Volume 9, Número 3, Jul/Set - 2005
ARTIGOS DE PESQUISA
Fatores que contribuem para o desmame precoce
Factors that contribute to early weaning
Factores que contribuyen para el destete precoz
Mirella Teixeira JocaI; Shirley Katiussy Soares BarrosII; Rafaelle Lopes de OliveiraIII; Maria Adelane Alves MonteiroIV; Ana Karina Bezerra PinheiroV
IEnfermeira. Mestranda em Enfermagem pela UFC
IIAcadêmica de Enfermagem da UFC. Bolsista FUNCAP
IIIAcadêmica de Enfermagem da UFC. Bolsista CNPq
IVEnfermeira. Mestranda em Enfermagem pela UFC. Especialista em Enfermagem Médico-Cirúrgica e Obstetrica. Enfermeira da Santa Casa de Sobral
VEnfermeira. Doutora em Enfermagem. Professora da UFC
RESUMO
A interrupção prematura da amamentação pode acarretar perigos, pois os alimentos a serem utilizados são inadequados do ponto de vista nutricional, além de expor a criança a organismos infecciosos. Torna-se relevante investigar os fatores relacionados ao desmame precoce. Pesquisa exploratória e quantitativa, realizada no Centro de Desenvolvimento da Família (CEDEFAM), no período de maio a junho/2003, com 20 nutrizes, no qual foi aplicado um questionário contendo 12 questões sobre os motivos que as levaram a desmamarem precocemente. Os resultados foram agrupados em três segmentos: fatores de desmame relacionados com o perfil; a assistência pré-natal e o parto; e prática do aleitamento materno, e apresentados em forma de tabelas. Concluímos que os profissionais e a sociedade podem não estar preparados para favorecer a mulher no exercício da amamentação. Enquanto isso, a política de saúde não cria condições para que todos tenham acesso à educação, melhoria de renda e conscientização do planejamento familiar.
Palavras-chave: Aleitamento materno. Desmame. Nutrição Infantil
ABSTRACT
The premature interruption of breast-feeding can cause danger, as the food that is used is inadequate as to the nutritional point of view, besides exposing the child to infectious organisms. It becomes relevant to investigate the factors related to weaning. Exploratory and quantitative research, carried out in the Family Development Center (CEDEFAM) in the period from May to June/2003, with twenty mothers who answered a questionnaire containing twelve questions about the reasons that led them to wean early. The results were grouped into three categories, presented in the form of charts. We concluded that professionals and society may not be prepared to favor the woman in the exercise of breast-feeding. Meanwhile, health policies do not create the conditions so that everyone can have access to education, income rise and understanding of family planning.
Keywords: Breast Feeding. Weaning. Infant Nutrition.
RESUMEN
La interrupción precoz del destete puede resultar en peligros, pues los alimentos utilizados son considerados por los nuticionistas como inadecuados, además de exponer al niño a organismos infecciosos. Es muy importante investigar los factores relacionados al desmame. Investigación exploratoria y cuantitativa, realizada en una Unidad de Desarrollo de la Família (CEDEFAM), en el período de mayo hasta junio/2003, con 20 nutrices, cuando fue aplicado un cuestionardo com 12 cuestiones sobre los motivos que que las llevaron al destete precoz. Los resultados fueron agrupados en tres segmentos: factores de destete relacionados con el perfil; la asistencia prenatal y el parto; y práctica de la amamantación materna, y presentados en forma de tabelas. Concluimos que los profesionales y la sociedad pueden no estar preparados para faborecer la mujer en amamantación. Mientras eso ocurre, la política de salud no crea condiciones para que todos tengan acceso a la educación, mejoria de salario y conciencia de la planificación familiar.
Palabras clave: Lactancia Materna. Destete. Nutrición Infantil.
INTRODUÇÃO
Ao estudarmos a trajetória do aleitamento materno através dos tempos, observamos que sempre houve uma preocupação no modo de o homem alimentar suas crias. O homem utiliza leite de animais e seus derivados há aproximadamente 8 (oito) milênios e, provavelmente, o teria introduzido na alimentação do lactente por volta desse tempo1. Isso indica, portanto, que o uso de outros alimentos, além do leite materno humano, está presente na alimentação de crianças em quase toda a história da humanidade.
Especificamente em nosso país, a carta de Pero Vaz de Caminha ao rei de Portugal contém o que certamente pode ser considerado o primeiro relato sobre a amamentação do Brasil: Com um menino ou menina no colo, atado com um pano (não sei de quê) aos peitos 2:45.
O ato de aleitar diretamente ao seio, cultivado pelos integrantes da sociedade indígena, decerto foi percebido pelos portugueses como um comportamento instintivo e natural, impróprio para o "homem civilizado", cujo padrão de referência comportamental direcionavam-no aos hábitos e costumes da cultura européia. Dessa forma:
Portugal transmitiu ao Brasil o costume das mães ricas de não amamentarem seus filhos e, conseqüentemente, a necessidade de se instituir a figura da saloiaA. As índias cunhãsB constituíram a primeira versão de saloias brasileiras; porém, em razão da rejeição cultural que apresentavam, foram substituídas pelas escravas africanas2:53.
Cabe ressaltar ainda que os relatos sobre desnutrição e mortalidade entre lactentes indígenas brasileiros só passaram existir a partir do momento em que se ampliou a convivência com o branco, o que pode ser considerado um indicador positivo para o regime alimentar praticado3.
No Brasil, o aleitamento materno entre a sociedade indígena era a regra geral até a chegada dos europeus, que trouxeram em sua bagagem cultural o hábito do desmame para as mulheres européias daquela época, pertencentes às classes sociais dominantes. O amor materno não tinha valor social e moral, fato que as levava a considerar a amamentação uma tarefa indigna para uma dama4.
Considerando que os elementos culturais nunca se transformaram integralmente de uma cultura para outra, uma vez que a sociedade receptora desenvolve novas interpretações, moldando-os para servir às novas finalidades, assim, em substituição à saloia, a figura da ama-de-leite foi socialmente construída e instituída no Brasil, impondo-se o desmame às escravas em favor da amamentação da criança branca5.
Desde a milenar história da ama-de-leite até a emblemática vanguarda científica construída pelo marketing dos fabricantes de leites modificados, a alimentação do lactente tem servido a propósitos que não se circunscrevem exclusivamente às questões ligadas à saúde, denotando, em muitas situações, interesses relacionados à modulação de comportamento social e a oportunidade de auferir lucros de toda espécie2.
A disseminação progressiva do aleitamento artificial no Brasil decorre do intenso processo de urbanização, do estilo de vida do país, da distribuição dos excedentes de produção do leite em pó no período pós-guerra, através de programas do tipo aliança para a paz, em regiões como o Nordeste, e da produção do leite em pó na região de São Paulo, na década de 406.
Estudos mostram que a ocorrência do desmame precoce restringe-se a três situações: morte materna, doença grave da mãe ou casos interditados pela cultura7.
O desmame precoce e a ablactação podem ser considerados violência contra a criança, uma vez que a deixa exposta ao risco de adoecer e morrer por doenças relacionadas à desnutrição, além de prejudicar a vivência da fase parasitária, que se segue à fase simbólica do vínculo mãe-filho, importante para a saúde mental de ambos, o que contribuirá para a harmonia familiar8.
Deve-se também levar em conta que a amamentação é o primeiro evento social da vida da criança, no qual merece igual destaque os aspectos psicológicos que resultam da interação mãe-filho: a criança, a mãe, a família, a sociedade e o estado são amplamente beneficiados pela prática da amamentação natural9.
Em paralelo a todas as questões que se pode levantar no sentido de fortalecer a prática da amamentação, um aspecto deve ser lembrado, que diz respeito aos fatores envolvidos na decisão materna de amamentar ou não.
Slogans como "amamentar é um ato natural, instintivo, biológico e próprio da espécie", caracterizam-se pela verticalidade das construções e seguem a ideologia natural, comum a todas as espécies de mamíferos, simbolicamente traduzida2. Com este pano de fundo, as ações propostas orientam-se, invariavelmente, para informar a mulher sobre as vantagens em ofertar o seio a seu filho e para responsabilizá-la pelos resultados futuros, decorrentes do sucesso ou do fracasso.
Entendemos que a prática de aleitar transcende uma ação técnica individual, pois esta insere-se dentro de uma organização individual, pautada em um modelo de saúde predominante determinado nas relações sociais e organizativas que se dão nas diferentes instituições e sociedade.
é importante salientar que as nossas preocupações não devem ser no sentido de tornar esta questão como única e unilateral e sim, a par tir de um problema desencadear um fazer que possa satisfazer as necessidades da mulher na sua singularidade, estabelecendo relações como o diálogo no sentido de conhecê-la na sua individualidade, seus valores, crenças, dificuldades físicas, emocionais e suas relações com o núcleo familiar e o social.
Os discursos técnicos e acadêmicos, que embasam os programas de incentivo ao aleitamento materno, estão dirigidos ao atendimento das necessidades da criança, não contemplando a mulher em suas especificidades. é necessário um racionamento de tais discursos para que se tenham respostas mais efetivas no resgate da prática do aleitamento materno pelas mulheres10.
Acreditamos que o sistema de saúde deva estar vinculado a um modelo de saúde que valoriza a vida e não apenas a doença, e que se torna imprescindível que o profissional esteja realmente preparado para compreender os sentimentos e medos da mãe, e assim contribuir para que ela supere as dificuldades que poderá vivenciar.
Considerando que a interrupção prematura da amamentação pode vir acompanhada de grande perigo, especialmente em países em desenvolvimento, pois muitos dos alimentos que passam a serem utilizados a partir do desmame são inadequados do ponto de vista nutricional e somando-se a isto a grande possibilidade de que a criança possa estar exposta a muitos organismos infecciosos, é que se torna relevante investigar os fatores relacionados a esta prática.
Assim, o presente estudo tem como objetivo identificar, do ponto de vista das mães nutrizes, os fatores que contribuem para o desmame precoce.
METODOLOGIA
Este estudo é de natureza exploratória e quantitativa, realizado no Centro de Desenvolvimento Familiar (CEDEFAM), órgão da Faculdade de Farmácia, Odontologia e Enfermagem da Universidade Federal do Ceará, onde são realizados pela Enfermagem, os atendimentos de puericultura, pré-natal, prevenção do câncer cérvico-uterino e consulta à puérpera. O estudo foi realizado no período de maio a junho de 2003.
A amostra foi composta por 20 nutrizes que buscaram atendimentos de crescimento e desenvolvimento na Unidade de Cuidados de Enfermagem do CEDEFAM. A inclusão no estudo obedeceu aos seguintes critérios: ser mãe de criança que esteja entre os seis primeiros meses de vida; ter iniciado a oferta de alimentação mista a sua criança; aceitar livremente participar do processo de coleta de dados.
As participantes do estudo foram selecionadas e informadas sobre a pesquisa no momento em que
aguardavam atendimento na unidade de puericultura. Após o aceite, foi aplicado um questionário contendo 12 questões que abordam dados biográficos e de avaliação sobre os motivos que as levaram a desmamarem precocemente seus filhos.
O projeto foi encaminhado ao Comitê de ética em Pesquisa do Complexo Hospitalar da Universidade Federal do Ceará (COMEPE) e submetido à avaliação, sendo aprovado pelo mesmo. Também foi enviado à Coordenação da Unidade de Cuidados de Enfermagem do CEDEFAM um ofício solicitando permissão para sua execução, procurando atender aos aspectos contidos na Resolução 196/96 sobre pesquisas envolvendo seres humanos, do Conselho Nacional de Saúde/ Ministério da Saúde11.
Foi garantido às participantes sigilo e anonimato, assim como sua retirada da pesquisa a qualquer momento, sem prévio aviso. A sua participação foi documentada por um termo de consentimento livre e esclarecido devidamente assinado.
A análise dos dados foi de acordo com a estatística descritiva, utilizando porcentagens. Os procedimentos estatísticos permitem que o pesquisador resuma, organize, interprete e comunique a informação numérica12.
APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS
Após a coleta dos resultados, estes foram agrupados em 3 (três) tópicos descritos a seguir e apresentados em forma de tabelas. A discussão se deu com base na literatura pertinente.
Fatores de desmame
relacionados com o perfil
Inicialmente, foi realizada a caracterização das mulheres entrevistadas a fim de identificar fatores relacionados às condições socioeconômicas que possam influenciar no desmame precoce. E construímos tabelas para melhor visualização da análise dos dados e discussões do texto.
De acordo com o que podemos observar na tabela 1, a idade das entrevistadas variou de 16 a 35 anos, onde 8 (oito) tinham de 16 a 19 anos, 3 (três) de 20 a 24 anos, 7 (sete) de 25 a 28 anos e apenas 2 (duas) de 29 a 35 anos. Observamos que a faixa etária predominante é de adolescentes, sendo que neste período da vida, a pessoa vivencia ajustamento social e psicológico, com vagas ou inexistentes orientações, levando a uma crise, pois mudanças no autoconceito e na percepção do mundo são provocadas13.
Assim, podemos inferir que, nesta faixa etária, as nutrizes podem sofrer maiores influências sociais na decisão de amamentar ou não a sua criança e no período que irá aleitar de forma exclusiva.
Quanto à escolaridade, destacamos que a maioria não concluiu o Ensino Fundamental e apenas 1 (uma) era analfabeta. Portanto, a maioria tinha um nível baixo de escolaridade, podendo ser este um fator influenciador do desmame precoce.
Sabemos que se a pessoa não tem acesso a fontes diversas de informações e não compreende noções básicas que fundamentam o cuidado à criança, será mais susceptível à influência de mitos e tabus culturalmente construídos, e assim mais vulnerável ao desmame.
A escolaridade é apontada como uma variável que pode interferir de forma significativa na formação da família. O planejamento familiar é baseado no poder aquisitivo do casal, dispensando aos filhos mais atenção e educação, pois o número de filhos é dependente da sua renda, que geralmente está associada ao seu grau de instrução6.
Em relação ao número de filhos das entrevistadas, este variou entre 1 (um) e 6 (seis) filhos, com predominância entre 1 (um) e 3 (três) filhos. Embora não seja um grande número de filhos, verificamos que este fator, somado aos outros indicadores da qualidade de vida destas mulheres discutidos a seguir, pode influenciar no desmame precoce.
A renda média das entrevistadas ficou estabelecida entre 0 (zero) e 400 (quatrocentos) reais. No entanto, salientamos que a maioria declarou não possuir renda. Verificamos que as mulheres estudadas vivem em situação de miséria, sendo o aleitamento materno uma prática que poderá garantir a saúde do bebê sem gasto financeiro por parte da família.
é importante frisarmos que ao planejar uma gravidez, a mulher deve se preparar emocional e financeiramente para todas as mudanças que irão ocorrer no seu corpo e na sua vida, antes e principalmente após
o parto. Estar preparada psicologicamente para a maternidade inclui estar disposta a encarar todas as dificuldades e responsabilidades de cuidar de uma vida que, às vezes depende unicamente da mãe desde alimento até as necessidades mais básicas. Assim, é válido orientar as mulheres desde o pré-natal que o aleitamento materno exclusivo é a forma mais econômica e saudável de nutrição das crianças nos primeiros meses de vida, devendo ser esta uma prática natural em todas as famílias.
Num meio onde o aleitamento natural ocorre por um período excessivamente curto, o acesso a uma maior disponibilidade de renda pode constituir-se numa proteção contra os processos mórbidos, que desempenhariam, ao lado da falta de nutrientes, um importante papel na etiologia da desnutrição nos primeiros meses de vida6.
No que diz respeito ao estado civil, 11 (onze) das participantes eram solteiras e 9 (nove) casadas. Assim, verificamos que a maioria das mulheres entrevistadas não tinha companheiros fixos acumulando na família, o papel de mãe e pai da criança (tabela 5).
Percebemos que ser mãe solteira é uma condição que pode dificultar que a mulher amamente seu filho de forma exclusiva, visto o acúmulo de tarefas domésticas e de cuidados à criança e também, a falta de apoio psicológico e social para o desempenho do papel de nutriz.
As famílias formadas apenas por mães e lactentes podem trazer considerações de duas ordens paralelas de limitações, ou seja, a ocorrência, de um lado, da maternidade e dos cuidados exigidos pela criança nos primeiros meses de vida e, de outro, das limitações referentes ao mercado de trabalho feminino6.
Número de mulheres, segundo o estado civil. Fortaleza, 2003.
Número de mulheres, segundo a ocupação. Fortaleza, 2003.
Quanto à ocupação das mulheres entrevistadas, obtivemos os seguintes dados: 14 (quatorze) não exerciam atividades fora de casa, enquanto 06 (seis) trabalhavam fora do domicílio. Vale ressaltar que a pesquisa foi feita em uma comunidade carente, e que muitas mulheres não trabalham também por falta de oportunidade (tabela 6).
A mulher, cuja importância social relacionava-se predominantemente a sua capacidade de gerar força produtiva, pas-sou a ser impelida a contribuir de maneira direta na renda familiar e, assim, foi obrigada a assumir o ônus de uma tripla jornada: mãe, dona-de-casa e trabalhadora remunerada2.
Para suportar essa sobrecarga de tarefas e responsabilidade, muitas vezes a mulher precisa da ajuda de outra pessoa.
Das nutrizes participantes, a maioria (10) vive com a família de origem, podendo ser este um fator que facilita a aprendizagem social da mãe com as pessoas próximas.
Famílias são grupos de pessoas que mantêm entre si relações de aliança (criada pelo casamento), descendência e consangüinidade, organizada internamente pela divisão do trabalho. Destacamos que é na família que são aprendidos os hábitos, os tabus, o estilo de vida, sendo este um grupo social que tem grande influência nos seus membros. Assim, acreditamos que a nutriz que reside com a sua família de origem deve sofrer maiores influências para amamentar ou não a sua criança, sendo esta uma prática culturalmente construída.
A assistência pré-natal e o parto
A assistência pré-natal é de suma importância para a saúde da mulher e seu filho. Não se trata da simples consulta tradicional, na qual são avaliados apenas as condições da vitalidade do feto e o estado físico da mãe. Seus medos, angústias e preocupações devem ser questionados e levados em conta.
Na Tabela 08 verificamos a distribuição do número de mulheres por consultas realizadas durante o pré-natal.
Número de mulheres de acordo com o número de consultas pré-natal Fortaleza, 2003.
As mulheres em sua totalidade fizeram o acompanhamento do pré-natal, sendo que a maioria (17) realizou de quatro a sete consultas. A assistência prénatal deve obedecer ao intervalo entre as consultas de quatro semanas. Após a 36º semana, a gestante deve ser acompanhada a cada 15 dias14.
Portanto, acreditamos que o número de consultas realizadas pelas mulheres pesquisadas não é suficiente para uma assistência no pré-natal que aborde todas as dúvidas das gestantes, como também prepare as mulheres de forma eficaz para o parto e puerpério. Sugerimos que o incentivo ao aleitamento materno seja um tema abordado em todas as consultas a partir do sexto mês gestacional, sendo englobado o preparo das mamas, as possíveis intercorrências mamárias, as formas de solucionar os pequenos problemas e o que deve ser evitado pelas nutrizes e seus bebês.
Quando interrogadas sobre as orientações referentes ao aleitamento materno recebidas no pré-natal, coletamos os dados apresentados a seguir, na Tabela 09.
A maioria, (18) recebeu orientação sobre aleitamento materno durante o pré-natal. Porém, acreditamos que estas orientações podem não ter contemplado todas as dúvidas destas mães, visto o inadequado número de consultas de pré-natal, conforme apresentado anteriormente.
é fundamental o adequado preparo da gestante para a maternidade, que deve ser iniciado precocemente durante o pré-natal. A gestante deve receber orientações em relação aos seguintes temas: processo gestacional, mudanças corporais e emocionais durante a gravidez, trabalho de parto, parto e puerpério, cuidados com os recém-nascidos e amamentação15.
Mesmo as mulheres que vêem o aleitamento materno como um ato biologicamente determinado, percebem limites em sua prática e sentem a necessidade de desenvolver um aprendizado, evidenciando que o ato de amamentar não é assim tão instintivo. é neste período que a mulher precisa de toda orientação da equipe de saúde, como também o apoio e incentivo da família e da sociedade2.
Quando investigamos sobre o tipo de parto das participantes do estudo, observamos que a maioria (15) teve parto normal. Determinamos como parto normal, aquele de início espontâneo, baixo risco durante todo o processo, até o nascimento. O bebê nasce espontaneamente, em posição cefálica de vértice, entre 37 e 42 semanas completas de gestação.
A instituição [hospitalar], através de seus agentes de maior poder, inculcou na mulher que gravidez é um risco, que cesariana é um tipo de parto e reforçou a idéia de imperfeição da natureza feminina, para que a mesma entregasse o poder de seu corpo nas mãos do profissional médico. Ao agir assim, a própria mulher veio a legitimar o uso, em seu corpo, de práticas invasivas de assistência16:196.
Vale ressaltar que o parto natural favorece uma melhor integração mãe-filho, pois não há a separação imediata, como ocorre com o cesáreo, e isso vem a aumentar o laço afetivo entre ambos fazendo o bebê sentir-se mais amado e seguro.
Quanto mais rápido a criança for colocada ao peito e maior for a freqüência em um dado intervalo de tempo, maior a intensidade de estímulo do complexo mamilo-areolar, o que garante a manutenção da prolactina em níveis elevados no sangue e acarreta o aumento probabilístico da indução da síntese do leite2.
Após um parto normal, não há necessidade de separar mãe e filho. A mãe deverá ter a criança com ela na cama ou em um pequeno berço ao seu lado. Desta forma poderá atender a criança desde o começo, amamentar, segurar ou trocar a criança quando precisar13.
A prática do aleitamento materno
Os primeiros anos de vida são decisivos para o estabelecimento de uma boa saúde. Existem necessidades biológicas e psicossociais específicas que são inerentes aos processos de crescimento e desenvolvimento sadio da criança e do futuro adulto. Uma das necessidades essenciais durante esse período é a nutrição da mãe e da criança.
Desta forma, o aleitamento natural constitui a maneira mais adequada de alimentação dos mamíferos no início da vida.
Quando interrogadas a respeito do conhecimento sobre os benefícios do leite materno, verificamos que os dados apresentados na Tabela 11 demonstram que a maioria (18) tem conhecimento das vantagens do leite materno.
Distribuição do número de mulheres quanto ao conhecimento sobre os benefícios que o leite materno pode proporcionar. Fortaleza, 2003.
Apesar das mulheres terem o conhecimento da grande importância do aleitamento materno, elas não têm a total consciência dos seus benefícios. Assim, não atendem as orientações sobre a amamentação e, conseqüentemente não conseguem ter fortaleza contra a grande influência de leigos, em relação à dependência que muitos folcloricamente argumentam para levar a nutriz a uma atitude mais cômoda do uso de mamadeira, a partir das primeiras dificuldades vividas para que o seu bebê possa pegar o seio materno e se alimentar17.
O momento do puerpério e as pressões pessoais e sociais geram tensões na mulher que podem dificultar a sua tomada de decisão para a prática do aleitamento, como inibí-la ou rejeitá-la, buscando formas mais fáceis de alimentar o bebê sem passar pelas adaptações e dificuldades iniciais que possam surgir do ato de amamentar.
A equipe responsável pelo pré-natal deve estar preparada para o trabalho educativo. A maioria das orientações deve emergir em grupos e se relacionar com os seguintes temas: importância do pré-natal, sexualidade, desenvolvimento da gestação, aleitamento materno, cuidados com o recém-nascido, entre outros.
Em relação à procedência das informações sobre o aleitamento materno, podemos verificar os dados apresentados na Tabela 12.
Distribuição do número de mulheres segundo a fonte de origem de informações sobre aleitamento materno. Fortaleza, 2003.
Observamos que a grande maioria das informações (17) acerca do aleitamento materno foi transmitida por profissionais de saúde, 02 receberam informações de suas mães e 01 do profissional e da mãe.
Vale ressaltar que é imprescindível que o profissional veja o aleitamento através dos olhos da nutriz, compreendendo seus sentimentos e medos para que possa verdadeiramente ajudá-la a entender. Apesar da grande maioria ser orientada quanto à importância do aleitamento, nem todas aderem à ação, observando aqui ainda uma grande influência cultural e social.
A expectativa do profissional com relação ao aleitamento materno ser um processo natural e estar diante de uma mulher que nasceu com esse instinto, pode ofuscar intercorrências mamárias. Um sintoma indicativo de alterações nas mamas é sufocado em função do sacrifício esperado para desempenhar o papel de mãe ou, por outro lado, pode distanciar a assistência de saúde da nutriz que, por algum motivo, não consegue amamentar exclusivamente, já que não será aprovada socialmente como mãe13.
No que diz respeito ao mês em que iniciaram a alimentação mista para o bebê, verificamos os dados apresentados na Tabela 13.
Distribuição do número de mulheres segundo o mês em que iniciou alimentação mista. Fortaleza, 2003.
A tabela nos mostra que 03 (três) mães iniciaram amamentação mista no segundo mês e 02 (duas) no terceiro mês, 03 (três) no quarto mês e 12 (doze) iniciaram antes do primeiro mês de vida da criança.
Mais uma vez atenta-se para a importância de os bebês serem alimentados exclusivamente ao seio nos seis primeiros meses de vida, assim como também a Organização Mundial de Saúde defende que os bebês deveriam ser amamentados, com complemento, no mínimo até o segundo ano de vida, pois os benefícios da amamentação continuam mesmo para crianças maiores. Após os seis meses de vida, é importante introduzir outros alimentos na ingesta da criança, pois apenas o leite não satisfaz mais as necessidades nutricionais do lactente.
Muitas são as causas da não amamentação exclusiva, por no mínimo seis meses. Entre elas, podemos citar a necessidade de sair de casa para trabalhar, o relato de não possuir leite suficiente para a criança, o próprio estresse que muitas vezes é exacerbado na hora da amamentação, a preocupação com a estética corporal, entre outros fatores. Quando introduzem outros alimentos na dieta da criança, muitas pessoas têm o costume de oferecer carboidratos, ao invés de frutas, sopinhas, enfim alimentos mais saudáveis para o organismo ainda em maturação.
Quanto ao auxílio no cuidado com o filho, podemos observar na Tabela 14 que 11 (onze) informaram ter recebido ajuda e 09 (nove) não. Isso vem a confirmar os dados anteriores em relação às participantes do estudo, cuja maioria reside com a família de origem.
O nascimento de um filho na vida da mulher pode gerar desequilíbrio no seu cotidiano, alterando a sua rotina diária e gerando sentimentos de preocupação, temor e ansiedade, sendo necessária a colaboração da rede social de apoio, pois em momentos de estresse ocorre uma maior dificuldade relacionada ao aleitamento materno17.
Sobre o prazer na prática da amamentação, os dados na Tabela 15 demonstram que 18 (dezoito) mães sentem prazer em amamentar, enquanto 02 (duas) não.
A natureza, previdente, teve a sabedoria de colocar o prazer no exercício de uma função que é indispensável à vida e dor, quando suas leis são desprezadas. A mãe que cria sente correr com delícia o leite através dos canais que devem levar à boca de seu filho. Como no ato da reprodução, ela tem muitas vezes erotismo, voluptuosidade. Basta somente que lhe estenda os tenros bracinhos para que os seus seios se ingurgitem e que o leite seja ejaculado com força5.
Verificamos com a Tabela 16 que, a maioria das mães (15), desconhece as alterações mamárias, e apenas 05 (cinco) referem conhecer problemas relacionados às mamas.
É importante também enfatizar nas abordagens educativas as possíveis alterações mamárias, que podem acometer as mulheres. E como elas devem proceder, para que isso não ocasione o desmame precoce.
Porém, durante o pré-natal, o profissional de saúde deve informar, orientar, buscar meios para educar a mãe a amamentar. Isso inclui mostrar as possíveis intercorrências que poderão vir a ocorrer, principalmente se ela amamentar de forma incorreta.
Diante desses dados, percebemos que há que se rever o paradigma propugnado pelo discurso oficial, que fundamenta as ações assistenciais em amamentação, particularmente no que se refere aos mecanismos de controle que regem a fisiologia da lactação2. Acreditamos que assim podemos ocultar informações básicas que podem ocorrer durante o processo de amamentar, tais como: mastite, ingurgitamento mamário, abcesso, mamilos dolorosos e rachados, fissuras e outras.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Observamos que há inúmeros fatores que podem contribuir para o sucesso ou fracasso do aleitamento materno. A preocupação em determinar a amamentação fundamentada em conceitos biológico-científicos relega a mãe-filho a um segundo plano, não atentando para as suas peculiaridades sociais e culturais de ser mãe, esposa, trabalhadora e cidadã.
A pesquisa mostra que a maioria das mães era de adolescentes e solteiras vivendo com a família de origem que custeava suas despesas, pois informaram não possuir renda. Quanto à escolaridade, a maioria não concluiu o ensino fundamental. Por outro lado, observamos que todas fizeram pré-natal, a maioria recebeu orientações sobre aleitamento materno e seus benefícios e sentia prazer em amamentar. No entanto, 75% delas desconhecem as alterações que podem ocorrer durante a amamentação, fato relevante, pois 95% referem ter sido orientadas por profissionais de saúde. Percebemos que os discursos técnicos e acadêmicos que embasam os programas de incentivos ao aleitamento materno não contemplam a mulher em sua especificidade.
Este estudo nos alerta que os profissionais e a sociedade podem não estar preparados para favorecer a mulher no exercício da amamentação. Ao contrário, podem culpabilizá-las por não amamentarem, ao mesmo tempo em que interferem sobre o parto natural, não respeitam a Leis Trabalhistas para amparo à maternidade, isentam a propaganda de companhias produtoras de substitutos do leite materno de compromissos éticos, não capacitam seus profissionais para darem apoio e terem conhecimentos necessários para aconselhar a mãe que amamenta.
Enquanto isso, a política de estado tenta intervir na mortalidade infantil, sem promover alterações na estrutura socioeconômica e de distribuição de renda, o que criaria condições de equidade para que todos tivessem acesso à educação, melhoria de renda e uma conscientização do planejamento familiar.
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Recebido em 15/04/2005
Reapresentado em 12/09/2005
Aprovado em 29/09/2005