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CAPES

Volume 16, Número 3, Jul/Set - 2012

PESQUISA

Análise das respostas comportamentais ao câncer de mama utilizando o modelo adaptativo de Roy

Letícia Rosa Santos1
Glaucia Batista Tavares2
Paula Elaine Diniz dos Reis3

1. Doutoranda do curso de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade de Brasília- UnB. Bolsista CAPES. Araguari-MG. Brasil. E-mail: tenenteleticia@yahoo.com.br.
2. Enfermeira, Sargento Enfermeira do Hospital de Força Aérea de Brasília. Brasilia-DF. Brasil. E-mail: oncoglau@yahoo.com.br.
3. Doutora em Enfermagem, Docente do Departamento de Enfermagem da Faculdade de Ciências de Saúde da Universidade de Brasília - UnB. Brasilia - DF. Brasil. E-mail: pdinizreis@yahoo.com.

Recebido em 06/05/2011
Reapresentado em 05/02/2012
Aprovado em 07/04/2012

RESUMO

O estudo analisa as respostas comportamentais das mulheres durante o tratamento do câncer de mama utilizando o Modelo de Adaptação de Roy. Estudos demonstram que o câncer e sua terapêutica podem gerar estímulos que irão interferir na sexualidade. Conhecer os mecanismos de enfrentamento destas mulheres deve ser uma preocupação dos profissionais que prestam assistência, para que se possa oferecer o cuidado integral. Trata-se de pesquisa qualitativa na qual foi realizada entrevista semiestruturada com cinco mulheres sexualmente ativas. Foram identificados problemas de adaptação nos modos relacionados ao autoconceito, desempenho de papéis e interdependência. Contudo, essas mulheres puderam superar tal situação e melhorar a adaptação à sua nova condição. Conclui-se que a utilização do modelo de adaptação de Roy foi apropriada, pois permitiu apreender as alterações relacionadas aos modos adaptativos e visualizar de forma concreta quais os focos para as intervenções de enfermagem.

Palavras-chave: Neoplasias de mama. Teoria de enfermagem. Modelos de enfermagem. Adaptação.

INTRODUÇÃO

O câncer de mama é uma patologia de alta incidência na atualidade, afetando principalmente o gênero feminino. Segundo dados do Instituto Nacional de Câncer - INCA, é o segundo tipo de câncer mais frequente no mundo e o mais comum entre mulheres. Anualmente, cerca de 23% dos casos novos de câncer diagnosticados em mulheres são de mama. As estimativas para novos números de casos em 2012 são de 52.680, atingindo cerca de 52 a cada 100 mil mulheres1.

Apesar de a idade avançada ser considerada fator de risco e a incidência crescer progressivamente após 35 anos, os casos de câncer de mama em pacientes jovens chama atenção especialmente por estar associado a um pior prognóstico quando comparado com outras faixas etárias; a mortalidade é de 46,9% para as pacientes com menos de 40 anos e de 26,9% para as acima desta idade2.

Portanto, é importante considerar esse fato, pois a submissão ao tratamento de neoplasia mamária altera as atividades rotineiras dessas mulheres e afeta sua dinâmica social e emocional.

Considerando-se que a sexualidade humana tem dimensões biopsicossociais, inerentes a cada indivíduo no decorrer do ciclo vital, e que está relacionada com a qualidade de vida, esta deve ser abordada na assistência com a mesma relevância de outros aspectos afetados, tendo em vista a assistência integral ao paciente. Estudos demonstram que o câncer e sua terapêutica podem comprometer um ou mais sistemas no organismo e interferir na sexualidade. Conhecer as características dessa interferência deve ser preocupação dos profissionais que prestam assistência a essas mulheres, para que se possa oferecer cuidado integral e personalizado3, 4. Para tanto, faz-se necessário que os profissionais realizem uma escuta ativa dessas mulheres e seus familiares de modo a conhecer seus sentimentos e experiências relativas ao processo vivenciado.

Podemos observar que embora um indivíduo seja submetido a uma mesma situação, a sua resposta pode ser variada em relação ao outro, a depender de sua personalidade e vivência, dando origem a diferentes respostas comportamentais. Assim, é possível afirmar que o ser humano tem capacidade adaptativa diante dos enfrentamentos gerados pelas situações de saúde-doença; neste estudo, o câncer foi a doença eleita enquanto patologia principal para avaliação de tais respostas.

Visualizando o cenário do câncer de mama sobre os aspectos listados acima, definimos a visão de mundo que irá nortear a assistência a ser prestada. Dentre as teorias e modelos propostos para a enfermagem, o Modelo de Adaptação de Roy, escolhido para este estudo, possibilita de forma eficaz a análise da situação e a proposição de uma assistência qualificada.

Neste estudo, portanto, serão apresentadas reflexões referentes ao processo adaptativo vivenciado pelas mulheres, os fatores que interferem ou contribuem para uma adaptação e onde a enfermagem pode atuar para facilitar tal processo adaptativo. Dessa forma, esta pesquisa tem como objetivo analisar as percepções das mulheres com câncer de mana sobre a sua sexualidade a partir da perspectiva do Modelo de Adaptação de Roy


METODOLOGIA

Trata-se de estudo qualitativo descritivo que deseja identificar as respostas comportamentais que o câncer de mama traz na vida das mulheres. Os sujeitos selecionados foram mulheres sexualmente ativas com idade entre 25 e 50 anos que tiveram diagnóstico de câncer de mama e realizaram tratamento com quimioterapia, radioterapia e/ou cirurgia, em um Hospital Público de Brasília, Distrito Federal.

A coleta de dados foi realizada por meio de entrevistas semiestruturadas, gravadas. As entrevistas foram realizadas com cinco pacientes em locais preestabelecidos, de fácil acesso para as entrevistadas e que permitia-lhes privacidade e conforto. Antes de sua realização, as pacientes foram informadas sobre o estudo, e, depois de sanadas suas dúvidas, assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, conforme recomenda a Resolução 196/96. Também como versa a resolução, o presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UNIEURO sob o protocolo 017/2009. A identificação dos sujeitos se deu por letras e números de forma a manter seu anonimato. De forma a preservar este mesmo princípio, falas que poderiam vir identificar claramente os sujeitos foram retiradas da análise.

As entrevistas foram lidas repetidas vezes como mecanismo para compreendê-las. Na interpretação dos resultados, foram procurados os significados dos depoimentos, utilizando-se para tanto o Modelo da Adaptação de Roy5 e a literatura pertinente ao tema. Assim, as ideias foram agrupadas em temáticas de acordo com os modos de adaptação de Roy sendo elencados nos relatos das entrevistas os modos autoconceito, desempenho de papéis e interdependência.


RESULTADOS E DISCUSSÃO

A teoria do Modelo de Adaptação de Roy pode ser considerada uma grande teoria. Foi desenvolvida por Sister Callista Roy5, enfermeira e teórica de enfermagem, que a partir de sua experiência como enfermeira pediátrica, admitiu que o conceito de adaptação pudesse se constituir como um eixo orientador para a prática de enfermagem.

Roy considera como metaparadigmas em seu modelo: pessoa, ambiente, saúde e meta de enfermagem. A pessoa no Modelo de Adaptação de Roy é um ser social, mental, espiritual e físico, afetado por estímulos do ambiente. É um sistema adaptativo holístico, em contínua interação com o meio ambiente mutante. Os comportamentos que são respostas diante de tais estímulos podem ser classificados como reações adaptativas ou reações ineficientes. Esses comportamentos derivam-se dos mecanismos regulador e cogniscente, os quais trabalham no âmbito de quatro modos adaptativos: função fisiológica, autoconceito, função de papéis e interdependência. O ambiente é compreendido como um conjunto de forças internas e externas em um estado de contínua mudança. A saúde é a capacidade do indivíduo de adaptar-se à mudança no ambiente. A enfermagem é a arte humanitária e ciência em expansão que manipula e modifica os estímulos de modo a promover e facilitar a capacidade adaptativa do homem. A adaptação é a meta da enfermagem5, 6.

A maneira como o indivíduo responde aos estímulos caracteriza seu comportamento, o qual irá refletir o uso de mecanismos de enfrentamento. Dessa forma, ao observar o comportamento das pessoas em relação aos modos adaptativos, a enfermeira poderá identificar respostas adaptativas ou ineficientes em situações de saúde e doença7.

Portanto, pretende-se neste estudo descrever e analisar os comportamentos e percepções relatados pelas mulheres com câncer de mama em relação a sua sexualidade dentro dos três modos adaptativos que foram verbalizados pelas participantes deste estudo.

Modo Autoconceito

O modo Autoconceito é composto de crenças e sentimentos sobre si mesmo realizado em um determinado momento. Enfoca os aspectos psicológicos e espirituais do sistema humano. Tem como componentes o eu físico e o eu pessoal. O eu físico abrange a suas atribuições físicas, aparência, função, sexualidade e estado de saúde e de doença; enquanto o eu pessoal é uma avaliação individual de suas próprias características, expectativas, valores e méritos8.

Pode-se perceber que o aspecto autoconceito traz diversas situações que podem influenciar na sexualidade, mais pela terapêutica do que pela doença propriamente dita, uma vez que todos os tratamentos aos quais as mulheres com câncer de mama são submetidas deixam marcas em seus corpos e indisposição física, alteram o humor e dificultam a estabilidade emocional.

A Radioterapia pode alterar a autoimagem da mulher, pois frequentemente causa alterações na pele, podendo, nos casos mais graves, levar ao aparecimento de úlceras. Tudo isso acarreta um declive na autoestima da mulher, deixando-a triste e ansiosa9.

A radioterapia também provoca uma queimaçãozinha, que depois vira uma casquinha que incomoda, mas eu enfrentava. M4


A quimioterapia tem uma repercussão generalizada em todo o organismo humano, pois as drogas administradas acabam por atingir também células saudáveis do corpo, prejudicando a fisiologia geral3. O tratamento com quimioterápicos deixa as mulheres mais debilitadas. Seus efeitos adversos podem ser imediatos ou tardios e incluem principalmente: náuseas, fadiga, sonolência, mal-estar e fraqueza, que levam a uma indisponibilidade física. Outros efeitos adversos relevantes são a alopecia e o ganho de peso. Como pode ser observado na fala de diversas mulheres, a alopecia altera a autoestima e autoimagem da mulher. Com a alteração na sua aparência física, as relações sociais são afetadas.

Eu fiquei muito triste quando meu cabelo começou a cair porque foi justamente na formatura do meu filho, no dia do baile. Meu cabelo era por aqui, era channel quando eu fui ao banheiro que eu passei a mão, que peguei assim ele caiu. Ai bateu uma tristeza que não dá nem para explicar; é horrível eu chorei muito [...] engordei por causa da quimio, engordei 10 kg, tive que trocar todas as minhas roupas. M1


Dentre os tratamentos, o procedimento cirúrgico é o mais agressivo e que mais afeta a autoimagem e autoestima destas mulheres. Prado10 cita em seu trabalho que, apesar da existência de tratamentos quimioterápicos e radioterápicos, a mastectomia ou retirada da mama, nos seus diversos tipos, é o tratamento mais escolhido. A mama na mulher é um símbolo de feminilidade, de beleza, de eroticidade e de identificação do sexo; por isso perdê-la resulta na alteração negativa de sua imagem corporal. A retirada desse órgão representa uma limitação estética e funcional, que provoca imediata repercussão física e psíquica, constituindo um evento traumático para a maioria das mulheres.

Lá no hospital mesmo, quando eu tirei aquela faixa que eu vi, eu fiquei muito triste, muito mesmo, aquilo ali foi muito ruim, aí você precisa trabalhar sua cabeça de novo; eu fiquei uma semana mal, chorando muito [...] eu ficava imaginando, eu sem meus seios, foi muito difícil, até hoje é muito difícil. M2

Na verdade agente se sente muito mutilada. M1


Quanto à sexualidade, foram encontradas algumas dificuldades. Nos primeiros dias após a cirurgia algumas tiveram dificuldade em se vestir e ir a alguns locais públicos, mas com o tempo acabaram encontrando soluções para resolver esse problema. Olhar-se nua diante do espelho ou mostrar o corpo e o lugar da cirurgia para o companheiro tornou-se uma tarefa árdua e dolorosa para uma das mulheres entrevistadas. A mudança de posição na hora da relação também foi percebida. Apesar desses percalços, as mulheres relatam não terem perdido o prazer nem deixado de ter relação.

Eu achei que ele não precisava me ver assim só por ele ser o meu marido, porque eu acho que o homem é muito de ver, então se ele não ver, ele vai só ficar pensando, mas ele não vai se chocar. M2

Eu tenho cicatrizes e algumas dessas cicatrizes me incomodavam um pouco, por isso dificilmente eu tomava banho na frente de alguém ou ficava exposta nua na frente de alguém por causa das cicatrizes das cirurgias anteriores. M4


Com relação às novas atitudes e posturas sexuais adotadas, a maior parte das entrevistadas que voltaram a manter relacionamento sexual após a doença e tratamento referem mudanças na maneira de se comportar durante o ato sexual, adotando um comportamento de esconder o seio por vergonha do parceiro11.

Modo Desempenho de Papéis

O Modo Desempenho de Papéis é o conjunto de expectativas sobre como uma pessoa ocupa um papel na sociedade. Consitui-se em uma necessidade social de se saber quem é em relação aos outros. Podemos observar o papel que a mulher adota em função do próprio gênero, do papel social como mãe e esposa e de suas atribuições profissionais.

As relações de gênero estiveram presentes no desenrolar de cada fase da doença e no tratamento, sendo que os papéis sexuais se mantiveram dentro dos padrões de nossa cultura9. As mulheres reforçam atitudes que representam expectativas culturais para o gênero feminino, como atitudes de conforto, de acalmar e dizer que tudo iria acabar bem.

No que diz respeito ao aspecto social, percebemos que, mesmo diante de uma situação de crise como o câncer, a mulher preocupa-se em realizar seu papel imposto pela sociedade. Encontramos algumas alterações relacionadas ao gênero, tanto masculino como feminino, nas quais a doença pode levar a comportamentos não tão esperados socialmente, podendo haver uma inversão de papéis. Mesmo nos tempos de hoje, infelizmente ainda se pode perceber atitudes preconceituosas. Dentre as mulheres entrevistadas nesta pesquisa, nenhuma relatou abandono pelo parceiro, nem divórcio ou separação durante o tratamento do câncer e até o momento da entrevista.

A mulher não pode ficar doente, ainda mais quando a gente tem filhos, não pode deitar na cama e ficar lá: 'Ah, agora eu estou doente', não pode! Você não tem tempo para isso [...] Por que para minhas filhas eu não queria demonstrar fraqueza, até nas horas que eu estava assim caída eu ficava quietinha, ficava no meu canto eu estava sentindo tudo aquilo, mas eu não queria passar para elas. M2


Quando a mulher fica doente, ela acaba sendo obrigada a abandonar algumas atitudes e tarefas que são impostas ao sexo feminino na nossa sociedade, causando certo desconforto por imaginar que está deixando de realizar o seu papel enquanto mulher.

Dentre os papéis femininos determinados pela sociedade para a mulher, o cuidado com a casa é de sua responsabilidade, assim como a educação e criação dos filhos e o bem-estar da família. Sendo a administradora da casa e se preocupando com o bem-estar de todos, mesmo quando ela adoece, continua se preocupando com todos os familiares. A mulher em nossa sociedade é tida como sexo frágil, aquela que deve ser protegida e afastada dos perigos. Porém, as mulheres mostram-se fortes, decididas a vencer a doença e a enfrentar qualquer coisa para se restabelecerem fisicamente, retomarem seu papel de esposa e cuidar de todos os membros da família9,12.

O câncer de mama associa-se ao estresse psicológico não apenas na mulher, mas também em seu parceiro, sendo que "os cônjuges de mulheres com câncer de mama podem referir depressão, alterações do sono, disfunções sexuais e dificuldades no ambiente de trabalho"13.

Então quando estourou essa bomba na nossa vida, ele ficou arrasado, acabado, porque ele tinha medo de me perder. M4

Eu vi o corpinho dele tremendo, eu o vi chorando, ele estava desesperado como eu [... ] toda hora ele dizia isso vai passar, isso vai passar. Mas ele chorava muito, ele chorava mais do que eu. M5

Eu chorava principalmente quando meu marido não estava em casa, por que eu não queria que ele visse, senão ele ficava triste. M5

Eu ficava muito preocupada em ver minha mãe aqui na minha casa de cabeça baixa nos cantinhos e meu marido também por que ele falava: não, tá tudo bem, mas eles estavam destruídos por dentro. M4


Outro aspecto a ser estudado é a maneira como a mulher se sente vista perante a sociedade. As relações sociais são profundamente abaladas, já que o constrangimento de estar com uma doença estigmatizante leva a mulher a se afastar do seu convívio social14.

Eu perdi uns três cursos porque a minha coordenadora achava por bem que eu não fosse porque eu estava doente, ela achava que eu não estava com cabeça, mas ela se enganou, porque eu estava bem [...] mas eu não gostei, eu senti uma certa discriminaçãozinha, ela estava me deixando de canto por achar que eu não estava capaz. M5

As pessoas lá também me olhavam de lado, lá vai a coitada [...] eu sentia os outros me olhando com aquele preconceito, tipo: ah, tá com câncer, vai morrer. M4


O preconceito que existe em relação ao câncer de mama é algo que inviabiliza grande parte das elaborações das mulheres acerca do câncer15. O afastamento de algumas pessoas e as situações de constrangimento, que começam a ser frequentes, normalmente estão relacionadas à falta de aceitação pelas pessoas com as quais convivem.

Modo Interdependência

O Modo Interdependência é o comportamento relativo às relações de interdependência de indivíduos e grupos. Concentra-se no relacionamento de pessoas, suas finalidades e razão. Envolve vontade e capacidade de dar e receber afeto, respeito e valor aos outros e aceitá-los.

Ao serem questionadas sobre sua sexualidade, as mulheres entrevistadas frequentemente relataram situações nas quais seus respectivos esposos estavam ao seu lado, auxiliandoas, oferecendo carinho e apoio. Importante observar que elas não enfatizavam a relação sexual em si, mas pequenos gestos de demonstração de carinho e afeto eram o que alimentava sua autoestima e faziam-nas sentir que tudo estava bem. Essas mulheres revelaram uma força interior muito forte, mostraram empenho em manter o psicológico sempre positivo, afastandose de ideias tristes e deprimentes. Por aceitarem sua nova imagem, elas conseguem manter a harmonia na relação. O parceiro teve importante papel, pois sua presença ajudou a mulher a se restabelecer psicologicamente.

Eu acho que com a doença ele ficou melhor ainda mesmo, ele ficou mais companheiro, mas compreensivo, sabe. M2

Por isso que eu estou falando para você que eu sou uma felizarda, depois que descobri esse problema, eu descobri que meu marido me ama mesmo [... ] em relação a minha vida sexual não mudou nada, por que eu não me sinto assim horrorosa, na minha cabeça está tudo bem [...] mas a gente tem que permitir que a família nos ajude, por que às vezes seu marido quer te ajudar, mas você não deixa, você se tranca, então a gente tem que se deixar ajudar. M4

Alguns autores vêm constatando e enfatizando que o relacionamento sexual depende muito de como era antes da doença, podendo haver ausência de alterações no nível do relacionamento sexual, como alterações positivas e alterações negativas, relacionadas com o tipo de relacionamento anterior. Aquelas mulheres com bom relacionamento com o parceiro tendem a continuar da mesma forma9, 11.

Não teve isso de dizer assim: não tô mais a fim, acabou o tesão. Na cabeça dele não tem isso. Então eu fico bem tranquila com relação a isso por que eu sei que não mudou. [...]ele me vê da mesma maneira que ele me via antes. Com peito feio não mudou, na cabeça dele eu tenho certeza que não mudou nada. M1


Barbosa16, em sua pesquisa com 30 mulheres, refere que 93% das mulheres sentiram-se apoiadas pelo companheiro ao longo da doença e 80% afirmam que esse apoio influenciou a forma de viver a sexualidade.

Com certeza, conhecer a percepção de seu companheiro e sentir-se aceita auxilia muito esse processo. A segurança que as mulheres sentem com o apoio de seus companheiros deixa-as seguras e abre caminho para que elas possam restabelecer sua autoconfiança e autoestima.

Mulheres que não mantinham relacionamento afetivosexual antes da doença passaram a se afastar do sexo oposto, por adotarem uma postura de descrença com relação a novos relacionamentos, temendo frustrar o parceiro e sofrer rejeição pela condição de "mutiladas"11. Nesse estudo havia apenas uma participante que estava solteira e ela contradiz essa informação

Se eu tiver que conhecer uma pessoa ele vai ter que me aceitar do jeito que eu sou, e eu tenho que me gostar para que uma pessoa goste de mim, então eu não tô preocupada em agradar ninguém. M3


A qualidade do relacionamento existente entre o casal será responsável não só pelo alcance e manutenção da estabilidade emocional da mulher, mas também pelo retorno do interesse sexual em uma fase mais tranquila da doença. Após a cirurgia e com a estabilidade da doença, o casal volta a se interessar pela vida sexual e começa a se preocupar com o relacionamento sexual de ambos17.

O relacionamento marital, quando existente, é considerado como fundamental para a reestruturação da integridade da mulher. Nesse momento em que ela se sente diminuída na sua feminilidade, atração e sexualidade, a presença do companheiro se torna imprescindível para esta reestruturação14. Isso foi muito bem retratado nesta pesquisa porque saber que seus maridos estavam ao seu lado e que podiam contar com sua ajuda e dedicação foi um aspecto que facilitou a superação da doença dessas mulheres.

Isso me ajudou bastante; a família, seu marido, sempre estar ao seu lado te ajuda muito porque você tem que sentir isso, você precisa sentir que é querida que está amparada. M2

Meu marido ligava toda hora e dependendo da minha voz ele sabia que eu não tava bem e vinha ficar comigo. M1


O apoio não só do marido e dos filhos, mas também de familiares e amigos próximos foi identificado como um fator que influencia na superação dessa fase, o apoio emocional foi relatado como um suporte que as fortaleceram e as auxiliaram no enfrentamento da doença.

Durante todo o processo da doença, o significado do suporte social para a mulher com câncer de mama se reveste de importância, pois ela se vê sendo ajudada para não desistir, o afeto familiar permite à mulher manter uma certa estabilidade para lutar contra a doença, conseguindo suprir suas carências emocionais e alcançando uma melhor aceitação e orientação comportamental14, 18. Nesse sentido, a família é importante, oferecendo palavras de encorajamento, ajuda física e emocional.

Minhas filhas me levavam água, suco, água de coco [...] onde eu estava tinha alguém comigo querendo saber o que eu queria, limpando meus vômitos. M1

Essa foi minha força, eu me agarrei às pessoas que eu gosto minha mãe, meu pai, minhas irmãs, a minha família. M4

O apoio, o carinho da família e das pessoas que estão ali no dia a dia, os vizinhos os amigos foi fundamental. Isso me fez muito bem e me ajudou a passar essa fase. M5


Os profissionais de saúde também foram considerados elementos importantes no enfrentamento da doença, quando informavam sobre a doença e sua evolução, bem como quando encorajavam e confortavam a mulher18.

Eu conversei com o médico e ele falou: olha você é uma sortuda, levanta a mão para o céu e agradeça, aí eu acreditei e me agarrei nisso. M4

Eu confio muito no meu médico. Os meninos da quimio (equipe de enfermagem) são uns anjos, eles me abraçam me beijam. Acho que porque eles sabem o que você vai passar então eles te abraçam te beijam desde a primeira até o fim do tratamento, e isso ajuda muito. Eles me cobrem de carinho e atenção. Tudo isso te deixa melhor. M1


Essas mesmas autoras apontam para o importante significado atribuído pela mulher com câncer de mama quando encontra outras mulheres que vivem ou vivenciaram a mesma experiência. Saber que não estão sós, que outras pessoas já passaram por isso ajuda muito e conforta suas mentes18.

Eu peguei uma revista Veja e abri numa reportagem que tinha uma mulher que recebeu uma notícia igual a mim, então eu vi a historia dela que era a minha, ela também ficou sem chão como eu me senti, aí depois passou [...] eu comprei um livro que fala de câncer de um médico muito bem conceituado que também teve câncer, aí eu fiquei lendo. M2

Eu não vi isso como o fim, eu tenho uma irmã que passou por isso há dois anos e hoje em dia nem parece que ela teve isso. M3


Observar que outras pessoas já passaram pela mesma situação traz um conforto às mulheres. Isso lhes mostra que existe um caminho para superar esta fase.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Durante as entrevistas, as mulheres ficaram bem à vontade para falar o que para elas era mais importante. Foi possível perceber que elas tinham uma visão segura de sua sexualidade e englobavam vários valores nesta categoria, principalmente a relação consigo mesma e com os outros.

Quanto ao autoconceito, as mulheres evidenciaram sentimentos de tristeza, ansiedade, vergonha, exclusão e mutilação devido aos efeitos colaterais das drogas quimioterápicas, da radioterapia e da cirurgia. Podemos observar a mudança da imagem corporal, principalmente pela alopecia, ganho de peso, cicatrizes e perda da mama.

Em relação ao desempenho de papéis foram obser vadas algumas alterações relacionadas principalmente ao gênero, mas não foi observado nenhum desajuste sexual. As mulheres relataram a importância de se manter for te para cuidar dos filhos e esposo, a inversão de papéis com os homens e as situações constrangedoras no local de trabalho como ser afastada de suas funções, a discriminação e o preconceito.

Já quanto à interdependência, podemos ver que, mesmo sofrendo uma crise no início da doença, foi identificado como um facilitador do restabelecimento sexual do casal o apoio do marido. Outras pessoas também têm papel importante na adaptação a esta nova situação, tais como filhos e família, bem como os profissionais de saúde e outras pessoas que já vivenciaram o câncer de mama.

Pode-se afirmar que as mulheres sofreram problemas para sua adaptação à nova realidade. A aceitação da nova imagem corporal, os sentimentos negativos, a dor, a tristeza e o medo estão presentes em suas falas, mas o apoio das pessoas próximas é fundamental para sua adaptação.

Consideramos que a utilização do Modelo Adaptativo de Roy para análise foi apropriado para este grupo de pacientes e para a situação vivenciada por elas, tendo permitido apreender as alterações relacionadas aos modos adaptativos e, visualizar de forma concreta quais os focos para as intervenções de enfermagem.

Deseja-se que esse estudo sirva como um incentivo para que os profissionais enfermeiros despertem para a importância de dedicar mais atenção e conversar abertamente com suas clientes, pois, conhecendo melhor a realidade vivenciada pelas mulheres com câncer, é possível proporcionar um tratamento mais humanizado e enriquecedor. Além disso, a teoria de Roy pode auxiliar também no planejamento do cuidado de uma forma específica a estas mulheres, uma vez que tem entre seus objetivos atingir metas de enfermagem.


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