Volume 15, Número 3, Jul/Set - 2011
PESQUISA
Relatos de mulheres em uso prejudicial de bebidas alcoólicas
Reports of women on harmful use of alcoholic beverages
Testimonios de mujeres en uso abusivo de bebidas alcohólicas
Claudete Ferreira de Souza MonteiroI; Giovanna de Oliveira Libório DouradoII; Carlos Alberto Guzman Graça JúniorIII; Alessandra Kelly do Nascimento FreireIV
IDoutora em Enfermagem. Professora do curso de graduação e do Mestrado em Enfermagem da UFPI. Professora da Faculdade NOVAFAPI ?Teresina-PI. Brasil. E-mail: claudetefmonteiro@hotmail.com
IIEnfermeira. Especialista em Unidade de Terapia Intensiva. Teresina-PI. Brasil. E-mail: giovannaliborio@hotmail.com
IIIEnfermeiro. Especialista em enfermagem em terapia intensiva - Faculdade Farias Brito. Teresina ? PI. Brasil. E-mail: caal_guzman@hotmail.com
IVEnfermeira. Especialista em enfermagem em terapia intensiva - UNIPOS. Teresina-PI. Brasil. E-mail: caal_guzman@hotmail.com
RESUMO
Trata-se de uma pesquisa qualitativa e descritiva, com o objetivo de descrever e analisar os relatos de mulheres em uso prejudicial de bebidas alcoólicas. A pesquisa foi desenvolvida em comunidade da zona rural de Teresina (PI). Os dados foram obtidos a partir de entrevista semiestruturada com 10 mulheres no período de julho a outubro de 2009 e trabalhados através da análise de conteúdo. Os resultados mostraram uma trajetória de vida sofrida, desde a infância permeada por alcoolismo. As amizades, residência próxima a bares e más condições de trabalho contribuem para o consumo de bebida alcoólica. As mulheres relatam a aquisição de bebidas alcoólicas como prioridade e reconhecem suas manifestações orgânicas, influenciando na rotina e desempenho profissional. O sistema de saúde deve estar atento a este segmento, implementando medidas de prevenção, controle e de promoção da saúde de mulheres em uso prejudicial de álcool.
Palavras-chave: Mulheres. Alcoolismo. Pesquisa Qualitativa. Enfermagem.
ABSTRACT
This is a qualitative and descriptive research that aimed to describe and analyze reports of women on harmful alcohol uses. The research was performed in a countryside community of Teresina (PI), data were obtained from semistructured interviews with 10 women in the period from July to October 2009 and was worked through the content analysis. The results showed a hard life path, from childhood permeated by alcohol. The Friendships, living near bars and poor working conditions contribute to the alcohol consumption. They report the purchase of alcohol as priority and recognize the manifestation of this on the organism, influencing the routine and job performance. The health care system must pay attention to this segment, implementing prevention, control and health promotion of women in harmful use of alcohol.
Keywords: Women. Alcoholism. Quantitative research.
RESUMEN
Se trata de una investigación cualitativa y descriptiva, tiene como objetivo describir y analizar los testimonios de las mujeres en uso abusivo de bebidas alcohólicas. La investigación fue realizada en la comunidad rural de Teresina (PI), los datos fueron obtenidos a partir de entrevistas seme estructuradas con 10 mujeres en el período de julio a octubre de 2009 y trabajados a través del análisis de contenido. Los resultados mostraron una trayectoria de vida sufrida, desde la infancia impregnada por el alcoholismo. Las amistades, vivir cerca de los bares y las malas condiciones de trabajo contribuyen para el consumo de alcohol. Relatan la adquisición de bebidas alcohólicas como una prioridad y reconocen sus manifestaciones orgánicas, influyendo en el rendimiento y rutina de trabajo. El sistema de salud debe prestar atención a este segmento, aplicando medidas de prevención, control y promoción de la salud de las mujeres en uso nocivo del alcohol.
Palabras clave: Mujeres. Alcoholismo. Investigación Nursing. Cualitativa. Enfermería.
INTRODUÇÃO
O uso prejudicial de bebidas alcoólicas é um sério problema de saúde pública que tem aumentado progressivamente, facilitado pelo baixo preço e fácil acesso. A mortalidade e as limitações funcionais causadas pelo alcoolismo são maiores que as produzidas pelo tabagismo, trazendo altos custos ao sistema de saúde, em função das morbidades ocasionadas serem caras e de difícil manejo.1,2
A Organização Mundial de Saúde (OMS) entende como uso prejudicial de bebidas alcoólicas o padrão de uso que ocasiona danos à saúde física ou mental. São sistematicamente reconhecidas as consequências danosas do consumo inadequado de bebidas alcoólicas à saúde dos indivíduos.3
O álcool, por não ser um alimento digerido, pode ser rapidamente absorvido. Cerca de 20% de uma única dose de álcool é imediatamente absorvida pela corrente sanguínea através da parede do estômago. Os outros 80% são absorvidos mais lentamente pelo trato intestinal superior e passam à corrente sanguínea. Desta forma, momentos após ser ingerido, o álcool pode ser encontrado em tecidos, órgãos e secreções do corpo.4,5
São evidentes, crescentes e preocupantes os malefícios produzidos de diferentes naturezas no organismo, implicando em complicações de difícil manejo e alto custo ao sistema de saúde.4,5
Além das complicações físicas, o consumo prejudicial pode resultar em problemas psicológicos e psiquiátricos (agressi-vidade, depressão, ansiedade e crises psicóticas relacionadas ao álcool); problemas sociais e interpessoais (conflitos familiares, violência doméstica e problemas no ambiente de trabalho); conflitos com a lei (dirigir embriagado, delitos relacionados a comportamentos agressivos ou antissociais) e ocorrência de acidentes.6
Quanto ao perfil dos consumidores de álcool, as mulheres passam a apresentar destaque, como evidenciam dados do I Levantamento Nacional sobre os padrões de consumo de álcool da população brasileira de 2007 mostrando que 65% dos homens e 41% das mulheres consomem algum tipo de bebida alcoólica.7
Em relação às mulheres com atividades produtivas, o estudo multicêntrico descritivo, correlacional e comparativo conduzido no continente americano apresenta a proporção do consumo de álcool em mulheres trabalhadoras no México de 11%, no Peru de 53% e o no Brasil 45%.8
O consumo de álcool, apesar de ter aceitação social Esc Anna Nery (impr.)2011 jul-set; 15 (3):567-572 ocidentais, acarretando altos custos para sociedade e envolvendo questões médicas, psicológicas, profissionais e familiares.9
O objetivo desse estudo foi analisar relatos de mulheres em uso prejudicial de bebidas alcoólicas.
METODOLOGIA
O estudo consiste em uma pesquisa qualitativa e descritiva, realizada em uma comunidade da zona rural do município de Teresina. O grupo pesquisado compõe-se de 10 mulheres moradoras dessa localidade, em uso prejudicial de bebidas alcoólicas. As mulheres foram previamente identificadas em estudo do PIBIC da Universidade Federal do Piauí que seguiu uma abordagem quantitativa e buscou a ocorrência, uso mensal e o tipo de bebida mais consumida, deixando uma lacuna em relação à parte subjetiva.
Como técnica de obtenção dos relatos, foi utilizada a entrevista semiestruturada, gravada, com duração mínima de 40 min., permitindo liberdade para que a entrevistada acrescentasse conteúdos além do questionado. Os relatos foram obtidos no período de julho a outubro de 2009 e registrados em MP3 player, o que possibilitou sua transcrição na íntegra. Os depoimentos foram analisados por meio da análise de conteúdo10 e agrupados em três categorias.
O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da NOVAFAPI sob o CAAE nº. 0168.0.043.000-09. As identidades das mulheres foram preservada, e são apresentadas como E1, E2, e assim sucessivamente. As mulheres assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, concordando em sua participação voluntária.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Característica do grupo pesquisado.
As mulheres entrevistadas iniciaram o consumo de bebidas alcoólicas a partir dos 10 anos de idade. Seis eram casadas; três, separadas; e uma, solteira. Apresentaram baixa escolaridade (três analfabetas e sete alfabetizadas). No que se refere à situação econômica, seis mulheres possuíam renda própria entre R$ 100,00 e R$ 600,00 fruto da atividade como quebradeiras de coco, auxiliar de serviços gerais, diaristas e prostitutas. Quatro entrevistadas eram sustentadas pelos companheiros e recebiam bolsa família, tinham como ocupação cuidar da casa e filhos. Ressalta-se que duas mulheres se encontravam no 3º trimestre de gestação.
Família, trabalho, lazer: trajetória de vida permeada por bebidas alcoólicas.
A complexidade de fatores que gera o início do consumo do álcool e o desenvolvimento da dependência sofre influência de situações vivenciadas na infância e adolescência, como: antecedentes familiares de alcoolismo, exclusão social, falta de suporte familiar e educacional, má qualidade de vida e condições socioeconômicas precárias.11,12
As mulheres deste estudo relatam uma trajetória de vida entrelaçada pela bebida alcoólica. Falam da convivência com familiares alcoolizados desde a infância, ora mostrando o pai como consumidor, ora a mãe como vendedora e/ou consumidora. A bebida era uma presença constante em suas vidas; apesar disso, elas não demonstram consciência da associação dessas experiências com sua condição de vida atual.
As mulheres deste estudo relatam uma trajetória de vida entrelaçada pela bebida alcoólica. Falam da convivência com familiares alcoolizados desde a infância, ora mostrando o pai como consumidor, ora a mãe como vendedora e/ou consumidora. A bebida era uma presença constante em suas vidas; apesar disso, elas não demonstram consciência da associação dessas experiências com sua condição de vida atual.
Só quem bebe é meu pai. Chegava bêbado, dormia no mato. Um dia meu padrinho comprou 1 litro, aí ele bebeu e eu fui guardar o que sobrou. Eu olhei e pensei "meu padrinho bebeu, parece tão bom, vou é experimentar", Eu enchi a boca, bebi quase um litro, eu tinha uns 10 anos". (E1)
Comecei a beber pequena, minha mãe vendia cachaça. [...] Ela gostava de beber. Eu via minha mãe bêbada. (E7)
Meu pai bebe de cair no chão. Chegava em casa bagunçando, isso me incomodava. (E9)
Mamãe me dava pinguim de cachaça com alfazema que era pra ajudar (referindo-se ao puerpério). (E2)
Comecei a beber na folia, junto com meu pai, ele era alcoólatra. (E4)
Essas falas são emblemáticas na medida em que deixam entrever que foi na família que se iniciou o consumo de bebida alcoólica, muitas vezes incentivado pelos pais. São, portanto, mulheres oriundas de lares nos quais familiares faziam uso constante de bebida alcoólica. Esse modelo familiar de origem passa a ser reproduzido na vida adulta.
O consumo de bebidas alcoólicas relatado pelas depoentes também se encontra associado às condições de trabalho. Relacionam a bebida como atenuante para as dificuldades diárias, seja o tipo de trabalho que desenvolvem e que consideram de difícil enfrentamento, como a prostituição e a quebra do coco, ou os problemas do cotidiano familiar.
Comecei a beber aos 14 anos, foi pelo lado da prostituição, das perdidas, comecei a me envolver com elas e entrei no mundo da prostituição. Eu bebia tudo que aparecia, a noite inteira [...] era mais fácil trabalhar com a bebida [...] você sobreviver do seu próprio corpo é uma causa de começar a beber. (E10)
Acabo bebendo para enfrentar o serviço, que é muito pedioso, ninguém queria fazer o que eu faço (quebradeira de coco). (E1)
É problema de filho, problema de saúde, sem poder trabalhar [...] Ainda tem essa menina que eu estou esperando [...] É muito problema que eu tenho, que passa na minha vida. Eu vou me vingar bebendo (3º trimestre da gravidez). (E5)
Uma pesquisa realizada com mulheres alcoolistas evidencia também que o uso abusivo é uma tentativa para esquecer ou amenizar as dificuldades financeiras, problemas familiares ou cansaço devido à jornada de trabalho exaustiva.13 Da mesma forma, a literatura já aponta que o uso de bebidas alcoólicas por prostitutas funciona como estímulo para enfrentamento das dificuldades inerentes à profissão.14
Outro fato relatado pelas mulheres pesquisadas neste estudo aponta que o uso de bebidas alcoólicas se encontrava também relacionado a fatores como: diversão, interação social e lazer.
Elas me chamam e eu vou (referindo-se às cunhadas), o bar é aqui do lado. Na hora que eu vejo elas lá, me dá vontade de ir. Bebo sempre no bar, lá é mais divertido, tem mais gente, música alta, fica tipo uma festa, todo mundo dançando. Bebo até a hora de dormir ou quando acaba a bebida. (E9)
Quando fazem as festinhas me chamam. A gente se junta, compra a cerveja, só a família mesmo. (E1)
Eu bebo em grupo, geralmente com as amigas da mesma região. (E4)
O contexto social demonstrado pelas depoentes aponta a bebida como fator congregador. O fato de residirem em uma comunidade pequena, com muitos bares, onde todos os moradores se conhecem e os encontros para beber funcionam como forma de socialização, descontração e de aceitação no grupo favorece o uso. Essa é uma prática de base social em que as ocasiões de ingestão de bebidas alcoólicas funcionam como expressão e apoio à estrutura social existente, estimulando interações sociais e fortalecendo identificações e solidariedade coletiva.15
Os locais preferidos para o consumo pelas entrevistadas eram os bares adjacentes. Entretanto, algumas depoentes relatam beber em família ou sozinhas demonstrando uma preocupação maior quanto à exposição social e preservação da autoimagem. Evitam as críticas e julgamentos da comunidade.
Costumo beber mais em casa mesmo, não bebo mais em bar [...]. Homem bêbado já é feio, imagine mulher caindo. (E3)
Eu me distanciei de algumas amizades, eu via que não dava pra mim, por fofoca, então eu estou me afastando [...] Eu gosto de beber só, sair só, não gosto de companhia [...]. (E6)
Essa situação também é evidenciada em pesquisa da Universidade de São Paulo, na qual as mulheres manifestaram preocupação com a imagem perante a sociedade, devido ao preconceito em relação às mulheres usuárias de álcool e drogas, justificado pela exigência da sociedade na preservação da imagem e da moral.12
Ao falarem sobre o consumo de bebidas alcoólicas as mulheres expuseram situações características de dependência e compulsão, porém nenhuma reconhecia a ingestão excessiva de álcool como prejudicial.
Quando eu começo não quero mais parar, quero beber, beber, beber, não quero mais parar. (E6)
Aqui, acolá, bebo uma dose, só não bebi hoje porque não tem [...]. É toda hora, na hora que chega, na hora que sai. Se eu sair de casa eu tomo [...]. Ontem bebi uma dose, eu bebo uma dose de manhã e outra de noite. Eu me sinto melhor quando bebo, quando a gente bebe pouco não sente nada, mas se a gente passar dois ou três dias sem comer nada e beber, aí sim a gente sente. (E7)
Percebe-se que há uma compulsão pela ingestão alcoólica, independente da hora, do local ou dos compromissos. O uso de bebidas alcoólicas faz parte do cotidiano dessas mulheres. Elas reconhecem a necessidade de continuar bebendo, porém não entendem como dependência, mas relatam que familiares ou amigos já pediram para parar de beber, ou tentaram ajudá-las de alguma maneira.
[...] um bocado de gente já (pediu para parar de beber). Minha família mesmo, meus amigos e amigas. (E5)
Nunca procurei ajuda por que não bebo muito [...] meu irmão é o dono do bar e não bebe, ele gosta de me dar conselhos. (E8) Já me chamaram para Igreja, amigos e parentes. Eles acham que tem a ver, só que não tem. (E1)
Efeitos da ingestão de bebidas alcoólicas
Apesar de as depoentes apresentarem queixas relacionadas ao consumo de bebidas alcoólicas, elas não associam problemas de saúde a esse consumo. Reconhecem apenas as manifestações orgânicas que atrapalham a rotina e o desempenho profissional. Com intuito na superação desses sintomas, essas mulheres optam por consumir novamente a bebida alcoólica.
Eu tenho ânsia de vômito, fico me tremendo, fico gelada, tonta também [...] eu não vou ao trabalho. (E3)
Tenho ressaca, acordo sem coragem, passando mal, dor de cabeça, eu vomito quando eu chego em casa e no outro dia também. (E9)
Fico cansada, suando frio, querendo desmaiar. Fico só deitada, não faço nada durante o dia. (E10)
Os efeitos da ingestão do álcool sobre o corpo são observados tanto pela quantidade quando pelo tempo de consumo. Em doses baixas, o álcool produz relaxamento, sonolência, perda da inibição, fala pastosa, falta de concentração e sono. O abuso crônico ocasiona distúrbios fisiológicos em múltiplos sistemas, dentre os complicações encontram-se: esofagite, gastrite, pancreatite, hepatite alcoólica, cirrose hepática, miocardiopatia alcoólica, transtornos mentais e outras.9,16
As mulheres articulam formas de manter a frequência do consumo de álcool, ainda que estejam com dificuldades financeiras.
Se eu tiver dinheiro, eu bebo é com o meu dinheiro [...] dinheiro para beber cachaça não falta, não falta amigo para dar. (E7)
A gente pega o dinheiro que ganha e compra bebida, aí depois para comprar comida pede fiado [...] às vezes a gente tem só aquele dinheiro, mas a gente vai beber, aí quando dá no outro dia não tem mais nada. (E9)
Percebe-se nos relatos que as mulheres priorizam o consumo da bebida alcoólica à compra do alimento. Tal fato demonstra a instalação da dependência alcoólica, visto que uma das características da síndrome da dependência alcoólica é a priorização do álcool, independente da situação, o que interfere na economia doméstica, estrutura familiar e educação dos filhos.17
Outro fato merecedor de destaque diz respeito à figura dos filhos como expectadores e participantes desse cenário. A entrevistada E3 mostra como a bebida é parte desse cotidiano e nele os filhos poderão participar desde que não ultrapassem o que ela chama de "beber demais" ou "abusando em casa".
Às vezes na brincadeira eu pergunto "tu quer (cerveja)?" [...] se um dia ele quiser beber, não chegando abusando em casa, nem beber mais da conta, eu não vou achar ruim não (E3).
As mães ao oferecerem álcool, estimulam a curiosidade à experimentação entre os filhos. As mulheres já consideram o consumo do álcool algo natural, visto que cresceram nessa realidade e não reconhecem que seguem o exemplo dos seus pais. Pais dependentes podem gerar disfunções familiares de tal forma, que uma estrutura familiar desequilibrada cria condições de vulnerabilidade para os filhos, relacionando-se ao aumento dos índices de problemas comportamentais, desordens afetivas, baixo rendimento escolar, déficit de atenção e maior risco para desenvolvimento de psicopatologias.18
Embora as entrevistadas tenham conhecimento dos malefícios do consumo de álcool durante a gravidez, uma gestante não interrompeu o uso de álcool e tabaco e outra declarou ter consumido no início da gestação.
Mesmo grávida bebo e fumo, mas diminuí mais [...] do jeito que eu era, já diminuí, foi muito por causa da gravidez. Quando nascer, tem que parar, é o jeito, por causa da criança. (E5)
No começo eu ainda bebia [...] eu tenho vontade, não vou mentir [...] as pessoas dizem: toma mulher, não faz mal não [...] aí eu falo que tem porque a enfermeira fala que não pode, então não pode. (E6)
Quanto ao conhecimento sobre a teratogenia do álcool, a literatura mostra que gestantes que consomem bebidas alcoólicas não acreditam que esta prática pode afetar seu filho.16
O consumo de álcool na gestação pode afetar a saúde do recém-nascido, podendo este apresentar a síndrome fetal pelo álcool, manifestada por sinais de irritação, tremores e interferindo no sono e amamentação da criança. Em casos mais graves, quando a criança é seriamente afetada, ela consegue sobreviver aos primeiros momentos de vida e pode apresentar problemas físicos e mentais, como o retardo mental e deficiência cardíaca. É recomendável que a gestante evite o consumo de bebidas alcoólicas durante a gestação e no período de amamentação.9
Nos relatos também permeiam a presença da violência conjugal, conflitos e agressões verbais, muitas vezes não reconhecidas pelas mulheres como violência.
Chegava em casa me batendo [...] ele inventava que estava bêbado, mas ele queria mesmo me bater. Negócio de bebida não faz ninguém fazer nada não. (E3)
[...]. Quando ele bebia perdia a cabeça [...] mais do que eu [...] acho que ele misturava com outros tipos de bebidas e drogas também. O pai mesmo desse menino já me cortou uma vez que eu passei mais de três meses sem poder fazer nada, já quis passar o carro em cima de mim e do filho dele. Meu ex já botou até arma na minha cabeça. (E5)
Só ameaça. Ele ameaçava matar eu e meus irmãos. (E6) (Quando indagada se sofria violência do exmarido)
Ele saia só e chegava bêbado abusando, sempre me batia quando estava bêbado, mas era só comigo. Eu não podia fazer nada, às vezes saia de casa para não brigar, ia para a casa dos vizinhos e deixava ele brigando só. (E7)
A violência doméstica praticada pelos homens pode ter como gatilho a bebida alcoólica e, como consequência, levar a mulher ao consumo. A maioria das mulheres que vivem em situação de violência só procura os órgãos públicos quando sofrem violência física, enquanto outras situações, como xingamentos, quebradeira, relações sexuais forçadas e assédio sexual são menos denunciadas.19, 20
Estudo realizado com homens e mulheres, moradores de residência universitária de São Paulo, evidencia que a violência está associada ao consumo de álcool e drogas, visto que os sujeitos da pesquisa declararam ter praticado ou sofrido algum tipo de violência quando intoxicados.12
CONCLUSÃO
As mulheres do estudo apresentam uma trajetória de vida sofrida, permeada pela bebida alcoólica, desde a infância envolvida em situações familiares de abuso de álcool. Muitas dessas mulheres não associam o uso prejudicial a esse vivido, relacionando a influência das amizades, condições de trabalho desfavoráveis, baixo custo e o fácil acesso à bebida alcoólica como motivação para beberem.
O consumo prejudicial acarreta consequências que não só atingem as mulheres, mas interferem no convívio familiar e no crescimento e desenvolvimento dos filhos, pois estes vivem em um ambiente no qual a bebida é circundante.
O uso de bebidas alcoólicas expõe essas mulheres a situações de violência, muitas vezes sem reconhecer como tal, provocando sofrimento aos filhos, gerando um lar desestruturado, além de ocasionar problemas como estresse e ansiedade.
Percebe-se que, mesmo relatando a compulsão, as mulheres não reconhecem viver um problema, muito embora priorizem a bebida alcoólica em detrimento à responsabilidade com a casa e com os filhos.
O estudo, embora relacionado a um pequeno número de mulheres entrevistadas, moradoras de comunidade rural, evidencia a questão do alcoolismo feminino e a urgente necessidade de políticas públicas mais eficazes na atenção básica. O álcool, por sua complexidade, é um desafio para todo profissional que trabalha na saúde. Nesse enfoque, a relevância da educação em saúde, como uma prática da enfermagem, deve priorizar grupo de mulheres, valorizar o estilo de vida e direcionar suas ações ao componente familiar.
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Recebido em 14/07/2010
Reapresentado em 17/01/2011
Aprovado em 10/05/2011