Volume 15, Número 2, Abr/Jun - 2011
PESQUISA
Obesidade infantil ontem e hoje: importância da avaliação antropométrica pelo enfermeiro
Infant obesity in the past and nowadays: the importance of anthropometric assessment by nurses
Obesidad infantil ayer y hoy: la importancia de la evaluación antropométrica por el enfermero
Leila Maria Marchi-AlvesI; Cíntia Megumi YaguiII; Cíntia Simões RodriguesIII; Alessandra MazzoIV; Elaine Maria Leite RangelV; Fernanda Berchelli GirãoVI
IEnfermeira. Doutor em Enfermagem Fundamental. Professor Doutor junto ao Departamento de Enfermagem Geral e Especializada da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. São Paulo/SP. Brasil. E-mail: lmarchi@eerp.usp.br
IIAcadêmica do Curso de Licenciatura em Enfermagem da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Bolsista do Programa PIBIC-Santander. São Paulo-SP. Brasil. E-mail: cintiayagui@yahoo.com.br
IIIAcadêmica do Curso de Licenciatura em Enfermagem da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. São Paulo/SP, bolsista do Programa Ensinar com Pesquisa - Pró-Reitoria de Graduação da USP. São Paulo - SP. Brasil. E-mail: cíntia.rodrigues@usp.br
IVEnfermeira. Doutor em Enfermagem Fundamental. Professor Doutor junto ao Departamento de Enfermagem Geral e Especializada da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. São Paulo-SP. Brasil. E-mail: amazzo@eerp.usp.br
VEnfermeira. Doutor em Enfermagem Fundamental. Professor Doutor junto ao Departamento de Enfermagem Geral e Especializada da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. São Paulo-SP. Brasil. E-mail: elrangel@eerp.usp.br
VIEnfermeira, Bolsista Apoio Técnico CNPq- 1 A. Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. São Paulo-SP. Brasil. E-mail: fernandaberchelli@hotmail.com
RESUMO
Estudos comprovam que a incidência de doenças crônicas em adultos está diretamente relacionada à obesidade na infância. Esta investigação teve como objetivo determinar a classificação nutricional infantil e comparar os índices de sobrepeso e obesidade de crianças atendidas em uma Unidade de Saúde de um município do interior paulista nos anos de 1983/1984 e 2003/2004. Os dados relacionados ao crescimento e desenvolvimento infantil foram obtidos dos prontuários. Para classificação do estado nutricional foi adotado o percentil. Para a análise descritiva, foram consideradas as frequências absolutas e percentuais. Os dados foram analisados utilizando-se teste t para comparações das médias. Foi observado maior risco de sobrepeso e diferença significativa no peso de crianças nascidas nos anos de 2003/2004 comparado aos nascidos em 1983/1984. A avaliação antropométrica realizada pelo enfermeiro é de fundamental importância no diagnóstico nutricional infantil para a identificação acurada das anormalidades e definição de estratégias de atuação eficazes.
Palavras-chave: Obesidade. Antropometria. Enfermagem
ABSTRACT
Studies have shown relation between the incidence of chronic diseases in adults and obesity in infancy. This research aimed to determine and compare the indexes of overweight and infant obesity in the years 1983/1984 and 2003/2004. Secondary data related to child growth and development were collected through consults in patient files, of users who had been under follow-up at the Pediatrics Service in the Unit located in the state of São Paulo, Brazil. The percentile was adopted for classification of the nutritional status. Absolute and percentage frequencies were considered for descriptive analysis. Data analysis was done using t test for comparisons of means. It was observed greater risk of overweight and significant difference in the weight of children born in 2003/2004 compared to users born in 1983/1984. Anthropometric assessment carried out by nurses has a fundamental importance in child nutritional diagnosis, to accurately identify abnormalities and define efficient action strategies.
Keywords: Obesity. Anthropometry. Nursing
RESUMEN
Estudios comprueban relación directa entre la incidencia de enfermedades crónicas en adultos y obesidad en la infancia. Esta investigación objetivó determinar y comparar los índices de sobrepeso y obesidad infantil de niños atendidos en el servicio de Pediatría de una ciudad del estado de São Paulo, Brasil, en los años de 1983/1984 y 2003/2004. Fueron recolectados datos relacionados al crecimiento y desarrollo infantil de los usuarios a través de los prontuarios. El percentil fue adoptado para clasificación del estado nutricional. Las frecuencias absolutas y porcentuales fueron consideradas para el análisis descriptivo. El teste t fue utilizado para comparaciones de medias. Fue observado mayor riesgo de sobrepeso y diferencia significativa en el peso de niños nacidos en los años 2003/2004 comparado a los nascidos en 1983/1984. La evaluación antropométrica realizada por el enfermero es fundamental en el diagnóstico nutricional infantil para identificación exacta de las anormalidades y definición de estrategias de actuación eficaces.
Palabras clave: Obesidad. Antropometría. Enfermería
INTRODUÇÃO
A obesidade é um grande problema de saúde pública em todos os países e em todas as camadas sociais. O aumento da obesidade observado nos últimos anos tem assumido caráter epidêmico. O momento é de transição epidemiológica, de um cenário de desnutrição para um quadro de sobrepeso e obesidade. Em 2004, pela primeira vez, o número de pessoas com peso acima do recomendado ultrapassou o número de desnutridos em nosso planeta, atingindo cerca de um bilhão de adultos com excesso de peso, sendo 300 milhões clinicamente obesos.1
No Brasil, a exemplo das estatísticas mundiais, dados indicam que 40% da população adulta apresentam excesso de peso, constatando-se aumento da prevalência da obesidade em praticamente todos os estratos de idade.2 Em crianças e adolescentes, o mesmo fenômeno vem sendo observado nas últimas décadas, tanto nos países desenvolvidos como naqueles em desenvolvimento, tornando a obesidade uma grande epidemia mundial também nestas faixas etárias e, consequentemente, agravando ainda mais o sistema público de saúde.3
Neste contexto, o acompanhamento do desenvolvimento infantil é indispensável na assistência de enfermagem, para que a detecção e tratamento da obesidade sejam executados de forma precoce e eficaz.
Deste modo, a mensuração rotineira e obrigatória dos valores de peso e altura pode ser o primeiro passo para a incorporação de um indicador clínico isento de julgamentos e indispensável ao gerenciamento do estado de saúde do paciente. Ao se revelar uma estratégia fundamental para o diagnóstico e manejo da obesidade, a mensuração do peso deve ser convencionalmente estabelecida e a utilização prática dos índices antropométricos precisa ser conjugada como prática habitual nos atendimentos de saúde.
Assim, elaboramos o presente artigo com o intuito de demonstrar que a avaliação antropométrica realizada no cotidiano das ações de enfermagem possibilita a detecção de desvios nutricionais infantis. Além dos benefícios individuais à saúde do paciente, a mensuração e registro acurado de peso e altura colaboram para o acompanhamento do perfil epidemiológico de uma população, que determinará alterações práticas no manejo da obesidade na infância.
REVISÃO LITERATURA
Para a busca dos artigos, foram utilizadas as bases eletrônicas de dados Medline e Lilacs (BDEnf.) e como unitermos: obesidade, antropometria, enfermagem. As publicações acessíveis nas bases de dados foram obtidas por meio eletrônico. Nos casos de periódicos não indexados em base eletrônica de dados, ou indexados de maneira em que a busca não on-line não foi praticável, realizou-se a busca manual dos estudos.
Como critérios de inclusão foram selecionados artigos de revisão que retrataram procedimentos, intervenções ou diretrizes relacionadas à mensuração antropométrica de crianças, realizada pelo enfermeiro, publicados em inglês, espanhol e português, sem definição de período e disponibilizados na íntegra, por meio eletrônico ou impresso. Embora as medidas antropométricas mais utilizadas como preditoras da adiposidade sejam massa corporal, estatura, dobras cutâneas e circunferências, neste estudo consideramos as publicações que retrataram a medida de peso e altura, únicas variáveis disponibilizadas em todos os prontuários investigados.
Constatou-se que a obesidade pode ser conceituada como uma doença de origem multifatorial, em que ocorre a interação de aspectos genéticos, ambientais além de influências socioeconômicas e alterações endócrinas e metabólicas. Trata-se de uma condição complexa que sobrecarrega o sistema de saúde, interfere em recursos econômicos e traz consequências clínicas, psicológicas e sociais de grande envergadura. Descrever suas causas não é tarefa simples, pois já está bem estabelecido na literatura que o aumento do peso corporal e também do excesso de adiposidade é um processo bastante complexo em que ocorre interação de inúmeros fatores.3
Mas, nas faixas de idade mais precoces, o número de obesos tem crescido assustadoramente principalmente devido a fatores relacionados ao estilo de vida, lembrando que as causas endócrinas responsáveis pelo problema caracterizam-se em menos de 10% dos casos. Apesar da influência genética no ganho de peso corporal, os fatores ambientais, como estilo de vida sedentário e hábitos alimentares inadequados, são determinantes neste processo.4
Em 30 anos, as mudanças ambientais e sociais proporcionaram às crianças hábitos de ingestão calórica superiores ao gasto energético. Entre as mudanças que afetam o balanço energético e proporcionam ganho de peso infantil, podem ser citados o consumo excessivo de alimentos e bebidas calóricas nas escolas, o excesso de dedicação dos pais ao trabalho levando a maior oferta de alimentos semiprontos no ambiente familiar, o estilo de vida contemporâneo, como o uso de veículos para chegar à escola e o tempo gasto em frente ao computador e televisão.5 Mesmo os efeitos da predisposição genética podem ser exacerbados ou minimizados mediante a exposição a ambientes obesogênicos.6
A obesidade na infância e adolescência tem como importância a possibilidade de sua manutenção na vida adulta. O risco de uma criança obesa permanecer nesta condição na vida adulta é de 25%, aumentando para 80% quando o excesso de peso se instala durante a adolescência.7 Calcula-se que no futuro haja mais adultos que, além de obesos, vão sofrer de patologias que podem ter raízes na infância, como a doença cardiovascular do adulto. Na adolescência, a morbidade já é frequente, verificando-se a concomitância dos fatores de risco como as dislipidemias, o aumento da pressão arterial e a resistência insulínica, que levam seguramente a que no adulto a situação seja de elevação dos riscos e dos índices de mortalidade, por associação com a doença aterosclerótica, hipertensão e alterações metabólicas.8
Adultos que foram obesos quando crianças apresentam maiores índices de obesidade e de suas sequelas, como aumento da espessura vascular, hipertrofia de ventrículo esquerdo e aterosclerose. O acompanhamento de crianças obesas mostra que existe aumento do índice de mortalidade por causas cardiovasculares e maior risco de infarto. O sobrepeso também é considerado um importante fator de risco cardiovascular, e caso não seja controlado, posteriormente pode provocar aumentos da adiposidade tanto em adultos quanto em crianças.9
Este incremento na prevalência de sobrepeso e obesidade infantil tem preocupado os profissionais e pesquisadores da área da saúde, pois, conforme discutido, além de ser um grande preditor da obesidade na vida adulta, o excesso de peso corporal na infância está associado a doenças crônico-degenerativas.10
Sendo a antropometria o ramo das ciências humanas que lida com as medidas corporais relacionadas ao tamanho, conformação e constituição física, o emprego de técnicas antropométricas vem sendo amplamente utilizado para avaliação nutricional de indivíduos e de grupos populacionais, pois tem possibilitado detectar a ocorrência crescente de agravos nutricionais. Além disso, trata-se de uma técnica de baixo custo, não invasiva, universalmente aplicável e com boa aceitação da população, fornecendo estimativas da prevalência e gravidade das alterações nutricionais.11
OBJETIVOS
Determinar a classificação nutricional infantil e comparar os índices de sobrepeso e obesidade de crianças atendidas em uma Unidade de Saúde de um município do interior paulista nos anos de 1983/1984 e 2003/2004.
METODOLOGIA
Estudo retrospectivo, de natureza descritiva, realizado em uma Unidade Mista de Saúde de um município do interior do estado de São Paulo, no período de setembro de 2008 a janeiro de 2009.
O público-alvo foi selecionado a par tir de um levantamento dos indivíduos nascidos nos anos de 1983 e 1984 e 2003 e 2004, que estiveram em acompanhamento no serviço de Pediatria da Unidade Mista de Saúde do município do estudo, durante a primeira infância. A escolha dos anos mencionados para a composição da amostra decorreu da avaliação dos registros de enfermagem em prontuários, onde foi constatado que em 1983 e 1984 o Programa de Atenção ao Crescimento e Desenvolvimento Infantil estava instalado e era cumprido com rigor por profissionais de saúde na Unidade do estudo. A amostra posterior, relativa aos anos de 2003 e
2004, derivou do período de 20 anos transcorridos desde a primeira amostra, quando a literatura1,8 já descreve possíveis alterações de perfil epidemiológico e sociodemográfico da população.
O levantamento dos prontuários foi realizado através do Sistema de Cadastramento de Usuários da Unidade. Por meio de consultas aos prontuários, foram coletados os dados secundários relacionados ao crescimento e desenvolvimento infantil, sendo selecionadas as crianças que tiveram ao menos um registro de peso nas idades de 24 a 60 meses, nos períodos especificados.
Para classificação do estado nutricional, utilizamos o percentil, indicador preconizado pelo Ministério da Saúde e pela Norma Técnica da Vigilância Alimentar e Nutricional - SISVAN.12 Para a determinação da obesidade infantil, foi utilizado o índice peso (kg)/idade (meses) (P/I). As medidas de peso são avaliadas segundo métodos preconizados, e em seguida tais valores são identificados em gráficos de peso por idade, segundo o sexo. Nesses gráficos são apresentados os percentis do índice de peso por idade e a intersecção da medida de peso da criança com sua idade possibilita a identificação da faixa de percentil que se encontra o indivíduo, devendo ser observados os pontos de corte para sua interpretação.
A classificação adotada foi: P/I < percentil 0,1: criança com peso muito baixo para sua idade; p/i e" percentil 0,1 < percentil 3: criança com baixo peso para sua idade; P/I e" percentil 3 e < percentil 10: criança com risco nutricional; p/i e" percentil 10 e < percentil 97: criança com peso adequado para sua idade ou eutrófico; P/I e" percentil 97: criança com risco de sobrepeso.
Para a análise descritiva, foram consideradas as frequências absolutas e percentuais. Os dados foram analisados utilizando-se teste t para comparações múltiplas das médias. Os resultados foram expressos como médias ± erros padrões das médias (EPM) e as diferenças consideradas estatisticamente significativas para p<0,05.
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, em 18 de junho de 2008, sob protocolo nº 920/2008, atendendo aos aspectos éticos de pesquisa com seres humanos da resolução no 196/96 do Conselho Nacional de Saúde.
RESULTADOS
Foram avaliados 193 prontuários que representam a totalidade dos atendimentos registrados de acordo com os critérios de inclusão. Encontramos 93 prontuários pertencentes a usuários nascidos em 1983 e 1984 e 100 prontuários de participantes nascidos em 2003 e 2004.
Os dados relacionados à idade, percentil e diagnóstico nutricional, nos diferentes períodos, estão demonstrados na Tabela 1.
Dentro do período especificado, na faixa etária dos 24 aos 36 meses, observamos o maior número de registros de peso das crianças atendidas, apresentados nas Figuras 1 e 2.
A Figura 1 mostra o Peso (kg) de indivíduos na faixa etária de 24 a 30 meses, nascidos nos diferentes períodos. Encontramos diferença significativa no peso de crianças nascidas nos anos de 2003 e 2004 (13,83±0,34 kg), comparado ao peso de nascidos em 1983 e 1984 (11,85±0,34 kg).
A Figura 2 mostra o Peso (kg) de indivíduos na faixa etária de 30 a 36 meses, nascidos nos diferentes períodos. Encontramos diferença significativa no peso de crianças nascidas nos anos de 2003 e 2004 (14,87±0,36 kg), comparado ao peso de nascidos em 1983 e 1984 (12,89±0,27 kg).
DISCUSSÃO
Os resultados obtidos mostram o aumento da obesidade infantil nas últimas décadas, a exemplo do que tem sido apontado e discutido na literatura, o que sugere a adoção de medidas emergenciais e preventivas para o combate da doença.
Para determinação dos índices nutricionais em crianças e acompanhamento do perfil epidemiológico populacional, ressaltamos a importância da avaliação antropométrica pelo enfermeiro, bem como a necessidade de mensurações precisas e rotineiras das medidas corporais na infância. Na busca de melhores caminhos que contribuam para a efetividade das intervenções de enfermagem, enfatiza-se a relevância da formação profissional para a prática do exame físico da criança e do adulto.
Assim, torna-se imprescindível que o enfermeiro desenvolva continuamente, além do conhecimento de outras áreas, as técnicas propedêuticas necessárias para a interpretação correta dos achados relativos ao crescimento e desenvolvimento.
O antropometrista precisa ter alto senso da importância de um ambiente adequado para a obtenção das medidas; das características dos equipamentos utilizados; da necessidade do uso da técnica correta de coleta das medidas antropométricas e da manutenção dos equipamentos; de responsabilidade, concentração e atenção durante a realização dos procedimentos, para que as medidas obtidas sejam confiáveis e precisas.12 Assim, o enfermeiro ou profissional que realiza o procedimento deve considerar a possibilidade de variações nas medidas antropométricas decorrentes do descuido com a padronização, com a técnica de medição e com a seleção e aferição dos instrumentos de mensuração.
Para garantir a precisão dessas medidas é indispensável o treinamento da equipe de coleta de dados e a determinação de índices que possam averiguar a confiabilidade das medidas antropométricas realizadas pelos avaliadores.13
Em estudo recente, enfermeiros destacaram a relevância da epidemia de obesidade observada nas décadas contemporâneas, recomendando a adoção do índice de massa corporal (IMC) como um sinal vital. Ressaltaram o valor da medida do peso e estatura corpórea na identificação do estado de saúde do indivíduo e na adoção de medidas preventivas e terapêuticas precoces para o combate ao sobrepeso e obesidade. Foi sugerida a utilização de protocolos de intervenção capazes de entusiasmar os profissionais de saúde para a avaliação rotineira do IMC, tornando-os cientes do impacto desta medida no manejo de patologias associadas ao ganho ponderal.14 Sob o mesmo enfoque, outra investigação conduzida na área de enfermagem detectou que a utilização de tabelas multicoloridas, contendo valores e classificação do IMC, interfere de maneira significativa na quantificação dos registros de peso e estatura em prontuários de pacientes. As tabelas foram disponibilizadas em locais estratégicos nas salas de consulta, e seu emprego otimizou a comunicação do diagnóstico de obesidade entre os profissionais de saúde.15 Esta simples e interessante estratégia de intervenção poderia ser aplicada em nosso meio, pois mostrou-se uma operação de baixo custo e grande efetividade na documentação e difusão de informações clínicas e diagnósticas.
Uma vez detectado o problema, ações para sanar os transtornos ocasionados pelo excesso de peso nas crianças devem ser iniciadas precocemente, já que desvios nutricionais podem aumentar a incidência de doenças crônicas nas diferentes fases da vida. Já foi amplamente divulgado que a prevalência de sobrepeso e obesidade em adultos e adolescentes também vem aumentando nas cinco macrorregiões do Brasil e em cada estado separadamente. Autores argumentam que esse aumento, observado ao longo de vinte anos de estudos, deve ser considerado como um evento sentinela a exigir ações concretas para a prevenção de doenças crônicas em adultos jovens, em futuro próximo, em nível nacional.16
O tratamento da obesidade deve incluir alterações gerais na postura familiar e da criança, em relação a hábitos alimentares, tipo de vida, atividade física e correção alimentar. Isto deve levar em conta a potencialidade da criança, sua idade, a participação da família e de uma equipe multidisciplinar integrada, que modifique todo seu compor tamento obesogênico.17
Cabe ao enfermeiro envolver a comunidade nas ações de promoção e recuperação da saúde, através de orientação alimentar saudável, prevenção do ganho de peso, monitoramento de dados antropométricos durante as consultas de enfermagem, avaliação e encaminhamento dos casos de risco, além de participação e coordenação de atividades de educação permanente no âmbito da saúde e nutrição.
No entanto, como os programas de intervenção ainda têm pouco consenso, a prevenção continua sendo o melhor caminho. Os esforços para a prevenção da obesidade na infância são provavelmente mais eficazes quando endereçados simultaneamente aos alvos primário e secundário, com metas apropriadamente diferentes. A prevenção primária objetiva evitar que as crianças em risco adquiram sobrepeso, e a prevenção secundária visa impedir a gravidade crescente da obesidade e reduzir a comorbidade entre crianças com sobrepeso e obesidade.18
Para a detecção dos casos de crianças em risco e intervenção nutricional precoce, o contato regular com a equipe de saúde em todos os níveis de atenção colabora para as ações de prevenção e promoção da saúde e tratamento de complicações relativas a estas doenças. Uma vez que o gerenciamento das condições crônicas requer mudanças no estilo de vida e no comportamento diário, o papel central e a responsabilidade do paciente devem ser enfatizados no sistema de saúde.
É importante destacar que o presente estudo mostra algumas limitações que devem ser consideradas em sua aplicação. Em primeiro lugar, o uso de percentis para análise de crescimento e desenvolvimento de crianças, apesar de comum no Brasil, dificulta a comparação com dados internacionais que comumente utilizam outros escores. Além disso, é necessário ressaltar que os dados aqui apresentados foram obtidos de registros no prontuário em períodos diferentes, de forma que os pesquisadores não foram os responsáveis pela mensuração das medidas corporais estudadas e os instrumentos utilizados para as medidas de peso foram diversos.
CONCLUSÕES
Ao determinar a classificação nutricional infantil e comparar os índices de sobrepeso e obesidade de crianças nascidas em diferentes décadas, os achados deste estudo apontam que os nascidos em 2003/2004 apresentam peso significativamente maior quando comparados aos nascidos em 1983/1984, em todas as faixas etárias avaliadas.
O aumento global da obesidade infantil, há muito enfatizado pela Organização Mundial da Saúde (OMS),1 reforça a premissa de que o profissional que trabalha com antropometria deve se destacar não somente por medir perfeitamente, mas também por saber interpretar os dados obtidos visando uma melhor prescrição de condutas ou diagnóstico correto. Um acompanhamento longitudinal permite observar as alterações de crescimento e desenvolvimento ao longo dos anos, indicando assim uma possível necessidade de intervenções diferenciadas nos diversos momentos.
A enfermagem brasileira necessita de investigações mais acuradas para avaliar a progressão e o estágio do comprometimento nutricional, com vistas a identificar as respostas humanas e fatores relacionados ao crescimento e desenvolvimento de determinada população. Os estudos devem envolver intervenções direcionadas especificamente à melhoria dos indicadores nutricionais e aprofundar os conhecimentos sobre antropometria, estado nutricional e composição corporal de crianças. Também são imprescindíveis investigações que estabeleçam a associação destas variáveis àquelas relacionadas com a fisiologia e o metabolismo, para avaliação efetiva de riscos cardiovasculares e outros distúrbios associados à obesidade infantil.
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Recebido em 12/06/2010
Reapresentado em 20/11/2010
Aprovado em 10/02/2011