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Ministério da Educação
CAPES

Volume 15, Número 4, Out/Dez - 2011

RELATO DE EXPERIÊNCIA

 

O teatro em foco: estratégia lúdica para o trabalho educativo na saúde da famíliaa

 

The theatre in focus: a ludic strategy for educational work in the family health

 

Enfoque en el teatro: estrategia lúdica para el trabajo educativo en salud de la familia

 

 

Sônia Maria SoaresI; Líliam Barbosa SilvaII; Patrícia Aparecida Barbosa SilvaIII

IDoutora em Saúde Pública. Docente do Departamento de Enfermagem Básica da Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais - EEUFMG. Coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Cuidado e Desenvolvimento Humano da EEUFMG - Belo Horizonte-MG. Brasil. Email: smsoares.bhz@terra.com.br
IIMestre em Enfermagem pela EEUFMG. Servidora pública da Prefeitura Municipal de Betim/MG. Membro do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Cuidado e Desenvolvimento Humano da EEUFMG - Belo Horizonte-MG. Brasil. Email: ligemeasbh@yahoo.com.br
IIIEnfermeira. Mestranda da EEUFMG. Membro do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Cuidado e Desenvolvimento Humano da EEUFMG - Belo Horizonte-MG. Brasil. Email: patriciaaparecidabarbosasilva@yahoo.com.br

 

 


RESUMO

Trata-se de relato de experiência de acadêmicas de enfermagem que utilizaram o teatro como estratégia lúdica para o trabalho educativo com as equipes de Saúde da Família. Realizou-se Diagnóstico Situacional de Saúde no interior de Minas Gerais, cujas morbidades mais prevalentes serviram de temáticas a serem abordadas nos esquetes. Em três meses, foram escritos nove esquetes, encenados para um público diversificado. Percebeu-se uma ruptura no cotidiano da comunidade, em que, sob a dimensão lúdica, as pessoas deixaram fluir o lado prazeroso da vida, decodificando o mundo de seu jeito: uma mistura agradável de arte e ciência. O teatro possibilitou vislumbrar as várias aplicações na Saúde da Família: estratégia lúdica eficaz para aquisição de conceitos de saúde; recurso de lazer; e espaço de convivência. Constatou-se necessidade de promover capacitação de multiplicadores na comunidade como forma de dar continuidade à montagem de oficinas de teatro em prol da construção do conhecimento coletivo.

Palavras-chave: Educação em Saúde. Promoção da Saúde. Programa Saúde da Família. Criatividade. Enfermagem.


RESUMEN

Se informa sobre la experiencia de los estudiantes de enfermería que utilizaron el teatro como estrategia lúdica para el trabajo educativo con equipos de Salud de la Familia. Se realizó el Diagnóstico Situacional de Salud en el interior del Estado de Minas Gerais; las morbidades más prevalentes se emplearon como temás por tratar en las parodias. En tres meses se escribieron nueve parodias para un público diversificado. Se observó una ruptura en el cotidiano de la comunidad porque, en la dimensión lúdica, el personas dejaron fluir el aspecto placentero de la vida, decodificando el mundo a su manera, una mezcla agradable de arte y ciencia. El teatro permitió vislumbrar las distintas aplicaciones en Salud de la Familia: como estrategia lúdica eficaz para adquirir conceptos de salud, como recurso de ocio y como espacio de convivencia. Habría que promover capacitación de multiplicadores en la comunidad para que continúen armando talleres de teatro en prol de la construcción del conocimiento colectivo.

Palabras clave: Educación en Salud. Promoción de la Salud. Programa de Salud Familiar. Creatividad. Enfermería.


ABSTRACT

It reports on the experience of nursing students who used the theatre as a ludic strategy for the educational work with family healthcare teams. A Situational Health Diagnosis was completed in the State of Minas Gerais inland. Its more frequent illnesses were used then as arguments to be addressed in the scenes. In three months nine acts were written and performed for a varied audience. We observed a rupture in the community daily routine in which, under a ludic dimension, the people allowed the flowing of a more pleasant side of life and interpreted the world their own way in an agreeable combination of art and science. This experience in drama therapy allowed us to witness its many uses in the context of Family Healthcare. It constitutes a valuable ludic strategy for the acquisition of health concepts, an effective leisure alternative and a get together space. It is necessary however to train community agents so they would be able to carry on the organization of theatre workshops towards the construction of a collective knowledge.

Keywords: Health Education. Health Promotion. Family Health Program. Creativeness. Nursing.


 

 

O COMEÇO...

A prática educativa em saúde atua como um processo de aprendizagem e reflexão, estabelecendo estreito contato com as situações do cotidiano, em seus intricados aspectos culturais, sociais, políticos e econômicos. Ao considerar a contínua interação entre homem e mundo, permite construir coletivamente o conhecimento, capacitando as pessoas a assumirem criticamente a solução dos problemas de saúde-doença.

Pela relevância que assumem as ações de promoção de saúde e de prevenção de doenças no contexto da Atenção Primária à Saúde, as atividades educativas adquirem relevante papel para se atingir a integralidade do cuidado, constituindo-se em uma das atribuições básicas de todos os profissionais que compõem a equipe de Saúde da Família.

Particularmente na enfermagem, o trabalho educativo possibilita o aperfeiçoamento de métodos e práticas capazes de cooperar com a plena realização do potencial de saúde de comunidades e indivíduos em seus diferentes períodos evolutivos1.

É necessário, portanto, que as ações educativas permitam uma abordagem criativa, que possa facilitar a aprendizagem individual e coletiva, buscando a autonomia do sujeito e sua capacidade de autorreflexão e crítica no cuidado de si e do outro.

Surge daí a necessidade de buscar novas estratégias para implementar eficazmente a educação em saúde, no sentido de multidimensionar a assistência, por meio de práticas diferenciadas e que se coadunem com os preceitos estabelecidos pelas políticas públicas de saúde adotadas no país2.

Optou-se por adotar uma estratégia não convencional, a partir do lúdico, mediante a linguagem teatral, capaz de enriquecer as ações educativas, na medida em que se trata de adequado instrumento de comunicação, expressão e aprendizado. Além disso, configura-se como modalidade de ensino-aprendizagem criativa, estimulante, integradora e participativa, que intensifica as diversas trocas de saberes, favorecendo o conhecimento e a construção de novas relações entre as pessoas e o ambiente.

Ademais, o teatro enquanto modalidade pedagógica lúdica implica desvencilhar-se do modelo tradicional, em direção à concretização de uma prática fecunda e inovadora. Traduz ruptura, movimento, vozes e sonhos, que permitem encenar de forma ousada e criativa a realidade dos sujeitos envolvidos. Incita, dessa forma, o autoconhecimento, o pensamento autônomo e crítico, o crescimento pessoal e coletivo, e facilita a socialização, integrando arte e educação em um único espaço: o palco da vida.

Alicerçado nestes argumentos, constitui objetivo deste artigo relatar a experiência do uso do teatro como estratégia lúdica para o trabalho educativo com as equipes de Saúde da Família durante o Estágio Curricular I da Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais em um município do interior de Minas Gerais/Brasil no período de agosto a dezembro de 2008.

 

O TEATRO COMO ESTRATÉGIA LÚDICA: NOVA FRONTEIRA A SER EXPLORADA

A palavra teatro tem sua origem no vocábulo grego theatron, que denota "local de onde se vê" - plateia3:18. Significa em estratégia facilitadora para o ensino-aprendizado de temas relacionados à educação em saúde, ao abrir espaço para novas perspectivas pedagógicas, com base em uma abordagem lúdica e inovadora.

O lúdico é considerado elemento estruturador da vida e unidade estrutural do ser humano, o homo ludens. Possibilita experienciar a troca e a dinamicidade das relações nas presenças compartilhadas e na superação das rotinas, transcendendo os determinismos para retomar o jogo da vida, da fantasia que nutre o ser/estar no universo das relações4.

Enquanto estratégia lúdica o teatro humaniza a prática, pois contempla os sentimentos, as sensações e a intuição, tanto quanto a razão. Considera, também, o imaginário, os desejos e os sonhos das pessoas, superando potencialmente as tradicionais fronteiras estabelecidas entre as disciplinas e permitindo a busca para a formação da cidadania, com a participação de todos os envolvidos como sujeitos da história5.

Há várias modalidades de teatro, como: a) o teatro de fantoche; e b) o teatro de improviso. Na primeira modalidade, as encenações são realizadas com fantoches, os quais se mostram versáteis e espontâneos, a depender da habilidade de quem os manipulam. Sua manifestação, feita com a mão do ator, traz facilmente emoções à tona6.

No Teatro de Improviso,

[...] o texto e a representação são criados no decorrer do espetáculo, e, na maioria das vezes, sem ensaio prévio, excluindo-se os textos pré-definidos. Para compor histórias são utilizados temas e a plateia é solicitada a participar da representação e o enredo é encenado na medida em que é construído, de forma envolvente e participativa. Os participantes - atores e atrizes - contracenam entre si e a beleza do espetáculo resulta da criatividade coletiva, cultivada pela imaginação livre e espontânea7:5.

Na literatura, existem diversos estudos que exemplificam o uso criativo do teatro como estratégia para a educação em saúde. Estudo realizado com crianças de uma escola da rede municipal de Juiz de Fora/Brasil mostrou que o uso de peças teatrais e de fantoches possibilitou introduzir conceitos básicos de cuidado com os olhos, tornando-se uma combinação adequada entre o lúdico e o imaginário para a prevenção de déficits visuais. O lúdico foi considerado um método facilitador da aprendizagem infantil, contribuindo sobremaneira para a promoção da saúde8.

Em estudo realizado no Ceará/Brasil, o teatro de bonecos foi utilizado como estratégia alternativa de promoção da saúde em defesa da vida de trabalhadores do setor secundário. As autoras concluíram que a intervenção educativa por meio dessa estratégia possibilita realizar um trabalho educativo preventivo, motivado pela ludicidade, a qual é permeada por uma linguagem clara e acessível sobre promoção, proteção e recuperação da saúde e prevenção de danos à integridade da saúde do trabalhador9.

Encontram-se relatos de profissionais de saúde que desenvolveram atividades lúdicas por meio da arte do teatro no cuidado às pessoas hospitalizadas e seus familiares. Esses estudos revelaram que expressões artísticas como forma de comunicação contribuem para a criação de momentos de descontração e alegria, constituindo-se em uma poderosa estratégia capaz de auxiliar no processo terapêutico de pessoas internadas10.

Diante de todas as interfaces que permeiam a arte do teatro como um processo de educar prazeroso, reafirma-se a sua ação transformadora para o despertar de um olhar crítico na construção de um saber espelhado na própria realidade do indivíduo.

 

TRILHANDO O CAMINHO

O planejamento da prática educativa teve como facilitadores acadêmicas do curso de Enfermagem da Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais e professores desta escola. Tal planejamento foi organizado a partir da caracterização do perfil epidemiológico do município realizado, com base no Diagnóstico Situacional, com dados da Vigilância Epidemiológica do município, o que permitiu caracterizar o perfil epidemiológico de saúde local.

Foram constatados altos índices de doença hipertensiva, seguida por verminose e diabetes mellitus (1°, 2° e 4° lugares entre as morbidades, respectivamente). Constatou-se que se trata de uma região com sérios problemas de saneamento básico e falta de espaços para lazer e convívio social. Este diagnóstico inicial contribuiu para a escolha dos temas prioritários a serem abordados: doenças infectoparasitárias, autocuidado e autoestima.

Na busca por uma linguagem dinâmica e lúdica que pudesse fomentar a mobilização da comunidade para a reflexão de sua própria realidade, elegeu-se como estratégia pedagógica a construção de esquetes.

O esquete consiste em uma pequena história que encena uma situação cômica, com um pequeno número de atores, sem caracterização aprofundada, ou de intriga, insistindo nos momentos engraçados e subversivos11.

Para a criação do roteiro dramatúrgico, exploraram-se a pesquisa bibliográfica sobre os assuntos e os contatos informais com a comunidade, visando familiarizar-se com as expressões culturais do local. Preocupou-se com a qualidade das informações relativas aos temas dramatizados, mantendo uma linguagem simples, coerente com a realidade local e adequada a cada faixa etária. Buscou-se representar nas falas dos personagens expressões que retratassem situações que se assemelhavam àquelas vivenciadas pelas pessoas, considerando suas crenças e necessidades.

Tais condições são importantes para estabelecer um diálogo dinâmico, com a abertura de espaços para a participação, a reflexão crítica e a socialização. Nesta fase, houve o aguçamento da sensibilidade, o que evidencia um campo potencial de aprendizagem. Toda a construção dos esquetes pautou-se na perspectiva da cultura local. Ou seja, a construção de cada personagem foi idealizada a partir de cenas que foram vivenciadas pelas autoras no cotidiano de trabalho com as equipes de Saúde da Família.

Assim, a proposta consistiu em traduzir os acontecimentos que expressassem o linguajar como a população mobiliza seus recursos para enfrentar situações de busca pela saúde.

Na sequência, o roteiro foi apresentado a diferentes segmentos da sociedade, incluindo: duas escolas públicas e uma particular, uma Instituição de Longa Permanência, uma Pastoral da Criança, duas creches, duas unidades básicas de saúde e uma Universidade.

Era imprescindível que o tema tivesse pertinência à proposta e que fosse obtido o consentimento para sua encenação. Mediante a anuência, o texto foi avaliado criticamente por representantes de cada instituição quanto à sua clareza, criatividade e objetividade em relação ao tema proposto. Ressalta-se que a elaboração dos esquetes, a criação e montagem dos cenários e figurinos, e a busca de parcerias para a protagonização das peças ficaram a cargo das autoras, assim como a organização dos ensaios.

A criação dos cenários e dos figurinos exigiu criatividade e a capacidade de explorar materiais de baixo custo, como: meias velhas, para a confecção de fantoches de mão; tecido não tecido, papel celofane, fitas coloridas, crepon e isopor, para a confecção do vestuário; caixa de papelão e tecido, para a montagem do cenário; e folhas A4, canetinha e lápis de cor, para as ilustrações. Tudo isso teve como eixo estruturador da proposta a capacidade inventiva das autoras, que procuraram encenar um retrato do mundo subjetivo.

A colaboração de diversos atores sociais incluiu: agentes comunitários de saúde, equipe de enfermagem, médico, auxiliar de laboratório, funcionários de creches, diretora da Pastoral das Crianças, professores do Ensino Fundamental, do Ensino Médio e do Ensino Superior, universitários do curso de Pedagogia da Universidade local e representantes da plateia. A prática educativa envolveu a descoberta de talentos em pessoas pertencentes à comunidade, cidadãos atuantes no processo de construção e resgate da cidadania, indo ao encontro dos propósitos da Saúde da Família.

Durante o período de três meses, foram escritos nove esquetes, encenados para um público diversificado, desde crianças até idosos, em espaços públicos, como escolas, creches, asilo e Pastoral da Criança do município, atingindo mais de 600 pessoas, com duração média de 20 minutos, assim distribuídos:

Título: Dona Mosquitita (teatro de fantoches) - escrito para o público infantojuvenil, apresentado em escolas, creches e Pastoral da Criança. Aborda questões relacionadas à prevenção de verminoses.

Sinopse: A partir da chegada de Dona Mosquitita, Tatá e Macolino iniciam um diálogo com a plateia sobre os cuidados necessários para manter o ambiente limpo e a importância de desenvolver hábitos de higiene desde cedo para se ter uma vida saudável. Tatá explica às crianças como os mosquitos disseminam microorganismos infecciosos no ambiente, os quais podem causar doenças.

Título: Um bando malvado (teatro de fantoches) - adaptação da peça anteriormente mencionada, para a encenação em um evento social do município direcionado ao público universitário e à comunidade. Resgata o teatro infantil como estratégia de ensino inovadora na transmissão de conhecimentos, numa linguagem simples e acessível.

Sinopse: Após ver Macolino comer uma fruta sem lavar, Tatá conta para o personagem uma história que leu na biblioteca sobre a reunião dos vermes no quartel general dos Vermes malucos. Estes estavam organizando planos de maldade, a partir da disseminação de doenças. Tinha como personagens: General, Dona Ovita Lombriga, Dona Ameba, Dona Giárdia, Verme Linha e Dona Mosquitita. No final da história, Tatá incentiva o público a ler livros, incentivando a não jogar fora a chance de saber mais, pois os livros têm muito a dizer.

Título: Cuidando dos dentinhos (teatro de fantoches) - destinado ao público infantojuvenil, conscientiza sobre a importância da saúde bucal. Apresentado na Pastoral da Criança e creches da comunidade.

Sinopse: Dente Doce, Pérola, Pirulito e Branquinho conversam entre si e com a plateia sobre informações importantes sobre saúde bucal. Pérola explica que existem outras maneiras para higienizar os dentes sem usar necessariamente o creme dental e o fio dental, visto que nem sempre as pessoas têm condições financeiras para adquirir tais insumos.

Título: Uma vida... Uma história (teatro de fantoches) - redigido para o público idoso e pessoas que apresentam sofrimento mental. Encenado em uma Instituição de Longa Permanência. Reflete a vivência das pessoas institucionalizadas, resgatando o sentido da vida. Montado a partir de histórias reais dos próprios internos.

Sinopse: Tatá discute com a plateia questões relacionadas à exclusão social, envolvendo pessoas que se encontram internadas em Instituições de Longa Permanência, incluindo idosos e pessoas que apresentam algum tipo de sofrimento mental. Discute sobre a necessidade de os internos compreenderem a necessidade de cada um assumir o compromisso de cuidar um dos outros, respeitando suas diferenças e limitações.

Título: Automedicação que às vezes mata (teatro de fantoches) - apresentada para os usuários que se encontravam na sala de espera das unidades básicas de saúde durante o acolhimento. Trata de forma cômica os perigos da automedicação.

Sinopse: Incentivada pela propaganda de rádio, Gertrudes compra para seu marido, Maquito, a medicação para resfriado "Mata Tudo", do Laboratório Engana Bobo, pois o marido tossiu a noite inteira. Maquito não melhora, e Gertrudes vai ao encontro da agente comunitária de saúde. Esta passa a discutir sobre os riscos do uso de medicamentos sem prescrição médica.

Título: De peito aberto (teatro de fantoches) - procura conscientizar as gestantes sobre a importância de manter o aleitamento materno exclusivo durante os seis meses de vida da criança. Encenado para o grupo de gestantes de uma Unidade Básica de Saúde.

Sinopse: Em casa, após a alta hospitalar, estabelece-se um diálogo entre mãe Ziguifrida, vovó Jacutinga e tia Vinólia sobre aleitamento materno. Vovó Jacutinga apoia a neta, afirmando que o melhor leite é o de vaca, enquanto tia Vinólia tenta convencê-las dos benefícios de manter a amamentação exclusiva até os seis meses de vida da criança. Durante a conversa, estabelece-se um debate com o grupo de gestantes sobre os mitos referentes à amamentação e os principais problemas e cuidados com as mamas. Após longa discussão, mãe Ziguifrida resolve amamentar a filha, e vovó Jacutinga passa a integrar o Grupo de Apoio à Amamentação do bairro.

Título: O noivado de Seu João (teatro de improviso) - reflete com um grupo de pessoas com diabetes e hipertensão questões referentes a autoestima e hábitos de vida saudáveis, proporcionando momentos de descontração.

Sinopse: em uma pescaria organizada por "Seu" João, o personagem principal, escolhe sua noiva. Ele, a noiva e os demais participantes do grupo criam livremente as cenas para discutir sobre autoestima e hábitos de vida saudáveis (redução do sal, alimentos ricos em potássio e sódio, dislipidemias, perda de peso, abandono da bebida alcoólica e do fumo e uso correto da medicação).

Título: O casamento de Seu João (teatro de improviso) - reflete com um grupo de pessoas com diabetes e hipertensão sobre atividades que visem melhorar a qualidade de vida. Vale lembrar que este teatro surgiu da própria iniciativa dos participantes, em virtude da grande aceitação da atividade teatral anterior.

Sinopse: "Seu" João e sua noiva se casam e partem para a lua de mel, no "Trem da Saúde". Cada vagão da locomotiva é abastecido com atividades que visam melhorar a qualidade de vida, sugeridas pelos participantes do grupo. Durante os preparativos para a viagem dos noivos, discute-se sobre o que é qualidade de vida, como construir uma vida mais saudável e adoção de hábitos de vida saudáveis. "Seu" João convida o grupo a compor o "Trem da Saúde". Uma vez formado, ele e a noiva partem, conduzindo o grupo a um passeio. Ao término, faz-se a despedida ao som de música, com dança e abraço conjunto.

Título: Uma cidade e muitas vozes: humaniza (nome do Município) -apresentado durante o Curso de Humanização em Serviços de Saúde, a partir da solicitação de uma das enfermeiras. Resgata a importância da humanização do cuidado, com base na realidade cotidiana vivenciada pelos profissionais que atuavam nas duas equipes de Saúde da Família do município.

Sinopse: a enfermeira Matita, ao encontrar um amigo do tempo da faculdade, passa a discutir sobre a importância da humanização nos serviços de saúde para se conseguir oferecer à população uma assistência integral e com qualidade. A técnica de enfermagem Parlenda e a técnica de laboratório Vanice argumentam sobre o Curso de Humanização que fizeram recentemente. Propõe-se que a construção da qualidade de vida em ambiente de trabalho é um exercício de mudança permanente de hábitos, o qual exige paciência e persistência, e resulta da permanente busca de autoconhecimento e de corajosa reflexão sobre as consequências da postura de cada profissional de saúde na qualidade de vida do outro.

É importante ressaltar que ao término de cada apresentação o público era convidado a participar, fazendo perguntas e discutindo os temas dramatizados nas peças teatrais, compartilhando e valorizando o saber popular.

Para fundamentar a prática, optou-se pelo modelo pedagógico relacional, por se acreditar que o aprendizado resulta de um processo interativo entre educador e educando, em que o primeiro atua como facilitador, e não como impositor do saber12.

Nessa perspectiva, pressupõe-se que o educando seja capaz de construir um conhecimento novo somente se for capaz de passar de sujeito passivo para sujeito ativo de sua própria ação. Nessa relação dialógica, ambos, educador e educando, ensinam e aprendem12.

 

A ATIVIDADE TEATRAL EM CENA: POSSIBILIDADES PARA EDUCAR/EDUCANDO-SE

A expressão educar/educando-se significa que o sujeito praticante da ação de educar é ao mesmo tempo sujeito que também sofre a ação13.

Dessa forma, o teatro revelou-se como uma nova modalidade de se educar e de educar-se em saúde, proporcionando momentos ímpares de criação, integração e socialização.

Observa-se, assim, que a aprendizagem por meio do teatro se deu, potencialmente, pelo estabelecimento de uma ponte entre o saber popular e o saber científico, desvinculado do aprendizado tradicional, diretivo, em que a monotonia e o silêncio dos participantes cederam espaço à curiosidade, à participação e aos questionamentos, tornando o ambiente mais agradável para ambas as partes. Essa interatividade permitiu, portanto, a troca de experiências relacionadas às vivências de problemas comuns ao grupo, favorecendo a busca de soluções em conjunto.

Ocorreu uma ruptura no cotidiano da comunidade, tornando-se "um acontecimento social do viver a existência humana pelo compartilhar alegrias e fantasias com os outros"4:22.

Foi possível reconhecer entre o público o saber popular, com valores divergentes, o qual possui maneiras diversas para desenvolver suas práticas do dia a dia. Nesse processo educativo, constatou-se a troca de saberes entre educador e educando14.

Por meio da linguagem cênica, desvelaram-se novas possibilidades de se trabalhar os assuntos referentes à promoção da saúde e à prevenção de doenças, revelando-se como um caminho para a humanização do cuidado.

As encenações possibilitaram a mobilização efetiva da plateia, que, ao final, enriquecia o debate com perguntas, explorando suas crenças e valores sobre cada tema. O público aceitou a proposta educativa e se interessou por ela, expressando-se por meio de aplausos, gestos, gargalhadas, trejeitos, enfim, emoções diversas que demonstram valores presentes na vida diária de cada um. O ato de se tocarem permitiu às crianças compartilharem olhares e sorrisos, momentos de comunicação mútua.

Ao retornar às escolas e às creches, não raro, ouvia-se uma criança questionar:

Olha! É a Dona Mosquitita. Será que vai ter teatro hoje?

Na rua, as autoras eram abordadas por alguns pais, que perguntavam:

Foram vocês que apresentaram um teatro na escola do meu filho? [...] ele ficou falando de uma mosquitinha o tempo todo, que fez nevar dentro da sala de aula e que achou legal [referindo-se à passagem do teatro em que Dona Mosquitita joga confete nos alunos, representando a disseminação de vermes no ambiente].

Essa vivência confirma aquilo que já foi expresso na literatura em relação às ações educativas na escola:

"Outro canal importante para se chegar a esta população é [por meio] da escola. Tudo que acontece na escola as crianças partilham com os pais em casa. Assim, além de formar novas gerações, a escola tem esta função importante de ser espaço de interlocução"15:1.

As manifestações positivas em relação ao trabalho apresentado pelas autoras não foram diferentes com os adultos e idosos. O contentamento estampado nos rostos era refletido na maior participação desse público nos grupos educativos constituídos por pessoas com diabetes e hipertensão. "O noivado de 'Seu' João" superou as expectativas. Sempre nos dias em que aconteciam os grupos, era frequente a presença de filhos e vizinhos convidados pelos próprios participantes, que, com a permissão da palavra,

[...] é bom demais! Estou saindo daqui alegre e com um conhecimento a mais (fala de um membro do grupo).

Na unidade básica em que as autoras atuavam, ao se encontrarem com essas pessoas, elas comentavam:

Nossa! Gostei demais daquele dia. Agora tem que fazer o casamento de "Seu" João.

Apesar de as autoras não terem programado esse tipo de atividade, o desafio foi aceito. O teatro, naquele momento, cedeu espaço não apenas para o conhecimento, mas também para o lazer e a convivência, explorando os potenciais criativos e artísticos de cada um.

Diante dos elogios e das demonstrações de carinho, as autoras sentiam-se motivadas para continuar o trabalho, na certeza de que a semente estava plantada.

O lúdico expresso no teatro permitiu, ainda, desvelar o homo ludens existente em cada um. O humor vez emergir as gargalhadas do público, reavivando a expectativa de viver de forma saudável, na plenitude da palavra, em conivência com o outro, disseminando o exercício de solidariedade.

Nas encenações, estavam embutidas situações-problemas similares àquelas vivenciadas pelas pessoas da comunidade, o que lhes permitiu identificar-se com os personagens, desfazendo o silêncio e passando a questionar aquilo que os interessavam ou os angustiavam. As situações que emergiram durante os encontros foram discutidas entre os participantes, possibilitando a troca de experiência e a expressão de sentimentos e emoções, mediante a criatividade e a sensibilidade que permeia toda ação lúdica.

Numa mistura de prazer e paixão pela arte e pela ciência, o envolvimento das autoras, apesar de restrito por causa do tempo, foi profícuo e promissor.

 

REFLETINDO A PRÁTICA: O (RE)COMEÇO

A experiência vivenciada possibilitou vislumbrar as várias aplicações do teatro na Saúde da Família: como estratégia pedagógica eficaz para a aquisição de conceitos de saúde, recurso de lazer e espaço de convivência.

No âmbito da Enfermagem, a experiência relatada poderá servir de estímulo aos enfermeiros para adotarem outras estratégias sobre educação em saúde da população que visem à criatividade e à comunicação, numa perspectiva lúdica, facilitando o processo de ensino-aprendizagem.

Ao possibilitar o desenvolvimento da sensibilidade, da reflexão e da crítica a partir da compreensão da realidade, o teatro mostrou ser um meio alternativo para os enfermeiros ensinarem a importância dos processos de transformação pessoal e coletiva.

O teatro permitiu introduzir um trabalho educativo com temáticas diversificadas num ambiente alegre e descontraído, com expressões carregadas de liberdade, o que possibilitou ir além, empinando pipas por meio da imaginação.

Na dimensão lúdica, crianças, adolescentes, adultos e idosos deixaram fluir o lado prazeroso do ser criança, saborearam cada movimento, divertiram-se com Dona Mosquitita e "Seu" João e dançaram ao ritmo das músicas. Enfim, decodificaram o mundo de seu jeito, consubstanciando uma mistura agradável de arte e ciência.

Essa experiência fez acreditar na função social e libertadora das expressões do teatro, que pode contribuir para o processo educativo. Entretanto, por ser um processo, é longo e necessita de trabalhos contínuos. As autoras foram apenas sementes, as quais deverão ser cultivadas.

Propõe-se aqui a capacitação de agentes multiplicadores na comunidade como organizadores de oficinas de teatro para a construção do conhecimento coletivo, pois acredita-se que as ações de saúde e educação devem ser compartilhadas com a comunidade. Ao permitir fazer parte desse processo educativo, possibilitará, ao mesmo tempo, mudar seu papel de espectador e receptor para o de coautor e coprodutor15, primordial para a realização de mudanças.

As peças produzidas poderão ser apresentadas em várias ocasiões, inclusive com montagem de Feiras de Teatro, estimulando as produções culturais da região e os formadores de opinião, em seu papel de sujeitos/atores de sua realidade.

Por tratar-se de um município que sofre restrição financeira, é importante a construção de parceria com as Secretaria de Educação e de Saúde, para apoio à realização das oficinas e dos eventos. Ressalta-se que a insuficiência de recursos financeiros constituiu-se em um aspecto dificultador, contornado, todavia, pelo empenho das autoras, que custearam os recursos materiais.

Espera-se que novos trabalhos sejam desenvolvidos e divulgados contemplando o aperfeiçoamento do processo de cuidar lúdico na área da saúde, explorando novas práticas criativas de enfermagem. Faz-se necessária a abertura para o outro, para a integralidade do cuidado, no palco do científico, da criatividade, do lúdico e o do ético. Saber ouvir o que se mantém escondido e transformar a prática educativa em um momento singular do existir.

 

COLABORADORES

Os autores trabalharam juntos em todas as etapas da produção do manuscrito.

 

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15. Ministério da Saúde (BR). Oficinas de educação em saúde e comunicação. Brasília (DF); 2001.

 

 

Recebido em 05/11/2010
Reapresentado em 04/04/2011
Aprovado em 10/05/2011

 

 

NOTA
a Texto inédito, sem financiamento ou conflitos de interesse, parte de experiência docente em Curso de Enfermagem.
Este artigo sofreu alterações por solicitação do editor em Jan/2012 conforme ERRATA publicada no Volume 16 Número 1 do periódico. (http://www.scielo.br/pdf/ean/v16n1/v16n1a25.pdf)

 

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