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Escola Anna Nery Revista de Enfermagem Escola Anna Nery Revista de Enfermagem
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Ministério da Educação
CAPES

Volume 15, Número 2, Abr/Jun - 2011

PESQUISA

 

A visão da adolescente com reincidência gestacional sobre família

 

The perception of adolescents with gestational recurrence on family

 

La visión de la adolescente con reincidencia del embarazo sobre familia

 

 

Tatiane BaratieriI; Viviane Cazetta de Lima VieiraII; Sonia Silva MarconIII

IEnfermeira. Mestranda em Enfermagem pela Universidade Estadual de Maringá - UEM. Santa Helena-PR. Brasil. E-mail: tathybar@hotmail.com
IIEnfermeira. Mestranda em Enfermagem pela UEM-PR. Brasil. E-mail: vivicazetta_@hotmail.com
IIIEnfermeira. Dra. em Filosofia da Enfermagem. Professora do Departamento de Enfermagem e do Mestrado em Ciências da Saúde e de Enfermagem da UEM-PR. Brasil. E-mail: soniasilvamarcon@gmail.com

 

 


RESUMO

O estudo objetivou conhecer a concepção das adolescentes com reincidência gestacional sobre família. Participaram da pesquisa 16 adolescentes grávidas dos municípios de Sarandi (oito), Mandaguari (seis) e Jandaia do Sul (duas) no Estado do Paraná. Trata-se de um estudo descritivo-exploratório com abordagem qualitativa. A coleta dos dados ocorreu em maio de 2009, por meio de entrevista semiestruturada gravada, realizada na própria unidade de saúde de cada cidade. Os dados foram analisados por meio da análise de conteúdo. Os resultados apontam para duas categorias: a adolescente e sua compreensão sobre família; e concepções sobre o tamanho da família: entre a prática e a pretensão. Conclui-se que as adolescentes veem família como sinônimo de laços afetivos, apontando questões financeiras como principal fator influenciador na determinação do tamanho da família. Elas almejam uma família nuclear, com poucos filhos, pressupondo-se a necessidade de planejamento e responsabilidade, porém demonstraram iniciar suas famílias sem planejar.

Palavras-chave: Gravidez na Adolescência. Recidiva. Família.


ABSTRACT

The study aimed to investigate what is the perception on family from the part of adolescents with gestational recurrence. There were 16 pregnant adolescents who took part in the research from the municipal districts of Sarandi (eight), Mandaguari (six) and Jandaia do Sul (two) in Paraná State. This is a descriptive-exploratory study with qualitative approach. Data collection was carried out in May 2009 through a recorded semi-structured interview, in the Health Unit of each city. All data were analyzed through the content analysis. The results showed two categories: the adolescent and her perception on family; and conceptions on the size of the family: between reality and expectations. It is concluded that the adolescents see family as synonym of bonding and they point the financial subject as the main factor when determining the family size. They look for a nuclear family, with few children, presupposing the need of planning and getting responsibility, however they demonstrate that have begun their families without any planning.

Keywords: Pregnancy in Adolescence. Recurrence. Family.


RESUMEN

El estudio tuvo como objetivo conocer la concepción de las adolescentes con recurrencia gestacional sobre familia. Participaron de la investigación 16 adolescentes embarazadas, de los municipios de Sarandi (ocho), Mandaguari (seis) y Jandaia do Sul (dos). Se trata de un estudio descriptivo-exploratorio con abordaje cualitativo. La recogida de los datos ocurrió en mayo de 2009 y se dio por medio de entrevista seme-estructurada grabada, siendo realizada en la propia unidad de salud de cada ciudad. Los datos fueron analizados por medio del análisis de contenido. Los resultados apuntan para dos categorías: la adolescente y su comprensión sobre familia; y concepciones sobre el tamaño de la familia: entre la práctica y la pretensión. Se concluye que las adolescentes entienden la familia como sinónimo de lazos afectivos y apuntan los asuntos financieros como influyentes en la determinación del tamaño de la familia. Anhelan una familia nuclear, con pocos hijos, lo que presupone la necesidad de planeamiento y responsabilidad, aunque hayan demostrado haber iniciado sus familias sin planeamiento.

Palabras clave: Embarazo en la Adolescencia. Recurrencia. Familia.


 

 

INTRODUÇÃO

A família é a instituição mais antiga da sociedade, considerada o primeiro espaço de promoção da satisfação das necessidades básicas das pessoas, e que ao mesmo tempo auxilia no desenvolvimento da personalidade e da socialização.1 Seu conceito e composição vêm sofrendo mudanças com o passar dos séculos em virtude de diversos fatores econômicos, políticos, sociais e culturais. Com isso, a família pode ser definida como sinônimo de pessoas aparentadas que vivem, em geral, no mesmo domicílio, unidos por vínculos emocionais, participando das vidas uns dos outros. Em termos de composição, pode ser do tipo nuclear (mãe, pai, filhos) ou extensa (mãe, pai, filhos, parentes ou amigos).2

O núcleo familiar é um grupo social complexo, formado pelas relações e ligações entre seus membros, e os diversos aspectos envolvidos permitem que se conheça apenas parte de sua realidade.3 Assim, ao olhar para a unidade familiar é perceptível a procura de cada uma pela construção de uma maneira particular de viver.3 A família passa por fases de sua trajetória de vida, sendo mais difícil no período em que os filhos são adolescentes, momento este marcado por preocupações, principalmente em relação ao preparo para o futuro.3

No período da adolescência a pessoa passa por inúmeras crises, deixa de ser criança para ser adulto, por meio de diversos processos, no aspecto social, biológico, psicológico e espiritual, assim como anatomofisiológico.4 Nesse contexto, caso as crises não sigam seu curso normal pode ocasionar transgressões, tais como as práticas sexuais sem a adoção de medidas de proteção, as quais podem levar a uma gestação nessa fase, além de outros impactos a saúde, como as doenças sexualmente transmissíveis.4

A gravidez na adolescência vem sendo considerada, em alguns países, problema de saúde pública, com ameaças para a saúde, podendo levar a complicações obstétricas, com repercussões para a mãe e para o recém-nascido, assim como acarretar problemas de ordem emocional e social.5 Nesse sentido, a literatura tem apontado que uma gestação nessa fase da vida pode se configurar principalmente como um problema de cunho social, tendo em vista que as adolescentes são submetidas a maior potencial para divórcio, reincidência gestacional e pobreza, assim como podem sofrer alterações nas relações familiares, perda da liberdade, comprometimento escolar e limitação no planejamento futuro para o mercado de trabalho e nas oportunidades para o completo desenvolvimento pessoal.5

Sob esse ponto de vista, as gravidezes reincidentes não se apresentam como um capítulo de estudo na saúde pública e tampouco como fenômeno importante na dinâmica reprodutiva das populações. São raros os estudos que exploram esse tema, em geral o assunto está disperso ou somente citado em algumas pesquisas que abordam a gravidez na adolescência de modo geral.6

Um estudo com adolescentes em reincidência gestacional constatou que 66,67% delas referiram não ter planejado a primeira gestação e 77,78% não planejaram a atual. O intervalo interginésico para a metade delas foi de 6 a 12 meses, e 11,11% apresentaram nova gestação em um intervalo menor que seis meses. Mais da metade (55,52%) tinha tido pelo menos um aborto prévio.7 Esses dados levaram os autores a concluir que a reincidência gestacional em adolescentes pode levar à desorganização familiar, abandono escolar, afastamento social e do mercado de trabalho, além de impactos emocionais.7

Atualmente há uma preocupação expressiva em compreender os fatores determinantes da gravidez na adolescência, tendo em vista que essa, em geral, relaciona-se com a pobreza e exclusão social, por vezes encarada como causas e outras, como consequências desse fenômeno.8 Desse modo, após revisar a literatura científica que privilegia a gravidez na adolescência, percebe-se uma preocupação expressiva em pesquisar esse tema, porém poucos estudos contemplam a reincidência gestacional na adolescência, e tampouco abordam o tema família. Considerando que a gestação na adolescência promove impactos na vida dessas jovens, assim como para suas famílias e sociedade, entende-se que é importante a elaboração de estudos que busquem compreender como essas adolescentes entendem o que é família.

É fundamental, que além de conhecer os motivos e contexto que a adolescente com reincidência gestacional está inserida, também é preciso compreender como essa percebe uma família, tendo um vista que isso pode influenciar na sua tomada de decisões, além de promover reflexões sobre e melhoria nos programas de prevenção à gestação na adolescência. Diante dos argumentos apresentados, o objetivo que impulsiona o tema do estudo foi conhecer a concepção das adolescentes com reincidência gestacional sobre família.

 

MATERIAL E MÉTODO

Trata-se de um estudo descritivo-exploratório com abordagem qualitativa, realizado com 16 adolescentes grávidas residentes em três municípios localizados na região noroeste do Estado do Paraná e que integram a região metropolitana de Maringá: Mandaguari, Jandaia do Sul e Sarandi. Estes municípios têm como característica comum o fato de a atenção pré-natal na rede básica de saúde ser centralizada em uma unidade de referência: Clínica da Criança e da Mulher em Mandaguari, Unidade Básica de Saúde Dr. Ivoly em Jandaia do Sul e Clínica Materno Infantil em Sarandi.

Mandaguari possui uma população de 31.980 habitantes, e, no período de coleta de dados, 153 gestantes estavam sendo acompanhadas na Clínica da Criança e da Mulher, 40 delas eram adolescentes, porém somente seis não eram primíparas. O município de Jandaia do Sul possui uma população de 19.534 habitantes; na Unidade Básica de Saúde Dr. Ivoly, estavam sendo acompanhadas 65 gestantes, 15 eram adolescentes, e, destas, duas eram secundigestas. Sarandi possui a maior população dentre os municípios pesquisados, 79.686 habitantes. Na Clínica Materno-Infantil estavam sendo acompanhadas 420 gestantes, sendo que 81 eram adolescentes e, destas, oito experimentavam a reincidência gestacional.

O critério de inclusão considerado foi: ser adolescente com reincidência gestacional independente de ter tido filhos ou da ocorrência de aborto anterior; residir e estar realizando o acompanhamento pré-natal na rede pública de um dos três cenários em estudo; e ter autorização do responsável para participar da pesquisa. Identificou-se que 16 gestantes atendiam aos referidos critérios e todas participaram do estudo, uma vez que não houve nenhuma recusa por parte da adolescente ou seu responsável.

Para efeitos do estudo, foi adotado o critério de adolescência proposto no Estatuto da criança e do Adolescente;9 ou seja, a faixa etária compreendida dos 12 aos 18 anos de idade, embora, entre as adolescentes em estudo, a menor idade encontrada foi 15 anos.

A coleta dos dados ocorreu na própria unidade de saúde de cada cidade, em uma sala reservada, sendo permitida, quando solicitada, a participação do responsável. Os dados foram coletados por meio de entrevista semiestruturada, sendo as falas das adolescentes, após consentimento, gravadas e posteriormente transcritas na íntegra.

A análise dos dados deu-se por meio da análise de conteúdo,10 assim procedeu-se a pré-análise e exploração dos dados, por meio de leituras exaustivas, seguida da categorização, que consistiu em isolar os elementos do discurso e impor certa organização às mensagens, organizando os dados em unidades temáticas. Em seguida, foi realizada inferência a partir dos dados obtidos e utilizando como referencial teórico o material disponível acerca do tema gravidez na adolescência, reincidência gestacional na adolescência, assim como publicações científicas acerca do tema família.

O desenvolvimento do estudo ocorreu em conformidade com o preconizado pela Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, e o seu projeto foi aprovado pelo Comitê Permanente de Ética em Pesquisa com seres humanos da Universidade Estadual de Maringá (parecer nº 197/2009). As adolescentes foram convidadas a participarem do estudo por ocasião do comparecimento ao serviço para a consulta de pré-natal, quando foram informadas sobre os objetivos do estudo, o tipo de participação desejada e a desvinculação entre a assistência prestada e a participação no estudo, sendo garantido anonimato das informações. Todas as adolescentes que concordaram participar do estudo, junto com seu responsável, quando menores, assinaram o do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido em duas vias.

Para a diferenciação dos sujeitos da pesquisa, assim como a preservação de sua identidade, foram utilizados códigos, em que as adolescentes foram representadas pela letra 'A' seguida de numeral arábico conforme a ordem que sucederam as entrevistas (A1 a A16).

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Inicialmente é descrito o perfil sociodemográfico das adolescentes, com a finalidade de conhecer a população em estudo. Depois são apresentadas as duas categorias emanadas no decorrer da análise do conteúdo estudado.

Conhecendo as adolescentes em estudo

A idade das adolescentes em estudo variou de 15 a 18 anos, sendo que 11 delas tinham 18 anos, oito não chegaram a concluir o ensino fundamental e apenas uma tinha ensino médio completo. Verificou-se que apenas duas adolescentes continuavam estudando e ambas ainda estavam cursando o ensino fundamental. Cinco adolescentes interromperam seus estudos aos 15 anos de idade, tendo como motivo principal a ocorrência da primeira gestação. Os dados relacionados à escolaridade das adolescentes, caracterizado por abandono e atraso, são coerentes com o que tem sido identificado em outros estudos.7,11,12

Em relação à história obstétrica, a maioria das adolescentes (12) não havia sofrido aborto, e as outras quatro sofreram apenas um. Sobre o número de gestações, 11 estavam na segunda gravidez e cinco, na terceira. No tocante ao número de filhos, a maioria (8) tinha um filho, três adolescentes não tinham filhos, considerando que tiveram um episódio de aborto prévio à gestação atual, e cinco tinham dois filhos. Nota-se que para haver tempo hábil para que essas adolescentes estivessem na terceira gestação, seria preciso que o início da vida sexual fosse precoce, e evidencia-se o não uso ou uso inadequado de métodos contraceptivos.

Em relação ao estado civil, seis adolescentes vivem em união consensual, cinco são casadas e outras cinco são solteiras. A maioria das adolescentes, portanto, vive um relacionamento considerado estável perante a sociedade, constituindo com seu companheiro um núcleo familiar socialmente aceito.7,11

Das adolescentes, nove residiam em família do tipo nuclear e sete em tipo extensa, o que quer dizer que, apesar de terem enunciado a constituição de sua própria família, sete delas permaneceram na casa dos pais, ou mudaram-se para a casa dos pais de seu companheiro, revelando o despreparo do novo casal para a manutenção e autossuficiência econômica.

A maioria das adolescentes (13) era do lar, e mais da metade (9) tinha renda familiar de um salário mínimo. A contribuição da renda familiar foi pertinente na maioria dos casos ao marido (9), seguida da contribuição da mãe da adolescente (seis casos), sendo que apenas duas adolescentes possuíam renda própria. O número predominante de pessoas que dependiam da renda foi de quatro pessoas; em segundo lugar, com o mesmo resultado, ficaram três e cinco pessoas dependentes da mesma renda. Revela-se que estas adolescentes estão constituindo suas famílias, porém a manutenção do sustento da casa é realizada por outras pessoas, em especial marido e mãe, evidenciando-se, desse modo, a situação de dependência que essas adolescentes vivem.

Os dados socioeconômicos demonstram que de maneira geral as adolescentes são de classe média baixa e dependentes do sustento de seus companheiros, ou de outras pessoas da família. Dados semelhantes estão presentes em outros estudos com adolescentes grávidas.7,12

A adolescente e sua compreensão sobre família

A família é constituída, principalmente, pelo apoio entre seus membros, representado pela disponibilização do tempo, de compartilhar vivências cotidianas, preocupações e emoções, e oferta de carinho e afeto; e também pelo apoio instrumental, o qual se dá por meio da provisão de bens, dinheiro e trabalho.13Desse modo, a compreensão de família pelas adolescentes remete a sinônimo de sentimentos fraternos, além de consistir no companheirismo entre seus membros. Isso se expressa nas seguintes falas:

União. Meus pais são unidos, respeitam muito um ao outro (A1); Eu acho que é a união, eu acho que é o amor da família. [...] tem que ter companheirismo e amor (A9); União, amor, carinho, isso é família. A minha família é unida, não é aquela família que é tudo separada, não é chega e briga, não é assim, é tudo unida (A11).

Fica evidente que para as adolescentes em estudo, uma família consiste em união e respeito mútuo entre as pessoas que a compõe. A família também é considerada sinônimo de amor e de carinho, o que identifica que para essas adolescentes, quando se fala em família, vem em mente especialmente os laços afetivos.

A família é a base para a estruturação do sujeito, então compreende-se que a formação do caráter e da personalidade depende de como sua família se comporta, além de se considerar os fatores sociais. Desse modo, uma família precisa ser estruturada em um ambiente harmônico, para que seus membros sintam-se acolhidos em seu núcleo familiar.

Compreende-se que pelo fato de as adolescentes em estudo terem iniciado a construção de suas famílias tão precocemente, torna-se necessário apoio de todos os membros do núcleo familiar de origem na estruturação dessa nova família.

A família é vista como a base para o indivíduo, sendo responsável pela formação moral do sujeito, encarada como referência e segurança emocional dos seus membros, sentindo-se amparado por esses quando há necessidade de ajuda.14

O núcleo familiar também é fortemente relacionado ao auxílio prestado entre os membros para a resolução dos problemas. Além disso, no conteúdo das falas, a família também é identifica pelos laços de parentesco:

A família é tudo pra mim, dá apoio pra mim, me ajuda, sempre que eu preciso eles estão sempre perto de mim pra me ajudar (A13); Família pra mim é minha mãe, minha irmã e meu irmão, e tem meu filho e meu marido. A gente tem companheirismo, todo mundo um ajuda o outro, preocupação um com o outro, dedicação, carinho amor, tem tudo (A15).

A família é considerada a base de segurança para o indivíduo, que, quando está com problemas, busca seus familiares para auxiliar na resolutividade. Nota-se também que a família refere-se principalmente aos familiares mais próximos, como pais e irmãos, e são essas as pessoas de maior confiança para prestar a ajuda necessária.

Deste modo, a família é encarada como responsável pelo apoio físico, emocional e social de seus membros, e é por meio desse núcleo que o sujeito se constrói, socializa e humaniza, na medida em que suas necessidades são atendidas.14 Assim, o cuidado familiar é caracterizado por ações e por interações presentes no núcleo familiar direcionado a cada um de seus membros, visando alimentar e fortalecer o seu crescimento, desenvolvimento, saúde e bem-estar. Dessa forma esse cuidado pode ser reconhecido principalmente pela presença, proteção, inclusão, orientação e formação.15

Outro ponto importante é que as adolescentes têm consciência de que a formação de uma família requer mudanças na vida, passando a assumir um papel de responsabilidade diante do núcleo que se forma. Por outro lado, a responsabilidade por essa família se dá diante da ocorrência do casamento, ficando implícita que, enquanto se está morando com os pais, são esses que responderão pelos problemas advindos dos membros do núcleo familiar:

É uma responsabilidade; tanto é que eu não quero casar. Eu acho que, a partir do momento que você montou uma família, você tem que ter consciência do que você tem (A12).

Constituir uma família requer planejamento para que esta seja estruturada em uma base sólida, a fim de ter maior força na sua manutenção e resolutividade dos problemas. Salienta-se que o período da adolescência é de suma importância para que a pessoa alcance a maturidade biopsicossocial, deste modo, ser responsável por uma família durante a fase da adolescência gera conflitos, já que nesse período o indivíduo está definindo a questão tomada de decisões, assim como a diferenciação entre certo e errado.

Uma das adolescentes manifestou que não tem um entendimento sobre família, revelando que a compreensão de família é reflexo do que o indivíduo experienciou em seu próprio núcleo familiar:

Eu não entendo nada, porque na minha infância eu sofri demais por causa da separação dos meus pais, então sei lá, isso me revoltou bastante (A14).

Considerando que família é sinônimo de união e respeito entre seus membros, revela-se que, quando esses requisitos básicos não são encontrados em um núcleo familiar, o indivíduo tem dificuldades de definir o que considera ser uma família, assim como remete essa incompreensão a fatos que aconteceram no decorrer de sua vida, e que estabeleceram conflitos entre o indivíduo e sua concepção de família.

Para uma boa convivência, os membros da família precisam ter uma relação interpessoal, com o intuito de compreender um ao outro. É evidente que por viver junto não significa que os indivíduos sejam iguais; cada um tem um modo de agir, ser e interagir, e, por esse motivo, o diálogo em família é imprescindível para a boa relação.3

Concepções sobre o tamanho da família: entre a prática e a pretensão

A família pode ser definida a partir da relação entre dois ou mais indivíduos, por meio de associações, recursos e valores, sendo reconhecida como tal a partir do momento que seus membros consideram os elementos que a constituem como uma família.13 Deste modo, cada pessoa tem um entendimento sobre família e o tamanho ideal da mesma, o que depende, principalmente, do que cada um experienciou individualmente.

A maioria das adolescentes pesquisadas (11) tem três irmãos, caracterizando que convivem, para os padrões da sociedade atual, em famílias relativamente grandes. Das 16 adolescentes pesquisadas, a grande maioria (14) afirmou que não queria ter tido mais irmãos, o que justificam pela presença de brigas, desavenças e interferência na vida pessoal:

Deus me livre, eles me dão muito trabalho; o mais velho me atenta o tempo todo e o mais novo quer ficar brincando demais (A5). Não queria ter tido mais irmãos não. Dá muita dor de cabeça, as vezes é bom, mas as vezes não, eles querem mandar na gente, aí não é bom não (A7).

As falas revelam que, ao não desejar ter mais irmãos, as adolescentes tomaram como referência a experiência de relacionamento vivenciada no momento presente, demonstrando que a qualidade das relações familiares é fundamental para um convívio harmônico entre os membros, e para isto é preciso que cada indivíduo conheça e respeite as particularidades do outro e identifique seus limites e espaços.

A relação interpessoal no núcleo familiar tem como base uma complexa e constante rede de interação, as quais têm por objetivo sustentar a relação entre os membros.13 Assim, o bom convívio entre os indivíduos depende do momento que a família está vivenciando, sendo que os conflitos e a relação amistosa estão diretamente ligados ao interesse individual dos membros que compõem o núcleo familiar.

Em contrapartida, o desejo por ter mais irmãos se dá pela boa relação interpessoal entre esses:

Eu queria, porque eu acho legal, gosto de ter bastante irmãos. A gente fazia bastante coisa, a gente sempre ficava junto, brincava junto, agora mesmo a gente fica sempre junto (A13).

A união entre os membros é fundamental para o bom relacionamento na família, despertando o interesse por ter uma família numerosa. Percebe-se a correlação entre não querer ter mais irmãos pela dificuldade de relacionamento pessoal e o desejo em ter mais irmãos por existir uma boa relação, expressa pelos sentimentos e ações solidárias.

Na relação entre os irmãos na fase da adolescência oscilam sentimentos de afeto, solidariedade, rivalidade e hostilidade. O relacionamento fraterno é considerado o mais intenso entre os irmãos, e deste modo espera-se que as relações se estabeleçam no mesmo nível hierárquico. Nesse grupo, os indivíduos aprendem a dividir o espaço e as regras familiares, as quais estruturam suas futuras relações.16

O fato de não querer ter mais irmãos também é expresso por ter responsabilidade na criação e educação dos mesmos:

Muito problema pra minha vida, eu que tive que cuidar deles. Por que minha mãe trabalhava fora, ela tinha que posar no serviço, daí eu que tinha que cuidar de casa, cuidar deles, fazer comida, essas coisas (A11).

A responsabilidade na fase da adolescência favorece o amadurecimento precoce do indivíduo; dessa forma, o sentir-se mãe de seus irmãos auxilia a ocorrência da gravidez na adolescência, assim como sua reincidência, tendo em vista que já possui experiência prévia na maternidade e desenvolveu precocemente a responsabilidade e a tomada de decisões para si e para outros membros da família.

Destarte, a formação da personalidade do adolescente e sua tomada de decisões está diretamente relacionada ao meio em que vive, à estrutura e modelo familiar a que está inserido, e à formação educacional. Assim, com a chegada da adolescência, desenvolve-se a sexualidade e capacidade reprodutiva, e, na ausência de informação e apoio familiar, pode ocorrer uma gestação, além das doenças sexualmente transmissíveis, casamento, aborto, dentre outros fatores não planejados.4

No que tange ao número de filhos pretendidos, as adolescentes desejam que esta seja a última gestação, limitando-se a no máximo dois filhos, especialmente pelas condições financeiras, que tem extrema relevância na decisão de ter um filho. Existe também a preocupação em oferecer boas condições de vida aos filhos:

Porque já tá bom, três tá bom, dá muito trabalho. E também é muita responsabilidade, é difícil de criar, porque criança tem que dar de tudo, tem que dar escola, quando fica doente tem que dar remédio, tudo isso, daí três já tá bom (A13).

Percebe-se que as respondentes têm consciência das responsabilidades que refletem a criação de um filho, tendo em vista a experiência prévia, e desse modo almejam a prestação de cuidados adequados para seus filhos, ficando claro nas falas que, quanto menor o número de filhos, melhores serão as oportunidades de oferecer um sustento adequado, ou seja, o atendimento das necessidades básicas da prole. Evidencia-se que a reincidência gestacional se manifesta para essas adolescentes mais como uma preocupação social, o que é pertinente, tendo em vista que na fase da adolescência é mais difícil conseguir trabalhar e ter um salário que supra as necessidades da família, tanto por terem que se dedicar ao cuidado dos filhos como pelo fato de não terem uma formação para conseguir um trabalho melhor remunerado.

A família é considerada a unidade que cuida de seus membros, e é o principal agente socializador da criança e responsável pelo atendimento de suas necessidades básicas, assim como na formação dos referenciais de vida que lhe oportunizará o enfrentamento do mundo.17

As adolescentes fizeram referência sobre o tamanho de suas famílias; desse modo, a família grande foi relacionada a muitas pessoas, pai e mãe e muitos filhos, além de tios e primos, havendo menção de cinco até quinze pessoas na residência. É interessante notar que, no conteúdo de algumas falas, apareceu a preferência pela família grande:

Família grande é mais conforto, a gente fica mais confortável com mais gente [...] (A4).

A concepção de família grande é distinta para cada indivíduo, tendo em vista o número diferenciado de pessoas que compõe uma família citado por cada entrevistada. Pode-se notar que, na maioria dos casos, ao se referirem ao termo família grande, as adolescentes consideravam apenas os membros que residem em um mesmo domicílio, e na maior parte dos casos faziam referência à família nuclear, ou seja, aquela composta por pai, mãe e filhos.

Salienta-se, assim, que a residência não é somente o espaço físico, mas sim constituída pelos indivíduos que nela convivem e cuidam uns dos outros. Desse modo, na família, as pessoas aprendem a preservar e respeitar o ser humano, nutrindo-o e protegendo-o, adquirindo conhecimentos sobre a importância dos valores éticos, morais, estéticos, religiosos, culturais de uma sociedade e a importância de viver em comunidade.1

Ao tratar sobre família pequena, as respondentes foram quase unânimes em afirmar que é conviver no núcleo familiar apenas o marido, a mulher e um filho. Chamou atenção o fato de duas adolescentes terem afirmado que família pequena é não ter filhos (A6 e A8), e uma adolescente afirmou que é ter até três filhos:

Pequena é um ou dois filhos, três filhos no máximo (A12).

Apesar de algumas adolescentes conviverem em família extensa, ao falar sobre família, fazem referência apenas à família nuclear, refletindo em um modelo de família mais comumente compreendido.

Percebe-se que a família não é uma expressão passível de conceituação, mas sim de descrições. Por isso, há possibilidade de descrever as várias estruturas ou modalidades assumidas pela família através dos tempos, porém não se pode defini-la ou encontrar algum elemento comum a todas as formas sob as quais se apresenta esse grupo.18

As respondentes também fizeram menção às vantagens e desvantagens da convivência em uma família numerosa. Foi apontado como vantagem principalmente o fato de haver mais pessoas para ajudar uns aos outros. Também houve referência à questão de estar habituado a elevado número de familiares, por achar bom, trazer felicidade, evitar a solidão e pela união. Merece destaque a menção de que, com uma família grande, não se fica sozinho em datas festivas:

É divertido. Não fica tão sozinho, na época de festa, igual no natal fica só eu meu marido, minha mãe e meus filhos, porque meus tios não são daqui (A8).

Fica evidenciado no conteúdo das falas que, quanto mais pessoas há em uma família, maior é a possibilidade de obter ajuda para resolver problemas, assim como evita-se a solidão. Surge nessa categoria, assim como na categoria do entendimento da adolescente sobre família, fortemente a questão da união e ajuda entre os membros, ficando evidenciado que quando se fala em família são essas as principais características que vêm em mente. A tendência em apontar vantagens para uma família grande deve-se ao fato de conviver em um núcleo familiar com muitas pessoas, mostrando-se satisfeita com a realidade familiar que vive. Destarte, as adolescentes estão iniciando a formação de suas famílias precocemente, já com mais de um filho, o que pode levar a seguir o modelo familiar com inúmeros membros ao qual estão habituadas.

No que tange às desvantagens em viver em uma família grande, o conteúdo das falas apontou para o fato de haver muita fofoca, brigas, pela questão financeira e desunião. Uma desvantagem de destaque é o fato de que, quando se tem muitos filhos, é difícil manter o foco de atenção para cada um deles, favorecendo o desvio de conduta:

Desvantagem é que sempre tem um que tem um probleminha na família, ou com droga, ou preso. Eu tenho isso na família, os pais não têm tanto controle (A9).

Nota-se que há divergências entre as respondentes, tendo em vista que algumas apontam como vantagem a união de uma família grande, e outras acreditam que, quanto mais pessoas envolvidas, favorece-se a desunião. É compreensível o destaque para os conflitos, tendo em vista que quanto maior o número de pessoas, maiores serão as diferenças de opiniões e personalidades, e deste modo é necessário que todos estejam conscientes quanto ao respeito à individualidade de cada um, evitando tais atritos.

É impor tante salientar também a questão da vulnerabilidade aos problemas em uma família com maior número de membros, não generalizando, pois em famílias menores também surgem atritos. Ressalta-se aqui que, quanto maior o número de filhos, menos atenção individualizada os pais podem lhes oferecer, o que pode levar esses filhos a tomarem decisões por si só e envolverem-se ilicitamente.

A família, em seu processo de viver, constrói um mundo de símbolos, significados, valores, saberes e práticas, parte proveniente da família de origem, e parte desenvolvida pelas interações no cotidiano. Sendo assim, cada família possui um mundo de significados próprio, apesar de que muito disso tenha relação com o contexto social a que está inserida.19

O estudo também apontou sobre vantagens e desvantagens em viver em um núcleo familiar pequeno. As vantagens prevaleceram pela questão financeira, tendo em vista que com menor quantidade de pessoas pode-se oferecer melhores condições de vida, melhor sustento aos familiares. Outro ponto importante evidenciado nas falas é que uma família pequena favorece maior atenção entre os membros, mais individualidade e redução dos atritos familiares:

É que não tem muita despesa, e é bom assim também, pois tem como você dar carinho pro outro, não deixar um de lado, dar mais atenção, e daí tem menos fofoca (A9).

A condição financeira é fortemente emanada no conteúdo das falas. Considerando que as adolescentes pesquisadas pertencem à classe média baixa, as condições de sobrevivência é uma preocupação constante, especialmente pelo fato de que são sustentadas principalmente por seus companheiros. Também fica evidenciado que, em uma família menor, é possível haver uma melhor relação entre os membros, tendo em vista o olhar mais individualizado que cada um pode ter para com o outro, evitando-se maiores conflitos.

No presente estudo, evidencia-se que nem sempre as adolescentes demonstraram coerência entre o que elas esperam em relação à constituição de sua família e a realidade vivenciada, pois mesmo ainda sendo adolescentes já estavam vivenciando uma situação de reincidência gestacional.

A gravidez na adolescência de fato ocorre com maior frequência em grupos sociais mais pobres, sendo que as consequências de uma gestação nessa fase da vida podem ser mais negativas para as adolescentes que possuem pouco acesso a bens materiais e imateriais.8

Em relação às desvantagens em ter uma família pequena, houve pouca referência, prevalecendo que em uma família pequena a solidão é mais frequente, há mais tristeza e menos pessoas para poder recorrer quando necessitar de ajuda. Apesar disso, pode-se perceber nas falas a preferência de várias adolescentes por ter uma família pequena:

[...] a gente se sente como um vazio dentro de casa (A4); Eu não acho desvantagem, pra mim o ideal é uma família pequena, a minha já tá bom com três filhos, tá ótimo (A9).

De maneira geral, a família pequena é encarada como a melhor opção. Apesar de essas adolescentes terem iniciado a formação de suas famílias precocemente, elas têm a pretensão de ter uma família pequena, com um número de filhos reduzido. As desvantagens de viver em uma família pequena recebem pouca ênfase, e mesmo as adolescentes que convivem em um ambiente com muitas pessoas apontam vantagens para uma família menor, apesar de não desconsiderarem as vantagens do convício em uma família grande.

Percebe-se que a família de hoje já não é a família de ontem. Prova disso é que as diversas mudanças que aconteceram na sociedade nas últimas décadas tem como resultado nos tempos hodiernos uma profunda modificação nas estruturas familiares, monoparentais e a um decréscimo do número de filhos.1

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A despeito de algumas limitações do presente estudo, como, por exemplo, o número reduzido de par ticipantes, aliado ao fato de estas apresentarem dificuldades de se expressarem, especialmente porque em alguns casos o responsável permaneceu no mesmo ambiente durante a entrevista, consideramos que o perfil das participantes representa de forma satisfatória o das adolescentes com reincidência gestacional em nosso meio, pois suas características nos remete à presença acentuada de alguns fatores que podem estar associados a este evento, como: abandono escolar, ausência de ocupação remunerada, baixa renda familiar, residir com o parceiro e ter sofrido abor to anterior.

O entendimento sobre família destas adolescentes focaliza-se no modelo nuclear, sendo que os membros mais próximos, como pais e irmãos, são as pessoas de maior confiança para auxiliar na resolutividade de problemas.

A compreensão sobre família é reflexo do que o indivíduo experienciou no seu próprio núcleo familiar. O conteúdo das falas revelou que há adolescentes que não têm um entendimento sobre família e as que relataram o significado, pautaram principalmente a questão da união e do respeito.

As vantagens em ter uma família grande se sobressaíram em relação às desvantagens, sendo apontado, principalmente, o fato de haver mais pessoas para ajudar uns aos outros. Em contrapar tida, nas vantagens relacionadas a ter família pequena prevaleceram a questão financeira, ou seja, as adolescentes têm consciência de que mesmo com outros membros da família ajudando no cuidado a seus filhos, elas precisam de uma condição econômica sustentável para amparar sua prole e esta questão está ligada também ao fato de não planejarem ter mais filhos.

Diante do exposto, percebe-se que as adolescentes, apesar de iniciarem suas famílias precocemente, e principalmente por serem reincidentes na gestação, reconhecem que suas atuais condições não lhes permitem que tenham muitos filhos, e por isso almejam uma família pequena, com união e respeito.

O presente estudo traz apontamentos sobre a opinião das adolescentes com reincidência gestacional sobre família, o que poderá servir para nortear as intervenções de enfermagem à adolescente grávida, especialmente no que tange aos programas de cunho educativo, pois, compreendendo o que as adolescentes pensam sobre família e sabendo da importância da família neste contexto, pode-se melhor adequar as atividades oferecidas pelo serviço, com vistas à busca da redução da gravidez na adolescência, em especial da reincidência gestacional.

 

REFERÊNCIAS

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Recebido em 12/06/2010
Reapresentado em 20/11/2010
Aprovado em 10/02/2011

 

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