ISSN (on-line): 2177-9465
ISSN (impressa): 1414-8145
Escola Anna Nery Revista de Enfermagem Escola Anna Nery Revista de Enfermagem
COPE
ABEC
BVS
CNPQ
FAPERJ
SCIELO
REDALYC
MCTI
Ministério da Educação
CAPES

Volume 15, Número 3, Jul/Set - 2011

PESQUISA

 

O sistema de medicação em um hospital especializado no município do Rio de Janeiro

 

The medication system in a specialized hospital in the city of Rio de Janeiro

 

El sistema de medicación en un hospital de la ciudad de Rio de Janeiro

 

 

Rejane Burlandi de OliveiraI; Enirtes Caetano Prates MeloII

IEnfermeira, Mestranda do Programa de Pós-Graduação ? Mestrado em Enfermagem da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro-RJ. Brasil. rburlandi@yahoo.com.br
IIEnfermeira, Doutora em Ciências pela Escola Nacional de Saúde Pública/FIOCRUZ. Professor Adjunto do Departamento de Enfermagem em Saúde Pública da Escola de Enfermagem Alfredo Pinto da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro-RJ. Brasil. enirtes@globo.com

 

 


RESUMO

Este estudo teve como objetivo analisar o sistema de medicação de um hospital especializado do Município do Rio de Janeiro. Tratase de um estudo de avaliação de natureza descritiva. Foram selecionados alguns dos principais processos do sistema de medicação: prescrição, dispensação, preparo e administração dos medicamentos. A fim de descrever o sistema de medicação foram utilizadas para coleta de dados: entrevista, observação não participante e análise de prontuários. Foi identificado um grande número de etapas e profissionais envolvidos, assim como problemas relacionados à segurança e ao ambiente durante a prescrição, dispensação, preparo e administração dos medicamentos. Sistemas inseguros podem gerar várias consequências para os pacientes e as instituições de saúde; neste sentido, é necessária a implementação de estratégias visando à mudança na cultura de detecção das falhas, de forma a auxiliar os profissionais na prevenção de erros através de medidas que garantam a qualidade dos processos executados.

Palavras-chave: Sistemas de Medicação. Erros de Medicação. Enfermagem.


ABSTRACT

This study aimed to analyze the medication system in a specialized hospital in Rio de Janeiro. This is an evaluation study of a descriptive nature. We selected some of the key processes of the medication system: prescribing, dispensing, preparation and administration of medicines. In order to describe the system of medication were used for data collection: interviews, non-participant observation and analysis of medical records. We identified a large number of steps and involved professionals, and problems related to safety and the environment during the prescribing, dispensing, preparation and administration of medicines. Insecure systems can generate different consequences for patients and health institutions, in this sense is necessary to implement strategies aimed at changing the culture of detecting faults in order to help professionals in the prevention of errors through measures that ensure quality of procedures performed.

Keywords: Medication systems. Medication errors. Nursing.


RESUMEN

Este estudio tuvo como objetivo analizar el sistema de medicación en un hospital especializado de Rio de Janeiro. Se trata de un estudio de evaluación de carácter descriptivo. Hemos seleccionado algunos de los procesos clave del sistema de medicación: prescripción, dispensación, preparación y administración de los medicamentos. Con el fin de describir el sistema de medicación, fueron utilizados para la recogida de datos: entrevistas, observación del participante y análisis de registros médicos. Hemos identificado un gran número de pasos y los profesionales implicados, y los problemas relacionados con la seguridad y el medio ambiente durante la prescripción, dispensación, preparación y administración de los medicamentos. Sistemas inseguros pueden generar consecuencias diferentes para los pacientes y las instituciones de salud, en este sentido es necesario aplicar estrategias dirigidas a cambiar la cultura de la detección de deficiencias con el fin de ayudar a los profesionales en la prevención de errores a través de medidas que aseguren la calidad de procedimientos realizados.

Palabras clave: Sistemas de medicación. Errores de medicación. Enfermería.


 

 

INTRODUÇÃO

O ciclo do medicamento nos hospitais é bastante complexo e composto de vários processos. Ainda que o número e o tipo de processos variem de um hospital para o outro, estima-se que de 20 a 60 etapas diferentes estejam envolvidas nos processos de prescrição, dispensação e administração de medicamentos. O envolvimento de muitos profissionais dá a esse ciclo a característica multidisciplinar e gera múltiplas transferências de pedidos ou matérias, que podem favorecer a ocorrência de erros.Quanto maior o número de elementos de um sistema, menor a probabilidade de que cada elemento opere com sucesso.1-2

Estudos realizados ao longo dos últimos anos têm evidenciado que as causas de erros nos sistemas de medicação podem estar relacionadas a fatores individuais como falta de atenção, lapsos de memória, deficiências da formação acadêmica e inexperiência. Da mesma forma, podem estar envolvidas falhas sistêmicas tais como problemas no ambiente, falta ou falha no treinamento, falta de profissionais, falhas de comunicação, problemas nas políticas e procedimentos ou mesmo produtos inadequados utilizados na medicação do paciente.1-3

A abordagem do erro centrada no indivíduo é uma visão restrita da terapia medicamentosa em que a responsabilidade do erro recai exclusivamente sobre os envolvidos. Todavia, quando os erros são vistos como consequência, e não como causa, sua origem deve ser atribuída a fatores sistêmicos,. Neste sentido, não cabe o olhar de culpa e punição aos indivíduos, pois embora a condição a humana não possa ser mudada, é possível modificar as condições de trabalho e, dessa forma, focar na prevenção de erros e implementação de mecanismos de barreira, defesa e proteção do sistema organizacional.4 A segurança do paciente é ponto fundamental para a garantia da qualidade da assistência à saúde, e a ocorrência de erros relacionados à medicação tem como consequência o aumento de danos e agravos, influenciando de forma negativa, direta e/ou indiretamente, o cuidado prestado.

Esse estudo tem como objetivo analisar o sistema de medicação de um hospital especializado do Município do Rio de Janeiro.

 

REVISÃO DE LITERATURA

O sistema de medicação é constituído de etapas que vão desde a prescrição e distribuição até a ação de administrar o medicamento. Todas as etapas dependem de vários profissionais da área de saúde e estão diretamente interligadas. Assim, a prescrição é de responsabilidade do médico, a dispensação e distribuição do medicamento estão sob a responsabilidade do farmacêutico, e a preparação e a administração dos medicamentos, bem como o monitoramento das reações do paciente são responsabilidades do enfermeiro.5-6

O conceito de sistema abrange as relações entre as partes e o todo, uma vez que o conjunto de componentes se relaciona e atua na execução de um objetivo global. Esse conjunto pode ser representado por processos ou subsistemas, com funções e objetivos próprios que afetam o comportamento conjunto. A prática de medicação em uma organização hospitalar pode ser vista como um sistema complexo, definido como um conjunto de processos interligados e interdependentes, constituído de profissionais de saúde (médicos, equipe da farmácia e equipe de enfermagem) que compartilham um objetivo comum. O profissional é parte de um todo, e o erro evidencia uma falha no processo.7-8

No sistema de medicação, os insumos são representados pelos pacientes e as informações acerca da terapia medicamentosa; o processo está relacionado à prescrição, dispensação, distribuição e administração de medicamentos; o resultado envolve os pacientes medicados com eficácia e o tratamento seguro; o feedback é representado pelo que realimenta o sistema, os relatórios e as informações geradas. O ambiente abrange o conjunto de fatores e de condições que influenciam esta prática fazendo com que o sistema se reajuste.5

Frequentemente são divulgados pela imprensa casos que envolvem erros de medicação ocorridos em diversas situações hospitalares, ambulatoriais e domiciliares, servindo de alerta para que a sociedade se conscientize de que os erros podem ocorrer e devem ser discutidos. Apesar dos inquestionáveis avanços na área da saúde, a ocorrência de erros continua ameaçando profissionais e a vida de pacientes. A ideia fundamental na elaboração de mecanismos de defesa é a projeção de barreiras. Em uma situação ideal, a camada defensiva permaneceria intacta diante das falhas, impedindo o rompimento da barreira. Rupturas favorecem continuidades do trajeto dos erros/falhas em qualquer camada dos mecanismos de defesa. Acidentes envolvendo o processo de medicação resultam de uma cadeia complexa de eventos que favorecem o erro e dificultam a sua detecção.1,4,7

Quando um erro ocorre, o ponto mais importante não é quem cometeu o erro, mas como e porque o sistema de defesa falhou. Na área da saúde, principalmente para a enfermagem, a análise do processo de causação tem papel de destaque, visto que os profissionais são submetidos a ações, na maioria das vezes punitivas, quando um erro de medicação é detectado. A consequência imediata é a dificuldade de identificação do erro, pois o erro ocorrido é velado por todos que nele estão envolvidos. Esta atitude perante o erro parte de uma visão individual e considera a falha humana como a única causa para ocorrência do erro. Para modificar essa situação é importante a realização de estudos sobre essa temática, buscando o rastreamento de situações marcadoras de risco e adoção de medidas corretivas no sistema de medicação.1, 4, 7

Os profissionais envolvidos em cada um dos processos devem ter compreensão de que, ao fazer parte de um sistema como o de medicação, suas ações podem interferir no comportamento do conjunto. Portanto, qualquer ação de uma parte, necessariamente pode afetar as ações dos outros profissionais e, consequentemente, o cuidado ao paciente. O profissional deve conhecer o seu papel na corrente de ações necessárias à medicação de um paciente, para que desenvolva seu papel com segurança, consciência e responsabilidade.7-8

O ponto central da abordagem sistêmica é retirar o olhar de culpa e punição para os indivíduos envolvidos, por um foco em prevenir erros, adotando medidas de segurança no sistema. Os dados de notificação e a identificação de etapas mais vulneráveis para a ocorrência de erros representam uma importante contribuição na prevenção e minimização de erros de medicação, pois muitos deles seguem padrões comuns e possuem as mesmas causas e fatores relacionados.9-11

 

METODOLOGIA

Trata-se de um estudo de avaliação de natureza descritiva sobre o sistema de medicação. A pesquisa foi realizada no primeiro semestre de 2009 em um hospital de grande porte, com capacidade de operação de cerca de 180 leitos hospitalares, localizado no município do Rio de Janeiro. Dentre os fatores que contribuíram para a escolha da instituição merecem destaque: o volume de internações anuais, o perfil assistencial, vocação para o ensino e para a pesquisa e o fato ter assumido, através de sua gerência de risco, compromissos com adoção de medidas voltadas para segurança dos pacientes.

Nesta etapa da pesquisa foram selecionados alguns dos principais processos do sistema de medicação do hospital, quais sejam: prescrição, dispensação, preparo e administração dos medicamentos. A fim de descrever o sistema de medicação, foram utilizadas para coleta de dados: entrevista, observação não participante e análise de prontuários. Na observação não participante, o observador não oculta sua participação e posição de observador, revelando sua identidade e obtendo consentimento informado do sujeito da pesquisa para ser observado. Neste caso, o observador não intervém tentando provocar ou mudar o comportamento do participante. Foram entrevistados três profissionais envolvidos no sistema de medicação do Hospital (um médico, a enfermeira chefe da enfermaria estudada e uma farmacêutica), com intuito de obter uma visão geral do sistema analisado. Utilizou-se o roteiro estruturado proposto por Hatfield12 e adaptado por Silva13. Para apreender a fala na íntegra, foi utilizado gravador com sistema digital, cujo conteúdo foi transferido para o computador por cabo USB e transcrito para um software editor de textos.

A etapa de observação não participante foi realizada durante três semanas, tendo como alvo os profissionais do Serviço de Farmácia e da clínica médica envolvidos no sistema de medicação do hospital. Foram observados nesta etapa médicos (responsáveis pela prescrição dos medicamentos); profissionais da farmácia (responsáveis pela separação, dispensação e distribuição dos medicamentos) e os enfermeiros e técnicos de enfermagem (responsáveis pelo acondicionamento, preparo e administração dos medicamentos, pelos registros e monitoramento dos medicamentos administrados).

Foi estabelecido o período de três dias para observação dos processos de prescrição, dispensação e distribuição, preparo e administração dos medicamentos. Face à escala rígida de horários, foram acompanhadas apenas as equipes de plantões diurnos. Para a observação foi aplicado um roteiro estruturado contendo a descrição detalhada das etapas a serem observadas.

Na primeira semana,o observador permaneceu na enfermaria selecionada durante três dias acompanhando os médicos durante o processo de prescrição dos medicamentos, assim como o ambiente a sua volta e o encaminhamento da prescrição à farmácia. Na segunda semana, o observador permaneceu três dias na farmácia acompanhando os farmacêuticos, os técnicos e os auxiliares de farmácia, assim como examinando o ambiente e o fluxo de chegada das prescrições, dispensação e distribuição dos medicamentos.

Na terceira semana foram observados durante três dias o ambiente e as atividades dos enfermeiros, técnicos de enfermagem na enfermaria selecionada; assim como o posto de medicação durante o recebimento dos medicamentos, o acondicionamento preparo, administração, monitoramento e registro.

Nesta etapa do estudo foram descritos o funcionamento e os processos relacionados ao sistema de medicação do hospital estudado, possibilitando a identificação de problemas no sistema de medicação (prescrição, dispensação, distribuição, preparo e administração de medicamentos). O sistema de medicação foi representado através de fluxogramas que reuniram informações sobre os processos de medicação, atividades desenvolvidas e procedimentos estabelecidos pelos serviços/setor.

Esta investigação foi realizada após aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa do hospital em questão, parecer nº 0226/16.02.09. Os participantes foram orientados sobre o estudo e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

 

RESULTADOS

A enfermaria de clínica média estudada possui 29 leitos e conta com a equipe profissional composta por sete médicos, sendo um chefe do setor, cinco residentes e cinco pós-graduandos. A equipe de enfermagem é constituída por nove enfermeiras, sendo um chefe do setor, 23 técnicos de enfermagem e uma secretária. Em torno de 15 médicos acompanham os pacientes assistidos na enfermaria estudada.

A equipe da farmácia hospitalar é composta por dois farmacêuticos diaristas, nove farmacêuticos com carga horária de 24 horas semanais e três residentes diaristas, e composta também por nove técnicos de farmácia diaristas, nove plantonistas com carga horária de 40 horas semanais, dois plantonistas diurnos e dois noturnos com carga horária de 30 horas semanais, e uma secretária.

O sistema de medicação agrega um conjunto de processos interligados que favorecem a utilização do medicamento de forma segura e efetiva. Os processos são compreendidos, planejados e implementados pelos profissionais da saúde (médicos, equipe da farmácia e equipe de enfermagem) com vista a manter ou restabelecer a saúde mediante a utilização de fármacos, formando uma cadeia de funções distintas, entretanto, com fins comuns

O processo de prescrição de medicamentos é realizado de forma digitada. Na enfermaria selecionada existem dois ambientes utilizados para prescrição de medicamentos. Dois computadores estão

disponíveis no Posto de Enfermagem e dois na sala de reunião da equipe médica. Durante a prescrição dos medicamentos, há grande circulação de pessoas no setor e conversas paralelas frequentes entre os profissionais. O uso de telefones celulares durante o processo de prescrição mostrou-se restrito.

Com relação aos ruídos no local de preparo das medicações, foi observada a permanência de uma televisão que, muitas vezes, se encontrava ligada no momento de preparo das medicações, e também a utilização do rádio, mas em volume baixo. A circulação de pessoas no posto de enfermagem é grande, principalmente no turno na manhã. As conversas paralelas entre os profissionais dentro do posto são contínuas.

O fluxo do sistema de medicação do hospital estudado se inicia com a prescrição eletrônica de medicamentos diária com validade de 24 horas (Figura 1). Parapacientes que possuem registro no setor, os dados de identificação estão disponíveis em um sistema computacional. O acesso ao sistema de gerenciamento da unidade se dá através de senha pessoal. O processo de prescrição de pacientes cadastrados no setor, portanto,tem como base a prescrição (já digitada) do dia anterior, na qual são realizadas alterações necessárias (inclusão ou exclusão de medicamentos e dosagens). A prescrição dos psicotrópicos e antimicrobianos é realizada no mesmo formulário eletrônico,em conjunto com os outros medicamentos; no entanto, é necessário justificar a indicação no próprio formulário de prescrição.

Caso não sejam necessárias alterações na prescrição do dia anterior, o médico apenas aciona o item descrito como "repetir prescrição anterior". Se for necessária a inclusão ou exclusão de algum medicamento, na ausência do médico responsável pelo paciente, o plantonista tem acesso à prescrição e pode prescrever em formulário novo algum medicamento necessário, porém sem alterar o que já foi prescrito anteriormente.

Após o término da prescrição dos medicamentos, o formulário é salvo no sistema e impresso, sendo uma cópia enviada ao posto de enfermagem e outra cópia à farmácia.A folha de prescrição impressa no posto de enfermagem é assinada e carimbada pelo médico,e entregue à enfermeira do setor, que é responsável pelo aprazamento dos medicamentos.

Dos problemas identificados no ambiente em que os médicos realizam as prescrições, destacam-se interrupções no processo de prescrever e conversas paralelas frequentes entre os profissionais. No setor há dois ambientes para prescrição, o posto de enfermagem com dois computadores, e a sala dos médicos com mais dois computadores, no entanto não são suficientes para todos. Nestes locais há grande circulação de pessoas, dificultando a necessária concentração que exige o ato de prescrever (Figura 1).

A dispensação dos medicamentos é realizada na Farmácia Hospitalar. Neste setor, o ambiente de dispensação de medicamentos se encontra ligado às áreas de armazenamento e fracionamento de medicamentos. A equipe da farmácia é composta por farmacêuticos e técnicos que desempenham funções de dispensação, fracionamento e distribuição dos medicamentos. Os técnicos responsáveis pela dispensação dos medicamentos do hospital utilizam a prescrição médica que foi impressa na farmácia para separar os medicamentos (Figura 2)

Três setores da farmácia são responsáveis pelo fornecimento dos medicamentos: estoque principal, sala de dispensação e sala de fracionamento. A farmácia utiliza o sistema de distribuição de medicamento por dose individualizada para 24 horas para os seguintes setores: pediatria, pós operatório infantil, unidades de terapia intensiva e enfermarias. As medicações são fornecidas através de cotas diárias ou semanais em setores como hemodinâmica, tomografia, laboratório e centro cirúrgico.

Na sala de dispensação os medicamentos são separados em doses individualizadas, e os psicotrópicos, dispensados juntamente com os outros medicamentos. Não há farmacêuticos trabalhando junto às clínicas de internação e durante a dispensação dos medicamentos para análise de interações medicamentosas, doses excessivas ou subdoses, identificação de alergias e a conferência dos itens prescritos com os encaminhados (Figura 2).

Observaram-se conversas paralelas e grande circulação de pessoas na sala durante a dispensação dos medicamentos. O estoque principal é dividido por cinco estantes com prateleiras identificadas segundo nome do medicamento estocado e o número de identificação da prateleira. A circulação de pessoas nesta sala é restrita, e os medicamentos controlados são armazenados em armário próprio, fechado com chave.

Os medicamentos que necessitam de refrigeração são armazenados em uma geladeira fechada com cadeado. Quando algum medicamento é requisitado, a chave é solicitada ao farmacêutico responsável. O controle de saída do medicamento armazenado é realizado através de uma planilha onde são registrados o nome do medicamento e a quantidade necessária à solicitação.

Os medicamentos dispensados são registrados no sistema de medicação eletrônica da farmácia, que controla a saída de cada medicamento por meio da identificação do código de barra, e colocados no "carrinho" de cada setor, em caselas identificadas segundo leito (Figura 2). Os setores fechados não utilizam carrinhos de medicamentos, que são entregues dentro de sacos separados por leitos e armazenados em gavetas ou recipientes de plástico nomeados por leito (Figura 2).

Em cada setor, o profissional que estiver presente no momento da entrega (enfermeiro ou técnico de enfermagem), recebe o carrinho ou os sacos com os medicamentos e assina o impresso de recebimento. Não é feita qualquer conferência do material entregue, e, no próprio impresso é registrado que não foi feita a conferência dos medicamentos ("s/ conferência"). O técnico responsável pela entrega dos medicamentos também assina o referido impresso, acusando-a e identificando data, e coloca o horário da entrega (Figura 3).

No posto de enfermagem, a circulação de pessoas é grande, principalmente no turno na manhã. As conversas paralelas entre os profissionais dentro do posto são contínuas. No local de preparo das medicações há uma televisão, que muitas vezes se mantém ligada no momento de preparo das medicações, como também um rádio, mantido em volume baixo.

Após o aprazamento, etapa realizada pelo enfermeiro do setor, as prescrições são entregues aos técnicos de enfermagem, que as utilizam para preencher etiquetas adesivadas, contendo nome do medicamento, número do leito, dose e horário. Essas etiquetas são utilizadas para separação, preparo e identificação dos medicamentos para serem administrados.

Não há uma sala específica para preparo dos medicamentos, etapa realizada em uma bancada. No horário de administração dos medicamentos, o técnico de enfermagem confere os medicamentos da bandeja de acordo com a prescrição. Caso haja alguma incongruência em relação à prescrição, os medicamentos incorretos são devolvidos. Quando o medicamento é administrado, o técnico de enfermagem não utiliza a prescrição para conferir o medicamento, apenas se baseia na etiqueta presente no medicamento preparado (Figuras 4 e 5).

O técnico de enfermagem monitora, após administração, a infusão dos medicamentos (gotejamento, perfusão venosa, reações locais, ingestão) e as reações do paciente após administração. Ao retornar ao posto de enfermagem, checa o horário das medicações que foram administradas. Parte das medicações que não foram utilizadas é devolvida à farmácia, a outra parte é armazenada no próprio posto para situações de emergência.

Das medicações que não foram utilizadas, algumas são devolvidas posteriormente à farmácia e outras são armazenadas no próprio posto para situações de emergência.

 

DISCUSSÃO

A análise do sistema de medicação permitiu identificar uma variedade de atividades realizadas pelos profissionais. Trata-se de um sistema complexo, que contém várias etapas interligadas em cada um dos processos; apresenta grande número de profissionais envolvidos e, consequentemente, maior chance de erro.

O sistema de medicação de um hospital deve conter de 20 a 30 etapas diferentes, durante os processos de prescrição, dispensação e administração dos medicamentos. Nesses casos estima-se a ocorrência de 39% de erros no processo de prescrição, 11% no processo de dispensação e 38% no processo de administração.1 No hospital investigado, o número de etapas identificadas é significativamente maior que o preconizado, o que pode propiciar a ocorrência de um número ainda maior de erros.

No hospital estudado foram observados problemas relacionados ao ambiente durante a prescrição, dispensação, preparo e administração dos medicamentos, falha na conferência dos medicamentos ou mesmo a ausência da conferência, e problemas de segurança relacionados ao preparo e administração dos medicamentos.

A criação de barreiras e ações para minimizar a ocorrência de falhas no sistema de medicação tem papel fundamental na garantia de segurança do paciente.14 No hospital estudado há um sistema de prescrição digitada que auxilia na minimização da ocorrência de falhas durante a prescrição e preparo das medicações na leitura dos medicamentos, já que são utilizados apenas nomes genéricos, sem abreviaturas, e plenamente legíveis já que não são feitas a mão.

A ilegibilidade das prescrições pode causar danos ou mesmo a morte do paciente. Com intuito de minimizar erros, deve-se na confecção das prescrições: utilizar um sistema computadorizado; evitar o uso de abreviaturas; devido ao perigo de serem mal compreendidas; evitar prescrições vagas como "se necessário" e indicar o propósito daquele medicamento.15. A prescrição de medicamentos é o primeiro processo do sistema de medicação, sendo os profissionais médicos os responsáveis pela escolha da terapia medicamentosa adequada para cada paciente. Os erros neste processo podem ser interceptados por meio de condutas preventivas adotadas pela equipe de farmácia e de enfermagem junto ao prescritor.

No presente estudo, os problemas identificados no ambiente em que são feitas as prescrições referem-se a interrupções no processo de prescrever e ruídos no local. No setor há dois ambientes para prescrição; entretanto, o número de computadores não é suficiente para todos. Nestes locais há grande circulação de pessoas, dificultando a necessária concentração que exige o ato de prescrever. O trabalho sob condições inadequadas pode levar o ser humano a cometer erros

O sistema de distribuição de medicamentos por dose unitária significa uma das maiores mudanças no sistema de medicação para redução de erros de medicação, porém ainda é pouco utilizado no Brasil e de difícil implantação.4,10 O hospital em questão não utiliza esse tipo de sistema, os medicamentos são preparados por técnicos nos postos de enfermagem e o quantitativo de farmacêuticos é pequeno para a demanda de medicamentos do hospital. A preparação de medicamentos em locais inapropriados, como postos de enfermagem, sem o conhecimento necessário das técnicas utilizadas, podem levar a erros que, na maioria das vezes, não são documentados.

A utilização de códigos de barra no hospital estudado se restringe ao controle de estoque e dispensação dos medicamentos na farmácia. A implantação de um sistema de identificação por código de barras para medicamentos, materiais e pacientes, apesar de cara, é outra forma de redução de eventos com medicação.

A revisão das prescrições pelos farmacêuticos poderia ser essencial na prevenção de erros na medida em que assegura a seleção apropriada de medicamentos, doses, vias e frequência, e busca sanar as dúvidas dos profissionais com relação aos medicamentos utilizados e, assim, promover segurança aos pacientes e economia ás instituições.15

Problemas relacionados ao ambiente foram detectados na dispensação como: interrupções, conversas paralelas durante o serviço e grande circulação de pessoas no local. O NCCMERP recomenda que a área de dispensação seja projetada para prevenir erros direcionada às condições ambientais relacionados à iluminação, ventilação, nível de ruído, instalações, diminuir as distrações por telefone, interrupções e desordem e fornecer recursos suficientes à carga horária de trabalho dos profissionais.15 Há maneiras de se conferir as prescrições antes de os medicamentos serem dispensados, são elas: o uso do código de barras, sistema computadorizado, dados que tracem o perfil do paciente e, se possível, uma segunda pessoa para revisão da prescrição.11, 13, 15

Foi observado na enfermaria que a necessidade de enviar o carrinho à farmácia para que os medicamentos das próximas 24 horas sejam dispensados leva os técnicos a executar de forma muito rápida a atividade de separação dos medicamentos e da elaboração das etiquetas, o que pode acarretar erros neste processo. Vale ressaltar que nas etiquetas elaboradas não consta o nome do paciente, e o número do leito não é um dado suficiente, pois trocas de leito e de enfermaria ocorrem com frequência.

Os medicamentos de muitos pacientes são colocados na mesma bandeja, fato que contradiz a orientação de que, ao utilizar bandejas para levar os medicamentos até o paciente, deve-se atender a um paciente por vez, pois a diversidade de medicamentos e a quantidade de pacientes em um mesmo lugar aumenta a probabilidade de erros referente a troca de medicamentos.15 No momento da administração, observamos que o técnico utiliza apenas as etiquetas coladas nos medicamentos sem conferir com a prescrição, o que pode gerar erro na interpretação da letra presente na etiqueta, levando a administração do medicamento no paciente errado, já que não há identificação por nome na etiqueta, e a administração do medicamento errado, no horário e dose errados, pela transcrição incorreta dos dados do medicamento da prescrição para a etiqueta.

Um dos problemas identificados na enfermaria estudada é o fato de que não há um controle rigoroso com relação às sobras dos medicamentos na enfermaria, pois a devolução dos medicamentos não utilizados pelos pacientes não é realizada com frequência e muitos medicamentos são estocados no posto. Estocar medicamentos no posto de enfermagem favorece a ocorrência de erros na medicação, uma vez que acarreta perdas do medicamento por condições inadequadas de armazenamento, produtos com validade vencida, contaminação dos medicamentos, a utilização do medicamento no paciente errado, e até mesmo o desvio do medicamento para outros fins.13,15

O fato de a enfermagem atuar em todas as etapas do sistema de medicação, em especial no preparo e na administração dos medicamentos, faz com que muitos erros cometidos e não detectados no início ou no meio do sistema lhe sejam atribuídos. Tal fato aumenta a responsabilidade da equipe de enfermagem, pois se trata da última oportunidade de interceptação do erro ocorrido nos processos anteriores.3,5,10,13

Entende-se que, para redução de eventos adversos com medicamentos, é necessário que profissionais, pesquisadores, instituições de saúde e formadoras de profissionais se conscientizem da importância do problema e adotem uma cultura voltada para uma abordagem sistêmica para que estratégias preventivas sejam eficazes e gerem benefícios de impacto na sociedade.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A adoção de práticas educativas para profissionais envolvidos no sistema de medicação representa uma importante estratégia para minimizar a oportunidade de falhas no sistema de medicação. Para tanto é necessário empregar princípios destinados a reduzir em grande parte as chances de erros e interceptá-los ou minimizar o impacto antes que atinja ao paciente causando danos.

Em vista disso, torna-se necessário conhecer o sistema de medicação utilizado nas instituições hospitalares e verificar as atividades desenvolvidas pelos profissionais para que sejam identificadas e analisadas possíveis fragilidades e falhas nos processos e intervir reduzindo riscos aos pacientes. Para que práticas de segurança sejam discutidas e implementadas pela instituição, é preciso desenvolver uma cultura voltada para segurança do paciente através da formação de uma equipe multidisciplinar com o objetivo de analisar e avaliar cada processo do sistema em busca de melhorias.

 

REFERÊNCIAS

1. Leape LL, Kabcenell AI, Gandhi TK, Carver P, Nolan TW, Berwick DM. Reducing adverse drug events: lessons from a breakthroughs series collaborative. J Comm J Qual Improv 2000;26(6):321-31.

2. Silva DO, Grou CR, Miasso AI, Cassiani SHB. Medication preparation and administration: analysis of inquiries and information by the nursing team. Rev Latino-am Enfermagem. 2007;15(5):1010-017.

3. Carvalho VT, Cassiani SHB. Erros na medicação e conseqüências para profissionais de enfermagem e clientes: um estudo exploratório. Rev Latino-am Enfermagem. 2002,10(4):523-29.

4. Kohn L, Corrigan JM, Donaldson MS (orgs). To err is human: building a safer health system. 2ª ed. Washington: National Academy of Sciences;2000. 287 p.

5. Cassiani SHB, Miasso AI, Silva AEBC, Fakin FT, Oliveira RC. Aspectos gerais e número de etapas do sistema de medicação de quatro hospitais brasileiros. Rev Latino-am Enfermagem. 2004,12(5):781-89.

6. Wilson K, Sullivan M. Preventing medication errors with smart infusion technology. Am J Health-Syst Pharm. 2004;61(2):177-83.

7. Oliveira, RG. Análise do sistema de utilização de medicamentos dos hospitais da Cidade de Recife, PE. [[tese]]. Ribeirão Preto: Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo;2005. 214

8. Gimenes FRE. A segurança do paciente na terapêutica medicamentosa: análise da redação da prescrição médica nos erros de administração de medicamentos em unidades de clínica médica. 2007.112p. [[dissertação]]. Ribeirão Preto: Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo;2007.

9. Melo ABR, Silva LD. Segurança na terapia medicamentosa: uma revisão bibliográfica. Esc Anna Nery.2008 mar;12(1):

10. Miasso AI, Silva AEBC, Cassiani SHB, Grou CR, Oliveira RC, Fakih FT. O processo de preparo e administração de medicamentos: identificação de problemas para propor melhorias e prevenir erros de medicação. Rev Latino-am Enfermagem. maio/jun. 2006.14(3):354-6311.Cano FG, Rozenfeld S. Eventos adversos a medicamentos em hospitais: uma revisão sistemática. Cad Saude Publica. 2009;25(3):S360-S372.

12. Hatfield G. Rating hospitals for medication safety a scored. Pharmacy Times. 1999;65(9):42-45.

13. Silva AEBC. Análise do sistema de medicação de um hospital universitário do estado de Goiás.[[dissertação]] Ribeirão Preto: Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo; 2003.

14. Mendes W, Martins M, Rozenfeld S, Travassos C. The assessment of adverse events in hospitals in Brazil. J Qual Health Care. 2009;21(4):279-84.

15. National Coordinating Council for Medication Error Reporting and Prevention- NCCMERP. Taxonomy of medication errors; 2001. Disponível em: http://www.nccmerp.org/public/aboutmederror.html.

 

 

Recebido em 14/07/2010
Reapresentado em 17/01/2011
Aprovado em 10/05/2011

 

© Copyright 2024 - Escola Anna Nery Revista de Enfermagem - Todos os Direitos Reservados
GN1