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CAPES

Volume 15, Número 4, Out/Dez - 2011

PESQUISA

 

Humanização no cuidado de enfermagem nas concepções de profissionais de enfermagem

 

Humanization in nursing care in the concept of professional nursing

 

Humanización en la atención de enfermería en la concepción de los profesionales

 

 

Isis de Moraes ChernicharoI; Fernanda Duarte da SilvaII; Márcia de Assunção FerreiraIII

IAcadêmica do oitavo período do curso de graduação da Escola de Enfermagem Anna Nery da Universidade Federal do Rio de Janeiro (EEAN-UFRJ). Membro do Núcleo de Pesquisa de Fundamentos do Cuidado de Enfermagem (Nuclearte). Bolsista de Iniciação Científica (PIBIC/CNPq). Rio de Janeiro - RJ. Brasil. E-mail: zizimoraes@hotmail.com/ isischernicharo@hotmail.com
IIAluna do curso Mestradoda EEAN-UFRJ. Membro do Nuclearte. Bolsista de Iniciação Científica do CNPq. Rio de Janeiro - RJ. Brasil. E-mail: fernanda23_dasilva@yahoo.com.br
IIIDoutora em Enfermagem. Professora Titular do Departamento de Enfermagem Fundamental da EEAN-UFRJ. Membro do Nuclearte. Pesquisadora do CNPq. Rio de Janeiro - RJ. Brasil. E-mail: marciadeaf@ibest.com.br

 

 


RESUMO

Pesquisa sobre os elementos que constituem as concepções de profissionais de enfermagem sobre a humanização do cuidado. Participaram 12 profissionais que atuam no cuidado de enfermagem, na clínica médica de um hospital público federal. Realizaram-se entrevistas individuais, semiestruturadas e observação sistemática. As concepções dos sujeitos sobre humanização remetem ao cuidado empírico (conhecimento científico), estético (a arte da enfermagem), pessoal (autoconhecimento) e moral (o cuidado ético). Conclui-se que a humanização no cuidado tem estreita aproximação com as relações interpessoais e com a gestão de saúde, tornando necessário um maior investimento no preparo de profissionais para que estes tenham uma abordagem mais humana e menos protocolar, que interfira na qualidade do cuidado.

Palavras-chave: Cuidados de enfermagem. Humanização da assistência. Psicologia social.


ABSTRACT

This paper presents a research about the conceptions of professional nursing concerning humanization of care, identifying the elements which constitute it. It took part Twelve professionals who were working effectively in nursing care in any shift (morning, afternoon or evening) at the clinic of a public and federal hospital participated in this study. Semi-structured individual interviews and systematic observation were used to generate data. The concepts of the subjects refer to the humanization of empirical care (scientific knowledge), aesthetic (the art of nursing), personal (self) and moral (ethical care). It can be concluded that the humanization of care has a strict relationship to interpersonal relationships and health management, requiring a greater investment in preparing professionals so it has a more humane approach and less protocol, which interferes in the quality of care.

Keywords: Nursing care. Humanization of assistance. Social psychology.


RESUMEN

Investigación sobre los elementos que constituyen las concepciones de profesionales de enfermería sobre la humanización de la atención. Participaron doce profesionales que actúan en la atención de enfermería en la clínica médica de un hospital público federal. Se realizaron entrevistas individuales, semiestructuradas y observación sistemática. Las concepciones de los sujetos sobre la humanización remeten a la atención empírica (conocimiento científico), estética (el arte de la enfermería), personal (autoconocimiento) y moral (ética de la atención). Se concluye que la humanización de la atención tiene estrecha aproximación con las relaciones interpersonales y gestión de la salud, que requieren una mayor inversión en la preparación de los profesionales para que ellos tengan una atención más humana y menos formal, lo que interfiere en la calidad de la atención.

Palabras clave: Atención de enfermería. Humanización de la asistencia. Psicología social.


 

 

INTRODUÇÃO

Ao buscar compreender as Representações Sociais (RS) de um grupo, torna-se imprescindível analisar as vertentes que a permeiam. Nesse estudo, por não ter caráter exclusivamente antropológico, serão expostos breves comentários sobre o conceito antropológico de etnografia, assim como um pouco de história, sociedade, diferença e identidade para que possamos compreender e refletir como a humanização se relaciona com a assistência de enfermagem. Entretanto, a abordagem principal estará em torno do contexto dos sujeitos e como este condiciona a visão do homem em relação ao mundo que o cerca, correlacionando com o cuidado de enfermagem.

Desde a selvageria até a formação de uma civilização, a raça humana seguiu um caminho ascendente através de lentas acumulações de conhecimento experimental, constituindo os períodos étnicos do evolucionismo cultural das sociedades.1 Cada um desses períodos tem uma cultura distinta e exibe seu modo de vida mais ou menos especial e peculiar. Essa especialização de períodos étnicos possibilita tratar uma sociedade específica de acordo com suas condições de avanço relativo.

Não se torna necessário o aprofundamento de cada período étnico, porém foi a partir desses que se tornou possível fazer uma análise holística ou dialética das culturas; isto é, a cultura passou a ser vista como um sistema de significados mediadores entre as estruturas sociais e a ação humana (abordagem etnográfica).2

O estudo etnográfico, proveniente das disciplinas de antropologia social, tem como fontes de informações os comportamentos e memórias dos seres humanos, englobam os pontos de vista, as opiniões, as palavras, rotina de trabalho diário, detalhes do cuidado, o tom das conversas e da vida social, a existência de hostilidade, amizade, simpatias ou aversões. Assim, a etnografia utilizada como abordagem na investigação científica, além dos pressupostos anteriores, permite que o pesquisador participe de forma ativa e dinâmica da realidade social de determinada sociedade através de observações participantes e possa descrever de forma minuciosa o comportamento humano de determinado grupo, sem riscos de julgamentos e interpretações errôneas.

A etnografia, no estudo das Representações Sociais (RS), torna-se um alicerce na perscruta da cultura na totalidade de seus aspectos ao permitir a compreensão de tudo aquilo que há de mais íntimo no comportamento humano (valores, ambições e impulsos).

"O homem que se submete a várias obrigações habituais, que segue uma linha tradicional de ação, o faz impulsionado por certos motivos, movido por determinados sentimentos, guiado por certas ideias. Tais ideias, sentimentos e impulsos são moldados e condicionados pela cultura em que os encontramos e são, portanto, uma peculiaridade étnica da sociedade em questão"3.

Em uma sociedade os indivíduos são partes entrelaçadas por numerosos fios que permitem diversas permutas, influenciando em sua forma de pensar e agir. E a cultura é como uma lente através da qual o homem vê o mundo, contemplando as apreciações de ordem moral e valorativa, e os diferentes comportamentos sociais e mesmo as posturas corporais são produtos de uma herança cultural, ou seja, o resultado da operação de uma determinada cultura.4

Para tanto, a enfermagem, no contexto assistencial, deve absorver esses conceitos para compreender que determinadas respostas humanas ao cuidado de enfermagem estarão diretamente correlacionadas ao contexto social em que o cliente está inserido, atendendo aos preceitos propostos pelas políticas públicas de saúde vigente no país. Neste estudo, se enfatiza a Política Nacional de Humanização (PNH) que tem como princípios a integralidade, transversalidade e autonomia dos sujeitos.5

A Humanização começou a ser discutida mais amplamente a partir de 2003, com a criação da Política Nacional de Humanização (HumanizaSUS), visando à implementação de estratégias que viabilizassem o contato humano entre profissionais da Saúde e usuários, dos profissionais entre si, e do hospital com a comunidade, proporcionando qualidade, resolutividade e eficácia na atenção à saúde e difundindo uma nova filosofia de humanização na rede hospitalar credenciada pelo Sistema Único de Saúde (SUS). À luz dessa política, percebe-se que a relação entre humanização, cuidado e enfermagem existe e cabe a cada sujeito dessa relação fazer com que ela esteja presente na realidade assistencial de saúde, na qual a enfermagem desempenha um dos mais importantes papéis: o de cuidar.

Nesse contexto é que o enfermeiro possui uma ferramenta singular que pode ter mais influência sobre o cliente do que qualquer medicamento ou terapia: ele mesmo. Para tanto, faz-se necessário uma autoanálise que constitui um aspecto essencial para ser capaz de fornecer os cuidados de enfermagem terapêuticos, como a autoconsciência, esclarecimento dos valores, exploração dos sentimentos, senso de ética e responsabilidade. Captar o cuidado no seu sentido mais amplo: como ser, como se expressar, como se relacionar consigo mesmo, com o outro e com o mundo são questões que devem ser discutidas e refletidas entre todos os profissionais que buscam, através da enfermagem, aplicar os preceitos da humanização.

A partir desse pressuposto, essa pesquisa tem como objetivos: identificar os conteúdos que integram as representações sociais de profissionais de enfermagem sobre a humanização no cuidado, a fim de que se possa mapear, em princípio, suas concepções; e discutir a Política Nacional de Humanização e as práticas implementadas no campo da assistência hospitalar, tomando como base as representações sociais da humanização por profissionais de enfermagem.

 

MÉTODO

Pesquisa qualitativa de abordagem exploratória e descritiva, cujo referencial conceitual se apoia em dois grandes referenciais teóricos: o antropológico e o da Teoria das Representações Sociais (TRS) na linha da psicossociologia6-9 que, atualmente, vem sendo desenvolvida no Brasil na área da Saúde para responder às questões que tratam das crenças, valores e atitudes das pessoas em relação à saúde e ao cuidado, em especial. Ademais, dados quantitativos sobre os sujeitos servirão de apoio, subsidiando as discussões dos resultados, uma vez que, à luz da TRS, as concepções dos sujeitos amparam-se na identidade dos grupos aos quais pertencem. A congregação dos dados quantitativos e qualitativos tem o intuito de zelar pela consistência dos achados.

Os sujeitos foram profissionais de enfermagem, de ambos os sexos, escolhidos a partir da aplicação do critério de inclusão: que atuem efetivamente no cuidado aos clientes hospitalizados nos setores de clínica médica, em qualquer turno (manhã, tarde ou noite). Como critérios de exclusão foram aplicados os seguintes: os sujeitos que estejam desenvolvendo atividades exclusivas de gerência, ou estejam afastados da assistência por licença, de qualquer natureza, ou em gozo de férias no período delimitado para a produção dos dados.

O cenário foi o setor de clínica médica de um Hospital Universitário público federal do município do Rio de Janeiro - RJ. De um total de 30 profissionais que trabalham neste setor, 19 atenderam aos critérios de inclusão, porém apenas 12 aceitaram participar da pesquisa.

Nesta fase da pesquisa, optou-se por trabalhar com todos os sujeitos em um único grupo, independente da categorização profissional, na busca de conteúdos comuns às suas RS. Em fase posterior, quando o quantitativo de sujeitos se ampliar e o corpus de dados for mais denso, o investimento analítico buscará as diferenças e semelhanças nos conteúdos das RS dos grupos, por categoria. Isto posto, considera-se que esta pesquisa, de caráter exploratório, possa servir de base para o aprimoramento da produção de dados das fases subsequentes.

Os dados foram produzidos nos meses de setembro e outubro de 2010, com aplicação das técnicas de entrevistas individuais, seguindo um roteiro semiestruturado compostos de duas partes. Na primeira, constaram perguntas sobre o perfil sociodemográfico dos sujeitos, que se impunha ao referencial conceitual adotado, pois se fez necessário traçar as condições de produção das ideias e concepções dos sujeitos uma vez que estas se assentam nas marcas de pertença e de suas identidades socioculturais. Na segunda parte, constaram perguntas abertas nas quais os sujeitos foram solicitados a produzirem um discurso sobre as suas práticas no intuito de fazer emergir seus saberes e vivências sobre a humanização, a partir de cenas concretas de cuidado dos quais participaram.

Para a análise do material utilizaram-se técnicas de análise de duas naturezas: quantitativa, com aplicação de recursos da estatística simples e percentual aos dados oriundos da primeira parte do instrumento (dados sócio demográficos), e qualitativa, com aplicação dos recursos das técnicas de análise temática de conteúdo10, aos dados oriundos das questões abertas.

Em atendimento à Resolução n° 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, o projeto de pesquisa foi aprovado no Comitê de Ética e Pesquisa da Escola de Enfermagem Anna Nery, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, protocolo no 098/2009. O Termo de Consentimento foi assinado por todos os sujeitos. O anonimato foi garantido pela identificação alfanumérica dos depoimentos, em que a letra E significa Enfermeiro; T significa Técnico de enfermagem; a letra M significa Masculino; e a letra F, Feminino, seguidas de números arábicos que indicam a idade dos sujeitos, com hífen separando o número indicativo da sequência de realização da entrevista.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Sobre as Características Gerais de Identificação dos Sujeitos

Dos 12 profissionais que participaram da pesquisa, 9 (75%) eram do sexo feminino e 3 (25%) do sexo masculino. Deste grupo, 8 pertenciam à categoria profissional de técnico de enfermagem e 4 sujeitos pertenciam à categoria enfermeiros.

O Gráfico 1 demonstra a relação entre o sexo e a categoria profissional.

 

 

Desde a idade média, a prática do cuidar vem sendo relacionado com o sexo feminino, não apenas pelas características empíricas (mãe como primeira enfermeira), como também pelo aspecto caritativo (as mulheres consagradas e religiosas prestavam assistência aos enfermos).11 Apesar da profissão, hoje, não ser de caráter exclusivamente feminino, se pode verificar, através do Gráfico 1 que as mulheres continuam caracterizando fortemente a profissão.

Deste conjunto de indivíduos, 4 (33,33%) profissionais encontravam-se na faixa etária de 23 a 33 anos; 3 (25%), na faixa etária entre 34 e 44 anos; e 5 (41,67%) na faixa etária entre 45 e 54 anos. Eram em sua totalidade de nacionalidade brasileira. A naturalidade correspondeu, em sua maioria (66,67%), ao Rio de Janeiro, englobando também Espírito Santo (16,67%), Sergipe (8,33%) e Piauí (8,33%).

O estado civil caracterizou-se em sua maioria à situação de casado (58,34%), seguido de solteiro (33,33%) e separado (8,33%).

Do total de sujeitos, um terço declarou ser católico; esse valor compara-se ao dos sujeitos que declaram ser espíritas; um quarto declarou ser evangélico e apenas um sujeito declara não ter religião.

A renda familiar dos sujeitos compreende dois salários mínimos até vinte salários mínimos. Dos 12 profissionais, apenas 8 têm casa própria e carro. E o tempo de formação dos sujeitos da pesquisa correspondeu a 1 a 12 anos de formação.

Traçar o perfil sociodemográfico de um determinado grupo a ser estudado permite ao pesquisador compreender e analisar a atitude mental coletiva desse grupo, compreendendo as ideias, os valores, a estética e os princípios morais que são expressados por meio de símbolos que caracterizam a cultura desses conjuntos sociais.

A partir de então, poderemos compreender melhor a simbologia expressada nas falas dos sujeitos a partir da análise temática dos conteúdos das entrevistas.

Categorias Temáticas

Sobre os dados oriundos da análise temática de conteúdo, o discurso sobre a humanização se organizou em torno de uma classificação de cuidados em quatro tipologias: o cuidado empírico, o cuidado estético, o cuidado pessoal e o cuidado moral. Nesse sentido, a lógica de construção das ideias dos profissionais de enfermagem sobre a humanização passa por questões tanto coletivas, que mostram a relação entre o profissional e cliente no cuidado, quanto individuais, que mostram as habilidades, limitações, valores e ideias que constituem o ser, o qual é verificado na prática assistencial. Observa-se, portanto, que é na qualidade das relações humanas que se evidenciam elementos para se obter uma assistência humanizada.

O cuidado empírico

Compreende-se por cuidado empírico os conhecimentos científicos. Entretanto, a enfermagem é uma ciência humana, não podendo estar limitada à utilização de conhecimento relativo às ciências naturais. A enfermagem lida com seres humanos, que apresentam comportamentos peculiares construídos a partir de valores, princípios, padrões culturais e experiências que não podem ser objetivados e tão pouco considerados como elementos separados.

"A gente não lida só com doença da pessoa, você lida com a pessoa. E a pessoa tem a sua característica, o jeito de ela ser. Não é porque a pessoa ficou doente que ela ficou padronizada, todos os doentes vão ser iguais. Eles são diferentes". (TF44-08)

A proliferação do conhecimento teórico permite que o profissional relacione concepções e ideias preexistentes e internalizadas na cultura do indivíduo às concepções lógicas para novos modos de fazer, ser, aprender e viver em sociedade, os quais caracterizam as relações interpessoais. Assim, é importante salientar que somente através do conhecimento científico é que o profissional terá uma base sustentável para a realização do cuidado.

"Nesses dois meses, teve dois cursos de atualização, e eu falei: 'tem que mandar alguém para esses cursos para a pessoa reciclar'[...] Isso que você aprendeu há 10 anos já mudou[...] Mas você tirar alguém sabendo que não vai ter ninguém para repor... a equipe fica prejudicada. Mas você arrisca fazer isso porque você sabe que está investindo no profissional" (EF35-05)

Atualmente, apesar de talvez em função de vivermos em uma época cujo contexto é marcado pelo avanço tecnológico nas diversas áreas do conhecimento humano, a tecnologia encontra-se no foco das discussões.

"Eu acho que aqui, como uma unidade federal, eu fico admirada de não ter ainda os leitos elétricos. Vai ser muito bom, porque tudo que agiliza no trabalho com certeza vai ter um melhor atendimento ao cliente que participa dos nossos cuidado. Facilitar também o nosso trabalho, porque você rodar aquela manivela... eu costumo até a falar que estou fazendo musculação, enrijecendo a musculatura do braço (risos)". (TF52-02)

Porém, apesar dos grandes avanços científicos e técnicos no campo das ciências da saúde em geral, o processo de desumanização se apresenta como uma das principais consequências.

"A não humanização seria fazer por obrigação, não faz por amor a profissão.[...] Porque você não tem o tempo suficiente para poder dar o cuidado que deveria ter. [...] Você necessita de materiais. Ás vezes você quer fazer a coisa certa e você não pode fazer porque falta material adequado[...] No outro hospital onde eu trabalho não tem a furadeira apropriada, eles usam a furadeira de parede."(TM23-10)

O que devemos considerar nessa discussão, para não entrar em questões que não são o foco dessa pesquisa, é que a tecnologia auxilia o cuidado de Enfermagem, porém este não deve substituí-lo.

"O cuidado humanizado é aquele que, além de você fazer os procedimentos, você vai estar explicando ao paciente o que está sendo feito". (TF49-09)

Outras duas questões foram levantadas ao se abordar a não humanização no processo assistencial de enfermagem: a formação profissional e o mecanicismo.

Formação profissional versus qualidade assistencial

"É uma formação não uniforme. Então cada um vem de uma escola diferente, com uma metodologia, uma filosofia diferente de cada curso. Esse misto, essa mistura atrapalha um pouco. Contribuindo para alguns prestar o cuidado humanizado e outros não. [...] Porque o acesso a você fazer curso profissionalizante em enfermagem, hoje em dia, é fácil. Digo até que banalizou muito. Não só técnico como também superior. Qualquer lugar tem uma faculdade, e isso acaba banalizando porque não são todos de qualidade." (EF35-11)

A formação em enfermagem tem valorizado a inclusão de conteúdos que abordam o sujeito em sua dimensão humana, envolvendo questões subjetivas e sociais, na tentativa de ampliar a perspectiva biológica, clínica e técnica do cuidar em saúde. Os cursos e a graduação em enfermagem, desenvolvidos com base nas diretrizes curriculares nacionais, devem implementar um currículo que privilegie a formação de um profissional que seja generalista, humanista, crítico e reflexivo, pautando-se nos princípios científicos e éticos.12 Para isso, torna-se importante verificar o rendimento dos alunos dos cursos, tanto técnicos como os de graduação, em relação aos conteúdos programáticos, suas habilidades e competências. O Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade) já realiza esse papel na avaliação da educação superior, porém não há uma instituição responsável para avaliar a qualidade de cursos técnicos, sendo necessário um maior investimento nessa área para formar profissionais aptos a realizarem o cuidado de enfermagem, seguindo os preceitos da PNH.

Mecanicismo profissional

"Você olhar para um paciente e cuidar, não só porque você tem que prestar aquela assistência como técnico, mas você não tem que ser robotizado, você não é um androide (risos), uma máquina. Você é um ser humano igual àquele que está ali precisando de cuidados" (TF52-02).

"Às vezes já faz tão mecânico, não é nem da pessoa, mas a pessoa já faz isso tão mecânico que às vezes ela nem se dá conta, nem percebe" (EF35-11).

A medicina moderna desenvolveu-se mudando da ideologia voltada para a pessoa para uma ideologia voltada para o objeto. Tem havido ganhos e perdas nesse processo. Por um lado, houve aperfeiçoamento de técnicas terapêuticas e o desenvolvimento de um corpo consistente de conhecimentos com a concomitante redução da controvérsia sobre a natureza da doença e de seu tratamento. Por outro lado, a medicina perdeu sua visão unificadora do paciente em particular e da vida em geral como agentes que resultam, na saúde e na doença, de fatores ambientais, sociais e econômicos, além dos fatores biológicos.13

O que se observa nas unidades de registro eleitas para exemplificarem esta discussão é que não há um equilíbrio estre essas duas vertentes. A assistência de enfermagem necessita recuperar, na sua prática, essa dimensão, porque ela é teoricamente mais rica, equilibrada e próxima das causas reais que envolvem a saúde e a doença em seres humanos. Para isso, os profissionais de enfermagem necessitam reordenar o enorme conjunto de conhecimentos e tecnologias até hoje acumulados, como solução para a sua crise e em alternativa ao seu paradigma mecanicista dominante.

Evidentemente, essa reorientação deve começar a ocorrer no campo teórico e científico, ou seja, no campo das ideias para, pouco a pouco, encontrar condições institucionais para transformar as ideias em práticas.13

Portanto, o que se observa é que o conhecimento científico aliado ao compromisso do ser humano com o trabalho são ferramentas essenciais para melhorar a qualidade do cuidado prestado. É preciso que tanto os profissionais quanto gestores e clientes reflitam sobre os conhecimentos científicos adquiridos, buscando a existência de barreiras entre a teoria e a prática, e como essa barreira está sendo imposta, assim como o que fazer para ultrapassá-la.

"Parar mesmo da assistência, tirar um dia, não sei, uma tarde, para sentar e conversar sobre o que se tem feito, porque fica uma coisa mecanizada. Eu tenho que cumprir essas tarefas; se eu cumprir essas tarefas eu estou bem, mas, entre as tarefas, na prescrição não vem: 'prestar atenção no paciente', 'ouvir o paciente', isso não está na prescrição.[...] Porque, se não, fica aquela coisa que você se envolve tanto na assistência, que eu acho ótimo, sabe? Mas se você não parar, chega uma hora que você se esgota e acaba virando mecânico, você não para pra pensar" (EF35-05).

O cuidado estético

O cuidado estético compreende a arte da Enfermagem, ou seja, a capacidade que o enfermeiro possui em entender o ser humano na sua objetividade, subjetividade e o contexto no qual ele está inserido. A dimensão estética do cuidar está relacionada com os sentimentos e valores que fundamentam a ação em um contexto presente entre as relações, de modo a que haja coerência e harmonia entre o sentir, o pensar e o fazer.14

[...]A essência de enfermagem é o cuidado. A humanização é uma coisa que vem inócua, é uma coisa instintiva do ser humano. Se eu não tenho humanização então eu não posso ser um bom profissional de enfermagem porque a essência dela é o cuidado.[...](EF54-06)

Verificou-se a importância da escuta, da observação e do respeito à subjetividade do cliente como pontos fundamentais que expressam a Humanização no cuidado,13 mostrando que o relacionamento entre os profissionais de saúde e a família deve ser um encontro de subjetividades no qual emergem novas compreensões e interpretações, contribuindo para o processo saúde-doença.

"Porque pelas tarefas que a gente tem, a gente quer até dar atenção porque ele não é uma coisa que você cuida, ele é um ser humano. [...] Aquela coisa de querer conversar e muitas das vezes você não pode fazer isso. Dá um pouco de frustração. Mas pra mim humanização seria bom se a gente tivesse um pouquinho mais de tempo para ouvir. Ouvir o que se está tentando dizer". (TF44-08)

"Eu acho que ele tem que estar sempre atento em todo o decorrer da sua profissão. Mesmo ele já formado e dependendo do tempo que ele estiver trabalhando, enquanto ele for médico, técnico, enfermeiros, ele tem que sempre estar atento, se doando". (TF53-03)

Além dessas questões, é valido também destacar a importância da empatia no cuidado de Enfermagem. "Saber ouvir o que se está tentando se dizer" pode elucidar bem essa questão. Empatia significa se colocar no lugar do outro, despertando os sentimentos de ambos os sujeitos, e, assim, o profissional é capaz de escolher a forma de tratar: a forma como ele próprio gostaria de ser tratado. A empatia, portanto, torna-se um instrumento valioso para a Humanização da assistência, visto que a assistência passa a não se configurar nos avanços da tecnologia, e sim em valores pessoais, na compreensão do verdadeiro significado do cuidado, permitindo ao profissional escolher a melhor maneira de cuidar do seu cliente.15 A estreita relação entre criatividade, sensibilidade, intuição, imaginação, valores, é o que permite falar-se em dimensão estética do cuidar.14

"Trate bem para ser bem tratado, porque hoje você não está, mas amanhã você pode estar em um hospital acamado e você vai querer ser bem cuidado; então trate bem para ser bem tratado'. A gente não sabe o dia de amanhã. Tem aquela lei de retorno. Então eu sempre carrego isso comigo" (TM33-07).

O conhecimento estético materializa-se pelas ações durante o momento de cuidado - habilidades manuais - e pela interação mantida com o paciente.14

"[...]é difícil pensar no cuidado de enfermagem não humanizado porque você está cuidando de outro ser humano e está cuidando no momento mais trágico dele. Se você pensar que você pega uma pessoa adulta e tem que levar para o banheiro, dar banho... a pessoa não está conseguindo cuidar das próprias necessidades básicas dela... Ela não consegue comer, então se você não é humano, não vê aquilo como mais uma coisa... você não consegue fazer". (EF35-05)

O cuidado pessoal

O cuidado pessoal é caracterizado pelo "conhecer a si" para poder "conhecer o outro", demonstrando a necessidade do autoconhecimento, suas habilidades e limitações para planejar as ações e permitir que o ser cuidado compreenda que o profissional, acima de tudo, também é um ser humano e portanto apresenta sentimentos e barreiras físicas, psicológicas e sociais que o impedem, como outro indivíduo qualquer, de compreender e realizar certas ações. Pode, assim, criar vínculos mais efetivos, baseados na empatia, que permita que o cliente se transforme, revise seus valores, suas crenças em relação ao meio ambiente, ao cuidado e a si mesmo.

"O pessoal tem que focar sempre mais... atender o melhor possível, agora se vai conseguir ou não, depende da pessoa" (TM23-10)

"A gente tem aquele cuidado por causa de bactérias, e uma paciente, de surpresa, me abraçou [...]eu não podia rejeitar [..]Não dava pra eu dizer para ela que ela não podia me abraçar porque eu não posso ficar abraçando por causa das bactérias.[..] Eu pensei porque eu sou profissional, mas ela não pensou isso [..] Eu sou ser humano, pelo menos eu me considero (risos). Então essas coisas assim que são meio complicadas, por que você tem a técnica, mas você não pode ver que aquilo é uma máquina" (TF44-08).

O cuidado moral

O cuidado moral compreende o cuidado ético, a ciência da conduta, no qual o enfermeiro distingue e decide as melhores estratégias para articular um cuidado.

O cuidar como um valor da profissão e da pessoa é extremamente importante no provimento de padrões normativos os quais governam as ações e as atitudes relacionadas aqueles de quem se cuida.14

A necessidade do respeito aos pacientes e seus familiares é identificada como um valor básico na profissão de enfermagem.14

[...] A gente deve até ter um certo cuidado com esse acompanhante porque ele pode ajudar muito esse parente dele aqui no hospital. [...] Tem que ter uma análise muito profunda ao dizer 'não' para esse acompanhante porque ele pode estar dando uma cooperação fantástica para esse ente querido dele [...] (EF54-06).

Dentro da vertente da ética, essa possui uma associação à presença do cuidado, o qual vem a afirmar a humanidade de ambos, tanto do cliente quanto da equipe de enfermagem. A dimensão ética dá conforto e apoio aos clientes e aos profissionais, a presença da ética inspira e informa a equipe de enfermagem.14

[...]Prestar assistência é... com a humanização, para mim é você prestar os cuidados com técnica, com amor, com psicologia, como se fosse o seu ente querido. Como se fossem os cuidados que você pudesse se dar no seu próprio corpo[...] (TF52-02)

Todos os tipos de cuidado identificados neste estudo tem um só objetivo: expessar a Humanização no cuidado de Enfermagem. Eles formam um alicerce para se efetivar a Política Nacional de Humanização composta de empatia, confiança, afeto, comunicação e acolhimento, que vai ao encontro da resolutividade da assistência.16-18

 

CONCLUSÃO

Os conteúdos das Representações Sociais dos profissionais de enfermagem sobre a humanização permeiam as questões empíricas (conhecimento científico), estéticas (a arte da enfermagem), questões pessoais (autoconhecimento) e morais (o cuidado ético). O fator humano nas relações interpessoais emerge como principal medidor da qualidade da humanização no cuidado hospitalar.

Para que se avance na implantação na Política Nacional de Humanização, torna-se necessário um maior investimento no preparo de profissionais para que estes tenham uma abordagem mais humana e menos protocolar, que interfira na qualidade do cuidado e naquilo que se entende por humanização, nas concepções dos sujeitos, profissionais de enfermagem. Também, cabe aos gestores compreender a dimensão dos obstáculos presentes na assistência de enfermagem, que envolvem tanto questões da comunicação de massa quanto das condições de oferta dos serviços, dimensionamento e qualificação dos trabalhadores em face do quantitativo da clientela e da complexidade da assistência.

Cabe ao profissional analisar sua prática, suas habilidades e limitações, aliar às teorias, às questões éticas implicadas na garantia dos direitos dos pacientes, para tornar a assistência de enfermagem humanizada e de qualidade.

Desta feita, a humanização deve abranger tanto questões objetivas (gestão, aperfeiçoamento e qualidade profissional) como questões subjetivas (autoconhecimento, empatia e relações interpessoais), tendo as condições dignas de vida como metas a serem buscadas.

Para se concretizar as propostas da Política Nacional de Humanização, torna-se necessário um entrelaçamento desses conceitos, caracterizados de formas diferentes, dependendo de cada conjunto social. Então, entender o contexto no qual se inserem os sujeitos que participam do processo da saúde, suas ideias, concepções e valores permite a articulação de estratégias específicas e eficazes para se obter a humanização na assistência de enfermagem.

 

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Recebido em 22/10/2010
Reapresentado em 08/04/2011
Aprovado em 10/06/2011

 

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