Volume 10, Número 1, Jan/Mar - 2006
EDITORIAL
Ética na pesquisa de enfermagem
Marcia Tereza Luz Lisboa
Professora Adjunta do Departamento de Enfermagem Fundamental e Coordenadora Adjunta de Pesquisa e Desenvolvimento da EEAN/UFRJ. Coordenadora do Comitê de Ética em Pesquisa da EEAN e HESFA /UFRJ.
Ética é uma palavra de muitos significados. Ela está preocupada em como as pessoas devem agir e se relacionar com os outros. A ética não apenas descreve como as coisas são, mas também se preocupa com o estabelecimento de normas ou padrões para uma vida e conduta ideais. Ela se volta para as questões do bem e do mal, da conduta certa ou errada, do caráter ou das razões.
Segundo Boff, a ética vem do grego ethos e designa a morada humana. O ser humano separa uma parte do mundo para, moldando-a ao seu jeito, construir um abrigo protetor e permanente. A ética, como morada humana, não é algo pronto e construído de uma só vez. O ser humano está sempre tornando habitável a casa que construiu para si. Ético significa, portanto, tudo aquilo que ajuda a tornar melhor o ambiente para que seja uma morada saudável: materialmente sustentável, psicologicamente integrada e espiritualmente fecunda.
O foco das nossas discussões éticas deslocou-se ultimamente do campo da prática, do exercício profissional, para o desenvolvimento ético de nossas pesquisas, situação muito devida à ampliação do domínio das enfermeiras sobre a prática de pesquisa e da expansão dos cursos de pós-graduação em enfermagem.
A Enfermagem já usa e discute assuntos referentes à ética e bioética, na abordagem dos dilemas no cotidiano da prática, dos princípios morais, da ética profissional, dos direitos e das obrigações no cuidado de saúde e dos direitos do paciente (direitos do deficiente físico, do deficiente mental, do paciente psiquiátrico, idoso etc). Faltava à profissão uma abordagem ética explícita de pesquisa. Não que nossas pesquisas estivessem sendo feitas sem ética, até porque esta é uma discussão que tem dez anos no trabalho de campo em pesquisa, no Brasil.
A ciência sempre guardou um lado sombrio sobre os processos que resultaram nas vacinas, descobertas terapêuticas e práticas medicamentosas, para citar algumas áreas típicas de pesquisa com seres humanos. Qual foi o preço (alto) dos seres humanos para contribuir para este desenvolvimento (des)necessário? Ao se estudar a história da ciência, defrontamo-nos com verdadeiras atrocidades realizadas em nome dela. Os experimentos com seres humanos expressam uma equação em cheque, aplicam uma medida de valor considerando na balança sofrimento versus ganho e risco de conseqüências desconhecidas versus recompensas das descobertas científicas.
Desde 1996, a área da saúde está sob influência da Resolução n.º 196/96, do Conselho Nacional de Saúde, do Ministério da Saúde, que orienta sobre a pesquisa com seres humanos. Essa resolução incorpora, sob a ótica do indivíduo e das coletividades, os quatro referenciais básicos da bioética: autonomia, beneficência, não-maleficência, e justiça. Como um padrão da ética, a autonomia refere-se à independência de uma pessoa representando um acordo para se respeitar os direitos do próximo ao determinar o curso da ação. Através do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido dos indivíduos-alvo de uma pesquisa, estamos tratando-os com dignidade, respeitando-os na sua autonomia e defendendo-os na sua vulnerabilidade. A beneficência refere-se a fazer ações positivas para ajudar outras pessoas. É a ponderação entre riscos e benefícios, tanto atuais como potenciais, individuais ou coletivos, o que leva o desenvolvimento de uma pesquisa a se comprometer com o máximo de benefícios e o mínimo de danos e riscos. A não-maleficência é o compromisso de não prejudicar, é a garantia de que danos previsíveis serão evitados. Por fim, a justiça tem a ver com a relevância social da pesquisa, as vantagens significativas para os sujeitos da pesquisa e a minimização do ônus para os sujeitos vulneráveis, o que garante a igual consideração dos interesses envolvidos, não perdendo o sentido de sua destinação sócio-humanitária.
A Resolução abrange também a criação de Comitê de Ética em Pesquisa. (CEP). Ele faz parte de uma longa trajetória histórica da humanidade para garantir os direitos humanos, a começar pelo Código de Nuremberg, um documento específico sobre ética na pesquisa em seres humanos que assegurou o respeito à autodeterminação do ser humano (autonomia). A partir dos Comitês de Ética, obtem-se o aval de um grupo consolidado designado para pensar, estudar, avaliar, orientar, e garantir que as nossas pesquisas estejam atendendo a todas as resoluções publicadas pelo Conselho Nacional de Saúde sobre o tema.
Os CEP foram criados atendendo a uma demanda das instituições por reconhecer os avanços científicos e tecnológicos, o aumento da consciência pública e a participação das enfermeiras no mundo da pesquisa com seres humanos. O Comitê de Ética em Pesquisa surge como um colegiado interdisciplinar e independente, que deverá cada vez mais existir nas instituições que realizam pesquisas envolvendo seres humanos, como no caso da Escola de Enfermagem Anna Nery e do Hospital Escola São Francisco de Assis, ambos da Universidade Federal do Rio de Janeiro. O CEP foi instituido para defender os interesses dos sujeitos da pesquisa na sua integridade e dignidade e para contribuir no desenvolvimento da pesquisa dentro dos padrões éticos estabelecidos.
O CEP tem sido não somente responsável pela avaliação, mas também pelo acompanhamento dos aspectos éticos das pesquisas envolvendo seres humanos. Ele se apóia em todos os movimentos, diretrizes nacionais e internacionais que garantem o direito do ser humano. A missão, então, é salvaguardar os direitos e a dignidade dos sujeitos da pesquisa.
Por fim, ressalta-se que esta Revista, confirmando uma tendência geral da Enfermagem e da Saúde, ao solicitar de seus assinantes o parecer "Aprovado" de algum Comitê de Ética em Pesquisa para a pesquisa a ser publicada, contribui para a garantia de uma melhor qualidade ética de seus artigos.
REFERÊNCIA
Boff L. Ética da vida. Brasília: Letraviva, 1999. 241 p.