, o que aumenta em 30% o esforço do idoso para respirar; o diafragma se achata, há perdas de elasticidade nos alvéolos, tornando menos eficientes as contrações musculares; os músculos acessórios diminuem de tamanho e força, por sua vez, resultando em diminuição da capacidade respiratória.16
O do idoso [pulmão] é maior ou...? (P)
Menor. Vai diminuindo? (A3)
Tem, o do idoso [foto] tá bem menor. (A9)
É, ele também se recolhe um pouquinho com a idade, ele diminui um pouquinho de tamanho. (P)
Até o idoso diminui. Diminui, vai encolhendo. (A9)
No processo natural do envelhecimento, ele vai diminuindo, vai diminuindo e vai perdendo vitalidade, por isso é tão importante a gente investir nessas ações depois da cirurgia, porque a própria anestesia também já contém drogas que afetam esse funcionamento do pulmão. (P)
Ele diminui... Porque reprime, né, vai reprimindo tudo, vai fechando. (A10)
Ressalta-se que as reflexões de A9 e 10 foram além das características pulmonares e destacaram alterações gerontológicas relativas a outros sistemas orgânicos:
"Até o idoso diminui. (...) vai encolhendo (A9);
"vai reprimindo tudo, vai fechando" (A10).
A linguagem popular observada nas falas das acompanhantes traduz a leitura particular que cada indivíduo faz do mundo, a partir de seu contexto sociocultural. Portanto, deve ser considerada e respeitada no processo de educação em saúde popular, dialógico e democrático.
Trazer essas características do pulmão para o diálogo com os acompanhantes de forma codificada, por meio das fotos que ilustravam variações de cor e tamanho relacionadas à idade cronológica, possibilitou, pelo aprofundamento do diálogo, a reflexão sobre as fragilidades fisiológicas do sistema respiratório decorrentes do processo de envelhecimento. Por conseguinte, opor tunizou a construção de um novo saber sobre a vulnerabilidade do idoso às complicações deste sistema no pósoperatório, lembrando que "as complicações respiratórias estão entre os mais frequentes e sérios problemas encontrados no paciente cirúrgico".5:354
- Restrição à mobilização do idoso no leito
Este tema foi desenvolvido a partir da questão: "o que pode acontecer com o pulmão se depois da cirurgia o idoso ficar muito tempo deitado sem se movimentar na cama?"
Pode causar uma pneumonia, né? (A2)
Bem, vai sufocá-lo, porque... Fica pressionado, né? Então... Acho que ele fica com dificuldade para respirar. Ele não fica livre pra respirar, né? É... pressão [no pulmão] (A4).
Eu acho que ele pode ter uma pneumonia. De ela [idosa] ficar sem a movimentação, sem estar andando, respirando bem.... (A10).
É, pode dar um... é, pneumonia, pode. (A11)
Observa-se que as acompanhantes refletiram sobre a questão que lhes foi colocada à discussão e debate. A4 e A10 associaram, respectivamente, a pressão do leito no tórax e a imobilidade ao desenvolvimento de pneumonia, mostrando a lógica em que se dá a construção do conhecimento do senso comum. No entanto, "esta relação direta por associação de semelhanças e diferenças nem sempre se aplica às enfermidades/situações problema. Daí a importância de se criar espaços de diálogos entre os profissionais e seus clientes/ acompanhantes para oportunizar o compartilhamento de saberes".10:122 Outros sujeitos, contudo, no diálogo empreendido com a pesquisadora, ressaltaram não ter nenhum tipo de saber prévio sobre a questão enunciada:
Eu não sei, é... (...) em relação ao pulmão, eu não recebi nenhuma orientação e eu desconheço mesmo. (A5)
Não, não sei o que poderia acontecer, não. (A6)
Vale ressaltar que A5, única acompanhante com ensino superior completo e A6, que havia cursado o antigo ensino médio completo, apresentava nível de escolaridade acima da média da maioria dos sujeitos, que declararam o antigo ensino fundamental incompleto. Destaca-se que o nível de instrução dos sujeitos não se configurou como diferencial em relação aos seus saberes e práticas. Isso demonstra que se, a escolaridade é importante na aquisição de conhecimentos, a experiência concreta vivida pelos sujeitos também o é. O conhecimento elaborado pelo senso comum está vinculado às estas experiências, ao contexto desses sujeitos, ao mundo em que vivem, ou seja, "à prática como referencial para a realidade e formação do conhecimento do senso comum sobre os objetos que lhes são dados a pensar". 10:119 Assim, o investimento em ações de educação em saúde para acompanhantes deve considerar o 'saber da experiência feito', não para aí se manter, de forma acrítica, quando prejudicial à saúde, mas como ponto de partida para construção de novos saberes.
Eu aprendi assim... cuidando dessa, dessa idosa [referindo-se à experiência prévia, como acompanhante remunerada], fui aprendendo assim mesmo, cuidando (A11).
- Fatores de risco preexistentes
O fumo está entre as principais causas de complicações pós-anestésicas. "Nos tabagistas, a árvore respiratória apresenta-se hiper-reativa, podendo precipitar broncoespasmo, acúmulo de secreções e atelectasia regional".1:462 Tendo isso em conta, o processo de educação em saúde deve problematizar os malefícios causados pelo hábito de fumar, levando à reflexão do consumidor e o conduzindo a uma nova ação com base na tomada de consciência de que este hábito é um significante fator de risco para complicações pulmonares perio-peratórias. Neste sentido, é recomendável a cessação do fumo quatro a seis semanas antes da cirurgia.5 A reflexão sobre o assunto se deu a partir da indagação: "o que fazer antes da cirurgia para evitar complicações respiratórias depois da cirurgia?"
Como leiga, eu acho que tem que parar [de fumar], né. (A14)
O pulmão pode ficar mais frágil por conta do cigarro? Mais propenso a ter complicação? (P)
Se ele for fumante há muitos anos, creio que sim... Eu acho que... se ele [o idoso] parar na semana da cirurgia, eu acho que não vai resolver nada, né (risos) (A14)
O espaço problematizador é instigante e provocador da reflexão. Observa-se que, mesmo não sendo uma experiência vivida por A14, ao ser questionada sobre a possibilidade de o pulmão tornar-se mais frágil pelo uso do cigarro, ela imediatamente relacionou o uso do cigarro ao tempo deste uso e concluiu com uma reflexão crítica destacando que nada adianta parar de fumar na semana da cirurgia. Sua fala sugere seu entendimento de que, ainda que o sujeito pare de fumar próximo à cirurgia, os efeitos do fumo vão permanecer no seu organismo, especialmente no pulmão. Este é um exemplo que ilustra a intenção do processo educativo problematizador: o de, pelo diálogo, alcançar a reflexão e a crítica e, por conseguinte, provocar mudança de atitude. Assim, "o próprio sujeito começa a construir um juízo crítico e a ter condições de discernir acerca dos possíveis malefícios e benefícios trazidos pelo hábito de fumar a sua saúde".17:317
Outro fator de risco para complicações respiratórias no pós-operatório são as doenças pulmonares preexistentes, uma vez que, nesta fase ocorre "demanda aumentada de oxigênio, o que pode precipitar a insuficiência respiratória em pacientes com reser va pulmonar limitada por disfunção preexistente, decor rente de doença pulmonar [...]".4:470 Pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), por exemplo, constituem "grupo de especial vulnerabilidade devido ao fato de frequentemente apresentarem aumento de volume da secreção brônquica, diminuição da atividade ciliar do epitélio e tendência a acúmulo de secreções".6:466
- Fatores de risco relacionados à localização da cirurgia
O local da cirurgia é um dos fatores que podem contribuir para desencadear complicações respiratórias no pós-operatório, face à diminuição da excursão respiratória devido à dor ou curativo compressivo.1 Há associação entre os distúrbios pulmonares provenientes de cirurgias próximas ao diafragma à presença de dor, curativo compressivo e receio pós-operatório, que dificultam a realização de exercícios respiratórios, prejudicam a mobilização ativa, levam à hipoventilação e comprometem o estado geral do paciente. Pelo exposto, tornou-se importante incluir na discussão com os sujeitos a problematização sobre esses fatores. Emergiu da discussão que os sujeitos têm ideia da possibilidade de hipoventilação resultante da presença de dor e medo de respirar, advindos do local da incisão cirúrgica.
Não, e o pior de tudo é o medo que a gente fica [se colocando no lugar do idoso] porque ainda vai ficar um pouco anestesiado. Então, além da anestesia a gente fica com aquele medo de se mover e estourar algum ponto... Sei lá, acontece algo que a gente não quer que aconteça. (A2)
Geralmente quando o paciente vem de uma cirurgia, principalmente no abdome, na parte alta, que ele vai respirar, dói, então, o que ele faz? (P)
Ele restringe a respiração, a respiração. (A5)
Se você for respirar e sentir dor, o que você vai tentar fazer?(P)
Respirar menos (Risos). (A6)
Acho que a pessoa vai se contrair. Acho que ela vai respirar pequeno, porque se contrai e se fecha. (A13)
CONCLUSÃO
Este estudo encontra-se ancorado na necessidade de reflexão e ação educativa do enfermeiro com o acompanhante do idoso em situação cirúrgica, direcionadas para uma visão crítico-reflexiva, permitindo ao acompanhante tornar-se sujeito ativo participante do cuidado. Ao lidar com a situação de doença/cirurgia do cliente, dependente de seus cuidados, vários questionamentos emergiram do acompanhante e muitos destes revelaram a necessidade de apoio e orientação por parte da equipe de enfermagem.
A proposta de educação em saúde problematizadora implementada na pesquisa contribuiu com a construção de um plano de cuidado compartilhado que teve lugar nas etapas subsequentes, que motivou o presente recorte da pesquisa-dissertação. Esta proposta educativa subsidiou os encontros entre a pesquisadora e os sujeitos, buscando acessar por meio do diálogo, da reflexão-crítica e do compartilhamento de ideias, seus saberes e práticas sobre a prevenção de complicações respiratórias no pós-operatório, visando à construção de um cuidado diferenciado. A educação só tem sentido se entendida como intervenção na realidade, e cuja interpretação dos problemas provoque uma atitude capaz de produzir ação.18 Essa assertiva vem ao encontro da metodologia que foi utilizada na pesquisa, a Convergente Assistencial, uma vez que se relaciona estreitamente com a situação social, a fim de ocasionar mudança e introduzir inovações no contexto no qual se desenvolveu a pesquisa e o cuidado.
Face às situações adversas enfrentadas pelos clientes no período perioperatório, particularmente os idosos, considera-se impor tante o desenvolvimento de ações educativas que contemplem todas as fases desse período, com destaque para a visita pré-operatória. Neste momento o enfermeiro poderá conhecer e dirimir eventuais dúvidas, proporcionando ao cliente e seu acompanhante a possibilidade de diálogo para expor seus medos e outros sentimentos derivados do processo cirúrgico como um todo. Além disso, poderá oportunizar a discussão sobre os aspectos inerentes aos cuidados requeridos nas diferentes fases deste processo, para as quais a participação dos sujeitos é essencial. Ademais, integrar o acompanhante efetivamente no processo de cuidado hospitalar poderá contribuir com o cuidado domiciliar, uma vez que a atual política hospitalar visa à diminuição do tempo de internação. Assim, os acompanhantes assumem precocemente o cuidado ao idoso em pós-operatório.
REFERÊNCIAS
1. Fernandes CR, Ruiz Neto PP. O sistema respiratório e o idoso: implicações anestésicas. Rev Bras Anestesiol. 2002 jul/ago;52(4):461-70.
2. Joia Neto L, Thomson JC, Cardoso JR. Complicações respiratórias no pós-operatório de cirurgias eletivas e de urgência e emergência em um Hospital Universitário. J Bras Pneumol. 2005;31(1):41-7.
3. Lenardt MH, Neu DKM, Betiolli SE, Seima MD, Michel T. As concepções do cuidado gerontológico de enfermagem frente às complicações pósoperatórias do idoso. Cogitare Enferm. 2010 jul/set;15(3):420-26.
4. Rodrigues AJ, Évora PRB, Vicente WVA. Complicações respiratórias no pós-operatório. Medicina, Ribeirão Preto. 2008;41(4):469-76.
5. Smeltzer SC, Bare BG. Brunner e Suddarth :Tratado de Enfermagem Médico-Cirúrgica. 11ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2009. v.1.
6. Stracieri LDS. Cuidados e complicações pós-operatórias Medicina, Ribeirão Preto. 2008: 41(4):p.465-68.
7. Cazeiro APM, Peres PT. A terapia ocupacional na prevenção e no tratamento de complicações decorrentes da imobilização no leito. Cad Ter Ocup UFSCar. 2010 maio/ago; 18(2):149-67.
8. Grigoleto ARL, Avelar MCQ, Lacerda RA, Mendonça SHF. Complicações decorrentes do posicionamento cirúrgico de clientes idosos submetidos à cirurgia de quadril. Esc Anna Nery. 2011 jul/set;15(3):531-35.
9. Coelho GS. O fundamental no cuidado junto ao idoso com Alzheimer: vivências e experiências de familiares cuidadores compartilhadas no diálogo grupal [dissertação]. Rio de janeiro: Escola de Enfermagem Anna Nery, Universidade Federal do Rio de janeiro; 2004.
10. Teixeira MLO. Uma tecnologia de processo aplicada junto ao acompanhante no cuidado ao idoso: contribuições à clínica do cuidado de enfermagem [tese]. Rio de Janeiro: Escola de Enfermagem Anna Nery, Universidade Federal do Rio de Janeiro; 2008.
11. Freire P. Pedagogia do oprimido. 48ª ed. São Paulo: Paz e Terra; 2009.
12. Trentini M, Beltrame V. A Pesquisa convergente-assistencial -PCA levada ao real campo de ação de enfermagem. Cogitare Enferm. 2006 maio/ ago; 11(2):p.156-60.
13. Bardin L. Análise de conteúdo. Tradução de. Luís Antero Reto e Augusto Pinheiro. Lisboa: Ed 70; 2010.
14. Miranda KCL, Barroso MGT. A contribuição de Paulo Freire à prática educativa em enfermagem. Rev Latino-Am Enfermagem. 2004 jul/ago;12(4):631-35.
15. Ruivo S, Viana P, Martins C, Baeta C. Efeito do envelhecimento cronológico na função pulmonar: comparação da função respiratória entre adultos e idosos saudáveis. Rev Port Pneumol. 2009 ago;15(4):629-53.
16. Sérvio MP, Alencar EL. Qualidade de vida de idosos com insuficiência cardíaca. [monografia do curso de especialização em Cardiologia] Belo Horizonte: Centro de Pós-graduação, Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais; 2011.
17. Alvim NAT, Ferreira MA. Perspectiva problematizadora da educação popular em saúde e a enfermagem. Texto & Contexto Enferm. 2007 abr/ jun;16(2):315-19.
18. Miranda KCL, Barroso MGT. Aconselhamento em HIV/AIDS: análise à luz de Paulo Freire. Rev Latino-Am Enfermagem. [on- line] 2007 jan./fev;[citado 2010 set 15]15(1):[aprox. 7 telas]. Disponível em http://www.scielo.br.
NOTA
a Recorte de Dissertação de Mestrado, defendida na Escola de Enfermagem Anna Nery/Universidade Federal do Rio de Janeiro (EEAN/UFRJ), em dezembro de 2011.